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disposição

Definition:
Befindlichkeit
VIDE Stimmung

Enquanto busca, o questionar necessita de uma orientação prévia do que se busca. Para isso, o sentido [Sinn] de ser já nos deve estar, de alguma maneira, à disposição [Befindlichkeit]. Já se aludiu que sempre nos movemos numa compreensão de ser [Seinsverständnis]. É dela que brota a questão [Frage] explícita do sentido [Sinn] de ser e a tendência para o seu conceito [Begriff]. Não sabemos o que diz "ser". Mas já quando perguntamos o que é "ser", mantemo-nos numa compreensão do "é", sem que possamos fixar conceitualmente o que significa esse "é". Nós nem sequer conhecemos o horizonte em que poderíamos apreender e fixar-lhe o sentido [Sinn]. Essa compreensão vaga e mediada de ser é um fato. STMSCC: §2

Por mais que a compreensão de ser [Seinsverständnis] oscile, flutue e se mova rigorosamente no limiar de um mero conhecimento [Erkenntnis] da palavra esse estado indeterminado de uma compreensão de ser [Seinsverständnis] já sempre à disposição [Befindlichkeit] é, em si mesmo, um fenômeno [Phänomen] positivo que necessita de esclarecimento. Contudo, uma investigação sobre o sentido [Sinn] de ser não pode pretender dar uma tal explicação no início. A interpretação dessa compreensão mediana de ser só pode conquistar um fio condutor com a elaboração do conceito [Begriff] de ser. É à luz [Licht] desse conceito [Begriff] e dos modos de compreensão explícita nela inerentes que se deverá decidir o que significa essa compreensão de ser [Seinsverständnis] obscura e ainda não esclarecida e quais espécies de obscurecimento ou impedimento são possíveis e necessários para um esclarecimento explícito do sentido [Sinn] de ser. STMSCC: §2

De fato, não há nenhum círculo vicioso no questionamento da questão [Frage]. O ente pode vir a ser determinado [Bestimmtheit] em seu ser sem que, para isso, seja necessário já dispor de um conceito [Begriff] explícito sobre o sentido [Sinn] de ser. Não fosse assim, não poderia ter havido até hoje nenhum conhecimento [Erkenntnis] ontológico, cujo teor fático [faktisch] não pode ser negado. Sem dúvida, até hoje, em toda ontologia, "ser" é pressuposto, embora não como um conceito [Begriff] à disposição [Befindlichkeit], não como o que se busca. "Pressupor" ser possui o caráter de uma visualização preliminar de ser, de tal maneira que, partindo dessa visualização, o ente previamente dado se articule antecipadamente em seu ser. Essa visualização de ser, orientadora do questionamento, nasce da compreensão mediana de ser em que nos movemos desde sempre e que, em última instância [NH: isto é, desde o princípio], pertence à própria constituição essencial da presença [Dasein]. Tal "pressupor" nada tem a ver [Sehen] com o estabelecimento de um princípio indemonstrado do qual se deduziria uma conclusão. Não pode haver "círculo vicioso" na colocação da questão [Frage] sobre o sentido [Sinn] de ser porque, na resposta [Antwort], não está em jogo uma fundamentação dedutiva, mas uma liberação [Freigabe] demonstrativa das fundações. STMSCC: §2

Conceitos fundamentais são determinações em que o âmbito de objetos, que serve de base a todos os objetos temáticos de uma ciência [Wissenschaft], é compreendido previamente de modo a guiar todas as pesquisas positivas. Trata-se, portanto, de conceitos que só alcançam verdadeira legitimidade e "fundamentação" mediante uma investigação prévia que corresponda propriamente ao respectivo âmbito. Ora, à medida que cada um desses âmbitos é extraído de um setor de entes, essa investigação prévia, produtora de conceitos fundamentais, significa uma interpretação desse ente na constituição fundamental de seu ser. Essa pesquisa deve anteceder às ciências positivas. E isso ela pode fazer. O trabalho de Platão e Aristóteles é uma prova. Trata-se, no entanto, de uma fundamentação das ciências que se distingue fundamentalmente da "lógica" claudicante, que analisa o estado momentâneo de uma ciência [Wissenschaft] em seu "método". Aqui, porém, trata-se de uma lógica produtiva, uma vez que salta antecipando, por assim dizer, determinado [Bestimmtheit] âmbito de ser, abrindo-o, pela primeira vez, para a sua constituição de ser [Seinsverfassung] e colocando à disposição [Befindlichkeit] das ciências positivas as estruturas obtidas enquanto indicações transparentes para um questionamento. Assim, o primário filosoficamente não é uma teoria da conceituação da história, nem a teoria do conhecimento [Erkenntnis] histórico e nem a epistemologia do acontecer histórico enquanto objeto da ciência [Wissenschaft] histórica, mas sim a interpretação daquele ente propriamente histórico em sua historicidade [Geschichtlichkeit]. Nesse sentido [Sinn], a contribuição positiva da Crítica da razão pura, de Kant, por exemplo, reside no impulso que deu à elaboração do que pertence propriamente à natureza e não em uma "teoria do conhecimento [Erkenntnis]". A sua lógica transcendental é uma lógica do objeto a priori, a natureza, enquanto âmbito ontológico. STMSCC: §3

Encontramos os dois modos constitutivos de ser do pre [das Da], igualmente originários, na disposição [Befindlichkeit] e no compreender [Verstehen]; sua análise sempre recebe a confirmação fenomenal [phänomenal] necessária da interpretação de um modo concreto e importante para toda a problemática seguinte. A disposição [Befindlichkeit] e o compreender [Verstehen] são, de maneira igualmente originária, determinados pela fala [Rede]. STMSCC: §28

Em A (a constituição existencial do pre [das Da]) trata-se, pois: da presença [Dasein] como disposição [Befindlichkeit] (§29), do medo [Furcht] como um modo de disposição [Befindlichkeit] (§30), da presença [Dasein] como compreender [Verstehen] (§31), de compreender [Verstehen] e interpretação [Auslegung] (§32), do enunciado [Aussage] como modo derivado da interpretação [Auslegung] (§33), da presença [Dasein], fala [Rede] e linguagem [Sprache] (§34). STMSCC: §28

§29. A presença [Dasein] como disposição [Befindlichkeit] STMSCC: §29

O que indicamos ontologicamente com o termo disposição [Befindlichkeit] é, onticamente, o mais conhecido e o mais cotidiano [alltäglich], a saber, o humor [Stimmung] , o estar afinado [Gestimmtsein] num humor [Stimmung]. Antes de qualquer psicologia dos humores [Stimmung], ainda bastante primitiva, trata-se de ver [Sehen] este fenômeno [Phänomen] como um existencial fundamental e delimitar sua estrutura. STMSCC: §29

Esse "que é" [Dass] constitui um caráter ontológico da presença [Dasein], encoberto em seu de onde [Woher] e para onde [Wohin], que, no entanto, tanto mais se abre em si mesmo quanto mais encoberto permanece. Chamamos esse "que é" [Dass] de estar-lançado [Geworfenheit] em seu pre [das Da], no sentido [Sinn] de, enquanto ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], este ente ser sempre o seu pre [das Da]. A expressão estar-lançado [Geworfenheit] deve indicar a facticidade [Faktizität] da responsabilidade [Überantwortung] . Esse "que é e [comporta um] ter de ser", aberto na disposição [Befindlichkeit] da presença [Dasein], não é aquele "que" [Dass], o qual do ponto de vista ontológico-categorial exprime a fatualidade [Tatsächlichkeit] pertencente ao ser simplesmente dado [Vorhandenheit]. Esse só se faz acessível numa constatação observadora. Em contrapartida, deve-se conceber esse que aberto na disposição [Befindlichkeit], como determinação existencial deste ente que é no modo de ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Facticidade não é a fatualidade [Tatsächlichkeit] do factum brutum de um ser simplesmente dado [Vorhandenheit], mas um caráter ontológico da presença [Dasein] assumido na existência [Existenz], embora, desde o início, reprimido. Esse que da facticidade [Faktizität] jamais pode ser encontrado numa intuição. STMSCC: §29

O ente que possui o caráter da presença [Dasein] é o seu pre [das Da], no sentido [Sinn] de dispor-se implícita ou explicitamente em seu estar-lançado [Geworfenheit]. Na disposição [Befindlichkeit], a presença [Dasein] já se colocou sempre diante de si mesma e já sempre se encontrou, não como percepção [Vernehmen], mas como um dispor-se numa afinação [Gestimmtheit] de humor [Stimmung]. Enquanto ente entregue à responsabilidade [Überantwortung] de seu ser, ela também se entrega à responsabilidade [Überantwortung] de já se ter sempre encontrado – encontro que não é tanto fruto de uma procura direta mas de uma fuga [Flucht]. A afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung] não realiza uma abertura [Erschliessen] no sentido [Sinn] de observar o estar-lançado [Geworfenheit] e sim de enviar-se [194] e desviar-se. Na maior parte das vezes, ele faz pouco caso do caráter pesado da presença [Dasein] que nele se revela e, muito menos ainda, quando se alivia de um humor [Stimmung]. Esse desvio [Abkehr] é o que é, no modo da disposição [Befindlichkeit]. STMSCC: §29

