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fenomenologia

Definition:
(in. Phenomenology; fr. Phénoménologie, al. Phänomenologie; it. Fenomenologia).

Descrição daquilo que aparece ou ciência que tem como objetivo ou projeto essa descrição. É provável que esse termo tenha sido cunhado pela escola de Wolff. Lambert utiliza-o como título da 4a parte do seu Novo Organon (1764) e com ele entende o estudo das fontes de erro. Aqui, a aparência, cuja descrição é a fenomenologia, é entendida como aparência ilusória. Kant, porém, utiliza esse termo para indicar a parte da teoria do movimento que considera o movimento ou o repouso da matéria somente em relação com as modalidades em que eles aparecem ao sentido externo (Metaphysische Aufangsgründe der Naturwissenschaft, 1786, Pref.). Por sua vez, Hegel chamou de "fenomenologia do espírito" a história romanceada da consciência, que, desde suas primeiras aparências sensíveis, consegue aparecer para si mesma em sua verdadeira natureza, como Consciência Infinita ou Universal. Nesse sentido, identifica a fenomenologia do espírito com o "devir da ciência ou do saber", e nela descobre o caminho através do qual o indivíduo repercorre os graus de formação do Espírito Universal, como figuras já abandonadas ou etapas de um caminho já traçado e aplanado (Phänomen. des Geistes, Pref., ed. Glockner, p. 31). Hamilton atribuiu outro significado a esse termo (Lectures on Logic, 1859-1860,1, p. 17), o de psicologia descritiva; foi com tal significado, de pura descrição da aparência psíquica, preliminar à explicação dos fatos psíquicos, que esse termo foi usado com frequência pela cultura filosófica alemã da segunda metade do séc. XIX e nos primeiros anos do séc. XX. Hartmann intitulou fenomenologia da consciência moral (Phänomenologie des sittliche Bewusstseins, 1879) a coletânea de dados empíricos da consciência moral, independentemente de sua interpretação especulativa. Mas a única noção hoje viva de fenomenologia é a anunciada por Husserl em Investigações lógicas (1900-1901, II, pp. 3 ss.), correlativa ao 3a significado de fenômeno e depois desenvolvida por ele mesmo nas obras seguintes. O próprio Husserl preocupou-se em eliminar a confusão entre psicologia e fenomenologia. Esclareceu que psicologia é a ciência de dados de fato; os fenômenos que ela considera são acontecimentos reais que, juntamente com os sujeitos a que pertencem, inserem-se no mundo espácio-temporal. A fenomenologia (que ele chama de "pura" ou "transcendental") é uma ciência de essências (portanto, "eidética") e não de dados de fato, possibilitada apenas pela redução eidética, cuja tarefa é expurgar os fenômenos psicológicos de suas características reais ou empíricas e levá-los para o plano da generalidade essencial. A redução eidética, vale dizer, a transformação dos fenômenos em essências, também é redução fenomenológica em sentido estrito, porque transforma esses fenômenos em irrealidades (Ideen, I, Intr.). Com esse significado, a fenomenologia constitui uma corrente filosófica particular, que pratica a filosofia como investigação fenomenológica, ou seja, valendo-se da redução fenomenológica e da epoché. Os resultados fundamentais a que esta investigação levou, em Husserl, podem ser resumidos da maneira seguinte: 1) O reconhecimento do caráter intencional da consciência , em virtude do qual a consciência é um movimento de transcendência em direção ao objeto e o objeto se dá ou se apresenta à consciência "em carne e osso" ou "pessoalmente"; 2) evidência da visão (intuição) do objeto devida à presença efetiva do objeto; 3) generalização da noção de objeto, que compreende não somente as coisas materiais, mas também as formas de categorias, as essências e os "objetos ideais" em geral (Ideen, I, § 15); 4) caráter privilegiado da "percepção imanente", ou seja, da consciência que o eu tem das sua,s próprias experiências, porquanto nessa percepção aparecer e ser coincidem perfeitamente, ao passo que não coincidem na intuição do objeto externo, que nunca se identifica com suas aparições à consciência, mas permanece além delas (Ibid., §38).

