ato e potência

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

ato e potência

Os quatro principais axiomas sobre o ato e a potência, estabelecidos pela escolástica, são os seguintes:

1) O da limitação do ato pela potência, que serve para explicar a finitude dos seres;

2) o axioma da multiplicação do ato, que serve para explicar a multiplicidade dos seres de uma mesma espécie;

3) o axioma da unidade do ato, que serve para explicar a verdadeira unidade dos seres, cuja natureza se compõe de dois princípios substanciais: matéria e forma. É o problema da unicidade da forma substancial;

4) o axioma do trânsito da potência ao ato, muitas vezes considerado como a mais profunda expressão do princípio de causalidade, e que serve de base para a prova da existência de Deus como atualidade pura (primus motor immobilis), e de sua contínua cooperação com as criaturas.

Para os tomistas, ato e potência pertencem à ordem real, em contraposição à ordem lógica. Estão na relação mútua de determinante e de determinável, e sustentam eles haver uma distinção real.

Os escotistas, adversários dos primeiros, consideram apenas como gradus metaphysici à semelhança das formalidades, como “vida, heceidade”, etc. e distintas ex natura rei.

Tal afirmativa leva aos tomistas a chamá-los de realistas exagerados.

Cabe agora saber o que entendem por real. Ora, tal termo, em toda a escolástica, é de um sentido ambíguo. (Vide real).

Segundo Gredt, há distinções entre ato e potência.

O ato é separável da potência (actus realiter est separabilis a potência. . . potentiam ab actu realiter distingui ex eo quod potentia est id quod est determinabile, actus vero id quod est determinans: iam vero determinans et determinabile realiter distinguntur oportet) (Elementa II 5,39).

O que se pode separar é o que é realmente distinto. Além disso, o que determina e o que é determinado não podem ser a mesma coisa, e se o ato determina a potência, e esta é determinada por aquele, a distinção é então efetiva.

Do contrário, seriam o determinante e o determinado apenas aspectos, sobre os quais nosso funcionamento especificamente intelectual estabelece os conceitos de ato e de potência. Por acaso tudo quanto distingue ele conceitualmente pode ser afirmado com distinção real, no sentido que os tomistas empregam? Nesse caso, tudo o que fosse realmente idêntico teria que ser conceitualmente idêntico.

Se é assim, a atividade abstrativa de nossa intelectualidade estaria negada, e teríamos então estabelecido um paralelismo entre a ordem do conhecimento e a ordem do ser, o que é, na escolástica, o fundamento epistemológico da distinção formal escotística, e que, no problema dos universais, conduz a um realismo conceptual extremo, como pensam muitos.

Os escotistas afirmam que há apenas uma distinctio formalis. Os tomistas respondem que os argumentos não procedem, porque ato e potência são realmente distintos, portanto distintos na mente como nas coisas. Não são meros aspectos, mas realidades separáveis.

Suarez, como Tomás de Aquino, acusava de erro aqueles que pretendem medir a distinção das coisas pela distinção dos conceitos. Não há nenhuma necessidade de que a meramente conceptual corresponda, como fundamento, a uma distinção real. Mas, para Tomás de Aquino e os tomistas, quanto a ato e potência, há essa distinctio realis ex natura rei.

Qual o significado do termo real para os escolásticos ?

Real refere-se à ordem da existência. Significa o contrário do nada «real», que também chamam de nada físico, em contraste com o nada absoluto ou metafísico.

Ao mundo da metafísica geral pertencem as essências. Todos os objetos, que pertencem à ordem metafísica se denominam de reais, embora não existam actu (Fuetscher). A ordem metafísica é uma ordem real. É antítese do simples nada, ou nada absoluto.

As essências, embora constem de uma determinação, ou de várias, têm verdadeira unidade, e, como tais, são capazes de receber a existência, pensam os escolásticos. Temos, assim, um real-físico e um real-metafísico.

«Essência significa a soma das determinações de um objeto, o conceito essencial, que contém todas aquelas notas que são comuns aos indivíduos de uma mesma classe de ser, e só aquelas que constituem precisamente essa classe com diferença de todas as outras. . . Uma essência, enquanto é comum a vários seres e constitui por isso mesmo conceito essencial dos mesmos, só pode achar-se, enquanto tal, num sujeito cognoscente; não pode ser um “objeto” do mundo físico. . . Pertence, necessariamente, à ordem lógica... E se considerarmos a essência puramente em si, em absoluto, ou enquanto é capaz de receber a existência, então tal essência pertencerá à ordem real. Estará «objetivada», será um «objeto» da ordem “metafísica”, um «objeto» do reino das possibilidades, do qual pode ser transladado para a existência pela ação de uma causa eficiente, e convertido, desse modo, num objeto da ordem «física» . . . Os conceitos, nós os concebemos como «criações» da ordem “lógica” (Fuetscher).

Daí, a base tomista da distinção real de ato e potência fica assegurada, mas não sabemos qual espécie de real, se o real-físico ou o real-metafísico.

Se se admitir um paralelismo perfeito entre a ordem metafísica e a real, então tudo quanto se distingue real-metafisicamente será distinto real-fisicamente, isto é, o que pertence à ordem da possibilidade e o que pertence à ordem da existência.

Os objetos metafísicos prescindem, portanto, da existência.

Se não existe o paralelismo, então, neste caso, os objetos de ordem metafísica, distintos real-metafisicamente, podem não ter uma identidade real na ordem da existência.

