paixão

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

paixão

(in. Passion; fr. Passion; al. Leidenschaft; it. Passionè).

Este termo pode significar: 1) o mesmo que afeição, modificação passiva no sentido mais geral do grego pathos e do latim passio (para este significado, v. afeição); 2) O mesmo que emoção , significado em que foi empregado quase universalmente até o séc. XVIII, até que se foi determinando o significado específico que hoje possui; 3) ação de controle e direção por parte de determinada emoção sobre toda a personalidade de um indivíduo humano.

É neste sentido, o único apropriado e específico, que essa palavra geralmente é empregada hoje. Assim, a expressão francesa, que se tornou internacional, " amour-passion", indica uma forma de emoção amorosa que domina a personalidade e é capaz de transpor obstáculos morais e sociais (cf. também " Crime de passion" ou "Crime passional"). Nas frases "paixão pelo jogo", "paixão pelas mulheres", "paixão pelo dinheiro", também está claro o significado de tendência dominante e global da personalidade, o que se percebe igualmente em expressões como "paixão política", "paixão religiosa", etc. Esse conceito nasce com as análises dos moralistas dos sécs. XVII e XVIII, que evidenciaram a tendência que têm as emoções de penetrar na personalidade e dominá-la. Pascal dizia: "Quando se conhece a paixão dominante de alguém, estaremos certos de saber agradar-lhe" (Pensées, 106). Nesta expressão, o adjetivo "dominante" exprime bem o caráter da paixão. Em Maximes, La Rochefoulcauld insiste com certo cinismo nesse caráter dominante das paixões ("Se resistimos às nossas paixões, é mais pela fraqueza delas do que pela nossa força", 122), e Vauvenargues, em Discourssurla liberte (1737), dizia: "Para resistir à paixão seria preciso pelo menos querer resistir. Mas faria a paixão nascer o desejo de combater a paixão, na ausência da razão derrotada e afugentada?" E acrescentava: "As paixões ensinaram a razão aos homens" (Réflexions et maximes, 154). Com o mesmo espírito, Helvetius declarava: "As paixões são no campo moral o que o movimento é no campo físico" (De l’esprit, III, 4), e Condillac definia a paixão como "um desejo que não permite ter outros, ou que, pelo menos, é o mais dominante" (Traité des sensations, I, 3, § 3). Foi Kant quem nos legou as determinações mais precisas. Apaixão éa inclinação que impede a razão de compará-la com as outras inclinações e assim de fazer uma escolha entre elas (Antr., § 80). Por isso, a paixão exclui o domínio de si mesmo, impede ou impossibilita que a vontade se determine com base em princípios (Crít. do Juízo, § 29). Com observações felizes, Kant ressalta a capacidade que tem a paixão de dominar toda a conduta do homem, de apoderar-se de sua personalidade. Ao contrário da emoção, que é precipitada e irrefletida, a paixão é lenta e refletida para alcançar seu objetivo, apesar de poder ser violenta. A emoção é como uma enxurrada que rompe o dique; a paixão é como uma corrente que vai aprofundando seu leito. A emoção é como uma embriaguez que se desvanece, apesar de deixar a dor de cabeça, mas a paixão é uma intoxicação ou uma deformação, que precisa de um médico interno ou externo da alma; este, porém, geralmente não sabe prescrever a cura radical, mas quase sempre só paliativos (Antr., § 74). Em vista do perigo que a paixão representa para a escolha racional e a liberdade moral do homem, Kant rejeita qualquer exaltação das paixões. E cita a frase: "Nada de grande no mundo nunca foi realizado sem paixões violentas", para comentá-la: "Pode-se admitir isso a respeito de diversas inclinações, aquelas sem as quais a natureza viva (inclusive a do homem) não pode passar, como as necessidades naturais e físicas. Mas que elas possam, ou melhor, precisem tornar-se paixões, isto a Providência não quis. Esse tipo de explicação pode ser aceita num poeta, como p. ex. em Pope, que escreveu ‘Se a razão é bússola, as paixões são os ventos’, mas o filósofo não pode admitir esse princípio nem mesmo para avaliar as paixões como um artifício provisório da Providência, que as teria colocado na natureza humana antes que os homens alcançassem um grau razoável de civilização" (Antr., § 80).