Nem todos estes princípios são aceitos pelos pensadores contemporâneos que se valem da investigação fenomenológica: apenas o primeiro deles (caráter intencional da consciência, em virtude do qual o objeto é transcendente em relação a ela e todavia presente "em carne e osso") tem crédito não só entre esses pensadores como também junto a grande número de filósofos contemporâneos. Foi com base na investigação fenomenológica que Nicolai Hartmann fundou seu realismo metafísico; o mesmo fizeram Scheler para a análise das emoções e Heidegger (como método para sua ontologia). Este último expressa com toda a clareza o caráter próprio da fenomenologia quando afirma: "A palavra ‘fenomenologia’ significa antes de mais nada um conceito de método. Ela não caracteriza a consistência de fato do objeto da indagação filosófica, mas seu como... Esse termo expressa um lema que poderia ser assim formulado: às coisas mesmas! — por oposição às construções soltas no ar e aos achados casuais; em oposição à admissão de conceitos apenas aparentemente verificados e aos falsos problemas que se impõem de geração em geração como problemas verdadeiros" (Sein und Zeit, § 7). Portanto, o que a fenomenologia mostra é aquilo que, acima de tudo e na maior parte dos casos, não se manifesta, o que está escondido, mas que é capaz de expressar o sentido e o fundamento daquilo que, acima de tudo, e na maior parte dos casos, se manifesta. Nesse sentido, a fenomenologia é a única ontologia possível (Ibid., § 7 C). A fenomenologia é entendida de maneira análoga por Sartre (L ‘être et le néant, Intr., §§ 1-2) e por Merleau-Ponty (Pbénoménologie de la perception, Pref.). A formulação fenomenológica da filosofia não implica, portanto, a redução da existência à aparência e não pode ser confundida de maneira nenhuma com o fenomenismo. O próprio conceito de fenômeno a que se faz referência é diferente neste caso. Por outro lado, tampouco implica a eliminação da diferença entre parecer e ser, embora esse antigo dualismo seja eliminado. Sartre diz: "O fenômeno de ser exige a trans-fenomenalidade do ser, Isto não quer dizer que o ser está escondido atrás dos fenômenos (vimos que o fenômeno não pode mascarar o ser), nem que o fenômeno é uma aparência que remete a um ser distinto (só enquanto aparência o fenômeno é, ou seja, ele se indica sobre o fundamento do ser). Segue-se que o ser do fenômeno, conquanto coextensivo ao fenômeno, deve escapar à condição fenomênica — de só existir na medida em que se nos revela — e, por conseguinte, excede e fundamenta o conhecimento que se tem dele" (L’être et le néant, Intr., § 2). A relação entre aparência e ser, na ontologia fenomenológica, pode ser definida ou analisada de maneiras diferentes, mas não se amolda à tradição que relaciona aparência e realidade. [Abbagnano]


O estudo descritivo de um conjunto de fenômenos. — A fenomenologia designa atualmente o sistema de Husserl (1859-1938) e toda uma corrente de pensamento que se reclama, senão dos conceitos, ao menos do método de Husserl. A fenomenologia procede de uma critica da metafísica clássica, e sua tendência fundamental é a de um retorno ao concreto. Husserl (matemático por formação) concebe esse retorno ao concreto como uma volta à "intuição originária" das coisas e das ideias. Explica essa intuição originária por um exemplo matemático: constata, por exemplo, que se podemos representar intuitivamente três ou quatro objetos, não podemos intuitivamente representar mil deles; podemos somente "pensar nisso". Husserl distingue assim dois tipos opostos de relação com o dado ou de "intencionalidade": a percepção real, que é "originária", e o pensamento, que só faz "visar" o objeto com uma "intenção vazia". Desenvolvendo essa diferença entre intuição originária e pensamento, intencionalidade plena e vazia, os fenomenólogos modernos colocam: 1.° ou o conteúdo da doutrina de Husserl: procuram então, na percepção real, o ponto de contato entre o espírito e o real, o "além do realismo e do idealismo" (Merleau-Ponty, De Waelhens); 2.° ou seu método, e aplicam então o princípio de uma análise da intuição aos domínios do "conhecimento do outro", muito negligenciados por Husserl (Levinas); 3.° ou procuram justificar metafisicamente o próprio princípio de uma análise dos fenômenos. (E. Fink). Uma teoria dos fenômenos só pode definir-se em relação a uma teoria do Ser absoluto, ou ontologia. Nesse ponto, a fenomenologia especulativa de um Fichte, na Teoria da ciência, de 1804, é de uma profundidade e de uma força inigualáveis. (V. epoché.) [Larousse]


