ambiente

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

ambiente

(in. Environment; fr. Milieu; al. Mittel; it. Ambiente).

No significado corrente, um complexo de relações entre mundo natural e ser vivo, que influem na vida e no comportamento do mesmo ser vivo. Nesse sentido, essa palavra (milieu ambiant) foi provavelmente introduzida pelo biólogo Geoffroy St.-Hilaire (Études progressives d’un naturaliste, 1835), sendo retomada e empregada por Comte (Cours de philosophie positive, liç. 40, § 13 ss.). Observações sobre a influência das condições físicas, especialmente do clima, sobre a vida dos animais, em geral, e do homem em particular, e até sobre a vida política do homem, encontram-se frequentemente nos escritores antigos (cf., p. ex., Aristóteles, Pol., VII, 4, 7), sendo depois repetidas de várias formas. No mundo moderno, deve-se a Montesquieu (Livro XIV de l’esprit des lois, 1648) o princípio, por ele sistematicamente desenvolvido, de que "o caráter do espírito e as paixões do coração são extremamente diferentes nos diversos climas" e por isso "as leis devem ser relativas à diferença dessas paixões e à diferença desses caracteres". O positivismo oitocentista atribuiu ao ambiente físico e biológico valor de causa determinante de todos os fenômenos propriamente humanos, da literatura à política. A obra literária e filosófica de Taine contribuiu para a difusão dessa tese, segundo a qual o ambiente físico, biológico e social determina necessariamente todos os produtos e valores humanos, bastando para explicá-los. Em Filosofia da arte (1865), Taine afirmou que a obra de arte é produto necessário do ambiente e que, por isso, se pode inferir dele não só o desenvolvimento das formas gerais da imaginação humana, como também a explicação para as variações de estilos, as diferenças de escolas nacionais, e até mesmo os caracteres gerais das obras individuais. No mundo contemporâneo, a noção de ambiente continuou sendo fundamental nas ciências biológicas, antropológicas e sociológicas, mas foi se transformando gradualmente, já que a relação entre o ambiente e o organismo, ou entre o homem e o grupo social deixou de ser entendida segundo um esquema mecânico, isto é, como uma relação de determinismo causal absoluto. A ação seletiva que o ser, sobre o qual o ambiente age, exerce em face do próprio ambiente foi amplamente sublinhada. "O ambiente de um organismo", disse Goldstein, "não é algo acabado, mas vai-se formando continuamente, à medida que o organismo vive e age. Poder-se-ia dizer que o ambiente é extraído do mundo pela existência do organismo, ou, mais objetivamente, que um organismo não pode existir se não conseguir encontrar no mundo, talhar nele, para si, um ambiente adequado, contanto, naturalmente, que o mundo lhe ofereça essa possibilidade" (Aufbau des Organismus, 1934, p. 58). Analogamente, a propósito do ambiente histórico-social, Toynbee disse: "O ambiente total, geográfico e social, em que está compreendido tanto o elemento humano quanto o não-humano, não pode ser considerado um fator positivo a partir do qual as civilizações foram geradas. É claro que uma combinação virtualmente idêntica dos dois elementos do ambiente pode originar uma civilização num caso e deixar de originá-la em outro, sem que seja possível, de nossa parte, explicar essa diferença absoluta em seu surgimento com alguma diferença substancial nas circunstâncias, por mais exatos que tenham sido os termos da comparação" (A Study of History, I, p. 269). Isto, obviamente, não significa que o ambiente não aja de nenhum modo sobre a vida e sobre as criações dos homens, mas apenas que é mais condição do que causa. Os filósofos sublinharam esse novo significado de ambiente. Mead disse: "O ambiente é uma seleção dependente da forma viva" (Phil. of the Act, p. 164). Por outro lado, Heidegger pretendeu analisar o ser no mundo (que é determinação essencial da existência) como um questionamento e uma discussão da noção de ambiente que a biologia apenas pressupõe (Sein und Zeit, §12). [Abbagnano]



Consideraremos ambiente dentro de três pontos de vista: o ambiente ecológico, o ambiente existencial e o ambiente comunicacional.

"Ecologia" vem do grego oikia, "casa". O planeta é nossa casa; a ecologia estuda a interdependência das formas de vida que coexistem sobre a Terra. Por que este estudo? Constata-se que há uma notável interfusão entre as diversas maneiras de organização vital, e que, quando o seu equilíbrio é alterado, as consequências tendem a ser prejudiciais aos diversos tipos de organismos em equilíbrio. A destruição de parte de uma floresta pode tornar desértico o clima de uma região; extinguindo-se uma espécie, outras espécies podem proliferar de modo indesejável. Um exemplo esclarece a questão. Um fazendeiro elimina os falcões que, de vez em quando, atacam as galinhas de seu galinheiro. Ora, estes falcões se alimentavam, habitualmente, de pássaros menores. Eliminados os falcões, os pássaros menores fazem uma razzia nas aranhas da região (razzia esta que a existência dos falcões impedia, por limitar o número dos pássaros), e impedem o controle exercido por estas a determinada espécie de pulgões prejudiciais às culturas agrícolas da região. O fazendeiro — que queria evitar a morte de uma meia dúzia de galinhas por mês — vê seriamente atacada a sua colheita pelos pulgões (este caso foi cuidadosamente acompanhado em 1967 na França).