Significaria um grande equivoco fenomenal [phänomenal] identificar o que se abre na afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung] e como ele o faz com o que a presença [Dasein] "simultaneamente" aí conhece, sabe e acredita. Mesmo que a presença [Dasein] estivesse "segura" na crença de seu "para onde" (Wohin) ou pretendesse saber o seu de onde [Woher], mediante um esclarecimento racional, nada disso diminuiria o seguinte fenômeno [Phänomen]: o humor [Stimmung] coloca a presença [Dasein] diante desse que [Dass] de seu pre [das Da], o qual se lhe impõe como enigma inexorável. Do ponto de vista ontológico-existencial, não há nenhuma razão para se desprezar a "evidência [Evidenz]" da disposição [Befindlichkeit], comparando-a com a certeza [Gewissheit] apodítica de um conhecimento [Erkenntnis] teórico acerca do que é simplesmente dado [vorhanden]. Também não é menos falso abrigar esses fenômenos no âmbito do irracional. O irracionalismo – enquanto o outro lado do racionalismo – fala [Rede] apenas estrabicamente daquilo para o que o racionalismo é cego. STMSCC: §29

Que uma presença [Dasein] de fato possa, deva e tenha de se assenhorar do humor [Stimmung] através do saber e da vontade [Wille] pode, em certas possibilidades [Möglichkeit] da existência [Existenz], significar uma primazia da vontade [Wille] e do conhecimento [Erkenntnis]. Isso, porém, não deve levar a negação ontológica do humor [Stimmung] enquanto modo de ser [Seinsart] originário [ursprünglich] da presença [Dasein]. Neste modo de ser [Seinsart], ela se abre para si mesma antes de qualquer conhecimento [Erkenntnis] e vontade [Wille] e para além de seus alcances de abertura [Erschliessen]. Ademais, nunca nos tornamos senhores do humor [Stimmung] sem humor [Stimmung], mas sempre a partir de um humor [Stimmung] contrário. Obtivemos, pois, como primeiro caráter ontológico da disposição [Befindlichkeit] que: a disposição [Befindlichkeit] abre a presença [Dasein] em seu estar-lançado [Geworfenheit] e, na maior parte das vezes e antes de tudo, segundo o modo de um desvio [Abkehr] que se esquiva. STMSCC: §29

Aqui já se torna visível que a disposição [Befindlichkeit] está bem longe da simples constatação de um estado de alma. E possui tampouco o caráter de uma apreensão [Erfassen] reflexiva abrangente que toda reflexão [Überlegung] imanente só pode se deparar com "vivências" [Erlebnis], porque o pre [das Da] já se abriu na disposição [Befindlichkeit]. O "mero humor [Stimmung]" abre o pre [das Da] de modo mais originário [ursprünglich], embora também o feche de modo ainda mais obstinado do que qualquer não percepção [Vernehmen]. STMSCC: §29

Isto é o que mostra o mau-humor [Verstimmung]. Nele, a presença [Dasein] se faz cega para si mesma, o mundo circundante [Umwelt] da ocupação [Besorgen] se vela, a circunvisão [Umsicht] da ocupação [Besorgen] se desencaminha. A disposição [Befindlichkeit] é tão pouco trabalhada pela reflexão [Überlegung] que faz com que a presença [Dasein] se precipite para o "mundo" das ocupações [Besorgen] numa dedicação e abandono irrefletidos. O humor [Stimmung] se precipita. Ele não vem de "fora" [Aussen] nem de "dentro" [Innen]. Cresce a partir de si mesmo como modo de ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Com isso, porém, passamos de uma delimitação negativa da disposição [Befindlichkeit] frente à apreensão [Erfassen] reflexiva do "interior" para uma compreensão positiva de seu caráter de abertura [Erschliessen]. O humor [Stimmung] já abriu o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] em sua totalidade e só assim torna possível um direcionar-se para... O estado de humor [Gestimmtsein] não remete, de início, a algo psíquico e não é, em si mesmo, um estado interior que, então, se exteriorizasse de forma enigmática, dando cor as coisas e pessoas. Nisto mostra-se o segundo caráter essencial da disposição [Befindlichkeit]: ela é um modo existencial básico da abertura [Erschliessen] igualmente originária de mundo, de co-presença [Mitdasein] e existência [Existenz], pois também este modo é em si mesmo ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. STMSCC: §29

Além dessas duas determinações essenciais da disposição [Befindlichkeit] aqui explicitadas: a abertura [Erschliessen] do estar-lançado [Geworfenheit] e a abertura [Erschliessen] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] em sua totalidade, deve-se considerar ainda uma terceira, que contribui sobremaneira para uma compreensão mais profunda da mundanidade [Weltlichkeit] do mundo. Como dissemos anteriormente, o mundo que já se abriu deixa e faz com que o ente intramundano [innerweltlich] venha ao encontro [begegnen]. Essa abertura [Erschliessen] prévia do mundo, que pertence ao ser-em [In-sein], também se constitui de disposição [Befindlichkeit]. Deixar e fazer vir ao encontro [Begegnenlassen] é, primariamente, uma circunvisão [Umsicht] e não simplesmente sensação ou observação [Betrachtung]. Numa ocupação [Besorgen] dotada de circunvisão [Umsicht], deixar e fazer vir ao encontro [Begegnenlassen] tem o caráter de ser atingido, como agora se pode ver [Sehen] mais agudamente a partir da disposição [Befindlichkeit]. Do ponto de vista ontológico, inutilidade, resistência, ameaça [drohen], são apenas possíveis, porque o ser-em [In-sein] como tal [als solches] se acha determinado [Bestimmtheit] previamente em sua existência [Existenz], de modo a poder ser tocado dessa maneira pelo que vem ao encontro [begegnen] dentro do mundo [innerweltlich]. Esse ser tocado funda-se na disposição [Befindlichkeit], descobrindo o mundo como tal [als solches], no sentido [Sinn], por exemplo, de ameaça [drohen]. Apenas o que é na disposição [Befindlichkeit] do medo [Furcht], o sem medo [Furchtlosigkeit], pode descobrir [entdecken] o que está à mão [zuhanden] no mundo circundante [Umwelt] como algo [196] ameaçador. O estado de humor [Stimmung] da disposição [Befindlichkeit] constitui, existencialmente, a abertura mundana [Weltoffenheit] da presença [Dasein]. STMSCC: §29

Os "sentidos [Sinne]" [Sinne] só podem ser "estimulados", só é possível "ter sensibilidade para", de maneira que o estimulante se mostre na afecção [Affektion], porque, do ponto de vista ontológico, os sentidos [Sinne] pertencem a um ente que possui o modo de ser [Seinsart] disposto no mundo. Por mais fortes que fossem a pressão e resistência, coisas como afecção [Affektion] não ocorreriam se a resistência não se descobrisse de modo essencial, se o ser disposto no mundo já não estabelecesse um liame com um ente intramundano [innerweltlich], trabalhado de modo privilegiado por humores [Stimmung]. Na disposição [Befindlichkeit] subsiste existencialmente um liame de abertura [Erschliessen] com o mundo, a partir do qual algo que toca pode vir ao encontro [begegnen]. Do ponto de vista ontológico-fundamental, devemos em princípio deixar a descoberta [entdecken] primária do mundo ao "simples humor [Stimmung]". Uma intuição pura, mesmo introduzida nas artérias mais interiores de alguma coisa [Ding] simplesmente dada, jamais chegaria a descobrir [entdecken] algo como ameaça [drohen]. STMSCC: §29

Que a circunvisão [Umsicht] cotidiana [alltäglich] se equivoque, devido à abertura [Erschliessen] primordial da disposição [Befindlichkeit] e esteja amplamente sujeita a ilusão, isto é, segundo a ideia [Idee] de um conhecimento [Erkenntnis] absoluto de "mundo", um me ón. Em razão dessas avaliações ontologicamente inadequadas, desconsidera-se inteiramente a positividade existencial da possibilidade [Möglichkeit] de ilusão. É justamente na visão [Sicht] instável e de humor [Stimmung] variável do "mundo" que o manual [zuhanden] se mostra em sua mundanidade [Weltlichkeit] específica, a qual nunca é a mesma. A observação [Betrachtung] teórica sempre reduziu o mundo à uniformidade do que é simplesmente dado [vorhanden]; dentro dessa uniformidade subsiste encoberta sem dúvida uma nova riqueza de determinações, passíveis de descoberta [entdecken]. Contudo, mesmo a mais pura theoria não conseguiu ultrapassar todos os humores [Stimmung]; o que é ainda simplesmente dado [vorhanden] em sua pura configuração apenas se mostra para a observação [Betrachtung] quando consegue chegar a si, demorando tranquilamente junto a..., na rastone e diagoge. O demonstrar [Aufweisung] da constituição ontológico-existencial de toda determinação de conhecimento [Erkenntnis] na disposição [Befindlichkeit] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] não deve ser confundido com a tentativa de abandonar onticamente a ciência [Wissenschaft] ao "sentimento [Gefühl]". STMSCC: §29