Termo empregado primeiramente por Lambert para significar a "teoria do fenômeno, da aparência.

É, em sentido amplo, a ciência dos fenômenos (Phänomen) (v. fenômeno). Não obstante, como os objetos se nos revelam na consciência, chama-se fenomenologia, em sentido estrito, a ciência dos fenômenos que se manifestam na consciência. Como peculiar corrente filosófica, foi fundada por E. Husserl. A fim de obter uma base inatacável de todas as ciências, Husserl serviu-se do método fenomenológico. Este começa com uma dupla redução: a redução eidética começa por prescindir da existência do eu, dos atos apreensivos e dos objetos e considera somente a essência (eidos) dos mesmos em sua concreção integral. Na segunda, a redução fenomenológica, é também "posta em suspenso", a independência consciência] destes conteúdos. A fenomenologia considera seus objetos só "como" objetos (teoria do objeto), como correlatos da consciência. Resta, portanto, a consciência pura, mas que de nenhum modo está vazia. Constituem sua estrutura o "ter-consciência" (noesis) e o "cônscio, tido na consciência" (noema). O "cônscio" não se encontra contido na noesis como parte real, mas é construído por ela como objeto. Donde, o noema pode ser apreendido e descrito numa intuição imediata da essência (Wesensschau, Idealion). Por isso, a filosofia deve ser definida como uma teoria puramente descritiva da essência das configurações conscienciais. Como todos os objetos da experiência são regulados pelas essências a eles subjacentes, a toda ciência empírica corresponde uma ciência eidética da essência ou ontologia regional. Mas todas as regiões (ou esferas objetivas) se fundam, por seu turno, na consciência pura. Este é o ser verdadeiro e absoluto, sendo a filosofia a ciência "primeira" a ele ordenada. Enquanto a fenomenologia de Husserl estuda principalmente o problema da verdade, M. Scheler volve-se para a filosofia dos valores. A ideação teorética é substituída pelo sentimento do valor (como apreensão não-racional do valor). Contra o formalismo de Kant, propugna Scheler uma ética material dos valores (ética dos valores). Por fim com Heidegger, a fenomenologia converte-se em filosofia existencial (filosofia da existência): a essência do ser não é consciência quiescente supra-temporal, mas historicidade e tempo.

Por mais que a fenomenologia (de Husserl), como método, tenha seus méritos na luta contra o empirismo e o psicologismo, contudo, considerada como doutrina que mantém a redução como método, permanece dentro do subjetivismo transcendental kantiano. Não consegue também equilibrar as tensões entre essência e existência, entre ser e valor. — Em Hegel, a "fenomenologia do espírito" é a súmula de seu sistema (idealismo alemão), considerado como metamorfose da consciência. — Brugger. [Brugger]




