angústia

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

angústia

O medo indeterminado. — Distingue-se do medo, que é sempre medo "de um objeto"; a angústia não se refere a nenhum objeto particular, donde seu caráter global e mais profundamente inquietante: é todo o psiquismo do indivíduo que está abalado. A própria angústia da morte é extremamente vaga e não é acompanhada de qualquer representação precisa, mas simplesmente de um sentimento de queda e de "dissolução" de todas as nossas representações (Hegel). A palavra angústia adquiriu na filosofia existencialista o sentido de "inquietação metafísica" experimentada através dos tormentos individuais do homem. Ela lhe revelaria a irracionalidade de sua situação, o absurdo de sua vida (V. Kierkegaard, Sartre.) [Larousse]



(in. Dread; fr. Angoisse; al. Angst; it. Angoscià).

No seu significado filosófico, isto é, como atitude do homem em face de sua situação no mundo, esse termo foi introduzido por Kierkegaard em Conceito de angústia (1844). A raiz da angústia é a existência como possibilidade (v. existência). Ao contrário do temor e de outros estados análogos, que sempre se referem a algo determinado, a angústia não se refere a nada preciso: é o sentimento puro da possibilidade. O homem no mundo vive de possibilidade, já que a possibilidade é a dimensão do futuro e o homem vive continuamente debruçado sobre o futuro. Mas as possibilidades que se apresentam ao homem não têm nenhuma garantia de realização. Só por piedosa ilusão elas se lhe apresentam como possibilidades agradáveis, felizes ou vitoriosas: na realidade, como possibilidades humanas, não oferecem garantia alguma e ocultam sempre a alternativa imanente do insucesso, do fracasso e da morte. "No possível tudo é possível", diz Kierkegaard, o que quer dizer que uma possibilidade favorável não tem maior segurança do que a possibilidade mais desastrosa e horrível. Logo, o homem que se dá conta disso, reconhece a inutilidade da habilidade e diante de si só tem dois caminhos: o suicídio ou a fé, isto é, o recurso a "Aquele a quem tudo é possível". A angústia é, segundo Kierkegaard, parte essencial da espiritualidade própria do homem, de sorte que, se o homem fosse anjo ou animal, não conheceria a angústia: e, como efeito, logra mascará-la ou escondê-la o homem cuja espiritualidade é demasiado débil. Enquanto reflexão sobre a própria condição humana, a espiritualidade do homem está ligada à angústia, isto é, ao sentimento da ameaça imanente em toda possibilidade humana como tal. — Na filosofia contemporânea, Heidegger centrou na angústia a sua análise existencial (v. emoção). A angústia é a situação afetiva fundamental, "que pode manter aberta a contínua e radical ameaça que vem do ser mais próprio e isolado do homem": isto é, a ameaça da morte. Na angústia, o homem "sente-se em presença do nada, da impossibilidade possível da sua existência". Nesse sentido, a angústia constitui essencialmente o que Heidegger chama de "o ser para a morte", isto é, a aceitação da morte como "a possibilidade absolutamente própria, incondicional e insuperável do homem" (Sein und Zeit, § 53). Mas nem por isso a angústia é o medo da morte ou dos perigos que podem provocá-la. Diz Heidegger: "O medo tem assento no ente de que se cuida dentro do mundo. A angústia, porém, brota do próprio Ser-aí. O medo chega repentino do intra-mundano. A angústia ergue-se do ser-no-mundo enquanto lançado ser-para-a-morte" (ibid., § 68 b). A angústia não é nem mesmo o pensamento da morte ou a espera e a preparação da morte. Viver para a morte, angustiar-se, significa compreender a impossibilidade da existência enquanto tal. E compreender tal impossibilidade significa compreender que todas as possibilidades da existência, consistentes em antecipações ou projetos que pretendem transcender a realidade de fato, só fazem reincidir na realidade de fato. Por isso, o verdadeiro significado da angústia é o destino, isto é, a escolha da situação de fato como herança de que não se pode fugir e o reconhecimento da impossibilidade ou nulidade de qualquer outra escolha que não a aceitação da situação em que já se está. Em outros termos, a angústia como compreensão existencial possibilita ao homem transformar a necessidade em virtude: aceitar como um ato de escolha a situação de fato, que é o seu destino e que, sem a angústia, procuraria inutilmente transcender. A coincidência de necessidade de liberdade parece, assim, ser o significado da angústia heideggeriana (ibid, § 74). Nesse sentido, Heidegger diz que a angústia "liberta o homem das possibilidades nulas e torna-o livre para as autênticas" (Ibid., § 68 b).

Todavia, não foi só a filosofia existencialista que considerou a angústia como revelação emocional da situação humana no mundo. Uma rica literatura psicológica esclareceu o caráter onipresente da angústia, que é diferente do medo, do temor e de outros estados emocionais de caráter episódico que se referem a situações particulares. A angústia parece, ao contrário, um ingrediente constante da. situação humana do mundo, seja qual for a explicação dada à sua origem. Freud inicialmente fê-la remontar ao ato do nascimento, isto é, ao ato "em que se acham reunidas todas as sensações penosas, todas as tendências e as sensações corpóreas, cujo conjunto se tornou o protótipo do efeito produzido por um perigo grave" (Einführung in die Psychoanalyse, 1917, III, 25; trad. fr., p. 424). Em seguida, mais genericamente, considerou a angústia como a "reação do Ego ao perigo", ou melhor, "à própria essência do perigo"; essa situação é também definida por Freud como "uma situação de impotência". Diz Freud: "Estou na expectativa de que se verifique uma situação de impotência; ou então a situação presente me lembra um acontecimento traumático já vivido. Assim, antecipo esse trauma, comporto-me como se já estivesse aqui, enquanto houver tempo para afastá-lo. Portanto, a angústia é, de um lado, expectativa do trauma e, de outro, uma repetição atenuada deste" (Hemmung, Symptom und Angst, 1926, cap. XI, B; trad. it., p. 106). Por outro lado, o estudo das pessoas nas quais a angústia se manifesta nas formas mais acentuadas (p. ex., nas que sofreram lesões cerebrais) levou alguns cientistas (p. ex., Goldstein, Der Aufbau des Organismus, 1934) a definir a angústia como "a impossibilidade de pôr-se em relação com o mundo" e de "realizar uma tarefa correspondente à essência do organismo", considerando-a assim como o caso-limite das "reações de catástrofe" que acompanham o conflito do organismo com o mundo. [Abbagnano]

Submitted on:  Tue, 05-Jan-2010, 18:59