espaço

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

espaço

(gr. chora topos; lat. Spatium; in. Space; fr. Espace; al. Raum; it. Spazió).

Meio homogêneo e indefinido no qual estão situados os objetos sensíveis. — Rigorosamente, distinguem-se as noções de espaço e de extensão: o espaço tem três dimensões, a extensão tem duas; é uma superfície, enquanto que o espaço é um volume. Leibniz e Kant consideraram o espaço como uma "intuição" indivisível, enquanto que a extensão corresponde a uma superfície material indefinidamente divisível. A noção de espaço é então qualitativa, impossível de se compreender intelectualmente, ao contrário da extensão, que é mensurável e se define exatamente pelas relações dos objetos entre eles. [Larousse]



Entende-se habitualmente por espaço (spatium) um vácuo extenso, onde os corpos se encontram, por assim dizer, como num receptáculo. O espaço tem pois relação com a extensão dos corpos reais, mas não coincide simplesmente com ela. Ele continua existindo (ao menos para a nossa representação), embora não contenha em si nenhum corpo real. O espaço não preenchido por nenhum ente corpóreo denomina-se espaço vazio ou o vácuo. O espaço sem mais, a que se dá o nome de espaço absoluto ou imaginário, é concebido como receptáculo sem fim nem limites (espaço infinito), imóvel, sempre existente, no qual se encontra o universo. Um espaço finito é uma parte determinada do espaço infinito. A finitude espacial do mundo significa que este poderia ser maior do eme na realidade é. De acordo com a teoria da relatividade (teoria da relatividade) diz-se hoje que o universo é certamente finito, mas, apesar disso, ilimitado, algo idêntico a uma superfície esférica (curva), que é finita, sem todavia ter limites (quantidade).

Que realidade compete ao espaço ? Para responder a esta pergunta, convém distinguir entre o espaço como representação de nossa imaginação, como conceito e como objeto em si existente. É certo que a representação do espaço (pelo menos até à segunda dimensão) (percepção do espaço) não é arbitrária ou produzida desde fora, mas informa necessariamente todas as nossas representações sensoriais do mundo externo. Neste sentido, com razão denomina Kant o espaço uma forma o priori de nosso conhecimento sensorial (exterior). Mas com isso de maneira nenhuma fica dito nem demonstrado que aos objetos de nossos sentidos não corresponde nenhuma espacialidade, isto é, nenhuma extensão real e, portanto, que o espaço seja puramente subjetivo. O espaço como conceito, nasce em nós da reflexão sobre a relação da necessária representação de espaço com os corpos reais (o vácuo extenso a modo de receptáculo de corpos). Por este conceito, o espaço é pensado como objeto existente em si fora de extensão de corpos reais, sem que no entanto lhe corresponda uma realidade: o espaço em si existente é um ente de razão, ao qual a extensão dos corpos serve de fundamento real. Devido a esta fundamentação real, com o auxílio do conceito de espaço podem formular-se proposições objetivamente válidas, concernentes às relações espaciais existentes, tais como a posição de uma coisa, ou seja, a relação do seu lugar com outros lugares conhecidos, ou a distância de vários objetos, ou seja, o intervalo espacial entre eles. Se este intervalo é pequeno, falamos de proximidade espacial; se os limites espaciais coincidem, temos contato.

Com a ajuda do conceito de espaço exprimem-se também as diferentes espécies de presença espacial. Um corpo está presente no espaço, quando existe realmente com sua extensão. Os seres incorpóreos tornam-se presentes no espaço por sua situação imediata sobre um corpo real. Os corpos extensos enchem o espaço com sua extensão, de sorte que a cada uma das parte? do espaço imaginário corresponda cada uma das partes do corpo (presença circunscrita); as substâncias simples, como a alma espiritual, estão presentes ao espaço de tal sorte que se encontram totalmente no espaço ocupado e totalmente em cada uma de suas partes (presença definitiva). A parte fixa do espaço, ocupada por um objeto, recebe o nome de lugar interno; os limites espaciais das coisas que o circundam, o de lugar externo. Pelo movimento um corpo muda de lugar, sem todavia abandonar o espaço. A cada corpo corresponde, naturalmente, no espaço uma só presença, quer dizer, ele só pode encontrar-se num lugar ao mesmo tempo. A presença múltipla simultânea de um corpo em vários lugares (bilocação) não é inconcebível, porque ela significa tão-só duplicação da relação, não duplicação do objeto relacionado.

A mensurabilidade do espaço baseia-se em sua relação com a extensão; diretamente a extensão só se mede por comparação com uma extensão arbitrariamente escolhida como unidade que dá a medida. O espaço estende-se em três direções principais, entre si perpendiculares: é tridimensional. Entende-se por espaço matemático a extensão abstrata, objeto da geometria. A física entende por espaço (espaço físico) a extensão real das coisas ou também um espaço, no qual os raios luminosos são considerados linhas "retas" contudo no campo da gravidade do universo, tais raios não são retos, no sentido euclidiano ( = espaço curvo). Quando em matemática ou em física se fala de espaços de mais de três dimensões, pretende-se com isso apenas significar uma múltipla diversidade aritmética, útil para descrever matematicamente as relações espaciais, sem contudo atribuir ao próprio espaço mais de três dimensões. — Junk. [Brugger]




Na filosofia pré-socrática, discutiu-se o problema do espaço juntamente com o da matéria paralelamente a certas oposições análogas como cheio-vazio, ser-não ser, etc. Em Platão, encontram-se as primeiras determinações do problema do espaço como tal, embora só seja possível referir-se, a esse respeito, a uma só passagem das suas obras (Timeu). Segundo Platão, há três gêneros de ser: um, que é sempre o mesmo, incriado e indestrutível, invisível para os sentidos, que nada recebe de fora nem se transforma noutra coisa: são as formas ou as ideias. Outro, que está sempre em movimento, é criado, perceptível para os sentidos e para a opinião, e sempre a aparecer no lugar e a desaparecer dele: são as coisas sensíveis. Outro, finalmente, que é eterno e não susceptível de destruição, constitui o habitáculo das coisas criadas, é é apreendido por meio de uma razão espúria e é apenas real: é o espaço. Como o espaço carece de figura, as definições que podem dar-se dele são, ao que parece, negativas. O espaço enquanto receptáculo puro é um contínuo sem qualidades, é um habitáculo e nada mais; não se encontra nem na terra nem no céu (inteligível) de modo que não se pode dizer dele que existe. Como Aristóteles concebe o espaço como lugar, remetemos para o artigo sobre este conceito. Cabe acrescentar que se o lugar aristotélico merece ser chamado espaço, o é unicamente enquanto equivale a um campo onde as coisas são particularizações. Ora, uma vez que, de acordo com o conceito de lugar, não é possível conceber as coisas sem o seu espaço, o espaço não pode ser, como postulava Platão, um mero receptáculo. Também não é viável, por conseguinte, a concepção dos atomistas que conceberam o espaço como o vazio.

