coisas

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

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2. O Diabo também iludiu os homens, levando-os a crer que as «coisas» estão a seu dispor, a seu serviço, quando a realidade nos diz que somos nós os serviçais, os que estamos à disposição delas. Aqui, somos os servos, não os usuários. E se não nos apercebemos da nossa servidão, é porque só incluímos na categoria de «coisas» os objetos fabricados, sem nos darmos conta de que a fabricação envolve todo o «coisificado», como, por exemplo relevante, palavras que designam «coisas», conceitos que as definem e, portanto, mais inexoravelmente as isolam, ideias que lhes vincam o perfil inalterável. O discorrer do intelecto deixa as «coisas» serem o que são e ficarem como estão. Discursos em que não se dissolvem os rígidos contornos das «coisas», decerto não consentem que elas se interseccionem, se entrecruzem, se fundam e se confundam. Poderá, quando muito, fazer que diminua a distância que as separa; mas, por diminuta que seja a distância, nunca ela abolirá o distanciamento necessário para que as «coisas» permaneçam «coisas». O intelecto lógico-discursivo nunca trará duas «coisas» à proximidade que faz de uma o lado de fora ou o lado de dentro de outra. Não é o meio pelo qual as «coisas» se adaptem e harmonizem. No domínio «coisístico», não há coincidência nem sequer oposição. Os opostos, como tão bem nos ensinou Heráclito, são tais que em qualquer «posto» está o «oposto» — o que, decerto, não acontece com algo que «coisa» seja. E não há [90] amor. Do mundo das coisas, o Eros desertou. As «coisas» residem, todas elas, num deserto da suprema afeição; «coisas» não se afeiçoam, nenhuma quer tomar a feição de outra, de contrário, deixariam de o ser. No que o Erótico insiste, as «coisas» resistem. Enquanto forem «coisas», sempre dois entes que se amem ou fulgem amar-se permanecerão separados. Uma «coisa» volta-se para si mesma, ou nunca o foi. E para dois «voltar-se para si mesmo» não há possibilidade de êxtase. E onde o êxtase não tem lugar, lugar não tem o amor. Nas «coisas» se apartam Eros e Sexo. O sexo é compatível com o distanciamento entre «coisas», mas não o Eros. Eroticamente ligados, dois entes vivem como um só; ambos se esqueceram de referir-se a si mesmos; referem-se um ao outro, na unidade que lhes não consente falarem de «ti» e de «mim». O Diabo nunca amou, não ama, não amará; nem o «diabólico», porque lhe está vedado que seu limes alguma vez se volva em limen. «Diabólico» é o que jamais ultrapassou os limites da «coisa», que não pode deixar de ser o que parece, dentro de seus limites. [eudoroMito:90-91]

Submitted on:  Tue, 14-Dec-2021, 23:43