Das diversas maneiras que há de influirmos sobre e alterarmos o equilíbrio ecológico das formas de vida numa região, além do combate a uma das espécies em coexistência no local em causa, existe o gravíssimo problema da poluição. A poluição tem motivos técnicos fundados numa dificuldade econômica. Os motivos técnicos são: produtos manufaturados pela maior parte das indústrias que compõem nosso habitat tecnológico tendem a ser "naturalmente" indestrutíveis. O ferro se enferruja, mas e os plásticos? Materiais radioativos naturais são raros, mas reiteradamente produzimos isótopos com uma vida média grande (anos ou meses) e em quantidades cada vez maiores. Jogamos DDT e adubos químicos para aumentar a produção agrícola de uma faixa de terra. E subitamente a composição química do solo entra em pane, e o solo fica estéril. Ou se descobre que o metabolismo das plantas — por se fundar nas disponibilidades do solo — passa a acumular substâncias prejudiciais à nossa saúde. Produz-se mais, mas de qualidade inferior.

A dificuldade que chamamos de "econômica" é a própria dificuldade central da economia: a escassez de recursos. O desenvolvimento irrefreado da tecnologia foi uma resposta a esta escassez sempre aumentando com o aumento da população (pois o ser humano, lembremo-nos, não tem "inimigos naturais" que dele se alimentem) . Verifica-se no entanto, que não é impune e sem consequências este desenvolvimento irrefreado tanto da população quanto da resposta tecnológica enquanto "solução" para a escassez de recursos sobre o planeta. Não há, aparentemente, maneira "natural" de se controlar o desenvolvimento da população humana; mesmo as guerras, que de vez em quando são consideradas como uma espécie de mecanismo auto-regulador do número de indivíduos da espécie, são bem pouco eficazes neste sentido. O passo razoável diante do problema parece ser a instituição de um sistema eficaz de controle da natalidade, de forma a reduzirmos a níveis adequados a população humana do planeta (excluídas as hipóteses de migração interplanetária, o que em cinquenta anos talvez já seja uma possibilidade efetiva) . Para que, tal redução populacional? Para que a tecnologia deixe de ser um modo de combate à escassez de recursos, tornando-se no que ela afirma ser, um instrumento de melhoria da vida humana. Com a população em níveis adequados, indústrias como a de alimentos sintéticos "baratos" deixam de ser necessárias, e a alimentação poderá ser atendida por uma agropecuária racionalizada. Também adubagens químicas ou maneiras equivalentes de cansarmos o solo poderão vir a ser abandonadas; e é inclusive possível que todo o setor diretamente para consumo da indústria desapareça (o setor que se destina — e vive — em função da aceleração do ciclo das modas) ou se reestruture radicalmente (e é claro que a moda não vai desaparecer, mas sim deixar de ser flagrantemente espoliadora). Em resumo: utilizando uma expressão muito feliz (Habermas, Jurgen ,Technik und Wissenschaft als Ideologie, Suhrkamp, Frankfurt, 1968, p. 57), "em vez de termos a Natureza como objeto (Gegen-Stand) de uma possível exploração técnica, poderemos encontrá-la como a colaboradora (Gegen-Spieler) de uma interação possível". Por que tal possível racionalização não ocorre? Porque infelizmente estamos longe de nos libertarmos de atitudes muito tristes, como aquela da igreja católica em seu combate ao controle da natalidade na Humanae Vitae por motivos que vão desde à sua frustração sexual até a uma pretensa defesa da "riqueza humana" dos povos subdesenvolvidos. Depois, defendem-se doutrinas políticas de "ocupação humana" pela proliferação populacional do território de um país (e nestas doutrinas há sempre uma lembrança da doutrina do Lebensraum nazista). Finalmente, no ambiente de desconfiança e trapaça em que se movem as relações internacionais, não há possibilidade real de execução de um programa razoável para a redução a níveis adequados da população do planeta. Talvez esta última dificuldade desapareça quando gente mais razoável passar a dirigir os países do mundo: e muitas surpresas (claro que nem todas necessariamente agradáveis) podem ocorrer quando os cientistas perceberem que, em nossa cultura ocidental, o poder efetivo deles emana (e será que a imagem do "cientista louco" não é uma sutil contra-propaganda daqueles que, hoje ainda poderosos, têm medo desta inversão do poder efetivo?). A questão ecológica do ambiente nos atira em sua questão "existencial". Conquanto nos seja difícil esclarecer o que seja esta questão existencial, compreenda-se esta palavra no sentido da interrogação que Heidegger vem desenvolvendo. A questão existencial tem dois níveis- O primeiro resulta da oposição entre ambiente "natural" e ambiente "artificial". Utilizemos uma imagem para esclarecer e afirmar esta oposição. Se estamos no alto de uma colina perto do mar vendo a praia e as ondas na orla arenosa, nossa experiência da paisagem corresponde a uma certa tranquilidade e satisfação. Porque o vento na cara é bom, é gostoso; tanto num dia de sol aberto podemos ficar alegres quanto num dia chuvoso. Para os primitivos indo-europeus, o deus absoluto era Diawes, "o céu iluminado" e nada existe mais absoluto que o céu azuí, profundo e indistinto. Como também nada tão misterioso e essencialmente velado (mas às vezes se abrindo para nós) quanto o mar — e o mar é o símbolo clássico de nosso inconsciente. O ambiente "natural" se mostra como sendo o correspondente físico às nossas paisagens mentais; a linguagem simbólica da natureza — das nossas experiências existenciais — e da nossa mente é a mesma.

