coisa em si

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: mccastro

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Mas ao mesmo tempo que Kant remata e aperfeiçoa o pensamento idealista, introduz nesse pensamento alguns germes que vamos ver desenvolver-se e dilatar-se na filosofia que sucede a Kant. Esses germes são principalmente dois: primeiro, essa "coisa em si" que Kant elimina na relação de conhecimento, essa coisa "em si", se olhamos bem o que significa, verificamos que seu sentido é o de satisfazer o afã de unidade, o afã de incondicionalidade que o homem, que a razão humana sente. Se, com efeito, o ato de conhecer consiste em pôr uma relação, uma correlação entre o sujeito pensante’ e o objeto pensado, resulta que todo ato autêntico de conhecer está irremediavelmente condenado a estar submetido a condições; quer dizer que todo ato do conhecimento, conhece, com efeito, uma relação; mas essa relação, visto que o é, visto que é relação, levanta imediatamente novos problemas que se resolvem imediatamente também mediante o estabelecimento de uma nova relação; e nisto de atar relações, de determinar causas e efeitos, que por sua vez são causas de outros efeitos e que por sua vez são efeitos de outras causas; nessa determinação de uma rede de relações, não descansa o afã cognoscitivo do homem. E por que não descansa? Porque não se encontrará satisfeito senão quando consiga um objeto pensado, um objeto que, logo depois de conhecido, não lhe levante novos problemas, antes tenha em si a razão Integral de seu próprio ser e a essência de tudo quanto dele se derive. Este afã de incondicionalidade ou afã de "absoluto" não se satisfaz com a ciência positiva, a qual não nos dá mais do que respostas parciais, fragmentárias ou relativas, enquanto que o que almejamos é um conhecimento absoluto, esta "coisa em si", que ingenuamente acreditam captar os realistas por meio do conceito aplicado à substância.

Mas esse afã de "absoluto", embora não possa ser satisfeito pela progressividade relativizante do conhecimento humano, representa, todavia, uma necessidade do conhecimento. O conhecimento aspira a ele, e então esse absoluto incondicionado se torna para Kant o ideal do conhecimento, o término ao qual propende o conhecimento, para o qual se dirige, ou como dizia também Kant: o ideal regulador do conhecimento, que imprime ao conhecimento um movimento sempre para diante. Esse ideal do conhecimento, o conhecimento não pode alcançá-lo. Acontece que cada vez que o homem aumenta seu conhecimento e acredita que vai chegar ao conhecimento absoluto, defronta-se com novos problemas e não chega nunca a esse absoluto. Porém esse absoluto, como um ideal ao qual se aspira, é o que dá coluna vertebral e estrutura formal a todo o ato contínuo do conhecimento. Esta ideia novíssima na filosofia (que poderíamos expressar dizendo que o absoluto em Kant deixa de ser atual para tornar-se potencial) é a que muda por completo a face do conhecimento científico humano, porque então o conhecimento científico resulta agora não , um ato utópico, mas uma série escalonada e concatenada de atos susceptíveis de completar-se uns aos outros e, por conseguinte, susceptíveis de progredir, de progresso. Esta primeira ideia é, pois, em Kant, fundamental, muito importante.

A segunda ideia é que a consideração desse mesmo absoluto, desse mesmo incondicionado (que o conhecimento aspira a captar e que não pode captar, mas cuja aspiração constitui o progresso do conhecimento) esse mesmo absoluto aparece, de outro ponto de vista, como a condição da possibilidade da consciência moral. A consciência moral, que é um fato, não poderia ser aquilo que é se não postulasse esse absoluto, se não postulasse a liberdade absoluta, a imortalidade da alma e a existência de Deus. E essa primazia da razão prática ou da consciência moral é a segunda das características do sistema kantiano, que o diferencia dos seus predecessores, e toda a filosofia que vai suceder a Kant parte precisamente dessas duas características de Kant. A filosofia que sucede a Kant toma seu ponto de partida desse absoluto, que para Kant é o ideal do conhecimento, de uma parte, e, de outra, o conjunto das condições a priori da possibilidade da consciência moral. [Morente]

Submitted on:  Thu, 29-Mar-2012, 18:16