Este ponto de vista não podia subsistir muito tempo. O espírito humano não podia subsistir dessa maneira. O positivismo é o suicídio da filosofia; é a proibição de tocar naqueles problemas que incessantemente perseguem o coração e a mente humana. Não podia persistir muito tempo esta proibição de entrar nesse recinto quando o homem, desde que é homem, não tem outro anelo senão esse. Por conseguinte, tinha que vir muito cedo uma reação contra o positivismo e uma renovação da filosofia. Esta reação contra o positivismo e renovação da filosofia tem em cada país suas formas um pouco diferentes.
Na Europa estas formas foram principalmente oriundas da reação antipositivista que se produziu na Alemanha, e essa reação antipositivista se produziu em virtude de alguns fenômenos históricos concomitantes. Em torno ao ano de 1870 começaram alguns fenômenos de reação contra o positivismo. Um deles, o mais notável, foi o belo livro que publicou em 1865 Otto Liebmann e que se chama Kant e os epígonos. Nesse livro sustenta Liebmann que a filosofia tem que voltar a Kant e que os culpados da decadência e miséria da filosofia foram os filósofos românticos alemães que se desligaram da sistematização construtiva e fantástica, que era os que ele chamava epígonos. Dizia que era preciso retornar a Kant, retornar ao sadio filosofar kantiano, que sem ser, naturalmente, em nada positivista, todavia tem em conta constantemente os objetos e os dados científicos para sobre eles e com eles fazer a filosofia.
Este livro teve um grande êxito, e como resultado, a mocidade estudiosa filosófica alemã se pôs a ler Kant e trabalhar sobre Kant. E disto, unido à influência que teve o livro de Frederico Alberto Lange sobre o materialismo, surgiram as escolas filosóficas neokantistas, que até faz poucos anos dominaram na escola da filosofia oficial alemã: as escolas de Mar burgo e Baden, que foram as duas escolas kantistas dirigidas por Cohen e Natorp e por Windelband e Rickert. Este foi um dos motores da reação antipositivista.
O segundo motor, é tão importante quanto o primeiro, embora menos conhecido, foi a influência de Brentano e dos discípulos de Brentano sobre a filosofia alemã. Brentano ensina a seus alunos que o autêntico filosofar não consiste nas grandes generalizações de Fichte, Schelling e Hegel, mas consiste na minuciosa e rigorosa elucidação dos pontos, dos acentos, dos conceitos filosóficos. Esta disciplina rigorosa, de herança nitidamente aristotélica e escolástica, que Brentano impôs a seus discípulos, deu à filosofia uma .solidez e textura de raciocínio e demonstração extraordinárias. E discípulos de Brentano são os filósofos que na Alemanha têm e tiveram a maior influência: Husserl, com a sua fenomenologia, Meinong, com a sua teoria dos objetos etc.
Em França, a reação antipositivista foi iniciada pela filosofia criticista de Renouvier, Ravaisson, Lachelier, um de cujos discípulos mais notáveis foi Bergson. Bergson foi um dos grandes lutadores contra a tendência positivista.
Em suma: passado o mau transe do positivismo, a filosofia volta outra vez a recuperar seus temas eternos: o tema da metafísica, o tema da ontologia, o tema da gnoseologia, da teoria do conhecimento, da lógica, da ética etc. [Morente]