destruição

Category: Heidegger - Ser e Tempo etc.
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

destruição

Destruktion

Este caminho para a resposta à nossa questão não representa uma ruptura com a história, nem uma negação da história, mas uma apropriação e transformação do que foi transmitido. Uma tal apropriação da história é designada com a expressão “destruição”. O sentido desta palavra é claramente determinado em Ser e Tempo (§ 6). Destruição não significa ruína, mas desmontar, demolir e pôr-de-lado – a saber, as afirmações puramente históricas sobre a história da filosofia. Destruição significa: abrir nosso ouvido, torna-lo livre para aquilo que na tradição do ser do ente nos inspira. Mantendo nossos ouvidos dóceis a esta inspiração, conseguimos situar-nos na correspondência. [MHeidegger 36]



Caso a questão do ser deva adquirir a transparência de sua própria história, é necessário, então, que se abale a rigidez e o enrijecimento de uma tradição petrificada e se removam os entulhos acumulados. Entendemos essa tarefa como DESTRUIÇÃO do acervo da antiga ontologia, legado pela tradição. Deve-se efetuar essa DESTRUIÇÃO seguindo-se o fio condutor da questão do ser até chegar às experiências originárias em que foram obtidas as primeiras determinações de ser que, desde então, tornaram-se decisivas. STMSC: §6

Essa comprovação da proveniência dos conceitos ontológicos fundamentais mediante uma exposição investigadora de suas respectivas “certidões de nascimento” nada tem a ver com uma relativização das perspectivas ontológicas. A DESTRUIÇÃO também não tem o sentido negativo de arrasar a tradição ontológica. Ao contrário, ela deve definir e circunscrever a tradição em suas possibilidades positivas, e isso quer sempre dizer em seus limites, tais como de fato se dão na colocação do questionamento e na delimitação, assim pressignada, do campo de investigação possível. Negativamente, a DESTRUIÇÃO não se refere ao passado; a sua crítica volta-se para o “hoje” e para os modos vigentes de se tratar a história da ontologia, quer esses modos tenham sido impostos pela doxografia, quer pela história da cultura ou pela história dos problemas. Em todo caso, a DESTRUIÇÃO não se propõe a sepultar o passado em um nada negativo, tendo uma intenção positiva. Sua função negativa é implícita e indireta. STMSC: §6

O presente tratado visa, em princípio, elaborar a questão do ser. Dentro desse quadro, a DESTRUIÇÃO da história da ontologia, essencialmente ligada à colocação da questão e apenas possível dentro dessa história, só poderá ser conduzida no que diz respeito às estações decisivas e fundamentais de sua história. STMSC: §6

De acordo com a tendência positiva da DESTRUIÇÃO, deve-se perguntar de saída se, e até onde, no curso da história da ontologia, a interpretação de ser está tematicamente articulada com o fenômeno do tempo e se, e até onde, a problemática da temporaneidade, aqui necessária, foi e podia ter sido elaborada em princípio. Kant foi o primeiro e o único a dar um passo no caminho da investigação para a dimensão da temporaneidade. Ou melhor, Kant foi o primeiro que se deixou encaminhar, nesse caminho, pela pressão dos próprios fenômenos. Pois é somente depois de fixar a problemática da temporaneidade que se pode lançar alguma luz sobre a obscuridade da doutrina do esquematismo. Seguindo esse caminho é que se poderá mostrar por que, em suas dimensões próprias e em sua função ontológica central, esse âmbito teve de manter-se fechado para Kant. Ele próprio sabia que estava se aventurando num âmbito obscuro: “Esse esquematismo de nosso entendimento, no tocante aos fenômenos e à sua forma, é uma arte escondida nas profundezas da alma humana, cujos mecanismos verdadeiros dificilmente poderíamos arrancar à natureza para colocá-los a descoberto diante de nossos olhos”. Para que a expressão “ser” venha a adquirir um sentido comprovável, deve-se esclarecer, em princípio e explicitamente, diante de que Kant, por assim dizer, recua. Em última instância, são justamente os fenômenos da “temporaneidade”, a serem explicitados na presente analítica, que constituem os juízos mais secretos da “razão universal”, cuja analítica foi apresentada por Kant como o “ofício dos filósofos”. STMSC: §6

Seguindo a tarefa da DESTRUIÇÃO, orientada pela problemática da temporaneidade, o presente tratado busca interpretar o capítulo do esquematismo e, a partir daí, a doutrina kantiana do tempo. Também se haverá de mostrar por que Kant fracassou na tentativa de adentrar a problemática da temporaneidade. Duas coisas o impediram: em primeiro lugar, a falta da questão do ser e, em íntima conexão com isso, a falta de uma ontologia explícita da presença [Dasein] ou, em terminologia kantiana, a falta de uma analítica prévia das estruturas que integram a subjetividade do sujeito. Ao invés disso, Kant aceita dogmaticamente a posição de Descartes, apesar de todos os progressos essenciais que fez. Ademais, a análise do tempo, embora tenha reconduzido o fenômeno para o sujeito, permanece orientada pela concepção vulgar do tempo, herdada da tradição. É o que, em última instância, impede Kant de elaborar o fenômeno de “uma determinação transcendental do tempo”, em sua própria estrutura e função. Devido a essa dupla influência da tradição, a conexão decisiva entre o “tempo” e o “eu penso” permaneceu envolta na mais completa escuridão, não chegando sequer uma vez a ser problematizada. STMSC: §6