Dentro da problemática dessa investigação não será possível interpretar os diferentes modos da disposição [Befindlichkeit] e seus nexos de fundamentação. Esses fenômenos são de há muito conhecidos e onticamente sempre considerados pela filosofia, sob o nome de afetos [Affekt] e sentimentos. Não é por acaso que a primeira interpretação dos afetos [Affekt], legada e conduzida sistematicamente, não tenha sido tratada no âmbito da "psicologia". Aristóteles investiga a pathe, no segundo livro de sua Retórica. Ao contrário da orientação tradicional do conceito [Begriff] de retórica como uma espécie de "disciplina", ela deve ser apreendida como a primeira hermenêutica [Hermeneutik] sistemática da convivência [Miteinandersein] cotidiana [alltäglich] com os outros. O público [Öffentlichkeit], enquanto modo de ser [Seinsart] do impessoal [das Man] (cf. §27), não só possui seu estado de humor [Stimmung] como precisa da afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung] e a "constrói" [macht] para si. É a partir dele e em seu sentido [Sinn] que fala [Rede] o orador [Redner]. Ele necessita da compreensão das possibilidades [Möglichkeit] do humor [Stimmung] para despertá-las e dirigi-las da maneira mais adequada. STMSCC: §29

A disposição [Befindlichkeit] não apenas abre a presença [Dasein] em seu estar-lançado [Geworfenheit] e dependência [Angewiesenheit] do mundo já descoberto em seu ser, mas ela própria e o modo de ser [Seinsart] existencial em que a presença [Dasein] permanentemente se abandona ao "mundo" e por ele se deixa tocar de maneira a se esquivar de si mesma. A constituição existencial desse esquivar-se [Ausweichen] será evidenciada no fenômeno [Phänomen] da decadência [Verfallen]. STMSCC: §29

A disposição [Befindlichkeit] é um modo existencial básico em que a presença [Dasein] é o seu pre [das Da]. Ontologicamente, ela não apenas caracteriza a presença [Dasein] como também é de grande importância metodológica para a analítica existencial, devido a sua capacidade de abertura [Erschliessen]. Esta possibilita, ademais, como toda interpretação ontológica, a se escutar, por assim dizer, o ser dos entes que antes já se abriram. Nesse sentido [Sinn], deverá ater-se as possibilidades [Möglichkeit] de abertura [Erschliessen] privilegiadas e mais abrangentes da presença [Dasein] para delas retirar a explicação desse ente. A interpretação fenomenológica deve oferecer para a própria presença [Dasein] a possibilidade [Möglichkeit] de uma abertura [Erschliessen] originária e, ao mesmo tempo, da própria presença [Dasein] interpretar a si mesma. Ela apenas acompanha essa abertura [Erschliessen] para conceituar existencialmente o conteúdo [Gehalt] fenomenal [phänomenal] do que assim se abre. STMSCC: §29

O fenômeno [Phänomen] da disposição [Befindlichkeit], no modo determinado [Bestimmtheit] do medo [Furcht], será demonstrado agora de modo ainda mais concreto numa relação [Beziehung] com uma disposição [Befindlichkeit] fundamental da presença [Dasein], a angústia [Angst], que será interpretada posteriormente (cf. §40). STMSCC: §29

O fenômeno [Phänomen] do medo [Furcht] pode ser considerado segundo três perspectivas: analisaremos o de que (Wovor) se tem medo [Furcht], o ter medo [fürchten] e o pelo que (Worum) se tem medo [Furcht]. Essas perspectivas possíveis e copertinentes não são casuais. Com elas vem à luz [Licht] a estrutura da disposição [Befindlichkeit]. A análise se completará com a indicação [Aufschluss] das possíveis modificações do medo [Furcht] e de seus vários momentos estruturais. STMSCC: §30

O ter medo [fürchten] ele mesmo libera a ameaça [drohen] que assim caracterizada se deixa e faz tocar a si mesma. Não se constata primeiro um mal futuro (malum futurum) para então se ter medo [fürchten]. O ter medo [fürchten] também não constata primeiro o que se aproxima, mas, em seu ser amedrontador, já o descobriu previamente. É tendo medo [Furcht] que o medo [Furcht] pode ter claro para si o de que tem medo [Furcht], "esclarecendo-o". A circunvisão [Umsicht] vê o amedrontador por já estar na disposição [Befindlichkeit] do medo [Furcht]. Como possibilidade [Möglichkeit] adormecida do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] disposto, o ter medo [fürchten] é "medrosidade" e, como tal [als solches], já abriu o mundo para que o amedrontador dele possa aproximar-se. A própria possibilidade [Möglichkeit] de aproximação é liberada pela espacialidade [Räumlichkeit] essencialmente existencial de ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. STMSCC: §30

Ter medo [Furcht] por ou ter medo [fürchten] de alguma coisa [Ding] sempre abre – seja privativa ou positivamente – de modo igualmente originário [ursprünglich], o ente intramundano [innerweltlich] em sua possibilidade [Möglichkeit] de ameaçar e o ser-em [In-sein] no tocante ao estar ameaçado. Medo é um modo da disposição [Befindlichkeit]. STMSCC: §30

O ter medo [fürchten] por também pode estender-se a outros e, nesse caso, falamos de ter medo [fürchten] em lugar do outro. Esse ter medo [fürchten] em lugar de... não retira do outro o medo [Furcht]. Isso esta excluído porque o outro, em lugar de quem [Wer] se tem medo [Furcht], não precisa necessariamente ter medo [fürchten]. Na maior parte das vezes, temos medo [Furcht] em lugar do outro justamente quanto ele não tem medo [Furcht] e audaciosamente enfrenta o que o ameaça [drohen]. Ter medo [Furcht] em lugar de... é um modo de disposição [Befindlichkeit] junto com os outros mas não necessariamente um ter medo [fürchten] junto com ou mesmo ter medo [fürchten] convivendo com. Pode-se ter medo [fürchten] em lugar de, sem ter medo [fürchten] por si. Visto mais precisamente, porém, ter medo [fürchten] em lugar de é um sentir-se amedrontar-se. "O que dá medo [Furcht]", nesse caso, é o ser-com [Mitsein] o outro, que poderia vir a ser suprimido. O amedrontador não visa diretamente àquele que tem medo [Furcht] junto com. O ter medo [fürchten] em lugar de... de certa forma sabe que não é atingido, embora, na verdade, seja atingido pela co-presença [Mitdasein], da qual se tem medo [Furcht]. O ter medo [fürchten] em lugar de não é, pois, um medo [Furcht] atenuado. Não se trata aqui de graus de "sentimento [Gefühl]" e, sim, de modos existenciais. Com isso, porém, o ter medo [fürchten] em lugar de não perde sua autenticidade específica quando "propriamente" não tem medo [Furcht]. STMSCC: §30

Os momentos constitutivos de todo o fenômeno [Phänomen] do medo [Furcht] podem variar. Nessas variações, surgem diferentes possibilidades [Möglichkeit] de ser do ter medo [fürchten]. A aproximação na proximidade pertence à estrutura de encontro daquilo que ameaça [drohen]. Como uma ameaça [drohen], em seu "na verdade ainda não, mas a qualquer momento sim" subitamente se abate sobre o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] da ocupação [Besorgen], o medo [Furcht] se transforma em pavor [Erschrecken]. Desse modo, deve-se distinguir na ameaça [drohen]: a aproximação mais próxima do que ameaça [drohen] e o modo de encontro com a própria aproximação, o súbito. O referente do pavor [Erschrecken] e, de início, algo conhecido e familiar. Se, ao contrário, o que ameaça [drohen] possuir o caráter de algo totalmente não familiar, o medo [Furcht] transforma-se em horror. E somente quando o que ameaça [drohen] vem ao encontro [begegnen] com o caráter de horror, possuindo ao mesmo tempo o caráter de pavor [Erschrecken], a saber, o súbito, o medo [Furcht] torna-se, então, terror. Outras variações do medo [Furcht] nos são conhecidas como timidez, acanhamento, receio e estupor. Enquanto possibilidades [Möglichkeit] da disposição [Befindlichkeit], todas as modificações do medo [Furcht] indicam que, como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], a presença [Dasein] é "medrosa". Essa "medrosidade" não deve ser compreendida onticamente no sentido [Sinn] de uma predisposição fatual e "singular", mas como possibilidade [Möglichkeit] existencial da disposição [Befindlichkeit] essencial de toda presença [Dasein] que, de certo modo, não é única. STMSCC: §30

A disposição [Befindlichkeit] é uma das estruturas existenciais em que o ser do "pre [das Da]" da presença [Dasein] se sustenta. De maneira igualmente originária, também o compreender [Verstehen] constitui esse ser. Toda disposição [Befindlichkeit] sempre possui a sua compreensão, mesmo quando a reprime. O compreender [Verstehen] está sempre afinado pelo humor [Stimmung]. Interpretando o compreender [Verstehen] como um existencial [NH: de modo ontológico-fundamental, isto é, a partir da remissão [Bezug] da verdade [Wahrheit] de ser] fundamental, mostra-se que esse fenômeno [Phänomen] é concebido como modo fundamental de ser da presença [Dasein]. No sentido [Sinn], porém, de um modo possível de conhecimento [Erkenntnis] entre outros, [202] que se distingue, por exemplo, do "esclarecer", o "compreender [Verstehen]" deve ser interpretado juntamente com aquele, como um derivado existencial do compreender [Verstehen] primordial, que também constitui o ser do pre [das Da] da presença [Dasein]. STMSCC: §31