Durante a idade média e especialmente os escolásticos, as ideias sobre a natureza do espaço fundaram-se em noções já esclarecidas na filosofia antiga. Um dos principais problemas levantados foi o da dependência ou independência do espaço relativamente aos corpos. A opinião que prevaleceu foi a aristotélica: o espaço como lugar. As doutrinas modernas sobre a noção de espaço são tão abundantes e complexas que qualquer resumo é notoriamente insuficiente. Os filósofos e os homens de ciência tenderam cada vez mais, desde o renascimento, a conceber o espaço como uma espécie de “continente universal” dos corpos físicos. Este espaço tem várias propriedades: O ser homogêneo (isto é, as coisas são indiscerníveis umas de outras do ponto de vista qualitativo); o ser isotrópico (o fato de todas as direções do espaço terem as mesmas propriedades); o ser contínuo; o ser ilimitado; o ser tridimensional e o ser homoloidal (o fato de uma dada figura ser matriz de um número infinito de figuras em diferentes escalas, mas assemelhando-se umas às outras). A ideia do espaço desempenha um papel determinante na filosofia cartesiana. O espaço é, para Descartes, coisa extensa, cujas propriedades são a continuidade, a exterioridade, a reversibilidade, a tridimensionalidade, etc. por sua vez, a coisa extensa constitui a essência dos corpos. Uma vez que se despojaram os corpos de todas as propriedades sensíveis (sempre mutáveis), resta deles a extensão. Assim, a substância corporal só pode conhecer-se claramente por meio da extensão. É certo que Descartes fala de espaço mas a função desempenhada por esta noção é diferente da que tem na escolástica; o espaço é conhecido a priori com perfeita clareza e distinção; a extensão em que o espaço consiste é perfeitamente transparente. Como esta extensão não é sensível, é, como assinala subtilmente Malebranche, “extensão inteligível”.

A questão da natureza do espaço foi muito debatida durante o século XVIIe primeiro terço do século XVIII. Embora muitos autores tenham contribuído para esta polêmica, costuma-se centrá- la nos nomes de Newton, por um lado, e de Leibniz, por outro. Newton definiu o espaço do seguinte modo: “o espaço absoluto, na sua própria natureza, sem relação com nada externo, permanece sempre similar e imóvel. O espaço relativo é uma dimensão móvel ou medida dos espaços absolutos, que os nossos sentidos determinam mediante a sua posição relativa aos corpos, e que é vulgarmente considerado como espaço imóvel” (Princípios). A interpretação mais corrente destas fórmulas é a seguinte: o espaço é, parra Newton, uma medida absoluta e assim uma “entidade absoluta”. Uma vez que as medidas no espaço relativo são função do espaço absoluto, pode concluir-se que este último é o fundamento de toda a dimensão espacial. No COMENTÁRIO GERAL DOS PRINCÍPIOS, Newton afirma que, embora Deus não seja espaço, se encontra em toda a parte, de modo que constitui o espaço. Newton representava, pois, a ideia do espaço como realidade em si, independente, em princípio, dos objetos situados nele e dos seus movimentos: os movimentos são relativos, mas o espaço não é. não se concebia o espaço como um acidente das substâncias; não é que os corpos fossem espaciais, mas moviam-se em o espaço. Contra isto, manifestou Leibniz a sua célebre opinião: o espaço não é um absoluto, não é uma substância, não é um acidente de substâncias Mas uma relação. Só as mônadas são substâncias; o espaço não pode ser substância. Como relação, o espaço é uma ordem; a ordem de coexistência ou, mais rigorosamente, a ordem dos fenômenos coexistentes. O espaço não é real mas ideal. Isto é, não há espaço real fora do universo material; espaço é, em si mesmo, uma coisa ideal, tal como o tempo. Kant seguiu as orientações leibnizianas enquanto defendeu que o espaço é uma relação, mas concebeu esta última não como algo ideal mas como algo transcendental. As principais ideias de Kant sobre o espaço encontram-se na estética transcendental da Crítica da Razão Pura. Para Kant, espaço é, tal como o tempo, uma forma da intuição sensível, isto é, uma forma a priori da sensibilidade. não é “um conceito empírico derivado de experiências externas, porque a experiência externa só é possível pela representação do espaço”.

“É uma representação necessária a priori, que serve de fundamento a todas as intuições externas”, porque “é impossível conceber que não exista espaço, embora o possamos pensar sem que contenha algum objeto”. Em suma, o espaço é “a ideia da possibilidade dos fenômenos”, isto é, “uma representação a priori, fundamento necessário dos fenômenos”. O espaço não é nenhum conceito discursivo, mas uma intuição pura. Na exposição transcendental, demonstra-se que “o espaço não representa nenhuma propriedade das coisas, que não é mais que a forma dos fenômenos dos sentidos externos, isto é, a única condição subjectiva da sensibilidade, mediante a qual não é possível a intuição externa”. O resultado da investigação kantiana é a adscrição ao espaço dos caracteres de aprioridade, independência da experiência, intuitividade e idealidade transcendental. Como intuição pura, o espaço é uma”forma pura da sensibilidade” ou - “a forma de todas as aparências do sentido externo” (Crítica da Razão Pura). Ora, o chamado idealismo alemão acentuou o construtivismo do espaço numa proporção que Kant não havia imaginado. Em Fichte, por exemplo, o espaço aparece como algo estabelecido pelo eu quando este estabelece o objeto como extensão. E, em Hegel, o espaço é uma fase, dum momento do desenvolvimento dialéctico da ideia, a pura exterioridade desta. O espaço aparece, neste último caso, como a generalidade abstrata do ser-fora-de-si da natureza. Pode dizer-se então que a subjetivação do espaço dá lugar a uma ideia muito diferente consoante a forma como se admite essa subjetivação. A ideia do espaço ocupa um lugar destacado em todas as correntes importantes do século XIX. Só o naturalismo radical admitirá , sem crítica, uma objetividade exterior do espaço. Houve muitas discussões sobre o caráter absoluto ou relativo, objetivo ou subjectivo, do espaço, bem como sobre o problema das relações do espaço com o tempo e a matéria.

Indicaremos algumas das teses formuladas de um ponto de vista psicológico, geométrico, gnoseológico, ontológico e metafísico. Do ponto de vista psicológico, considera-se o espaço como objeto da percepção, e a resposta ao problema deu como resultado várias teorias acerca dos diferentes espaços (táctil, auditivo, visual, etc), bem como da aquisição da ideia de espaço (empírico, nativista, etc). Do ponto de vista geométrico, considera-se o espaço como “o lugar das dimensões”, como algo contínuo e ilimitado. Do ponto de vista físico, o problema do espaço relaciona-se intimamente com as questões que se referem à matéria e ao tempo, e a resposta a estas questões afeta também, como na física recente, a constituição geométrica. Falava-se, assim, em física, por exemplo, de um contínuo espaço-tempo. Do ponto de vista gnoseológico, examina-se o espaço enquanto classe especial das categorias. Do ponto de vista ontológico, como uma das determinações de certos tipos de objetos. Finalmente, do ponto de vista metafísico, o problema do espaço engloba o problema mais amplo da compreensão da estrutura da realidade. [Ferrater]


A noção de espaço no pensamento grego. Na história do pensamento ocidental, o problema do espaço é formulado, pela primeira vez, em termos críticos, no séc. VI a.C, pelos filósofos da Escola de Elea. Sustentando a tese de que o pensamento se identifica com o ser, e que o ser é uno e imóvel, os eleatas contestam a mobilidade e a multiplicidade do ser e, consequentemente, a existência do espaço e do tempo, que representam a condição de possibilidade ou a consequência do movimento. Para Parmênides, o ser é e o não-ser não é, confundindo-se o ser com o pleno e o não-ser com o vazio. O ser é imóvel porque só se poderia mover ou no ser ou no não-ser; no ser é impossível, porque o ser se confunde com o ser, e no não-ser também porque o não-ser não é. O ser, além disso, é uno porque só poderia distinguir-se ou separar-se dos outros seres ou pelo ser ou pelo não-ser; pelo ser é impossível porque o ser se confunde com o ser e pelo não-ser igualmente, pois o não-ser não é, e portanto não pode limitar o ser.