O Romantismo aceita e adota o conceito de paixão elaborado pelos moralistas franceses e por Kant, ou seja, de que a paixão não é uma emoção ou um estado afetivo particular, mas o domínio total e profundo que um estado afetivo exerce sobre toda a personalidade (ou "subjetividade") do indivíduo. Por outro lado, inverte a valo-raçâo negativa feita por Kant. E significativo que Hegel, que expressou com mais rigor o ponto de vista romântico sobre o assunto, só tenha invertido as valorações kantianas. Hegel define a paixão como a "totalidade do espírito prático posto numa única das muitas determinações limitadas que se opõem entre si" (Enc., § 473). E acrescentou: "A determinação da paixão implica que ela se restringe a uma particularidade da determinação do querer, na qual imerge toda a subjetividade do indivíduo, seja qual for o conteúdo dessa determinação. Mas por esse caráter formal, a paixão não é boa nem má; sua forma só exprime que um sujeito pôs num único conteúdo todo o interesse vivo de seu espírito, de seu talento, de seu caráter, de seu prazer. Nada de grande foi realizado, nem pode ser realizado, sem paixão Não passa de moralidade morta, na maioria das vezes hipócrita, a que investe contra a forma da paixão como tal" (Enc., § 474). Aqui, ao mesmo tempo em que se insiste no caráter totalizante da paixão — que limita a um único conteúdo ou determinação "toda a subjetividade do indivíduo", "o interesse vivo do seu espírito, etc." —, retoma-se a frase criticada por Kant e declara-se expressão de moralidade morta ou hipócrita a condenação feita por ele. E o mais curioso é que Kant criticara antecipadamente outra característica da filosofia de Hegel, ou seja, a justificação das paixão como instrumentos da providência cósmica, como "astúcias" da Razão Infinita, para realizar seus fins: tese que está entre as mais características da filosofia da história de Hegel (Philosophie der Geschichte, ed. Lasson pp. 63 ss.). De um ponto de vista diferente, a exaltação da paixão também se encontra em Nietzsche, para quem era sintoma de fraqueza o "temor dos sentidos, dos desejos e das paixões, quando ela chega para desaconselhá-los", considerando a paixão dominante como "a forma suprema de saúde" porque nela "a coordenação dos sistemas internos e seu trabalho a serviço de um mesmo fim são mais bem realizados: o que é mais ou menos a definição da saúde" ( Wille zur Macht, ed. Kröner, § 778).

Ponto de vista equidistante entre a condenação e a exaltação da paixão parece prevalecer na cultura contemporânea. Dewey, p. ex., assim se expressa: "A fase emocional, apaixonada da ação não pode nem deve ser eliminada em prol de uma razão exangue. Mais paixões, não menos, é a resposta. (...) A racionalidade não é a força a ser invocada contra impulsos e hábitos, mas sim a conquista de uma harmonia que atue entre diferentes desejos" (Human Nature and Conduct, pp. 195-96). [Abbagnano]



O estado de quem está sujeito; passividade. — O Tratado das paixões da alma, de Descartes, é, nesse sentido, um tratado das sensações e, por extensão, dos sentimentos do homem. O sentido comum de "movimento impetuoso da alma" é um sentido derivado, como o do "amor violento e profundo", cujo modelo mais puro, na nossa cultura, é Tristão e Isolda. A filosofia romântica (Schelling) exaltou a paixão como um desejo de fusão e realização da personalidade em outra coisa além de si ("identidade absoluta"): a paixão revelaria o fundo do indivíduo, sua realidade infinita, única capaz de apreender a infinidade do mundo. Contudo, essa identidade entre nós e o mundo, no sentimento da Natureza, não chega a realizar-se efetivamente e a subsistir além de um instante: nesses mesmos filósofos românticos, o fundo de toda a reflexão apaixonada é a "nostalgia" ("Sehnsucht"). Em psicologia, a paixão opõe-se à ação; na moral, ela se opõe à razão, como o desmando à temperança. [Larousse]


Em sentido psicológico (1), paixão é a disposição da vida afetiva e apetitiva para reagir intensamente, ora irrompendo em forma bruscamente explosiva e invadindo a alma (p. ex., um arrebatamento de ira), ora mantendo a vida psíquica sob sua jurisdição e serviço com tranquila tenacidade. S. Tomás de Aquino distingue onze paixões fundamentais (passiones): seis simples "paixões do apetite ou concupiscíveis" (passiones concupiscibiles) e cinco "paixões de defesa e consecução" (passiones irascibiles), fundadas nas primeiras, excitadas pelos obstáculos que se opõem ao apetite. Segundo a relação objetiva a bens ou males atuais, ausentes ou iminentes, S. Tomás estabelece no primeiro grupo, como paixões fundamentais, o amor e o ódio (não devendo entender-se aqui estas palavras no sentido complexo hoje usual, mas somente no de "inclinação" ou "aversão") e, além disso, alegria e tristeza, desejo e aversão; no segundo grupo coloca a esperança e o desalento, o ânimo e o temor, e, finalmente, a ira. Já Platão salientou muito acertadamente a força incrementadora ou destrutiva de valores que as paixões têm na vida psíquica, comparando-as a fogosos corcéis que correm velozes, dominados e guiados pela mão firme do cocheiro, ou então em galope desenfreado e insensato, sem condução segura. Sem paixões, a vida da alma seria raquítica; dominada por elas, provoca a ruína de seus valores. — Willwoll. [Brugger]