Compreender é o ser desse poder-ser [Seinkönnen], que nunca está ausente no sentido [Sinn] de algo que simplesmente ainda não foi dado, mas que, na qualidade essencial de nunca ser simplesmente dado [Vorhandenheit], "é " junto com o ser da presença [Dasein], no sentido [Sinn] de existência [Existenz]. A presença [Dasein] é de tal maneira que ela sempre compreendeu ou não compreendeu ser dessa ou daquela maneira. Enquanto um tal compreender [Verstehen], ela "sabe" a quantas ela mesma anda, isto é, a quantas anda o seu poder-ser [Seinkönnen]. Esse "saber" não nasce primeiro de uma percepção [Vernehmen] imanente de si mesma, mas pertence ao ser do pre [das Da] da presença [Dasein] que, em sua essência, é compreender [Verstehen]. E somente porque a presença [Dasein] é em compreendendo o seu pre [das Da], ela pode perder-se e desconhecer. E à medida que compreender [Verstehen] está na disposição [Befindlichkeit] e, nessa condição, lançado existencialmente, a presença [Dasein] já sempre se perdeu e desconheceu. Em seu poder-ser [Seinkönnen], portanto, a presença [Dasein] já se entregou a possibilidade [Möglichkeit] de se reencontrar em suas possibilidades [Möglichkeit]. STMSCC: §31

Enquanto existenciais, a disposição [Befindlichkeit] é o compreender [Verstehen] caracterizam a abertura [Erschliessen] originária de ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. No modo de ser [Seinsart] do humor [Stimmung], a presença [Dasein] "vê" possibilidades [Möglichkeit] a partir das quais ela é. Na abertura [Erschliessen] projetiva dessas possibilidades [Möglichkeit], ela já está sempre afinada pelo humor [Stimmung]. O projeto [Entwurf] do poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich] está entregue ao fato de ser lançado no pre [das Da] da presença [Dasein]. Mas não será que, com a explicação da constituição existencial do ser do pre [das Da], no sentido [Sinn] do projeto [Entwurf] projetado, o ser da presença [Dasein] se torna ainda mais enigmático? Com efeito. Devemos primeiro deixar despontar todo o enigma desse ser, quer para fracassar com autenticidade na tentativa de [208] "resolvê-lo", quer para recolocar de modo novo a questão [Frage] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] que se lançou em projetos. STMSCC: §31

Disposição e compreender [Verstehen] são os existenciais fundamentais que constituem o ser do pre [das Da], ou seja, a abertura [Erschliessen] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. O compreender [Verstehen] guarda em si a possibilidade [Möglichkeit] de interpretação, isto é, de uma apropriação do que se compreende. Sendo disposição [Befindlichkeit] e compreender [Verstehen] igualmente originários, a disposição [Befindlichkeit] se mantém numa certa compreensão. Corresponde-lhe também uma certa possibilidade [Möglichkeit] de interpretação. O enunciado [Aussage] tornou visível um derivado extremo da interpretação. O esclarecimento do terceiro significado [Bedeutung] de enunciado [Aussage] como comunicação [Mitteilung] (declaração) levou ao conceito [Begriff] de dizer e pronunciar, até aqui propositadamente desconsiderado. Que somente agora se tematize a linguagem [Sprache], isso deve indicar que este fenômeno [Phänomen] se radica na constituição existencial da abertura [Erschliessen] da presença [Dasein]. O fundamento ontológico-existencial da linguagem [Sprache] é a fala [Rede]. Embora tenhamos excluído esse fenômeno [Phänomen] de uma análise temática, dele nos servimos constantemente nas interpretações feitas até aqui da disposição [Befindlichkeit], do compreender [Verstehen], da interpretação e do enunciado [Aussage]. STMSCC: §34

Do ponto de vista existencial, a fala [Rede] é igualmente originária à disposição [Befindlichkeit] e ao compreender [Verstehen]. A compreensibilidade [Verständigkeit] já está sempre articulada, antes mesmo de qualquer interpretação apropriadora. A fala [Rede] é a articulação da compreensibilidade [Verständigkeit]. Por isso, a fala [Rede] se acha à base de toda interpretação e enunciado [Aussage]. Chamamos de sentido [Sinn] o que pode ser articulado na interpretação e, por conseguinte, mais originariamente ainda já na fala [Rede]. Chamamos de totalidade significativa aquilo que, como tal [als solches], se estrutura na articulação da fala [Rede]. Esta pode desmembrar-se em significações. Enquanto aquilo que se articula nas possibilidades [Möglichkeit] de articulação, todas as significações sempre têm sentido [Sinn]. Uma vez que, enquanto articulação da compreensibilidade [Verständigkeit] do pre [das Da], a fala [Rede] é um existencial originário [ursprünglich] da [223] abertura [Erschliessen], constituído primordialmente pelo ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], ela também deve possuir, em sua essência, um modo de ser [Seinsart] especificamente mundano [weltlich]. A compreensibilidade [Verständigkeit] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], trabalhada por uma disposição [Befindlichkeit], pronuncia-se como fala [Rede]. A totalidade significativa da compreensibilidade [Verständigkeit] vem à palavra. Dos significados brotam palavras. As palavras, porém, não são coisas dotadas de significados. STMSCC: §34

Como já se indicou na análise anterior, o fenômeno [Phänomen] da comunicação [Mitteilung] deve ser compreendido num sentido [Sinn] ontologicamente amplo. A "comunicação [Mitteilung]" de enunciados, por exemplo, a reportagem, é um caso especial de comunicação [Mitteilung], apreendida fundamentalmente como existencial. Nela se constitui a articulação da convivência [Miteinandersein] que compreende. É ela que cumpre a "partilha" da disposição [Befindlichkeit] comum e da compreensão do ser-com [Mitsein]. Comunicação nunca é a transposição de vivências, por exemplo, de opiniões e desejos, do interior de um sujeito [Subjekt] para o interior de outro sujeito [Subjekt]. A co-presença [Mitdasein] já se revelou essencialmente na disposição [Befindlichkeit] e compreender [Verstehen] comuns. O ser-com [Mitsein] é partilhado "expressamente" na fala [Rede]. Isso significa: o ser-com [Mitsein] já é, só que ainda não partilhado porque não apreendido e apropriado [Geeignetheiten]. STMSCC: §34

Toda fala [Rede] sobre alguma coisa [Ding] comunica através daquilo sobre que fala [Rede] e sempre possui o caráter de pronunciar-se. Na fala [Rede], a presença [Dasein] se pronuncia. Entretanto, isso não ocorre porque a presença [Dasein] se acharia, de início, encapsulada num "interior" que se opõe a um exterior, mas porque, como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], ao compreender [Verstehen], ela já se acha "fora" [Aussen]. O que se pronuncia é justamente o estar fora [NH: o pre [das Da]; estar exposto como posição aberta], isto é, o modo cada vez diferente da disposição [Befindlichkeit] (ou do humor [Stimmung]) que, como se indicou, alcança toda a abertura [Erschliessen] do ser-em [In-sein]. O índice linguístico próprio [eigentlich] da fala [Rede] em que se anuncia o ser-em [In-sein] da disposição [Befindlichkeit] está no tom, na modulação, no ritmo da fala [Rede], "no modo de dizer". A comunicação [Mitteilung] das possibilidades [Möglichkeit] existenciais da disposição [Befindlichkeit], ou seja, da abertura [Erschliessen] da existência [Existenz], pode tornar-se a meta [Ziel] explícita da fala [Rede] "poética". STMSCC: §34

A fala [Rede] é a articulação em significações da compreensibilidade [Verständigkeit] inserida na disposição [Befindlichkeit] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Seus momentos constitutivos são os seguintes: o referencial da fala (Beredete), aquilo sobre que se fala [Rede] como tal [als solches] (Geredete), a comunicação [Mitteilung] e o anúncio [Anzeichen]. Estes não são propriedades [Eigenschaften] que só se possam reunir empiricamente na linguagem [Sprache]. São caracteres existenciais arraigados na constituição de ser [Seinsverfassung] da presença [Dasein], que tornam possível a estrutura ontológica da linguagem [Sprache]. Na configuração linguística fática [faktisch] de uma determinada [Bestimmtheit] fala [Rede], alguns desses momentos podem faltar ou não ser observados. Que estes momentos, muitas vezes, não se exprimem "em palavras", isso deve ser apenas o indicador de um determinado [Bestimmtheit] modo [225] de fala [Rede] que, em sendo, deve sempre articular-se com a totalidade dessas estruturas. STMSCC: §34