Todo conhecedor da Idade Média percebe que Descartes “depende” da escolástica medieval. Essa descoberta, porém, não diz nada do ponto de vista filosófico, enquanto permanecer obscura a influência fundamental exercida pela ontologia medieval na determinação ou na não-determinação posterior da res cogitans. Só será possível avaliar essa influência depois de se ter mostrado o sentido e os limites da antiga ontologia, a partir de uma orientação feita pela questão do ser. Em outras palavras, a DESTRUIÇÃO se vê colocada diante da tarefa de interpretar o solo da antiga ontologia à luz da problemática da temporaneidade. Torna-se, assim, evidente que a interpretação antiga do ser dos entes se orienta pelo “mundo” e pela “natureza” em seu sentido mais amplo, retirando de fato a compreensão do ser a partir do “tempo”. A determinação do sentido do ser como parousia e ousia, que, do ponto de vista ontológico-temporâneo, significa “vigência”, representa um documento externo dessa situação, mas somente isso. O ente é entendido em seu ser como “vigência”, isto é, a partir de determinado modo do tempo, do “atualmente presente”. STMSC: §6

A questão do ser só receberá uma concretização verdadeira quando se fizer a DESTRUIÇÃO da tradição ontológica. É nela que a questão do ser haverá de provar cabalmente que a questão sobre o sentido de ser é incontornável, demonstrando, assim, o sentido em se falar de uma “retomada” dessa questão. STMSC: §6

A elaboração da questão do ser divide-se, pois, em duas tarefas; a cada uma corresponde a divisão do tratado em duas partes: Primeira parte: A interpretação da presença [Dasein] pela temporalidade e a explicação do tempo como horizonte transcendental da questão do ser. Segunda parte: Linhas fundamentais de uma DESTRUIÇÃO fenomenológica da história da ontologia, seguindo-se o fio condutor da problemática da temporaneidade. STMSC: §8

Descartes vê a determinação ontológica fundamental do mundo na extensio. Como, por um lado, a extensão é um dos constitutivos da espacialidade e, segundo Descartes, chega até a ser idêntica a ela, e como, por outro lado, a espacialidade constitui, em certo sentido, o mundo, a discussão da ontologia cartesiana de “mundo” propicia igualmente um ponto de apoio negativo para a explicação positiva da espacialidade do mundo circundante e da própria presença [Dasein]. Trataremos a ontologia de Descartes em três pontos: 1. A determinação de “mundo” como res extensa (§19). 2. Os fundamentos dessa determinação ontológica (§20). 3. A discussão hermenêutica da ontologia cartesiana de “mundo” (§21). A reflexão a seguir só receberá uma fundamentação ampla pela DESTRUIÇÃO fenomenológica do “cogito sum” (cf parte II, seção II). STMSC: §18

Dis-tanciar é, numa primeira aproximação e, sobretudo, um aproximar dentro da circunvisão, isto é, trazer para a proximidade no sentido de providenciar, aprontar, ter à mão. Determinados modos de descobrir os entes numa atitude puramente cognitiva também apresentam o caráter de aproximação. Na presença [Dasein] reside uma tendência essencial de proximidade {CH: em que medida e por quê? Ser como vigência constante tem primazia, atualização}. Todos os modos de aumentar a velocidade com que, hoje, de forma mais ou menos forçada lidamos, impõem a superação da distância. Assim, por exemplo, com a “radiodifusão”, a presença [Dasein] cumpre hoje o dis-tanciamento do “mundo” através de uma ampliação e DESTRUIÇÃO do mundo circundante cotidiano, cujo sentido para a presença [Dasein] ainda não se pode totalmente avaliar. STMSC: §23

Sem que se dê conta, a interpretação existencial da historicidade da presença [Dasein] resvala, constantemente, nas sombras. As obscuridades não diminuirão enquanto não se explicitarem as possíveis dimensões de um questionamento adequado e, em tudo isso, enquanto não se explicitar o enigma de ser ou, como agora ficou claro, o enigma do movimento de sua essência. Pode-se, não obstante, ousar um projeto da gênese ontológica da ciência historiográfica, partindo-se da historicidade da presença [Dasein]. Este projeto serve de preparação para o esclarecimento da tarefa de uma DESTRUIÇÃO da história da filosofia, a ser posteriormente realizada. STMSC: §75

Submitted on:  Thu, 03-Mar-2022, 19:02