vivências intencionais

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

vivências intencionais

A redução transcendental é a aplicação do método fenomenológico ao próprio sujeito e a seus atos. Husserl já tinha afirmado anteriormente que o domínio da fenomenologia precisava de ser constituído com diferentes regiões do ser. Uma destas regiões do ser, região característica, é a consciência pura. Chega-se a esta consciência pura mediante o muito importante conceito de intencionalidade, que Husserl recebeu de Brentano e, mediatamente, da escolástica. Entre as vivências sobressaem algumas que possuem a propriedade essencial de ser vivências de um objeto. Estas vivências recebem o nome de "vivências intencionais" (intentionale Erlebnisse), e na medida em que são consciência (amor, apreciação, etc.) de alguma coisa, diz-se que têm uma "relação intencional" com esta coisa. Aplicando agora a redução fenomenológica a estas vivências intencionais, chegamos, por um lado, a captar a consciência como um puro centro de referência da intencionalidade, ao qual o objeto intencional é dado, e, por outro lado, chegamos a um objeto que, depois da redução, não tem outra existência senão a de ser dado intencionalmente a este sujeito. Na própria vivência, considera-se o ato puro, que parece ser, simplesmente, a referência intencional da consciência pura ao objeto intencional.

Deste modo a fenomenologia se converte na ciência da essência das vivências puras. A realidade inteira aparece como corrente das vivências concebidas como atos puros. É mister advertir insistentemente que esta corrente nada tem em si de psíquico, que por conseguinte se trata unicamente de puras estruturas ideais; portanto, a consciência pura (que no estado de atualização se chama "cogito") não é um sujeito real, nem seus atos são mais do que relações meramente intencionais, e o objeto não é mais do que um ser dado a este sujeito lógico. Husserl opera ainda na corrente das vivências uma distinção entre a hyle (matéria) e a morphe (forma) visada. Chama "noese" àquilo que configura a matéria em vivências intencionais, e "noema" à multiplicidade dos dados que se podem mostrar na intuição pura. No caso de uma árvore, por exempto, distinguimos o sentido da percepção da árvore (seu noema) e o sentido da percepção como tal (noese); de igual modo, distingue-se no juízo o enunciado do juízo (isto é, a essência deste enunciado, a noese do juízo) e o juízo enunciado (o noema do juízo). Este último poderia ser denominado "proposição em sentido puramente lógico", se o noema não contivesse, além de sua forma lógica, uma essência material.

O mais importante em todas estas análises é que nelas fica solidamente estabelecido o caráter bipolar da vivência intencional: o sujeito aparece como essencialmente referido ao objeto, e o objeto como essencialmente dado ao sujeito puro. Quando estamos ante a realidade — o que nem sempre é o caso, porque um ato intencional pode apresentar-se sem objeto real — sua existência não é, entretanto, necessária para o ser da consciência pura; por outro lado, o mundo das "coisas" transcendentes depende totalmente da consciência atual. A realidade é essencialmente privada de autonomia, carece do caráter do absoluto, é somente algo que, em princípio, não é senão intencional, cônscio, algo que aparece.

Deste modo, a filosofia de Husserl desemboca num idealismo transcendental que, em muitos aspectos, se assemelha ao dos neokantianos. A diferença entre ele e a escola de Marburgo consiste essencialmente em que Husserl não reduz o objeto a leis formais e admite uma pluralidade de sujeitos aparentemente existentes. Contudo, sua escola não o seguiu no terreno deste idealismo. [Bochenski]

Submitted on:  Fri, 11-Dec-2009, 14:07