Em defesa das teses da Escola, Zenão formulou os célebres argumentos contra a pluralidade e o movimento. O movimento é impossível porque, consistindo no percurso de uma extensão A-B, implica a passagem prévia da metade da extensão A-B, isto é, da extensão A-C; a passagem da posição A-C, por sua vez, implica a passagem prévia da metade da extensão A-C, e assim por diante. Prosseguindo na divisão, chega-se à seguinte alternativa: ou o espaço, a extensão, é infinitamente divisível, hipótese em que o móvel levaria um tempo infinito para percorrer as estações intermediárias da extensão A-B; ou, na segunda hipótese, o espaço não é infinitamente divisível, interrompendo-se a divisão no indivisível, quer dizer, no ponto, que corresponde à ausência ou negação do espaço; ora, se o espaço se compõe de pontos, ou de indivisíveis, o espaço não existe e o movimento é impossível.

Quanto à pluralidade, considerada como grandeza, ou bem se compõe de indivisíveis, unidades distintas, ou é um contínuo, constituído de partes indistintas. Na primeira hipótese, compondo-se de indivisíveis, será também indivisível, sem grandeza. Na segunda, a grandeza real conteria um número infinito de partes reais, crescendo, portanto, ao infinito. Considerada como número, a pluralidade é igualmente impossível. Se for real, ou será composta de coisas distintas, constituindo um número finito, ou então, sua distinção, ou descontinuidade, supõe intermediários, que, para serem distintos uns dos outros, implicam, por sua vez, outros intermediários e, assim, ao infinito. De acordo com um terceiro argumento, a pluralidade implicaria não só a exterioridade das coisas, umas em relação às outras, mas a ocupação, pelas coisas, de um lugar cada uma, lugar esse que, por sua vez, deveria ocupar outro lugar e, assim, indefinidamente. Um quarto argumento mostrava que a relação numérica entre um alqueire de milho, um grão de milho e a décima milésima parte desse grão, deveria encontrar-se também, o que não acontece, na relação dos sons que produzem ao cair.

A negação do movimento e da pluralidade, que envolvia a negação do espaço e do tempo, era, porém, insustentável. As filosofias posteriores ao eleatismo tentam superar a contradição entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual, procurando conciliar a exigência de unidade, próprias da razão, com a evidência do movimento e da multiplicidade dos seres, tais como nos são revelados pelos sentidos. A tentativa de solução mais significativa é representada pelo atomismo de Leucipo e Demócrito. Para os abderitanos, a realidade se constitui de átomos e do vazio. Os átomos são os elementos últimos, absolutamente plenos, indissolúveis e indivisíveis, e cuja impenetrabilidade exclui totalmente o vazio.

O vazio é o espaço no qual os átomos se movem, movimento que permite seu encontro e sua combinação, de que resulta a totalidade dos seres. A realidade se reduz, portanto, a duas formas ou modos da extensão, a que resiste, o átomo, e a que não resiste, o vazio. O átomo de Demócrito apresenta as propriedades do ser parmenídico, embora não seja uno mas múltiplo (há um número infinito de átomos) e não seja imóvel, pois é seu movimento que provoca a agregação dos átomos, origem da geração e da transformação das coisas. Para os atomistas da Escola de Abdera, o espaço é, portanto, um absoluto, o receptáculo infinito, uno e imóvel, no qual se movem, de toda a eternidade, os átomos. Demócrito chama o espaço, indiferentemente, de vazio, nada e infinito.

No Timeu, obra em que expõe sua cosmologia, Platão distingue três modalidades do ser: em primeiro lugar, as ideias ou essências, incriadas, unas e imóveis, acces-síveis apenas ao conhecimento intelectual em segundo, os seres criados, múltiplos e movediços, que são e deixam de ser, cognoscíveis somente pelos sentidos; em terceiro, finalmente, o espaço, eterno e indestrutível, receptáculo dos seres sensíveis,, conhecidos por meio da razão espúria.. Essas três modalidades do ser, ideias ou essências, vir-a-ser e espaço, são anteriores à existência do céu, assumindo, o espaço, a forma dos elementos. Confundindo-se com o vazio, o espaço só pode ser definido negativamente, não pelo que é, pois não é coisa alguma, mas pelo que contém e que com ele não se confunde. Propõem, os exegetas do pensamento platônico, o problema que consiste em saber se as ideias ou essências estão dentro ou fora do espaço. Na perspectiva do platonismo o problema, a rigor, não tem sentido, pois as ideias são objetos inteligíveis e não sensíveis, não tendo, consequentemente, relação alguma com o espaço. Puro receptáculo, o espaço se encontra, por assim dizer, entre os seres inteligíveis e os seres sensíveis, não passando de um contínuo sem determinação de espécie alguma.

O problema do espaço e do lugar é estudado por Aristóteles no livro IV da Física. Divergem os intérpretes na exegese do termo topos que, para uns, é a expressão do mesmo conceito e, para outros, corresponde a dois conceitos diferentes. Os primeiros alegam que Aristóteles utiliza o mesmo e único vocábulo para designar tanto o espaço quanto o lugar, sendo indiferente dizer que as coisas estão no espaço ou em determinado lugar. Para os segundos, as duas noções são perfeitamente distintas, pois o que Aristóteles diz a respeito do espaço não se pode dizer a respeito do lugar; Aristóteles trata do espaço a propósito do lugar, não se ocupando, a rigor, senão da posição no espaço, e observando que seus predecessores não haviam tratado desse problema.

Considerando o espaço em função do lugar, o Estagirita observa que o lugar afeta o corpo que nele se encontra; o lugar não é indeterminado porque, se o fosse, seria indiferente aos corpos ocupar este ou aquele lugar, o que não ocorre, pois uns, os leves, tendem para baixo e outros, os graves, para cima, etc; o lugar se determina não para os objetos, mas para determinada categoria de objetos; propriedade dos corpos, nem por isso, é por eles arrastado; o lugar não é causa material nem formal, nem eficiente nem final, nem tampouco receptáculo; comparável a uma vasilha, se define como modo de "estar em" e "o primeiro limite imóvel do continente".

O lugar é, ao mesmo tempo, separável e inseparável dos corpos; separável porque, quando se movem, os corpos mudam de lugar, e inseparável porque ocupam sempre um lugar. Todo corpo sensível tem um lugar o qual, segundo Aristóteles, pode ser alto e baixo, diante e atrás, à direita e à esquerda. O problema estaria em saber se há um lugar do lugar. Não sendo o espaço puro, verifica-se que, para Aristóteles, não há o lugar do lugar, que implicaria outro lugar, e assim indefinidamente. A dificuldade resulta da tese da impenetrabilidade dos corpos, desaparecendo desde que se admita a impenetrabilidade, como faziam os estoicos.

Depois de Aristóteles, são dignas de nota as concepções do espaço atribuídas a Teofrasto e Estratão de Lampsaco. Para o primeiro, o espaço não é uma realidade em si mesma, mas um resultado da posição e da ordem dos corpos, concepção que antecipa a tese de Leibniz sobre a estrutura relacional do espaço. Para o segundo, o espaço é uma realidade equivalente à totalidade do cosmos, o vazio cheio de corpos, ideia que coincide com a noção de espaço absoluto, sustentada por Newton. Para Plotino, que ora defende a concepção platônica, ora a concepção aristotélica do espaço, o lugar é um intervalo vazio entre as coisas, embora todas as coisas tenham seu "lugar próprio". Plotino contesta a distinção aristotélica entre o "lugar" e o "onde", pois dizer onde estão as coisas é o mesmo que dizer qual o lugar que ocupam. De acordo com os estoicos, o espaço é um "contínuo", no qual os corpos ocupam determinada posição, e se distribuem em certa ordem. A disposição em que se encontram corresponde aos diversos lugares que ocupam no espaço.

