cibernética

Category: Heidegger - Ser e Tempo etc.
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

cibernética

Não é necessário ser profeta para reconhecer que as modernas ciências que estão se instalando serão, em breve, determinadas e dirigidas pela nova ciência básica que se chama cibernética.

Esta ciência corresponde à determinação do homem como ser ligado à praxis na sociedade. Pois ela é a teoria que permite o controle de todo planejamento possível e de toda organização do trabalho humano. A cibernética transforma a linguagem num meio de troca de mensagens. As artes tornam-se instrumentos controlados e controladores da informação.

O desdobramento da Filosofia cada vez mais decisivamente nas ciências autônomas e, no entanto, interligadas, é o acabamento legítimo da Filosofia. Na época presente a Filosofia chega a seu estágio terminal. Ela encontrou seu lugar no caráter científico com que a humanidade se realiza na praxis social. O caráter específico desta cientificidade é de natureza cibernética, quer dizer, técnica. Provavelmente desaparecerá a necessidade de questionar a técnica moderna, na mesma medida em que mais decisivamente a técnica marcar e orientar todas as manifestações no Planeta e o posto que o homem nele ocupa.
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"Teoria" significa agora: suposição de categorias a que se reconhece apenas uma função cibernética, sendo-lhe negado todo sentido ontológico. Passa a imperar o elemento racional e os modelos próprios do pensamento que apenas representa e calcula. [MHeidegger 97]



A filosofia se dissemina em ciências independentes (logística, semântica, psicologia, poetologia, tecnologia). A filosofia em dissolução separa-se por sua vez dessas novas ciências através de uma nova unificação dessas novas ciências. Sua unidade anuncia-se no fato desses diferentes campos temáticos de pesquisa e investigação estarem provisoriamente projetados a partir de um único evento. As ciências vêem-se convocadas a expor esse evento como o evento do controle (Steurung) e da informação. A ciência nova, que reúne todas as ciências num novo sentido de unidade, chama-se cibernética. No tocante ao esclarecimento das representações que lhe servem de guia e orientação e à sua penetração em todos os âmbitos científicos, esta ciência ainda se encontra em seus primórdios. Seu domínio e poder (Herrschaft) encontram-se, contudo, assegurado por ela mesma ver-se controlada por um poder que impregna, não só nas ciências, mas em todo agir humano, o caráter de planejamento e controle.

Hoje, tudo isso já está bem claro: através das representações orientadoras da cibernética – informação, controle, remissão – conceitos, que eram até hoje fundamentais e paradigmáticos para as ciências como, por exemplo, fundamento e conseqüência, causa e efeito, vêem-se, digamos assim, misteriosamente transformados. Por isso, a cibernética tampouco se deixa caracterizar como ciência fundamental. A unidade dos campos temáticos do saber permanece então voltada para preparar e instalar os processos controláveis. O poder sem limites exigido por tal implementação (Hersstellbarkeit) determina o específico da técnica moderna, que se furta e se esquiva de toda tentativa de concebê-la tecnicamente. O caráter técnico que cada vez mais claramente marca as ciências deixa-se facilmente reconhecer no modo instrumental com que elas apreendem as categorias que delimitam e dividem seus campos temáticos. As categorias têm valor de modelos operativos. Sua verdade é medida pelo efeito gerado pelo seu emprego no desdobramento da pesquisa.

A verdade científica passa a identificar-se com a eficácia desses efeitos. As próprias ciências assumem a elaboração necessária dos conceitos modelo. A esses só é concedida uma função técnico-cibernética, vendo-se privados de todo teor ontológico. A filosofia torna-se supérflua. Até mesmo o julgamento por vezes ainda proferido de que a filosofia claudica atrás das ciências – das ciências naturais positivas, bem-entendido – perdeu o seu sentido.

O conceito de informação, orientador da cibernética, é ademais tão abrangente que um dia pode tornar também as ciências históricas e humanas mensageiras da reivindicação cibernética. Isso pode facilmente acontecer quando a relação do homem de hoje com a tradição histórica vê-se transformada em mera necessidade de informação. Contudo, enquanto o homem ainda compreender a si mesmo como um ser histórico livre, ele haverá de recusar transmitir a determinação do homem provida pelo modo de pensar cibernético. A própria cibernética admite tocar, nesse ponto, em questões muito difíceis. Ela as considera no entanto questões fundamentalmente passíveis de serem resolvidas da mesma maneira que considera o homem como um provisório “fator de distúrbio” no cálculo cibernético (“o fator humano”). Assim, ela se sente segura da sua coisa, ou seja, [da sua causa] de computar como processo controlável tudo o que é já que para ela a liberdade do homem só pode ser determinada como liberdade planejada, ou seja, controlável. É que, para a sociedade industrial, somente essa liberdade parece ainda propiciar a possibilidade de um habitar humano no mundo técnico, que se impõe dia a dia de maneira cada vez mais decisiva.

O fim da filosofia caracteriza-se pela dissolução de suas disciplinas em ciências independentes cuja nova unidade é acenada na cibernética. Querer avaliar a dissolução da filosofia nas ciências e a sua diluição pela cibernética como mera decadência seria faltar com uma visão compreensiva do que se entende pelo fim da filosofia.

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Porque a cibernética, sem que possa sabê-lo ou pensá-lo, está submetida a essa transformação da vigência do vigente, ela só deve ser mencionada como uma característica do fim da filosofia. Essa característica consiste em que, com a encomenda ( dis-posicionalidade; v. dis-posição ) do vigente, alcança-se a possibilidade derradeira e extrema na transformação da vigência. Com isso, os diversos âmbitos do vigente tornam-se encomendáveis, dis-poníveis para a representação. As disciplinas do pensamento voltadas para esses âmbitos podem voltar-se independentemente para a sua elaboração. A dissolução da filosofia desdobra-se numa tarefa encomendável, cuja unicidade se dilui e separa mediante o surgimento da cibernética. [Coisa do Pensamento]

Submitted on:  Mon, 04-Feb-2013, 18:07