Porque a fala [Rede] é constitutiva do ser do pre [das Da], isto é, da disposição [Befindlichkeit] e do compreender [Verstehen], a presença [Dasein] significa então: como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], a presença [Dasein] se pronunciou como ser-em [In-sein] uma fala [Rede]. A presença [Dasein] possui linguagem [Sprache]. Terá sido mero acaso que os gregos depositaram a sua existência [Existenz] cotidiana [alltäglich] predominantemente no espaço [Raum] aberto pela fala [Rede] convivial, guardando ao mesmo tempo olhos para ver [Sehen], tanto na interpretação filosófica como na pré-filosófica da presença [Dasein], a essência do homem [Mensch] determinada [Bestimmtheit] como zoon logon echon [NH: o homem [Mensch] como o que "colhe", recolhendo-se no ser-vigente na abertura [Erschliessen] dos entes (mas estes em segundo plano)]? A interpretação posterior dessa caracterização do homem [Mensch], no sentido [Sinn] de animal rationale, "animal racional", não é, com efeito, "falsa", mas encobre o solo fenomenal [phänomenal] que deu origem a essa definição da presença [Dasein]. O homem [Mensch] mostra-se como um ente que é na fala [Rede]. Isso não significa que a possibilidade [Möglichkeit] de articulação verbal seja apenas própria do homem [Mensch], e sim que o homem [Mensch] se realiza no modo de descoberta [entdecken] de mundo e da própria presença [Dasein]. Os gregos não dispunham de uma palavra própria para linguagem [Sprache] porque entendiam esse fenômeno [Phänomen] "sobretudo" como fala [Rede]. Por outro lado, porque na reflexão [Überlegung] filosófica o logos foi visualizado, sobretudo como enunciado [Aussage], a elaboração das estruturas básicas das formas e dos integrantes da fala [Rede] se deu de acordo com este logos. A gramática buscou seus fundamentos na "lógica" deste logos. Esta, por sua vez, se funda na ontologia do simplesmente dado [vorhanden]. O acervo das "categorias [Kategorien] semânticas", herdado [228] pela linguística posterior e ainda hoje decisivo em seus princípios, orienta-se pela fala [Rede] entendida como enunciado [Aussage]. Tomando, porém, esse fenômeno [Phänomen] em toda a originariedade [Ursprünglichkeit] fundamental e em todo o alcance de um existencial, será necessário transpor a linguística para fundamentos mais originários do ponto de vista ontológico. A tarefa de libertar a gramática da lógica necessita de uma compreensão preliminar e positiva da estrutura a priori da fala [Rede] como existencial. Essa tarefa não pode ser cumprida subsidiariamente através de correções e complementações do que foi legado pela tradição. Nesse propósito, devem-se questionar as formas fundamentais em que se funda a possibilidade [Möglichkeit] semântica de articulação do que é susceptível de compreensão e não apenas dos entes intramundanos [innerweltlich] conhecidos teoricamente e expressos em proposições. A semântica não se constitui por si mesma de uma comparação ampla do maior número possível de línguas e das línguas mais distantes entre si. Também não basta assumir o horizonte filosófico em que W.v. Humboldt problematizou a linguagem [Sprache]. A semântica tem suas raízes na ontologia da presença [Dasein]. O seu florescimento ou fenecimento está atrelado ao destino [Schicksal] da presença [Dasein]. STMSCC: §34

Remontando às estruturas existenciais que compõem a abertura [Erschliessen] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], a interpretação, de certo modo, perdeu de vista a cotidianidade [Alltäglichkeit] da presença [Dasein]. A análise deve reconquistar mais uma vez o horizonte fenomenal [phänomenal], estabelecido para seu tema. Levanta-se então a pergunta: Quais são os caracteres existenciais da abertura [Erschliessen] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] quando o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] cotidiano [alltäglich] se detém no modo de ser [Seinsart] do impessoal [das Man]? Será que esse modo de ser [Seinsart] possui uma disposição [Befindlichkeit] própria e específica, uma compreensão, uma fala [Rede] e uma interpretação especiais? A resposta [Antwort] a essas perguntas torna-se tanto mais urgente quanto mais se recorda que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], a presença [Dasein] sucumbe ao impessoal [das Man] e por ele se deixa dominar. Como ser-lançado-no-mundo, não será que a presença [Dasein] foi jogada de saída no caráter público [Öffentlichkeit] do impessoal [das Man]? E que mais significa esse ser público [Öffentlichkeit] do que a abertura [Erschliessen] específica do impessoal [das Man]? STMSCC: §34

A expressão "falação [Gerede]" não deve ser tomada aqui em sentido [Sinn] pejorativo. Terminologicamente significa um fenômeno [Phänomen] positivo que constitui o modo de ser [Seinsart] do compreender [Verstehen] e da interpretação da presença [Dasein] cotidiana [alltäglich]. A fala [Rede], na maior parte das vezes, se pronuncia e já sempre se pronunciou. É linguagem [Sprache]. Ao pronunciar-se, o compreender [Verstehen] e a interpretação já se dão. Como um pronunciamento, a linguagem [Sprache] guarda em si uma interpretação da compreensão de presença [Dasein]. Assim como a linguagem [Sprache], também essa interpretação não é algo simplesmente dado [vorhanden], mas o seu ser contém em si o modo de ser [Seinsart] de presença [Dasein]. Dentro de certos limites e imediatamente, a presença [Dasein] está entregue à interpretação, na medida em que essa regula e distribui as possibilidades [Möglichkeit] do compreender [Verstehen] mediano e de sua disposição [Befindlichkeit]. Na totalidade de suas articulações de significado [Bedeutung], o pronunciamento preserva um compreender [Verstehen] do mundo que se abriu e, de maneira igualmente originária, um compreender [Verstehen] da co-presença [Mitdasein] dos outros e do próprio [eigentlich] ser-em [In-sein]. A compreensão que, assim, já se acha inserida no pronunciar-se refere-se tanto à descoberta [entdecken] já estabelecida e herdada dos entes como a cada compreensão de ser [Seinsverständnis] e às possibilidades [Möglichkeit] e horizontes disponíveis para novas interpretações e novas articulações conceituais. Muito mais do que uma simples indicação [Aufschluss] do fato dessas interpretações da presença [Dasein], cabe agora questionar o modo de ser [Seinsart] existencial da fala [Rede] que se pronuncia e já se pronunciou. Se o modo de ser [Seinsart] da fala [Rede] não pode ser concebido como algo simplesmente dado [vorhanden], qual é então o seu ser e o que diz, em princípio, sobre o modo de ser [Seinsart] cotidiano [alltäglich] da presença [Dasein]? STMSCC: §35

Este tipo de interpretação própria da falação [Gerede] já se consolidou na presença [Dasein]. É dessa maneira que aprendemos e conhecemos muitas coisas. É dessa maneira ainda que não poucas coisas jamais conseguem ultrapassar uma tal compreensão mediana. A presença [Dasein] nunca consegue subtrair-se a essa interpretação cotidiana [alltäglich] em que ela cresce. Todo compreender [Verstehen], interpretar e comunicar autênticos, toda redescoberta e nova apropriação cumprem-se nela, a partir dela e contra ela. Não é possível uma presença [Dasein], que não sendo tocada nem desviada pela interpretação mediana, pudesse colocar-se diante [Bringen vor] da paisagem livre de um "mundo" em si, para apenas contemplar o que lhe vem ao encontro [begegnen]. O predomínio da interpretação pública já decidiu até mesmo sobre as possibilidades [Möglichkeit] de sintonização com o humor [Stimmung], isto é, sobre o modo fundamental em que a presença [Dasein] é tocada pelo mundo. O impessoal [das Man] prescreve a disposição [Befindlichkeit] e determina o quê e como se "vê". STMSCC: §35

Obstruindo da maneira descrita, a falação [Gerede] constitui o modo de ser [Seinsart] da compreensão desenraizada de presença [Dasein]. Ela não se apresenta como estado simplesmente dado [vorhanden] de algo simplesmente dado [vorhanden], mas, existencialmente sem raízes, ela mesma é no modo de um contínuo [233] desenraizamento. Do ponto de vista ontológico, isso significa: como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], a presença [Dasein] que se mantém na falação [Gerede] cortou suas remissões [Bezüge] ontológicas primordiais, originárias e legítimas com o mundo, com a co-presença [Mitdasein] e com o próprio [eigentlich] ser-em [In-sein]. Ela se mantém oscilante e, desse modo, sempre é e está junto ao "mundo", com os outros e consigo mesma. Somente um ente cuja abertura [Erschliessen] é constituída pela fala [Rede] compreensiva e sintonizada numa disposição [Befindlichkeit], ou seja, que tenha o seu pre [das Da], que é e está "no-mundo", nessa constituição ontológica, é que também traz a possibilidade [Möglichkeit] ontológica de um tal desenraizamento. Mais do que um não-ser, esse desenraizamento perfaz sua "realidade" mais cotidiana [alltäglich] e mais persistente. STMSCC: §35