A Idade Média. O Medioevo não traz nenhuma contribuição importante à formulação do problema do espaço. A propósito da dependência ou independência do espaço em relação aos corpos, prevalece a tese aristotélica que concebe o espaço como lugar. Distinguem, os escolásticos, o espaço real, finito, cujos limites coincidem com os limites das coisas, e o espaço imaginário, que se prolonga além das coisas reais e inclui todas as coisas possíveis, sendo, portanto, potencialmente infinito. O espaço imaginário identifica-se com o vazio e o real, ou é pensado como realidade, ou é abstração mental com fundamento no real. Distinguem, ainda, os escolásticos, o locas, que corresponde ao topos aristotélico, o situs, situação dos corpos em seus respectivos lugares, e o spatium, distância, intervalo ou vazio entre os corpos.

Renascimento. No Renascimento, autores como Bernardino Telésio e Tommaso Campanella, entre outros, propõem, em substituição à tradicional, uma nova concepção do espaço, entendido não como receptáculo dos lugares, limite ou delimitação dos corpos, mas extensão homogênea e indiferenciada, pressuposto da geometria e da física moderna. Desde então, concebe-se o espaço como homogêneo, composto de partes qualitativamente inseparáveis; iso-trópico, incluindo direções com as mesmas propriedades; contínuo, pois não se interrompe; ilimitado ou infinito, pois não é possível atribuir limites ao espaço; tridimensional, incluindo a largura, a altura e a profundidade; homoloidal, porque qualquer figura recortada ou desenhada no espaço pode gerar figuras homólogas, embora em escalas diferentes. Tais propriedades caracterizam o espaço euclidiano, bem como a concepção do espaço entendido como infinito.

Racionalismo cartesiano. Para Descartes, a matéria se reduz à extensão, res extensa, e a extensão constitui a essência do espaço. Entre os corpos e o espaço que os contém cabe apenas uma distinção de razão, pois a extensão, como se acaba de dizer, também os constitui. A extensão do corpo é concebida como realidade isolada, sujeita ao movimento e às transformações que afetam os corpos, ao passo que a extensão espacial permanece a mesma, desde que mantenha a mesma grandeza, a mesma estrutura e o mesmo relacionamento com as outras partes do universo. O espaço real é a extensão real e o inteligível a extensão inteligível, ou abstrata. O vazio, consequentemente, é impossível, pois inclui certa extensão, e a extensão se confunde com a substância do corpo.

Despojado de suas qualidades sensíveis, ou secundárias, tais como forma, volume, cor, etc. os corpos ficam reduzidos à extensão, cujas dimensões coincidem com as dimensões do espaço. A percepção das qualidades secundárias depende dos sentidos, pois só os sentidos nos podem revelar a cor e o peso dos objetos, por exemplo, ao passo que a extensão é conhecida a priori, antes da experiência sensível, sendo objeto do que Descartes chama de "ideias claras e distintas", pois, consistindo na extensão, é apreendida como evidência pela intuição. O espaço cartesiano se caracteriza pela continuidade, pela exterioridade, reversibilidade, tridimensionalidade, etc. Descartes admite as noções de lugar e de situação, incluindo ambas no conceito de espaço.

Para Malebranche, a noção de espaço também é inteligível e não sensível, sendo necessária, eterna, imutável, comum a todos os espíritos, Deus, anjos e homens. Segundo Spinoza, que reduz as duas substâncias cartesianas, res extensa e res cogitans, a uma só, a coisa extensa é um modo da substância divina, pois Deus, ele próprio, é coisa extensa. O modo e a ideia de extensão, diz Spinoza, são a mesma coisa, embora expressa de maneira distinta. Na perspectiva do racionalismo cartesiano o espaço é entendido como absoluto, e o movimento dos corpos como relativo. Contestando a tese de que o espaço é o referencial absoluto, em função do qual se define o movimento, Leibniz, porém, sustenta que só as mônadas são substâncias e que o espaço é uma relação, uma ordem de coexistência entre os fenômenos. O espaço não é real, mas ideal, assim como o tempo.

O empirismo inglês. Aos empiristas ingleses interessa menos o problema da natureza que o da origem da noção de espaço, ou de sua gênese, considerada do ponto de vista psicológico. Locke, por exemplo, distingue as qualidades primárias das secundárias, incluindo o espaço e o tempo entre as primeiras. Originando-se do tato e da visão, a ideia de espaço é uma ideia simples, pois seu fundamento é real, a experiência sensível, e não outra ideia. A propósito do espaço, Locke distingue o corpo da extensão. Os corpos, sólidos e extensos, são divisíveis e se movem em diversas direções; a extensão, que não tem solidez e por isso não resiste ao movimento dos corpos, é o intervalo que separa ou limita a solidez dos corpos. O espaço é contínuo e suas partes não podem ser separadas umas das outras, pois, a rigor, não há partes do espaço. Embora tenha uma origem empírica, a noção de espaço, para Locke, é um absoluto, ou uma "ccisa em si", como dirá Kant.

De acordo com Berkeley, afirmar que o espaço é uma qualidade primária, como faz Locke, é admitir que existe independentemente do sujeito que conhece ou percebe. Mas, se o ser é o ser percebido, esse est percipi, a realidade do espaço consistirá na percepção do espaço, assim como ocorre com as qualidades secundárias, a cor, a forma, etc. A realidade do espaço se esgota, portanto, na percepção que dele se tem, motivo pelo qual pode dizer-se que é uma ideia real ou uma idealidade real. O céu e tudo o que povoa a terra, dizia Berkeley, todos os corpos que compõem a imponente forma do mundo só têm substância em nosso espírito... Enquanto não são percebidos por mim ou não existem no meu ou em qualquer outro espírito criado, pode-se dizer que não têm existência alguma ou subsistem apenas em algum espírito eterno.

A ciência moderna. Nasce a ciência moderna quando Galileu procura explicar não por que, como pretendia a ciência aristotélica, mas como as coisas acontecem, inaugurando, com o controle experimental das hipóteses, o método próprio da investigação científica. As descobertas de Galileu e, posteriormente, as de Copérnico, Kepler e Newton, dão origem à ideia de um universo mecânico de forças, tensões, ondas e vibrações. De acordo com a mecânica clássica, newtoniana, o espaço e o tempo são absolutos, e um acontecimento qualquer, um eclipse do sol ou da lua, por exemplo, pode ser perfeitamente determinado quando se pode estabelecer, matematicamente, sua posição no espaço, concebido na perspectiva euclidiana, como espaço tridimensional. A determinação de qualquer ponto no ou do espaço, por meio de suas coordenadas, como a latitude e a longitude, por exemplo, implica o estabelecimento prévio de um sistema de referência, aceito como invariável ou absoluto. Implícito nessa cosmovisão, está o postulado filosófico segundo o qual a contingência só pode ser concebida em função da necessidade, o finito em função do infinito ou o relativo em função do absoluto.

A crítica de Kant. Na confluência do racionalismo leibniziano, do empirismo inglês e da ciência físico-matemática de Newton, Kant procura determinar as condições de possibilidade, a estrutura e os limites do conhecimento, realizando a "revolução copernicana" no campo da gnoseologia, ao descobrir que não é o sujeito que gravita em torno do objeto mas, ao contrário, o objeto que gravita em torno do sujeito. Conhecer, segundo Kant, não é refletir uma realidade no pensamento, ou na sensibilidade, mas enquadrar os dados empíricos nas formas a priori da sensibilidade, o espaço e o tempo, e nas categorias puras do entendimento. Não se conhece, nem se pode conhecer, a realidade "em si mesma", tal como seria independentemente do sujeito que a conhece, porque o conhecimento não passa da relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto, relação na qual, segundo Kant, é o sujeito que determina o objeto, impondo-lhe as formas e as categorias que constituem a estrutura de seu espírito. O que se apreende, no conhecimento, não é, pois, o absoluto, mas o objeto em relação ao sujeito, e por ele "relativizado". A "coisa em si", o absoluto, é incognoscível, e a tese que sustenta sua cognoscibilidade é contraditória nos próprios termos, na medida em que nega a condição de possibilidade do conhecimento.