É uma das categorias aristotélicas que se contrapõe à categoria chamada ação A paixão é o estado em que se encontra algo que está afetado por uma ação - como quando algo está cortado pela ação de cortar. Num sentido mais específico e cujo significado acabou por predominar, a paixão é a afecção ou modificação da alma. Pode entender-se de vários modos, um dos quais é a alteração ou perturbação do ânimo. Aristóteles afirmava já que “o ser positivo” não é um modo simples de ser, pois umas vezes significa uma corrupção por um contrário e, outras vezes, a preservação de algo que está em potência (Da Alma). Nestes casos, a paixão não significa necessariamente uma perturbação; em suma, a a alteração e a perturbação não são necessariamente sinônimos. Foram os estoicos que estudaram as paixões especialmente como perturbação e, por conseguinte, como algo que deve ser eliminado por meio da razão, a qual atua com o fim de libertar o ânimo das paixões e de dar-lhe liberdade. Para os estoicos, as paixões estão contra a natureza porque seguir a natureza é o mesmo que seguir a razão.

Muitos escolásticos entenderam que as paixões eram certas energias básicas que, em princípio, podem encontrar-se quer nos animais quer nos homens, mas que, nestes últimos, têm um caráter especial, porquanto têm ou podem ter um valor moral. Isto não significa que as paixões se encontrem exclusivamente no plano dos apetites. Por um lado, a faculdade de pensar julga acerca de um objeto, indicando, a seu ver, se é bom ou mau, e a paixão opera sobre esse juízo. Por outro lado, a paixão é encaminhada pela vontade. A intervenção das faculdades de pensar e de querer é que outorgam às paixões o seu caráter moral.

Na época moderna, entendeu-se que, na paixão a alma experimenta algo e fica, em consequência, alterada. A “doutrina das paixões” abrange grande parte da teoria da alma humana. Isto acontece em Descartes, que considera, no seu tratado As Paixões da Alma, aquilo a que chama as seis paixões fundamentais ou primitivas. a admiração, o amor, o ódio, o desejo, a alegria e a tristeza. Segundo Descartes, as paixões distinguem-se de qualquer outro pensamento enquanto são percepções ou sentimentos ou emoções da alma causadas por algum movimento dos espíritos animais. Segundo Espinosa, são três as paixões fundamentais: o desejo, a tristeza e a alegria. As paixões fazem com que os homens difiram entre si, ao contrário da razão, que faz que os homens concordem entre si (Ética). Todos os afetos da alma, incluindo o amor e o ódio, nascem da combinação das três paixões fundamentais.

Atualmente, entende-se antes por paixão, qualquer afeto intenso e permanente, qualquer invasão da vida psíquica por um afeto que domina quer a razão quer a vontade. A paixão paralisa, neste caso, a vontade ou então desvia-a. Este sentido pejorativo de paixão perdeu, contudo, a sua vigência sempre que se verificou que as paixões constituem o fundamento de muitos desenvolvimentos, sem elas inexplicáveis, da vida psíquica e quando se tentou descobrir as leis da vida emocional. Continua a ser atualidade permanente, portanto, a concepção de Hegel, segundo a qual a razão se serve das paixões para a realização dos fins essenciais do espírito. “Se chamarmos paixão - diz ele - ao interesse no qual a individualidade toda se entrega, esquecendo todos os demais interesses múltiplos que tenha e possa ter, e se fixa no objeto com todas as forças da sua vontade, concentrando neste fim todos os outros apetites e energias, temos de dizer que nada de grande se realizou no mundo sem paixão” (LIÇÕES SOBRE A FILOSOFIA UNIVERSAL, TOMO PRIMEIRO, INTRODUÇÃO). [Ferrater]

Submitted on:  Mon, 25-Oct-2010, 11:40