techne

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

techne

téchnê: ofício, habilidade, arte, ciência aplicada

1. Falando de um modo geral, Platão não tem nenhuma teoria da techne. Como sucede frequentemente, uma palavra que finaliza em Aristóteles como um termo técnico cuidadosamente definido e delimitado ainda é empregada por Platão de um modo popular e não técnico. O uso contemporâneo de techne era descrever qualquer habilidade no fazer e, mais especificamente, uma espécie de competência profissional oposta à capacidade instintiva (physis) ou ao mero acaso (tyche). E é exatamente com estes sentidos que Platão usa o termo (Republica 381c; Prot. 312b, 317c); em parte alguma ele se preocupa com dar uma definição exata ou técnica desta palavra cuja acepção comum lhe servia perfeitamente.

2. Onde a techne entra de fato no discurso filosófico e técnico é no Sofista e no Político. Aqui Platão está preocupado em chegar à compreensão do sofista e do estadista por meio do método dialético (dtalektike) que consiste nos processos da coleção (synagoge) e da divisão (diairesis). Há aqui escassa evidência de qualquer coleção, mas as divisões são elaboradas e, em certa medida, justapostas. Em ambos os casos começam cora a techne e, se bem que no Pol. 258b ele chame ao gênero «conhecimento» (episteme) subdividido, é evidente do contexto que se não refere ao uso técnico daquele termo tal como ele aparece, por exemplo, na Analogia da Linha (ver episteme), mas antes àquilo que ele previamente chamara techne.

3. Pelo cotejo dos dois diálogos parece que Platão divide as «artes» em aquisitivas (Soph. 219c-d), separativas (das quais a arte catártica de Sócrates é um exemplo; ibid. 226a-231b), e produtivas (poetike). As «artes aquisitivas» incluem a aquisição de conhecimento que pode por seu turno ser usado para fins quer práticos (praktike, v. g., construção; em geral as ciências aplicadas correspondem à techne aristotélica: Pol. 258 d-e; contrastar com o uso aristotélico de praktike) quer teoréticos (gnostike, Pol, loc. cit.; ver a theoria aristotélica). Aqui Platão distingue ainda as «artes teoréticas» em «directivas» (epitaktike, v. g., arte política) e «críticas» (kritike, Pol. 260b). O seu único exemplo destas últimas é o «cálculo» (logistike; Pol. 259e), mas presumivelmente esta é a divisão que abrangeria o estudo da filosofia ou, como Platão preferiria chamar-lhe, da dialética.

4. As «artes práticas» do Político sobrepõem-se provavelmente às «artes produtivas» (poietike; definidas no Soph. 219b, 265b). Estas podem dividir-se em produtos do artesanato divino (alguns desejam dizer que são produzidas pela natureza, physis, mas Platão prefere a explicação teísta, visto a inteligência ser um concomitante de toda a techne; Soph. 265d) e do artesanato humano (ibid. 265e). O primeiro produz objetos naturais, v. g., os elementos e os corpos mais complexos que deles derivam; o último, objetos manufaturados (a praktike episteme do Político).

5. Mas há uma outra distinção extremamente importante a fazer aqui (Soph. 266a-d). Tanto a produtividade humana como a divina são passíveis de criar tanto originais como imagens (eikones), e é o correlato epistemológico desta produção-imagem que aparece como o segmento inferior da Linha na Republica 509e. O nome genérico de Platão para a produtividade de imagens é a imitação (mimesis), e enquanto a sua manifestação divina, v. g. sombras, sonhos, miragens, é de pouco ou nenhum interesse neste contexto, a mimesis humana é a base de toda a estética platônica. Ver mimesis.

6. Tal como foi definida por Aristóteles (Ethica Nichomacos VI, 1140a) a techne é uma característica (hexis) mais dirigida à produção (poietike) do que à ação (praktike). Emerge da experiência (empeiria) de casos individuais e passa da experiência à techne quando as experiências individuais são generalizadas (ver katholou) num conhecimento de causas: o homem experimentado sabe como mas não porquê (Metafísica 981a). Assim, é um tipo de conhecimento e pode ser ensinado (ibid. 981b). Também operou racionalmente, com logos (Ethica Nichomacos, loc. cit.), e o seu fim é a genesis, que o distingue do conhecimento puramente teorético (theoria) que tem a ver com o ser (on) e não com o devir. O seu elemento racional distingue-o ainda da tyche ou acaso, outro fator possível na genesis. Além disso, é um princípio externo e não interno da genesis, que o afasta da physis (Physica II, 199a). Finalmente, dado que é mais produtivo do que prático, difere da phronesis (Ethica Nichomacos VI, 1140b); ver também, neste mesmo contexto, ergon. [FEPeters]

Submitted on:  Thu, 18-Oct-2007, 23:07