No capítulo da Crítica da Razão Pura, intitulado "Estética transcendental", Kant procede à "exposição metafísica" da ideia de espaço, demonstrando que, além de ser a priori, o espaço é objeto de intuição e não de conhecimento conceituai. O espaço é a priori, primeiro porque, longe de derivar da experiência, é sua condição de possibilidade. Que significa a experiência? A observação, a percepção, a intuição sensível de alguma coisa que, por definição, se acha diante de mim e por isso é, para mim, um ob-jeto. Para que a coisa possa ser ob-jeto, isto é, para que possa estar ou ser posta diante de mim, é indispensável que esteja no espaço, que se revela, assim, o pressuposto de qualquer percepção. Entendida como sensação, que pode ser externa ou interna, a experiência ou carece de objetividade, na hipótese da sensação interna, ou é objetiva, caso em que, como se acaba de ver, pressupõe o espaço. O espaço é a priori em segundo lugar, porque é possível pensá-lo sem coisas, vazio, mas não é possível pensar as coisas fora do espaço. O pensamento das coisas pressupõe, consequentemente, o espaço, mas o espaço não implica o pensamento prévio de coisa alguma. O espaço é, portanto, a priori, puro, quer dizer, anterior à experiência e dela independente.

O espaço, além disso, é uma intuição e não um conceito porque o conceito, segundo Kant, é o universal abstrato, a unidade mental que contém um número indefinido de seres e de coisas. Qual é, por exemplo, o conceito de homem? A síntese mental das notas ou dos atributos que definem ou caracterizam o ser humano, todos os homens enquanto humanos. O conceito, portanto, abrange a totalidade ou a unidade dos objetos aos quais se refere. A intuição, ao contrário, é a forma ou modalidade de conhecimento que consiste em apreender um objeto particular, apenas. Não é possível, pois, ter a intuição do objeto de um conceito ou do conteúdo de um conceito porque esse conteúdo consiste em uma infinita universalidade de seres. O espaço não é conteúdo de conceito mas de intuição porque não há vários espaços mas apenas um espaço. Só por metáfora é possível falar em vários espaços, o sideral, o estético, etc; na realidade há apenas um espaço, que, sempre o mesmo, é apreendido por intuição.

Ao caracterizar o espaço como forma a priori da sensibilidade e objeto de intuição, Kant estabelece aquilo que, em sua linguagem, chama de condições transcendentais da objetividade. Tais pressupostos são, com outras palavras, as condições de cognoscibilidade das coisas. As coisas são cognoscíveis na medida em que são objetos ou fenômenos, e são objetos ou fenômenos na medida em que se enquadram nas formas a priori da sensibilidade e nas categorias puras do entendimento. Das coisas "em si mesmas", fora da relação do conhecimento, nada poderíamos saber nem dizer. O pressuposto da objetividade e, portanto do conhecimento, é o espaço, enquanto forma na qual se apreendem os dados da sensibilidade e se pensam as formas geométricas e as relações entre os fenômenos.

A geometria, por exemplo, não apenas subpõe o espaço, mas o põe continuamente, e suas figuras são objeto de intuição pura, a priori. Porque o espaço é a priori, torna-se possível construir, ou reconstruir a geometria sem recorrer à experiência, mediante um trabalho meramente racional e teórico que utiliza, como pressuposto fundamental, a intuição do espaço. Não é preciso recorrer à experiência para demonstrar que, no espaço plano, a soma dos ângulos de um triângulo é igual a 180 graus, ou que qualquer esfera é uma figura que se constrói fazendo girar meia circunferência em torno de seu diâmetro. Passando-se, porém, da geometria pura à aplicada, verifica-se que há uma perfeita correspondência, uma "harmonia preestabelecida", como diz Leibniz, entre as construções mentais da primeira e os dados da experiência. A geometria, portanto, impõe, a priori, suas leis à realidade, pois não é possível que, cortando um cone por um plano paralelo ao seu eixo, não resulte, desse corte, a figura geométrica que se chama de hipérbole. Tal coincidência se explica, segundo Kant, porque o espaço não é uma "coisa", mas a forma "a priori" de todas as coisas. A sensibilidade encontra os objetos no espaço porque, a priori, os espacializa, incluindo-os ou enquadrando-os nas formas puras que condicionam a experiência e a tornam possível.

A dialética hegeliana. Levando o idealismo subjetivista de Kant às últimas consequências, Fichte salienta o construtivismo da ideia de espaço, como entidade posta pelo sujeito, ou pelo eu, quando o eu põe o objeto como extenso. Na Filosofia da Natureza, no capítulo consagrado à Mecânica, Hegel define o que chama de "estado de separação abstrato", o espaço e o tempo. O espaço é a determinação primeira ou imediata da natureza, a universalidade abstrata de seu ser exterior a ela, seu estado de indiferença sem mediação. O espaço, diz Hegel, é um estado de justaposição ideal porque é o ser fora de si mesmo e absolutamente contínuo, porque esse estado de separação é ainda inteiramente abstrato e não contém nenhuma diferença ou determinação. Comentando a definição kantiana do espaço, Hegel observa que, abstraindo seu idealismo subjetivo, a definição é correta, ao conceber o espaço como simples forma, quer dizer, como abstração da exterioridade imediata.

Possibilidade apenas, e não posição do estado de separação e de negação, o espaço é, por isso mesmo, contínuo. O espaço é quantidade pura, não como determinação lógica, mas como determinação imediata e exterior. Essa a razão pela qual a natureza não começa pelo qualitativo, mas pelo quantitativo. A diferença, no entanto, é qualitativa. Como tal, a diferença é o movimento do ponto que, negação do espaço, engendra a linha, que é a negação do ponto; o movimento do ponto consiste, pois, na negação da negação; o movimento da linha, que é negação do ponto, engendra a superfície, que é a negação da linha e, portanto, negação da negação; o movimento da superfície, finalmente, dá origem ao espaço propriamente dito, em sua totalidade, ou em suas três dimensões, que passa, então, a integrar sua última negação, a superfície. Tal é, segundo Hegel, a dialética do espaço, entendido não como coisa mas como processo dialético de espacialização, nem puramente objetivo, como pretendia Newton, nem meramente subjetivo, como sustentava Kant, porque consiste na objetivação de sua própria noção, ou com outras palavras, na alienação do espírito na forma da natureza, assim como a história é a alienação do espírito na forma do tempo.

Bergson e Heidegger. Segundo Bergson, o real inclui a matéria, que é inércia, geometria e necessidade; a vida, que é contingência e espontaneidade, e o espírito, que é liberdade e criação. O espaço se confunde, pois, com o real enquanto matéria, ou com a materialidade do real, pois onde há vida, diz Bergson, há um registro no qual o tempo se inscreve. Orientado na direção da vida e do espírito, o élan vital (ímpeto vital) sofre, em seu processo de desenvolvimento, interrupções, colapsos e retrocessos, que correspondem a distensões da tensão que caracteriza a vida. De tais distensões resulta o espaço que não passa, segundo Bergson, de um subproduto ou de um rastro do ímpeto vital.