Quando na época atual se fala de fenomenologia tende-se a entender por tal a fenomenologia de Husserl. Por este motivo referir-nos-emos exclusivamente à fenomenologia husserliana, entendendo-a como método e como modo de ver. Constitui-se o método após a depuração do psicologismo. É preciso mostrar que as leis lógicas são leis lógicas puras e não empíricas ou transcendentais ou procedentes de um suposto mundo inteligível de caráter metafísico. Sobretudo é preciso mostrar que certos atos como a abstração, o juízo, a inferência, etc, não são atos empíricos: são atos de natureza intencional que têm as suas correlações em puros termos da consciência intencional. Essa consciência não apreende os objetos do mundo natural com tais objetos, nem constitui o dado enquanto objeto de conhecimento: apreende puras significações na medida em que são simplesmente dadas e tal como são dadas. A depuração mencionada conduz assim ao método fenomenológico e constitui, simultaneamente, esse método. Para o pôr em marcha é preciso adotar uma atitude radical: a da suspensão do mundo natural. Põe-se “entre parêntesis” a crença na realidade do mundo natural e as proposições a que esta crença dá lugar. Isso não quer dizer que se nega a realidade do mundo natural, como no cepticismo clássico. Apenas sucede que se coloca um novo sinal na “atitude natural”. Em virtude deste sinal, procede-se à abstenção acerca da existência espaciotemporal do mundo. O método fenomenológico consiste, portanto, em examinar todos os conteúdos de consciência, mas em vez de determinar se tais conteúdos são reais ou irreais, ideais, imaginários, etc, procede-se a examiná-los, enquanto são puramente dados. Mediante a suspensão, a consciência fenomenológica pode ater-se ao dado enquanto tal e descrevê-lo na sua pureza. O dado não é, na fenomenologia de Husserl, o mesmo que na filosofia transcendental, um material que se organiza mediante formas de intuição e categorias. Não é, tão pouco, qualquer coisa de empírico - os dados dos sentidos. O dado é a correlação da consciência intencional. Não há conteúdos de consciência, mas unicamente fenômenos. A fenomenologia é uma pura descrição do que se mostra por si mesmo de acordo com “o princípio dos princípios”: reconhecer que “toda a intuição primordial é uma fonte legítima de conhecimento, que tudo o que se apresenta por si mesmo na intuição (e, por assim dizer, em pessoa) deve ser aceite simplesmente como o que se oferece e tal como se oferece, embora apenas dentro dos limites nos quais se apresenta. (IDÉIAS)

A fenomenologia não pressupõe o nada: nem o mundo natural, nem o sentido comum, nem as proposições da ciência, nem as experiências psicológicas. Coloca-se “antes de toda a crença e de todo o juízo para explorar simplesmente o dado. é, como o declarou Husserl, um "positivismo absoluto”. [Ferrater]




É possível aceder à fenomenologia husserliana de diversas maneiras.

Pode-se organizá-la em torno da expressão-chave «o retorno às coisas elas próprias». Ser-se-á sensível, neste caso, à intenção que a atravessa de desembaraçar o conhecimento das «vestes de ideias» e das interpretações que dissimulam o objecto do pensamento, de que se trata. Com a ideia de um retorno à coisa, Husserl imprimiu à investigação filosófica, em oposição ao espírito do sistema, um impulso novo, que constitui uma aquisição insubstituível do seu método.

Pode-se privilegiar na fenomenologia, o que é aliás o corolário da primeira atitude, a concepção da intencionalidade da consciência: a consciência está orientada para as coisas, está toda nesta orientação, é «consciência de». Esta definição aparentemente simples veicula igualmente em si toda a fenomenologia. Elimina o preconceito idealista segundo o qual a consciência está encerrada nas suas próprias representações, o preconceito filosófico segundo o qual a consciência é apenas um reflexo à superfície do mundo real. A fenomenologia será caracterizada neste sentido como uma reabilitação do direito da consciência ao conhecimento de si própria e do mundo.

Pode-se também tentar definir a fenomenologia a partir da sua atenção ao vivido. Proceder a uma análise fenomenológica é, com efeito, antes de mais, substituir as construções explicativas pela descrição do «que se passa» efetivamente do ponto de vista daquele que vive esta ou aquela situação concreta. O específico da filosofia era ter tradicionalmente eliminado este vivido em proveito de abstrações e de conceitos. Ora, o principal interesse pela fenomenologia — e, se assim se pode dizer, a sua voga — parece ter sido essencialmente motivado por esta orientação para o concreto. E talvez neste plano que ela responde ao nosso tempo à satisfação de uma necessidade fundamental, ainda que vaga. A importância excepcional conferida a uma filosofia, cujo método e o programa põem em primeiro plano os direitos do vivido, e o fazem de algum modo sair da sombra, encontra a sua origem nas múltiplas alienações ou reificações que privam o homem da posse de si mesmo e a vida do seu sentido. Filosofia do vivido, a fenomenologia abre o campo da reflexão de maneira indefinida. A tarefa do fenomenólogo jamais pode ser fechada na edificação de um sistema, mas por princípio renova-se com o curso da própria vida e a cada metamorfose da reificação.