A decadência [Verfallen] não determina apenas existencialmente o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. O turbilhão também revela o caráter de mobilidade e de lance do estar-lançado [Geworfenheit] que se pode impor a si mesmo na disposição [Befindlichkeit] da presença [Dasein]. O estar-lançado [Geworfenheit] não só não é um "feito pronto" como também não é um fato acabado. Pertence à facticidade [Faktizität] da presença [Dasein] ter de permanecer em lance enquanto for o que é e, ao mesmo tempo, de estar envolta no turbilhão da impropriedade [Uneigentlichkeit] do impessoal [das Man]. Pertence à presença [Dasein] que, sendo, está em jogo o seu próprio [eigentlich] ser, o estar-lançado [Geworfenheit] no qual a facticidade [Faktizität] se deixa e faz ver [Sehen] fenomenalmente. A presença [Dasein] existe faticamente. STMSCC: §38

A questão [Frage] que orienta este capítulo buscava o ser do pre [das Da]. O tema era a constituição ontológica da abertura [Erschliessen], inerente à essência da presença [Dasein]. O modo de ser [Seinsart] da abertura [Erschliessen] forma-se na disposição [Befindlichkeit], no compreender [Verstehen] e na fala [Rede]. O modo de ser [Seinsart] cotidiano [alltäglich] da abertura [Erschliessen] caracteriza-se pela falação [Gerede], curiosidade [Neugier] e ambiguidade [Zweideutigkeit]. STMSCC: §38

A presença [Dasein] existe faticamente. O que se questiona é a unidade ontológica de existencialidade [Existenzialität] e facticidade [Faktizität], a copertinência essencial destas com relação [Beziehung] àquela. A presença [Dasein], em razão da disposição [Befindlichkeit] a que pertence de modo essencial, possui um modo de ser [Seinsart] em que ela é trazida para diante de si mesma e se abre para si em seu estar-lançado [Geworfenheit]. O estar-lançado [Geworfenheit], porém, é o modo de ser [Seinsart] de um ente [246] que sempre é ele mesmo as suas possibilidades [Möglichkeit] e isso de tal maneira que ele se compreende nessas possibilidades [Möglichkeit] e a partir delas (projeta-se para elas). O ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], ao qual pertencem, de maneira igualmente originária, tanto o ser junto ao que está à mão [zuhanden] quanto o ser-com [Mitsein] os outros, é sempre em virtude de [worumwillen] si mesmo. Todavia, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], o si-mesmo [Selbst] é o impropriamente si-mesmo [Selbst]. O ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] já está sempre em decadência [Verfallen]. Pode-se, portanto, determinar a cotidianidade [Alltäglichkeit] mediana da presença [Dasein] como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] aberto na decadência [Verfallen] que, lançado, projeta-se e que, em seu ser junto ao "mundo" e em seu ser-com [Mitsein] os outros, está em jogo o seu poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich]. STMSCC: §39

Pertence à estrutura ontológica da presença [Dasein] uma compreensão de ser [Seinsverständnis]. É sendo que a presença [Dasein] está aberta para si mesma em seu ser. A disposição [Befindlichkeit] e o compreender [Verstehen] constituem o modo de ser [Seinsart] dessa abertura [Erschliessen]. Existiria, pois, uma disposição [Befindlichkeit] compreensiva na presença [Dasein] em que ela estaria aberta para si mesma de modo privilegiado? STMSCC: §39

O fenômeno [Phänomen] da angústia [Angst] foi colocado à base da análise como uma disposição [Befindlichkeit] suficiente que aguarda tais exigências metodológicas. A elaboração dessa disposição [Befindlichkeit] fundamental e a caracterização ontológica do que nela se abre como tal [als solches] retira seu ponto de partida do fenômeno [Phänomen] da decadência [Verfallen] e delimita a angústia [Angst] frente ao fenômeno [Phänomen] que lhe é próximo, a saber, o fenômeno [Phänomen] do medo [Furcht], anteriormente analisado. Enquanto possibilidade [Möglichkeit] de ser da presença [Dasein], a angústia [Angst], junto com a própria presença [Dasein] que nela se abre, oferece o solo fenomenal [phänomenal] para a apreensão [Erfassen] explícita da totalidade originária da presença [Dasein]. Esse ser desvela-se como cura [Sorge]. A elaboração ontológica desse fenômeno [Phänomen] existencial fundamental exige a sua delimitação frente aos fenômenos que, de imediato, podem identificar-se com a cura [Sorge]. Esses fenômenos são vontade [Wille], desejo [Wunsch], tendência, propensão [Drang]. A cura [Sorge] não pode derivar-se desses fenômenos, pois eles mesmos nela estão fundados. STMSCC: §39

Desse modo, a conclusão da análise fundamental preparatória da presença [Dasein] possui como tema: a disposição [Befindlichkeit] fundamental da angústia [Angst] como abertura [Erschliessen] privilegiada da presença [Dasein] (§40), o ser da presença [Dasein] como cura [Sorge] (§41), a confirmação da interpretação existencial da presença [Dasein] como cura [Sorge] a partir da própria interpretação pré-ontológica [vorontologisch] da presença [Dasein] (§42), presença [Dasein], mundanidade [Weltlichkeit] e realidade (§43), presença [Dasein], abertura [Erschliessen] e verdade [Wahrheit] (§44). STMSCC: §39

§40. A disposição [Befindlichkeit] fundamental da angústia [Angst] como abertura [Erschliessen] privilegiada da presença [Dasein] STMSCC: §40

É uma possibilidade [Möglichkeit] ontológica da presença [Dasein] que deverá "descortinar o horizonte" ôntico [ontisch] e explicar a própria presença [Dasein] como ente. Todo descortinar só é possível dentro da abertura [Erschliessen] constitutiva da presença [Dasein]. E esta se baseia na disposição [Befindlichkeit] e no compreender [Verstehen]. Em que medida a angústia [Angst] é uma disposição [Befindlichkeit] privilegiada? Será de fato que, na angústia [Angst], a presença [Dasein] se coloca diante de si mesma a partir de seu próprio [eigentlich] ser, a ponto de, numa perspectiva fenomenológica, o ente revelado na angústia [Angst] chegar a se determinar em seu ser ou, ao menos, poder preparar adequadamente uma tal determinação? STMSCC: §40

Nessas condições, orientar a análise pelo fenômeno [Phänomen] da decadência [Verfallen] não exclui, em princípio, a possibilidade [Möglichkeit] de se fazer uma experiência ontológica da presença [Dasein] que se abre nesse fenômeno [Phänomen]. Ao contrário, nesse caso, a interpretação não se expõe a uma auto-apreensão artificial da presença [Dasein]. Ela realiza apenas a explicação daquilo que a própria presença [Dasein] abre onticamente. A possibilidade [Möglichkeit] de se chegar ao ser da presença [Dasein], interpretando-se numa repetição e num acompanhamento o compreender [Verstehen] dado na disposição [Befindlichkeit], cresce ainda mais quanto mais originário [ursprünglich] for o fenômeno [Phänomen] que funciona metodologicamente como disposição [Befindlichkeit] de abertura [Erschliessen]. De início, dizer que a angústia [Angst] fornece uma condição desse tipo não passa de mera afirmação. STMSCC: §40

Chamamos de "fuga [Flucht]" de si mesmo o decair da presença [Dasein] no impessoal [das Man] e no "mundo" das ocupações [Besorgen]. Entretanto, nem todo retirar-se de..., nem todo desviar-se de... é necessariamente uma fuga [Flucht]. Caráter de fuga [Flucht] tem apenas o retirar-se, baseado no medo [Furcht] daquilo que desencadeia o medo [Furcht], isto é, do ameaçador. A interpretação do medo [Furcht] como disposição [Befindlichkeit] mostrou: aquilo de que se tem medo [Furcht] é sempre um ente intramundano [innerweltlich] que, advindo de determinada [Bestimmtheit] região [Gegend], torna-se, de maneira ameaçadora, cada vez mais próximo. Na decadência [Verfallen], a presença [Dasein] se desvia de si mesma. Aquilo de que se retira deve possuir o caráter de ameaça [drohen]; o que, porém, ameaça [drohen] é um ente que tem o modo de ser [Seinsart] de um ente que se retira, ou seja, é a própria presença [Dasein]. Em consequência, aquilo de que se retira não pode ser apreendido como "amedrontador", porque sempre vem ao encontro [begegnen] como ente intramundano [innerweltlich]. A única ameaça [drohen] que pode tornar-se "amedrontador" e que se descobre no medo [Furcht] provém sempre de algo intramundano [innerweltlich]. STMSCC: §40

O angustiar-se abre, de maneira originária e direta, o mundo como mundo. Não é primeiro a reflexão [Überlegung] que abstrai do ente intramundano [innerweltlich] para então só pensar o mundo e, em consequência, surgir a angústia [Angst] nesse confronto. Ao contrário, enquanto modo da disposição [Befindlichkeit], é a angústia [Angst] que pela primeira vez abre o mundo como mundo. Isso, porém, não significa que, na angústia [Angst], se conceba a mundanidade [Weltlichkeit] do mundo. STMSCC: §40