Segundo Martin Heidegger, a análise do espaço, a propósito dos entes que não se incluem na categoria dos existentes, pode servir de subsídio apenas à análise da espacialidade da existência propriamente dita. O espaço, ou a espacialidade de tais entes, como entendia Descartes, é o lugar no qual se acham situados, e que coincide com a própria extensão. A espacialidade do Dasein (ser-aí, existente humano), porém, resulta da preocupação e do projeto, pois as noções de proximidade e de distância, de afastamento e de aproximação, devem compreender-se de um ponto de vista ontológico-existencial, pois quem afasta ou aproxima é o Dasein que, ao projetar-se, espacializa a própria existência. Podemos estar mais próximos da pessoa que nos preocupa e que projetamos rever que do vizinho em relação ao qual somos indiferentes. O espaço não está apenas no sujeito, nem tampouco na própria existência, cuja característica ontológica fundamental é ser ou estar no mundo.

Einstein. O espaço newtoniano era entendido como referencial absoluto, em função do qual se determinava o movimento enquanto relação. Reduzindo a luz a uma perturbação elétrico-magnética, Maxwell parecia ter materializado, por assim dizer, o espaço geométrico absoluto, fundando a teoria do éter, definido como suporte ou substratum universal de todos os fenômenos físicos. A física propunha, assim, um modelo mecânico para todos os fenômenos naturais, que, por hipótese, deveriam ocorrer no interior de um quadro fixo de referência, o espaço absoluto, contínuo e imutável, requerido pela física newtoniana.

Em 1881, a fim de testar a realidade do éter, Michelson e Morgan realizaram uma experiência que se tornaria clássica. Comparando o espaço a um imóvel mar de éter, admitiram, por hipótese, que o movimento da terra através do éter poderia ser medido como se mede a velocidade de um navio no mar. Newton mostrara que tal mensuração não se conseguiria por meio de uma experiência mecânica, realizada no interior do navio. Estabelecendo uma comparação entre a terra e o navio, Michelson e Morley, por meio do "interferômetro", verificaram que a rapidez dos feixes luminosos, que deveria aumentar quando se projeta na direção do movimento da terra (acrescentando-se à velocidade da luz, 300 mil km por segundo, mais 29,750 km por segundo, velocidade do movimento da terra), permanecia, no entanto, invariável, fosse qual fosse sua direção. Essa experiência propunha o seguinte dilema: ou abandonar a teoria do éter, que permitia explicar muitos fenômenos da luz, da eletricidade e do magnetismo; ou então, para não renunciar ao éter, abandonar a teoria coper-nicana sobre o movimento da terra. A experiência mostrou que as ondas luminosas, electromagnéticas, dispensam, para propagar-se, um meio, ou ambiente, que as envolva e suporte.

Refletindo sobre a experiência de Michelson-Morley, Albert Einstein rejeita a teoria do éter e a hipótese do espaço entendido como moldura vazia e imóvel, no interior da qual se poderia distinguir o movimento absoluto do relativo. Admitindo, como lei universal, que a velocidade da luz não é afetada pelo movimento da terra, Einstein supõe que também deve ser independente do movimento dos astros ou de qualquer sistema do universo. As leis da natureza devem ser as mesmas para todos os sistemas que se movem uniformemente uns em relação aos outros.

A ideia de um espaço absoluto, do qual o éter seria a imagem material, escapa tanto à física quanto à mecânica. A simultaneidade universal é contestada, e sua definição depende do movimento relativo. Verificada a equivalência de todos os observadores, ou de todos os pontos de vista, nenhum privilégio cinético pode ser concedido ao espaço. O espaço físico absoluto, representado pelo éter, perde a razão de ser, e, se a simultaneidade também varia de acordo com o movimento relativo dos observadores, não tem sentido, também, a hipótese de uma sucessão temporal absoluta.

A crítica einsteiniana mostra que a ideia de simultaneidade não decorre, como se supunha, de uma evidência imediata. A simultaneidade de dois fenômenos deve fundar-se na experiência: um observador situado em C, meio de A-B, receberá, ao mesmo tempo, sinais luminosos emitidos de A e de B. Tal critério, no entanto, depende do estado de movimento dos observadores que, coincidindo instantaneamente, mas em movimento relativo, um no trem e outro na estrada de ferro, por exemplo, perceberão de modo diferente os fenômenos que ocorrem em A e em B. Nenhum critério permite afirmar que o movimento de um sistema é aparente em contraposição ao movimento de outro sistema, que, por hipótese, seria real, e nenhuma experiência permite afirmar a existência nem do espaço nem do tempo absoluto.

Levando as teses de Berkeley, de Leibniz e de Kant às últimas consequências, Einstein demonstra que o espaço, longe de representar a onipotência de Deus na natureza, como pretendia Newton, não passa de uma forma da intuição, inseparável da consciência do sujeito cognoscente, como as noções de forma, cor e volume. Não é possível encontrar, na natureza, nenhum ponto de referência que permita comparações absolutas, pois o que chamamos de espaço é apenas a ordem de relação das coisas umas com as outras. Não há um espaço absoluto, independente das coisas que o ocupam e do sujeito que as percebe. A realidade do espaço se esgota no relacionamento entre as coisas e, entre as coisas, a consciência que as conhece. [Corbisier]


A noção de espaço deu origem a três problemas diferentes, ou melhor, a três ordens de problemas: 1a respeito da natureza do espaço; 2a a respeito da realidade do espaço; 3a a respeito da estrutura métrica do espaço A resposta a este último problema só pode ser uma geometria, e as diversas respostas a ele dadas constituem as diferentes geometrias. Para tais respostas, cf. GEOMETRIA.

1) O primeiro problema concerne ao verdadeiro conceito de espaço e é o problema da natureza da exterioridade em geral, ou seja, daquilo que torna possível a relação extrínseca entre os objetos. Einstein, no prefácio a um livro histórico sobre o conceito de espaço (Max Jammer, Concepts of Space, 1954), distinguiu duas teorias fundamentais de espaço: a) espaço como qualidade posicionai dos objetos materiais no mundo; b) espaço como continente de todos os objetos materiais. A esses dois conceitos pode-se acrescentar outro, fundado pelo próprio Einstein: c) espaço como campo.