Finalmente — inventariação que aliás não é limitativa —, a fenomenologia husserliana pode ser compreendida a partir do papel central e funcional que confere à subjetividade.

Neste sentido será interpretada como uma variante contemporânea do idealismo, correspondente ao empreendimento audacioso de fundar, face à multiplicidade de disciplinas científicas, uma compreensão racional do mundo, de referencial único. Sob a sua forma, em Husserl pelo menos, de «fenomenologia transcendental» ou idealismo do sujeito constituinte, ela é, com efeito a expressão de uma necessidade teórica de unificação e a satisfação ideal dada a essa necessidade.

Estes diferentes pontos de vista acerca da fenomenologia podem sem dúvida ser adotados. Devem mesmo sê-lo necessariamente numa exposição, quer histórica do desenvolvimento da obra de Husserl — desde as Recherches logiques de 1900 até à apresentação sistemática do idealismo transcendental nas Méditations Cartésiennes de 1930 —, quer metódica. Mas o que primeiramente importa para a compreensão do sentido da fenomenologia é a sua estreita articulação e, sobretudo, a descoberta da problemática a partir da qual podem aparecer como expressões de um mesmo projeto.

O retorno às coisas, ao vivido, ao concreto, à unidade do sentido do sujeito, não bastaria para fundar a fenomenologia como filosofia, se ela não tivesse satisfeito, ou, pelo menos, querido satisfazer, uma exigência que, só ela, podia indicar o lugar em que se inscreve. Esta exigência é a da cientificidade — não somente cientificidade do método, mas satisfação à ideia da ciência:

«Desde os seus primórdios», escreve Husserl no início do artigo La philosophie comme science rigoureuse (1911), a filosofia sempre pretendeu ser uma ciência rigorosa, e mesmo a ciência que satisfaz as necessidades teóricas mais profundas...»; mas «em nenhuma época do seu desenvolvimento a filosofia pôde satisfazer essa pretensão...». A fenomenologia, para Husserl, marca o ponto de ruptura em que a filosofia passa do estado pré-científico ao estado científico. A certeza de que esta passagem é possível, que é efetivamente realizada por ela, permite-lhe apresentar-se, não como uma «concepção do mundo» entre outras, uma ideologia, mas como a primeira realização da filosofia como ciência.

Compreender o que é a fenomenologia é antes de mais examinar esta ambição e constantemente fazê-la reviver.

A cientificidade da fenomenologia husserliana pode ser já situada a partir da nova função concedida ao fenômeno no conhecimento.

História do termo «fenomenologia»

Pertence ao vocabulário filosófico clássico: este termo designa, desde o séc. XVII, um ramo particular da filosofia respeitante ao estudo dos «fenômenos». Os equívocos do conceito de fenômeno determinam então as diversas acepções de uma fenomenologia.

O fenômeno (aquilo que aparece) pode ser identificado a uma aparência ou a uma ilusão. Para Lambert (Neus Organon, 1764) há uma fenomenologia que trata das aparências, do tempo e do espaço sensíveis, por oposição a uma «doutrina da verdade», que trata dos conceitos objetivos da Natureza.

Aquilo que aparece pode ser considerado como um dado da sensibilidade, não ilusório, portanto distinto da simples aparência, mesmo não sendo objectivo no sentido forte da palavra. O uso que Kant faz da expressão fenomenologia em Os Princípios Metafísicos da Natureza (1786) liga-se a este segundo sentido: o movimento e o repouso são fenômenos relativos aos sentidos externos, não absolutos, e revelam, nesta medida, de uma fenomenologia. A doutrina do tempo e do espaço como «formas puras da sensibilidade» pode ser igualmente considerada como uma «fenomenologia» geral. Mas, ainda que ocupando-se também dos «fenômenos» entendidos como objetos que aparecem, a experiência objectiva faz intervir outros princípios além dos da sensibilidade, cujo «objecto» é «a aparição» como tal. O título de «fenomenologia» é, portanto, para Kant reservado a um domínio duplamente limitado: limitado ao que há de intuição sensível na objectividade, limitado igualmente em relação ao que não aparece, mas que é puramente pensado: o em si.