A angústia [Angst] não é somente angústia [Angst] com... mas, enquanto disposição [Befindlichkeit], é também angústia [Angst] por... O por quê a angústia [Angst] se angustia não é um modo determinado [Bestimmtheit] de ser e de possibilidade [Möglichkeit] da presença [Dasein]. A própria ameaça [drohen] é indeterminada, não chegando, portanto, a penetrar como ameaça [drohen] nesse ou naquele poder-ser [Seinkönnen] faticamente concreto. A angústia [Angst] se angustia pelo próprio [eigentlich] ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Na angústia [Angst] perde-se o que se encontra à mão no mundo circundante [Umwelt], ou seja, o ente intramundano [innerweltlich] em geral. O "mundo" não é mais capaz de oferecer alguma coisa [Ding], nem sequer a co-presença [Mitdasein] dos outros. A angústia [Angst] retira, pois, da presença [Dasein] a possibilidade [Möglichkeit] de, na decadência [Verfallen], compreender [Verstehen] a si mesma a partir do "mundo" e da interpretação pública. Ela remete a presença [Dasein] para aquilo por que a angústia [Angst] se angustia, para o seu próprio [eigentlich] poder-ser-no-mundo. A angústia [Angst] singulariza a presença [Dasein] em seu próprio [eigentlich] ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] que, em compreendendo, se projeta essencialmente para possibilidades [Möglichkeit]. Naquilo por que se angustia, a angústia [Angst] abre a presença [Dasein] como ser-possível e, na verdade, como aquilo que, somente a partir de si mesmo, pode singularizar-se na singularidade. STMSCC: §40

O por quê a angústia [Angst] se angustia desvela-se como o com quê [Wovor] ela se angustia: o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. A mesmidade [Selbigkeit] do com quê [Wovor] e do [254] pelo quê [Worum] a angústia [Angst] se angustia se estende até ao próprio [eigentlich] angustiar-se. Pois, enquanto disposição [Befindlichkeit], esse constitui um modo fundamental de ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. A mesmidade [Selbigkeit] existencial do abrir e do aberto em que se abre o mundo como mundo, o ser-em [In-sein] como poder-ser [Seinkönnen] singularizado, puro e lançado, evidencia que, com o fenômeno [Phänomen] da angústia [Angst], se fez tema de interpretação uma disposição [Befindlichkeit] privilegiada. A angústia [Angst] singulariza e abre a presença [Dasein] como "solus ipse". Esse "solipsismo" existencial, porém, não dá lugar a uma coisa-sujeito isolada no vazio inofensivo de uma ocorrência desprovida de mundo. Ao contrário, confere à presença [Dasein] justamente um sentido [Sinn] extremo em que ela é trazida como mundo para o seu mundo e, assim, como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] para si mesma. STMSCC: §40

Mais uma vez, a interpretação e a fala [Rede] cotidianas constituem a prova mais imparcial de que, enquanto disposição [Befindlichkeit] fundamental, a angústia [Angst] constitui uma abertura [Erschliessen]. Como dissemos anteriormente, a disposição [Befindlichkeit] revela "como se está". Na angústia [Angst], se está "estranho". Com isso se exprime, antes de qualquer coisa [Ding], a indeterminação [Unbestimmtheit] característica em que se encontra a presença [Dasein] na angústia [Angst]: o nada [Nichts] e o "em lugar nenhum". Estranheza significa, porém, igualmente "não se sentir em casa". Na primeira indicação [Aufschluss] fenomenal [phänomenal] da constituição fundamental da presença [Dasein] e no esclarecimento do sentido [Sinn] existencial do ser-em [In-sein], por oposição ao significado [Bedeutung] categorial da "interioridade [Inwendigkeit]", determinou-se o ser-em [In-sein] como habitar em..., "estar familiarizado com..." (§12). Esse caráter do ser-em [In-sein] tornou-se a seguir visível, de modo ainda mais concreto, através do público [Öffentlichkeit] na sua impessoalidade cotidiana [alltäglich], que instala na cotidianidade [Alltäglichkeit] mediana da presença [Dasein] a certeza [Gewissheit] tranquila de si mesma e o "sentir-se em casa". A angústia [Angst], ao contrário, retira a presença [Dasein] de seu empenho decadente no "mundo". Rompe-se a familiaridade [Vertrautheit] cotidiana [alltäglich]. A presença [Dasein] se singulariza, mas como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. O ser-em [In-sein] aparece no "modo" existencial de não sentir-se em casa. É isso o que diz a fala [Rede] sobre a "estranheza [Unheimlichkeit]". STMSCC: §40

Ao interpretarmos, de modo ontológico-existencial, a estranheza [Unheimlichkeit] da presença [Dasein] como ameaça [drohen] que a própria presença [Dasein] experimenta em relação [Beziehung] a si mesma, não se afirma, contudo, que na angústia [Angst] fática [faktisch] a estranheza [Unheimlichkeit] já se compreenda nesse sentido [Sinn]. O modo cotidiano [alltäglich] em que a presença [Dasein] compreende a estranheza [Unheimlichkeit] é o desvio [Abkehr] para a decadência [Verfallen] que esconde o não sentir-se em casa. Do ponto de vista fenomenal [phänomenal], porém, a cotidianidade [Alltäglichkeit] dessa fuga [Flucht] mostra que, enquanto disposição [Befindlichkeit] fundamental, a angústia [Angst] pertence à constituição essencial da presença [Dasein] como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. E que, como existencial, jamais é algo simplesmente dado [vorhanden] e sim um modo próprio [eigentlich] da presença [Dasein] fática [faktisch], ou seja, é uma disposição [Befindlichkeit]. O ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] tranquilizado e familiarizado é um modo da estranheza [Unheimlichkeit] da presença [Dasein] e não o a contrário. O não sentir-se em casa [NH: (desapropriação)] deve ser compreendido, existencial e ontologicamente, como o fenômeno [Phänomen] mais originário [ursprünglich]. STMSCC: §40

De fato, na maior parte das vezes, a disposição [Befindlichkeit] da estranheza [Unheimlichkeit] também permanece incompreendida do ponto de vista existenciário [existenziell]. Em vista do predomínio da decadência [Verfallen] e do público [Öffentlichkeit], é rara a angústia [Angst] "propriamente dita". Com frequência, a angústia [Angst] é condicionada "fisiologicamente". Em sua facticidade [Faktizität], esse fato é um problema ontológico e não apenas no que respeita à sua causalidade e [256] processamento ônticos. O irromper fisiológico da angústia [Angst] só é possível porque a presença [Dasein], no fundo de seu ser, se angustia. STMSCC: §40

Ainda mais raras do que o fato existenciário [existenziell] da angústia [Angst] propriamente dita são as tentativas de interpretação desse fenômeno [Phänomen] em sua constituição e função ontológico-existencial. As razões disso residem, em parte, no desprezo pela análise existencial da presença [Dasein] em geral e, em particular, na desconsideração do fenômeno [Phänomen] da disposição [Befindlichkeit]. No entanto, que o fenômeno [Phänomen] da angústia [Angst] mostre-se raro, isso não é capaz de retirar a inclinação de assumir uma função metodológica de princípio para a analítica existencial. Ao contrário, a raridade do fenômeno [Phänomen] é um indício de que, em sua propriedade [Eigentlichkeit], a presença [Dasein] permanece encoberta para si mesma em vista da interpretação pública do impessoal [das Man] e que, nessa disposição [Befindlichkeit] fundamental, abre-se para um sentido [Sinn] originário [ursprünglich]. STMSCC: §40

Pertence, na verdade, à essência de toda disposição [Befindlichkeit] abrir, cada vez, todo o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], segundo todos os seus momentos constitutivos (mundo, ser-em [In-sein], ser-próprio). Só na angústia [Angst] subsiste a possibilidade [Möglichkeit] de uma abertura [Erschliessen] privilegiada uma vez que ela singulariza. Essa singularização [Vereinzelung] retira a presença [Dasein] de sua decadência [Verfallen], revelando-lhe a propriedade [Eigentlichkeit] e impropriedade [Uneigentlichkeit] como possibilidades [Möglichkeit] de seu ser. Na angústia [Angst], essas possibilidades [Möglichkeit] fundamentais da presença [Dasein], que é sempre minha [NH: não egoisticamente, mas lançado para assumir], mostram-se como elas são em si mesmas, « sem se deixar desfigurar pelo ente intramundano [innerweltlich] a que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], a presença [Dasein] se atém. [257] STMSCC: §40

A fim de se apreender ontologicamente a totalidade do todo estrutural, deve-se questionar, em primeiro lugar, se o fenômeno [Phänomen] da angústia [Angst] e o que nela se abre podem propiciar fenomenalmente, de maneira igualmente originária, o todo da presença [Dasein], de modo a satisfazer com esses dados a visão [Sicht] indagadora da totalidade. Todo o seu acervo pode ser registrado através de uma enumeração formal: enquanto disposição [Befindlichkeit], o angustiar-se é um modo de ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]; a angústia [Angst] se angustia com o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] lançado; a angústia [Angst] se angustia por poder ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. Em sua completude, o fenômeno [Phänomen] da angústia [Angst] mostra, portanto, a presença [Dasein] como ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] que existe faticamente. Os caracteres ontológicos fundamentais desse ente são existencialidade [Existenzialität], facticidade [Faktizität] e decadência [Verfallen]. Essas determinações existenciais, no entanto, não são partes integrantes de um composto em que se pudesse ou não prescindir de alguma. Ao contrário, nelas se tece um nexo [Zusammenhang] originário [ursprünglich] que constitui a totalidade procurada do todo estrutural. Na unidade dessas determinações ontológicas da presença [Dasein] é que se poderá apreender ontologicamente o seu ser como tal [als solches]. Como se deve caracterizar essa unidade em si mesma? STMSCC: §41