a) A primeira concepção é de espaço como lugar, como posição de um corpo entre outros corpos. Nesse sentido, o espaço é definido por Aristóteles como "o limite imóvel que abraça um corpo" (Fís., IV, 4, 212 a 20), definição que Aristóteles reconhece idêntica ao conceito platônico que identificava espaço e matéria (Tim., 52 b, 51 a). Segundo esse conceito, não haverá espaço onde não houver objeto material; por isso, a tese principal dessa teoria do espaço é a inexistência do vazio (cf. Aristóteles, FÍS., IV, 8, 214 b 11). Essa é a teoria que prevalece na Antiguidade e é aceita durante toda a Idade Média até mesmo pelos adversários de Aristóteles (cf. Ockham, Summulae physicorum, IV, 20; Quodl, I, 4). No Renascimento era defendida por Campanella (Desensu rerum, I, 12), sendo aceita e reexposta por Descartes nos termos da sua geometria. Entre lugar e espaço Descartes estabelecia uma diferença apenas nominal, porquanto "o lugar assinala mais expressamente a situação do que a grandeza ou a figura e pensamos mais nestas quando falamos do espaço". Mas as duas coisas são idênticas: "Se dizemos que uma coisa está em tal lugar, entendemos somente que está situada de tal modo em relação a outras coisas; mas se acrescentamos que ocupa tal espaço ou tal lugar, entendemos ademais que ela é de tal grandeza e de tal forma que pode preenchê-lo exatamente" (Princ. phil, II, 14). Descartes negava, portanto, a existência do vazio (Ibid, II, 16); assim como a negava Spi-noza, que compartilhava da mesma concepção de espaço (Et, I, 15, scol.). Leibniz, por sua vez, defendia essa concepção contra Newton e seus seguidores. "Se o espaço é uma propriedade ou um atributo, deve ser a propriedade de alguma substância. O espaço vazio e limitado, que seus defensores supõem entre os dois corpos, seria propriedade ou afecção de que substância?"’ (IVe Lettre à Clarke, 8; Op., ed. Erdmann, p. 756). Mas a velha concepção encontrava em Leibniz expressão nova e feliz, em termos de noção de ordem, que deveria tornar-se clássica: "Considero o espaço (opondo-se a Newton e seus seguidores) como algo puramente relativo, do mesmo modo que o tempo, ou seja, como uma ordem de coexistências, assim como o tempo é uma ordem das sucessões. Isso porque o espaço caracteriza, em termos de possibilidade, uma ordem de coisas que existem ao mesmo tempo, porquanto existem juntamente, sem entrar em seus modos de existir" (III’’ Lettre à Clarke, 4; Op., ed. Erdmann, p. 752). A definição de Leibniz foi retomada por Wolff (Ont, § 389) e por Baumgarten (Met, § 239). O próprio Kant defende-a nas primeiras obras e só resolve abandoná-la em 1768, em Sobre o primeiro fundamento da distinção das regiões no espaço. Nessa obra ele declara insuficiente a concepção do espaço como ordem de coexistências: "As posições das partes do espaço em relação entre si pressupõem a região segundo a qual elas estão ordenadas nessa relação; entendida do modo mais abstrato, a região não consiste na relação que uma coisa tem com outra no espaço (o que, propriamente, constitui o conceito de posição), mas na relação do sistema dessas posições com o espaço cósmico absoluto". Todavia, a concepção posicionai do espaço nunca é de todo abandonada pelo pensamento filosófico posterior: parece pressuposta nas teorias idealistas do espaço (v. mais abaixo), pelo que se pode extrair do caráter genérico e confuso dos conceitos empregados, e foi defendida com energia e lucidez por Heidegger. Este afirmou que "nem o espaço está no sujeito nem o mundo está no espaço", mas que o próprio sujeito, ou seja, a realidade humana, o ser-aí, é espacial em sua natureza. E é espacial porque, como ser-no-mundo, em sua relação com as coisas, é dominado pela proximidade ou pela distância das coisas utilizáveis, por um conjunto de relações possíveis que "a intuição formal" do espaço só faz evidenciar nas várias disciplinas geométricas (Sein und Zeit, §§ 23-24).

b) A segunda concepção de espaço considera-o como o recipiente que contém os objetos materiais. Essa concepção nasceu com o atomismo antigo, e sua tese fundamental é a existência do espaço vazio e de sua infinidade. Demócrito já expressara ‘essas ideias; afirmava que os átomos se movem no espaço vazio e que esse espaço é infinito (Fr, 38-40, Diels). Epicuro herdou essa concepção (Carta a Heródota, cf. Dióg. L., X, 67), que era defendida por Lucrécio Caro (De rer. nat, I, pp. 950 ss.). A mesma concepção de espaço era compartilhada pelos estoicos, em particular por Zenão (Diógenes Laércio, VII, 140).

Obliterada durante muito tempo pela concepção aristotélica, essa doutrina volta a apresentar-se no Renascimento. Telésio afirma que o espaço deve poder ser receptáculo de qualquer coisa, de tal modo que, estejam as coisas dentro dele ou distantes dele, ele permaneça idêntico e acolha prontamente todas as coisas que se sucedem nele, sendo ao mesmo tempo tão grande quanto as coisas que nele acham lugar. O espaço, portanto, é infinito e incorpóreo: a existência do vazio é um fato de experiência (De rer. nat, I, 25). A infinidade do espaço era definida por Giordano Bruno no mesmo sentido (De l’infinito, universo e mondi, I).

Essa concepção de espaço prevaleceu na ciência graças a Newton, que dizia: "O espaço absoluto, por sua própria natureza, sem relação com algo exterior, é sempre semelhante e imóvel. O espaço relativo é a dimensão móvel ou a medida do espaço absoluto; nossos sentidos o determinam por sua posição em relação aos corpos, sendo muitas vezes confundido com o espaço imóvel; essa é a dimensão de um subterrâneo, de um espaço aéreo celeste, determinado pela sua posição em relação à terra. O espaço absoluto e o relativo são idênticos em forma e grandeza, mas não permanecem sempre numericamente os mesmos. Porque, p. ex., se a terra se move, um espaço do nosso ar, que, relativamente à terra, continua o mesmo, em certo momento fará parte do espaço absoluto que o ar atravessa e, em um outro, será uma outra parte do mesmo espaço" (Philosophiae naturalis principia mathematica, 1687, I, def. 8 scol.). A polêmica de Leibniz contra essa doutrina não conseguiu impedir seu êxito. Quase um século depois, Euler dizia: "Suponhamos que todos os corpos que se acham agora no meu quarto, inclusive o ar, sejam aniquilados pela onipotência divina. Obteremos então um espaço que, apesar de ter o mesmo comprimento, a mesma largura e a mesma profundidade de antes, já não contém nenhum corpo. Portanto, aí está, no mínimo, a possibilidade de uma extensão que não é um corpo. Semelhante espaço sem corpo é denominado vácuo; o vácuo, portanto, é uma extensão sem corpo" (Lettres à une princesse d’Allemagne, 69, de 21-X-1760; trad. it., p. 228). Já se viu que a noção newtoniana de espaço acabou prevalecendo (talvez por influência do próprio Euler) na doutrina de Kant. Também prevaleceu em toda a física do séc. XIX, apesar das frequentes críticas à parte referente ao espaço absoluto. Clerk Maxwell afirmava que "todo o nosso conhecimento tanto do tempo quanto do espaço é essencialmente relativo" (Matter and Motion, Dover publ., p. 12). Mach falava da "monstruosidade conceitual do espaço absoluto" (Die Mechanik in ihrer Entwicklung, 1883; T ed., 1921, p. X). Essa teoria do espaço foi, porém, assumida ou pressuposta pela física até Einstein.

c) A terceira concepção fundamental do espaço é a de Einstein, que prevalece na física contemporânea. À primeira vista, principalmente ao se considerar só a relatividade restrita, a concepção de Einstein constitui um retorno à teoria clássica do espaço como posição ou lugar. Diz Einstein a respeito: "Nosso espaço físico, do modo como o concebemos por meio dos objetos e de seu movimento, tem três dimensões e as posições são caracterizadas por três números. O instante em que se verifica o evento é o quarto número. A cada evento correspondem quatro números determinados e um grupo de quatro números corresponde a um evento determinado. Portanto, o mundo dos eventos constitui um contínuo quadridimensional" (EINSTEIN-INFELD, The Evolution of Physics, III; trad. it., p. 217). Nesse conceito de espaço, a novidade parece ser constituída exclusivamente pelo acréscimo da coordenada temporal às coordenadas com que Descartes definia o espaço Mas na relatividade geral, o afastamento dos conceitos tradicionais é mais radical. Aí não tem mais sentido falar de espaço sem considerar o campo, que é usado para representar os fenômenos físicos. Tanto os fenômenos inerciais quanto os gravitacionais são explicados por mudanças na estrutura métrica do campo: "Em vez de um sistema de referência rígido e fixo (observou-se com justeza), agora se tem a oportunidade de constatar as variações na curvatura do espaço ou, o que dá no mesmo, o uso de critérios não euclidianos de medida e de cálculo em diferentes partes do campo como um todo, segundo as variações na densidade da matéria e da energia. Portanto, sem levar em conta o campo, não há nada e, contrariando até mesmo a relatividade restrita, nem sequer o espaço vazio. Nesse sentido, o campo, segundo Einstein, substitui como concepção unitária tanto a matéria (ponderável ou imponderável) quanto o espaço" (M. K. Munitz, Space, Time and Creation, 1957, VII, I; trad. it., pp. 112-13). Paradoxalmente, portanto, a concepção mais atualizada do espaço não é senão a renúncia implícita ao conceito de espaço e o encaminhamento para o uso de outros conceitos, menos vinculados a abstrações tradicionais e mais capazes de descrever os resultados da observação.