Resta provar, e em cada caso, que há uma distinção real-metafísica e real-física. Estamos, então, no problema do paralelismo entre a ordem do ser e a ordem do conhecimento.

Aceito esse paralelismo, distingue-se realmente o que é distinto independentemente do conhecimento. Toda distinção lógica ou conceitual é aquela que apenas se realiza no plano do conhecimento.

«As essências metafísicas, enquanto supõem uma Abstração do pensamento, dizem relação com o sujeito cognoscente, e sob esse ponto podem ser computadas como da ordem do conhecimento, por contraposição à ordem física de ser, cujos objetos não possuem o ser em tal ordem por meio do pensamento. Por isso, a ordem do conhecimento não coincide exatamente com a ordem “lógica”, pois os objetos metafísicos não são ainda objetos “lógicos”. Ambos convém em não poder “existir” em sua ordem, mas dependendo de um sujeito cognoscente. Mas, fora disso, as criações lógicas são de tal índole, quanto ao seu conteúdo, por exemplo, o conceito universal como tal —, que não podem achar-se, nem sequer segundo sua quididade: , fora de um sujeito cognoscente: enquanto as essências metafísicas — por exemplo, homem, causa, e substância — podem achar-se, enquanto ao seu conteúdo, realizadas na ordem física. A consciência metafísica, concebida como essência metafísica de um ser, converte-se no conceito essencial do mesmo, e, consequentemente, num ens logicum. Em compensação, se se considera a compreensão puramente isolada, esta essência, considerada em absoluto — exemplo: homem — pertencerá à ordem metafísica e será um ens metaphysicum. E tal seguirá sendo, embora se considere a possibilidade de realização dessa essência. Se se acha de fato realizada na ordem da existência, então será um ens physicum. Assim a mesma essência, segundo os diversos pontos de vista, pode pertencer a diversas ordens (Fuetscher).

Não negam os escotistas a fundamental distinção real entre ato e potência, mas negam que seja apenas uma realidade «independente do conhecimento».

A ciência, para os metafísicos, est de universalibus. Ela estuda os objetos mediante a Abstração de sua individualidade e os estuda na generalidade. Mas a ciência não os estuda em sua forma abstrata, mas enquanto à sua quididade. Consideram os metafísicos a ordem da essência por contraposição à ordem da existência. Os objetos da metafísica não subsistem antes da atividade cognoscitiva e com independência dela, mas pressupõem a Abstração da existência, como o mostra Fuetscher.

Abstraímos as «essências;» das coisas que se apresentam ante nossa experiência interna e externa, analisamo-las e comparamo-las com os diversos elementos singulares, formamos novas unidades, e chegamos, por este caminho, às relações e leis necessárias que reinam entre elas.

Na relação entre o ato e a potência como sujeito cognoscente, a posição tomista é declarada platônica, por alguns escolásticos não tomistas. ? ... A imaterialidade é a condição da inteligibilidade. O cognoscível é o imaterial, não o material. O que é actu cognoscível, deve estar actu livre da matéria. Em compensação, o que está actu na matéria não é cognoscível actu, mas só em potência, posto que pode ser despojado da matéria. Com esse fim, possui o homem uma faculdade espiritual particular, o intellectus agens, cuja missão é despojar a forma da matéria, e fazê-la, desse modo, actu cognoscível. Muito bem: como a matéria é o principio da individuação, resulta daí que o singular, o indivíduo, não é diretamente cognoscível, mas apenas a forma “abstraída” da matéria, o universal. O singular conhece-se por referência à imagem sensível da fantasia, imagem da qual o intellectus agens tomou a forma universal (Fuetscher).

Todo cognoscível é reduzido a esquemas, através do processo de assimilação, portanto incluído no esquemático, no que é o conteúdo do conceito. Dessa forma, tudo quanto conhecemos são qualidades, notas, aspectos classificáveis em conceitos. Por mais que procuremos captar a singularidade da unidade, ela nos escapa porque toda a nossa inteligibilidade está condicionada aos esquemas, que funcionam como generalizadores.

No entanto, sabemos, sem ter uma intelecção (dentro da atividade da intelectualidade), que há essa unicidade, mas sabemos confuse, confusamente (fundida com. . . outros aspectos).

O existencialista, que a afirma, desespera de obtê-la, porque sempre encontrará véus que a ocultam. O único é inapreensível

e incomunicável, afirma. Mas que apreensibilidade e que comunicabilidade queria ele?

Uma apreensibilidade e comunicabilidade intelectuais só as podemos ter através de conceitos e por conceitos, portanto generalidades. Querem apreender a unicidade, através dos sentidos, pela sensibilidade? Impossível por que esses estarão condicionados aos esquemas sensório-motrizes e pelas estruturas já formadas por nós, através da experiência, e toda apreensão estará condicionada ao dinamismo da adaptação psíquica.

Os fundamentos platônicos do tomismo têm uma base, e esta está esquematicamente fundada na intelectualidade e no sensório-motriz (sensibilidade).

A cognoscibilidade está, portanto, jungida ao geral, ao imaterial, à forma, que se atualiza no singular, sem se tornar singularizada, isto é, em franca oposição a este.

A materialidade da singularidade é inapreensível. E para o tomismo, a forma unida com a materialidade não é actu cognoscível, mas só em potência. Terá, portanto, que despojar-se primeiramente da matéria, «desmaterializar-se» para ser actu intelligibilis. [MFSDIC]

Submitted on:  Wed, 14-Nov-2007, 13:13