Agora sentemo-nos na mesma colina dez anos depois: a cidade avançou; construiu-se um bairro populoso e progressista. Do mar ainda vemos uma pequena faixa entre dois edifícios; a fumaça destruiu o azul do céu (e que, no meio do bairro, é um quadrado mal visível das áreas internas dos prédios) . Este é o ambiente "artificial". Nós nos alienamos, porque impusemos uma série de bloqueios entre nós e o nosso mundo, que é o mundo natural. A proliferação indiscriminada de mediadores que nos "facilitam" a vida nos cortou o contato com nossa terra e nosso céu. Este exemplo vagamente banal se torna aterrorizante quando examinamos alguns casos clássicos de esquizofrenia. A esquizofrenia é uma doença mental que se caracteriza por um rompimento entre o doente e o "mundo" : schízo quer dizer, em grego "eu corto". Um menino esquizofrênico só consegue realizar suas funções naturais — comer, urinar, defecar, dormir — ajudado por gadgets que imitam máquinas e mecanismos. O mundo, o "natural" foi perdido para a criança doente. E assim como a tecnologia é "mediadora" entre a espécie humana e os "recursos naturais", assim também a esquizofrenia utiliza caricaturas de máquinas para que o doente possa atingir o seu "natural". Isto quer dizer: a máquina é o arquétipo dos símbolos na psicoses É neste sentido que a máquina e seu ambiente são "antinaturais".

O segundo nível da questão existencial interroga, diante do que foi exposto, qual a estrutura do ambiente? Tomemos uma definição habitual: "o ambiente é tudo aquilo que nos cerca". Nesta afirmativa há uma polaridade implícita; o "nos" é uma espécie de centro referencial para os elementos que constituem o ambiente, o "aquilo que nos cerca". Qual a relação entre este centro referencial e o resto? Para as ciências naturais — física, química, biologia —, "dentro de todos os fins práticos", esta é uma relação sujeito e objeto. As ciências naturais partem da premissa de um corte entre o observador e o observado, entre a referência (sujeito) para o ambiente e os elementos que constituem o ambiente. Dentro deste ponto de vista, a estrutura do ambiente se reduz à enumeração dos objetos que o compõem. Mas isto é falso. O ambiente não se reduz a um conjunto de coisas-objetos. Sentimos talvez esta dificuldade ao tentarmos objetificar fatores de extrema importância (mas difícil objetificação) como o "ambiente familiar" ou as "influências sociais". Heidegger, estudando o "mundo" (Heidegger, Martin, Sein und Zeit, (1927), Niemeyer Verlag, Tubingen, 1967, p. 665), elucida o que chamamos de ambiente através da noção de instrumento (Zeug). Os instrumentos se encadeiam uns nos outros por sua utilidade: o martelo serve para pregar um prego na parece, que vai segurar um quadro que. .. Esta visão heideggeriana, além de, negando a cisão entre nós e as coisas revelar uma natural "interdependência" entre o ambiente e nós, mostra como a maneira de revelação do ambiente como "conjunto de objetos" não é senão um dos modos de constituição do mundo; quando sobre êle meditamos, "destruimos" a encadeação das coisas em termos de sua utilidade própria, e "encontramos" um mundo de objetos isolados. O prolongamento desta análise se encontra nas analíticas dos objetos e da existência.

Em Marshall McLuhan veremos o approach comunicacional ao estudo da estrutura do ambiente. O que para Heidegger é um "instrumento" (Zeug), McLuhan chama "meio de comunicação" (Médium). O meio de comunicação nos facilita o acesso ao mundo natural. Na realidade, os media devem servir unicamente neste acesso, mas, como eles são as coisas de nosso mundo (a roda, a roupa, o martelo, a televisão, a eletrônica), sua tendência é agirem como plasmadores e modeladores do mundo; constituem o que McLuhan chamará, explicitamente, "ambiente" (environment). Numa generalização provocante, McLuhan dirá que as grandes crises históricas resultam do choque de uma mentalidade adaptada a um ambiente passado (= a meios de comunicação superados) em confronto com um novo ambiente (= que se constitui por novos meios de comunicação). No seu livro War and Peace in the Global Village (McLuhan, Marshall, Fiore, Quentin, War and Peace in the Global Village, Bantam, 1968) êle afirma que as guerras são feitas para que se recupere a identidade perdida por causa da renovação do ambiente. (Francisco Doria - DCC)

Submitted on:  Tue, 05-Jan-2010, 16:25