2) O problema da realidade do espaço deu lugar a três diferentes teses: a) da realidade física ou teológica do espaço; b) da subjetividade do espaço; c) de que o espaço é indiferente ao problema da realidade ou irrealidade.

d) A tese da realidade física ou teológica do espaço é típica da filosofia antiga. Concebendo o espaço como lugar ou posição ou como recipiente, os antigos acreditavam na realidade do espaço e consideravam-no um elemento ou uma condição do mundo ou mesmo um atributo de Deus. Enquanto para Platão, para Aristóteles e para os epicuristas o espaço é constituinte do mundo, para os neoplatônicos é Deus. Essa concepção é atribuída por Sexto Empírico aos peripatéticos: "Parece que, para os peripatéticos, o primeiro Deus é o lugar de todas as coisas. De fato, segundo Aristóteles, o primeiro Deus é o limite dos céus... E uma vez que o limite dos céus é o lugar de todas as coisas dentro dos céus, Deus será o lugar de todas as coisas" (Adv. math., II, 33). A filosofia judaico-alexandrina adota essa concepção, que reaparece nos livros da Cabala. No séc. XVII, foi aceita por Campanella (De sensu rerum, I, 12), por Henry More (Enchiridion metaphysicum, I, 8) e por Spinoza, que concebeu a extensão como um atributo de Deus e afirmou, portanto, que "tudo o que é, é em Deus" (Et., I, 15). O próprio Newton falou do espaço como sensorium, órgão mediante o qual Deus move as coisas (Opticks, III, q. 31; Dover publ., p. 403), conceito criticado longamente por Leibniz em suas cartas a Clarke, mas aceito no séc. XVIII por vários escritores, inclusive o próprio Clarke. Como última manifestação desse ponto de vista pode-se considerar a doutrina de S. Alexander, segundo a qual o espaço e o tempo são a substância do universo e de Deus, estando entre si na mesma relação em que o corpo está com o espírito. Desse ponto de vista, o espaço seria o "corpo" da realidade, logo de Deus, que está no ápice da realidade (Space, Time and Deity, 1920).

b) A tese da subjetividade do espaço foi apresentada pela primeira vez por Hobbes, que definiu o espaço como "a imagem da coisa existente enquanto existente, ou seja, não se considerando dela outro acidente que não seu aparecer fora do sujeito imaginante" (De corp., VII, § 2). A análise que Locke fez do espaço como ideia complexa de modo também tem como pressuposto a redução do espaço a uma ideia (Ensaio, II, 13, 2); essa redução é ainda mais radical em Berkeley, pela sua oposição ao conceito newtoniano de espaço: "A consideração filosófica do movimento não implica a existência de um espaço absoluto distinto do que é percebido pelos sentidos e relativo aos corpos: está claro que tal coisa não pode existir sem o espírito, considerando os mesmos princípios que demonstram tese semelhante sobre todos os outros objetos dos sentidos" (Principles of Human Knowledge, I, 116). Com base no mesmo pressuposto, Hume afirmava que "a ideia de espaço ou extensão não é mais que a ideia de pontos visíveis ou tangíveis, distribuídos em certa ordem", e que portanto "não podemos fazer ideia do espaço ou do vácuo onde nada haja de visível ou tangível" (Treatíse, I, II, 5, ed. Selby-Bigge, p. 53).

O empirismo havia, assim, afirmado a subjetividade do espaço, reduzindo-o a um conceito empírico, a uma ideia derivada de sensações. Leibniz e seus seguidores, por outro lado, considerando o espaço como "a ordem das coexistências", faziam a mesma redução subjetivista, mas chegavam a considerar o espaço como um conceito discursivo, universal, que exprime as relações das coisas entre si. A essas duas formas de subjetividade, Kant contrapôs a subjetividade transcendental do espaço, segundo a qual ele é a condição da percepção sensível. "O espaço é uma representação necessária apriori, que serve de fundamento para todas as intuições externas. Nunca se pode formar a representação da inexistência do espaço, ainda que se possa perfeitamente pensar que no espaço não há objeto algum. O espaço deve ser, portanto, considerado como a condição da possibilidade dos fenômenos, e não como uma determinação dependente deles; é uma representação apriori que está necessariamente no fundamento dos fenômenos externos" (Crít. R. Pura, § 2). Nesse sentido, o espaço não é nem conceito nem percepção, mas "intuição apriori" ou "intuição pura", ou seja, condição de qualquer intuição externa possível. Assim entendido, corresponde exatamente ao "espaço absoluto" de Newton, que este entendia como sensorium de Deus; para Kant é como o sensorium do sujeito cognoscente, isto é, a condição absoluta da possibilidade dos objetos externos.

Na filosofia moderna e contemporânea a tese da subjetividade do espaço assume a forma do caráter aparente ou ilusório do espaço Idealismo e espiritualismo insistem nessa tese. Hegel afirmava que "o espaço é mera forma, uma abstração, uma abstração da exterioridade imediata" (Enc., § 254): o que, todavia, não o impedia de procurar uma demonstração racional da necessidade das três dimensões do espaço (Ibid., § 255). O idealismo de inspiração hegeliana considera o espaço simples, aparência (cf. Bradley, Appearance and Reality, 1893; Gentile, Teoria generale dello spirito, 1916, cap. IX). E o espiritualismo segue o mesmo caminho quando, com Bergson, vê o espaço como a decadência, a dispersão ou a exteriorização da duração real da consciência (Essai sur les données immédiates de la conscience, 1889; Évol. créatr., 3â ed., 1934, pp. 219 ss.). Teses análogas a essas foram e são frequentemente repetidas na filosofia contemporânea.

c) A terceira alternativa que o problema da realidade do espaço deixou aberta é a rejeição do problema e a afirmação de que o espaço não é real nem irreal, embora possa, em alguma das suas determinações métricas, ser empregado na descrição da realidade. Esse ponto de vista começou a amadurecer com a descoberta das geo-metrias não euclidianas, quando se percebeu a dificuldade de saber se uma dessas geometrias está incorporada na estrutura física do mundo. Embora os matemáticos se tenham pronunciado algumas vezes em favor da resposta positiva a essa questão, optando em sua maioria pela geometria euclidiana, o caráter provisório e parcial dessas respostas mostra, mais do que qualquer outra coisa, a impossibilidade de resolver a questão e induz à adoção do ponto de vista que prescinde dela. Pode-se então afirmar que só motivos de oportunidade científica sugerem o uso de um esquema geométrico particular para a descrição de determinado campo de fenômenos. A esse respeito M. K. Munitz diz o seguinte: "Poderá ser mais conveniente e fecundo usar um esquema métrico e não outro, mas não podemos dizer que são os fatos que nos levam a fazer isso. O problema é o seguinte: a adoção de um valor particular para a curvatura, tomado em conjunção com o resto da teoria, permite-nos fazer inferências corretas a partir de dados fatos para outros fatos? Se a exatidão dos fatos observáveis inferidos for maior quando estabelecidos por uma teoria com sua métrica própria e não por outra, poderemos dizer que ‘a métrica do universo é assim e assim’. Esta última expressão não passa de um modo sumário de aludir à superioridade relativa de dada teoria ou modelo do universo" (Space, Time and Creation, VII, § 4; trad. it., p. 133). [Abbagnano]

Submitted on:  Wed, 16-Jun-2010, 11:05