Aquilo que aparece pode ser a experiência completa da consciência que deseja, que conhece, que pensa, etc. A fenomenologia de Hegel adota este sentido alargado. Mas a fenomenologia permanece uma parte simplesmente preparatória da ciência filosófica, pois que o fenômeno é sempre compreendido como limitação relativamente a uma realidade extra-fenomenal. A consciência é o «fenômeno do espírito». O seu domínio é o da Certeza, não é o do Saber, de que a fenomenologia do espírito não apresenta senão a formação progressiva ou o devir.

Estes três exemplos mostram que, tradicionalmente, a ideia de uma fenomenologia permanece tributária da diferença metafísica entre o aparecer e o ser. Os binômios aparência / realidade, representação intuitiva / objeto, coisa fenomenal / coisa em si, consciência / espírito, determinam um contexto de pressuposição especulativa.

A «fenomenologia» do fim do século XIX, pelo contrário, obedece a uma intenção nitidamente anti-especulativa, que corresponde ao positivismo nas ciências da natureza. A sua origem encontra-se na orientação que Franz Brentano (1838-1917) dá à psicologia. Um ponto de vista radicalmente empírico opõe à pesquisa «genética» das relações causais a «descrição» dos fenômenos psíquicos. Esta descrição, que se desenvolve à margem da experimentação psicofísica, permite definir o fenômeno psíquico «interno» pela sua imanência ou pela sua indubitalidade e pela relação intencional, ou referência a um objecto que ele contém. A psicologia empírica de Brentano abre o caminho a investigações respeitantes à descrição do campo fenomenal. Uma «fenomenologia» designará a exploração deste campo. Karl Stumpf (1848-1936) utiliza a expressão fenomenológica para a análise e a descrição do conteúdo imediatamente dado nas orientações intencionais. Os sons, as cores, são tratados como «fenômenos» independentemente das causas físicas e fisiológicas. Este estudo é considerado por ele como «neutro», anterior a qualquer outra ciência especializada. A fenomenologia constitui pois uma «pré-ciência» positiva de que a função de pesquisa preliminar não explicativa marca os limites. [Schérer]


Se tivermos em conta o sentido exato que Husserl atribuiu à fenomenologia, não podemos pôr em dúvida que o método existencialista de Heidegger e de Sartre se lhe opõe inteiramente. De resto, esta é a própria opinião de Husserl, que veio a protestar contra a profunda transformação a que Heidegger submeteu os seus pontos de vista. Heidegger, por seu lado, pensava que o método fenomenologia) era susceptível de comportar essa transformação, isto é, que podia conservar o seu sentido propriamente metodológico dentro do contexto existencialista e, mais ainda, que a fenomenologia devia, logicamente, tomar a orientação do existencialismo.

Esta mesma tese é também defendida, de forma muito hábil, por M. Merleau-Ponty, na sua Phénoménologie de la perception. «A fenomenologia, escreve, é o estudo das essências, e, segundo ela, todos os problemas acabam por definir essências : a essência da percepção, a essência da consciência, por exemplo. Entretanto, a fenomenologia é também uma filosofia que repõe as essências na existência, não admitindo que o homem e o mundo possam ser compreendidos senão a partir da sua « faticidade ». É uma filosofia transcendental que deixa em suspenso, para as compreender, as afirmações da atitude natural ; mas é também uma filosofia para a qual o mundo está sempre «já aí» antes da reflexão, como uma presença inalienável ; e o seu esforço dirige-se inteiramente no sentido de encontrar esse ingênuo contato com o mundo a fim de lhe conferir um estatuto filosófico » (M. Merleau-Ponty, Phénoménologie de la Perception, Paris, Gallimard, 1945, pág. II).

A redução eidética não pode, com efeito, ultimar-se e o fato de o próprio Husserl ter insistentemente encarado a possibilidade de completar a redução marca bem a fatalidade do fracasso. A profunda razão deste fracasso reside no fato de, por mais que façamos e por mais rigorosa que se julgue a colocação entre parêntesis da existência, nos encontrarmos no mundo, tendo portanto «as nossas reflexões de ocorrer no fluxo temporal que elas procuram captar». Nenhum pensamento (a não ser o do Espírito absoluto, que nós não somos, uma vez que a nossa redução fica problemática ) poderá abarcar todo o nosso pensamento. Nos inéditos que deixou, Husserl diz que «a filosofia é um começo perpétuo». Ora isto quer unicamente dizer que a reflexão radical é necessariamente consciência da dependência de uma situação que condiciona inteiramente o esforço para nos apreendermos a nós mesmos. Por isso, «longe de ser, como se chegou a supor, a fórmula de uma filosofia idealista, a redução fenomenológica é antes a fórmula de uma filosofia existencial : « o «In-der-Welt-Sein » de Heidegger só aparece tendo como fundo a redução fenomenológica » (Ibid., pág. ix).

É isto mesmo que leva a Fenomenologia a renunciar à ambição de explicitar um ser prévio, como a tal se dedicam, sem qualquer êxito, as ontologias clássicas. A Fenomenologia abre-se para um mundo que é propriamente fundação do ser, realização da sua verdade. É certo que se poderia objetar que falta determinar ainda a forma como esta realização é possível e, sendo assim, seríamos levados de novo ao mundo dos possíveis ou das essências ou, então, a uma Razão preexistente ao universo das existências. Entretanto, contesta M. Merleau-Ponty, «o único Logos que preexiste é o próprio mundo e a filosofia que o faz passar à existência manifesta não começa por ser possível; é atual ou real, como o mundo, de que faz parte, e nenhuma hipótese explicativa seria mais clara do que o próprio ato pelo qual retomamos esse mundo inacabado com o fim de o totalizar e de o pensar ... O mundo e a razão não constituem problema ; se quisermos, poderemos dizer que constituem um mistério ; mas esse mistério é a sua definição e não poderemos desvendá-lo por meio de qualquer «solução» porque ele está para aquém de todas as soluções. A verdadeira filosofia consiste em aprender a ver o mundo e; assim, qualquer história contada pode vir a interpretar o mundo tão «profundamente» como qualquer tratado de filosofia. Nas nossas mãos tomamos a nossa sorte ; da nossa história tornamo-nos responsáveis, não só pela reflexão mas também por uma decisão em que fica comprometida a nossa vida ; e, em ambos os casos, estamos perante um ato de violência que se verifica ao exercer-se»[Ibid., págs. xv-xvi — M. Merleau-Ponty diz que estas considerações se encontrara assim formuladas nos inéditos de Husserl ( Rückbeziehung der Phänomenologie auf sich segst)].

Sendo assim, pode-se dizer que « a fenomenologia, como revelação do mundo, assenta sobre si mesma ou, ainda, funda-se a si mesma». « Sempre inacabada, porque a interrogação que a si próprio dirige é realmente de ordem infinita, a posição em que desde o início se coloca, de nunca poder saber para onde vai, não constitui sinal de fracasso mas, antes pelo contrário, a forma do seu progresso, que é revelar progressivamente, sem ter a esperança de o poder esgotar, o duplo e solidário mistério do mundo e da razão [A. de Waelhens acaba de publicar em Le Choix, Le Monde. l’Existence ( Cadernos do Colégio filosófico, Paris, Arthaud, 1948 ), págs. 37-70, um estudo, muito claro, sobre as relações da Fenomenologia e do Existencialismo, no qual a doutrina de Husserl é apresentada na sua gênese e no seu desenvolvimento histórico, embora nós, para a nossa exposição, nos tenhamos limitado a seguir as Meditações Cartesianas.]. [Jolivet]

Submitted on 17.06.2010 15:08
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