Em contrapartida, a propensão [Drang] "para viver" é uma "inclinação" (Hin-zu) que traz por si mesma o impulso. É uma "inclinação a qualquer preço". A propensão [Drang] tenta reprimir outras possibilidades [Möglichkeit]. Aqui também o anteceder-a-si-mesmo é impróprio [uneigentlich], embora o deixar-se atropelar pela propensão [Drang] advenha daquilo mesmo a que se é propenso. A propensão [Drang] pode abalroar a disposição [Befindlichkeit] e o compreender [Verstehen]. Mas, com isso, a presença [Dasein] nunca é "mera propensão [Drang]" à qual, por vezes, se venha acrescentar outras atitudes de dominação e condução. Enquanto modificação de todo ser-no-mundo [In-der-Welt-sein], a presença [Dasein] já é sempre cura [Sorge]. STMSCC: §41

Entretanto, a análise anterior da mundanidade [Weltlichkeit] do inundo e dos entes intramundanos [innerweltlich] mostrou que a descoberta [entdecken] dos entes intramundanos [innerweltlich] funda-se na abertura [Erschliessen] de mundo. Abertura, porém, é o modo fundamental da presença [Dasein] segundo o qual ela é o seu pre [das Da]. A abertura [Erschliessen] constitui-se de disposição [Befindlichkeit], de compreender [Verstehen] e de fala [Rede], referindo-se, de maneira igualmente originária, ao mundo, ao ser-em [In-sein] e ao ser-si-mesmo [Selbstsein, Selbigkeit]. A estrutura da cura [Sorge] enquanto anteceder-a-si-mesma-no-já-estar-num-mundo-como ser-junto [Sein bei] aos entes intramundanos [innerweltlich], resguarda em si a abertura [Erschliessen] da presença [Dasein]. Com ela e por ela é que se dá a descoberta [entdecken]. Por isso, somente com a abertura [Erschliessen] da presença [Dasein] é que se alcança o fenômeno [Phänomen] mais originário [ursprünglich] da verdade [Wahrheit]. O que antes se demonstrou quanto à STMSCC: §44

Não é, porém, de forma ocasional ou suplementar que a presença [Dasein] realiza para si essa possibilidade [Möglichkeit] mais própria, irremissível [unbezüglich] e insuperável [unüberholbar], no curso de seu ser. Em existindo, a presença [Dasein] já está lançada nessa possibilidade [Möglichkeit]. De início e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] não possui nenhum saber explícito ou mesmo teórico de que ela se ache entregue à sua morte [Tod] e que a morte [Tod] pertença ao ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. É na disposição [Befindlichkeit] da angústia [Angst] que o estar-lançado [Geworfenheit] na morte [Tod] se desvela [enthüllen] para a presença [Dasein] de modo mais originário [ursprünglich] e penetrante. A angústia [Angst] com a morte [Tod] é angústia [Angst] "com" o poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich], irremissível [unbezüglich] e insuperável [unüberholbar]. O próprio [eigentlich] ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] é aquilo com que ela se angustia. O porquê dessa angústia [Angst] é o puro e [326] simples poder-ser [Seinkönnen] da presença [Dasein]. Não se deve confundir a angústia [Angst] com a morte [Tod] e o medo [Furcht] de deixar de viver [ableben]. Enquanto disposição [Befindlichkeit] fundamental da presença [Dasein], a angústia [Angst] não é um humor [Stimmung] "fraco", arbitrário e casual de um indivíduo singular e sim a abertura [Erschliessen] de que, como ser-lançado, a presença [Dasein] existe para seu fim. Assim, esclarece-se o conceito [Begriff] existencial da morte [Tod] como ser-lançado para o poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich], irremissível [unbezüglich] e insuperável [unüberholbar]. com isso, ganha nitidez a delimitação frente a um mero desaparecer, a um mero finar ou ainda a uma "vivência" do deixar de viver [ableben]. STMSCC: §50

O ser-para-o-fim [Sein zum Ende] não se origina primeiro de uma postura que, às vezes, acontece, mas pertence, de modo essencial, ao estar-lançado [Geworfenheit] da presença [Dasein], que na disposição [Befindlichkeit] (do humor [Stimmung]) se desvela [enthüllen] dessa ou daquela maneira. O "saber" ou "não-saber" que, de fato, sempre vigora em cada presença [Dasein], a respeito do ser-para-o-fim [Sein zum Ende] mais próprio [eigentlich], é apenas a expressão da possibilidade [Möglichkeit] existenciária [existenziell] de se manter nesse modo de ser [Seinsart]. Que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], muitos de fato não sabem da morte [Tod], isso não pode ser aduzido como prova de que o ser-para-a-morte [Sein zum Tode] não pertença "de maneira geral" à presença [Dasein]. Isso apenas mostra que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], a presença [Dasein] encobre para si mesma o ser-para-a-morte [Sein zum Tode] mais próprio [eigentlich] em dele fugindo. É existindo que a presença [Dasein] morre de fato, embora, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], o faça no modo da decadência [Verfallen]. Pois existir [existieren] faticamente não é somente um poder-ser-lançado no mundo, genérico e indiferente, já sendo também um empenhar-se no "mundo" das ocupações [Besorgen]. Nesse decadente ser-junto-a [Sein bei], anuncia-se a fuga [Flucht] da estranheza [Unheimlichkeit], isto significa, do ser-para-a-morte [Sein zum Tode] mais próprio [eigentlich]. Existência, facticidade [Faktizität], decadência [Verfallen] caracterizam o ser-para-o-fim [Sein zum Ende], constituindo, pois, o conceito [Begriff] existencial da morte [Tod]. No tocante à sua possibilidade [Möglichkeit] ontológica, o morrer [sterben] funda-se na cura [Sorge] [NH: mas a cura [Sorge] vige a partir da verdade [Wahrheit] do ser]. STMSCC: §50

A exposição do ser-para-a-morte [Sein zum Tode] mediano na vida [Leben] cotidiana [alltäglich] orienta-se pelas estruturas da cotidianidade [Alltäglichkeit] já explicitadas. No ser-para-a-morte [Sein zum Tode], a presença [Dasein] relaciona-se com ela mesma enquanto um poder-ser [Seinkönnen] privilegiado. Entretanto, o próprio [eigentlich] da cotidianidade [Alltäglichkeit] é o impessoal [das Man], constituído na interpretação pública expressa na falação [Gerede]. Este deve, portanto, revelar de que modo a presença [Dasein] cotidiana [alltäglich] interpreta para si o seu ser-para-a-morte [Sein zum Tode]. O fundamento da interpretação sempre molda uma compreensão que, por sua vez, também é sempre disposta, ou seja, afinada e sintonizada no humor [Stimmung]. Impõe-se, assim, a pergunta: Como a compreensão, que se acha disposta na falação [Gerede] do impessoal [das Man], abriu o ser-para-a-morte [Sein zum Tode]? Como o impessoal [das Man] se relaciona na compreensão com essa possibilidade [Möglichkeit] mais própria, irremissível [unbezüglich] e insuperável [unüberholbar] da presença [Dasein]? Que disposição [Befindlichkeit] o estar entregue à responsabilidade [Überantwortung] da morte [Tod] abre para o impessoal [das Man] e de que modo? STMSCC: §51

Todavia, ao mesmo tempo que o impessoal [das Man] tranquiliza a presença [Dasein], desviando-a de sua morte [Tod], ele mantém seu direito e prestígio, regulando tacitamente o modo de comportamento frente à morte [Tod]. No âmbito público [Öffentlichkeit], "pensar na morte [Tod]" já é considerado um medo [Furcht] covarde, uma insegurança da presença [Dasein] e uma fuga [Flucht] sinistra do mundo. O impessoal [das Man] não permite a coragem de se assumir a angústia [Angst] com a morte [Tod]. O predomínio da interpretação pública do impessoal [das Man] também já decidiu acerca da disposição [Befindlichkeit] que deve determinar a atitude frente à morte [Tod]. Angustiando-se com a morte [Tod], a presença [Dasein] coloca-se diante da possibilidade [Möglichkeit] insuperável [unüberholbar], a cuja responsabilidade [Überantwortung] ela está entregue. O impessoal [das Man] ocupa-se em reverter essa angústia [Angst] num medo [Furcht] frente a um acontecimento que advém. Ademais, considera-se a angústia [Angst], que no medo [Furcht] se torna ambígua, uma fraqueza que a presença [Dasein] segura de si mesma deve desconhecer. Segundo esse decreto mudo do impessoal [das Man], o que "cabe" é a tranquilidade indiferente frente ao "fato" de que se morre. A elaboração dessa indiferença [Gleichgültigkeit] "superior" aliena a presença [Dasein] de seu poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich] e irremissível [unbezüglich]. STMSCC: §51

Nessa determinação "crítica" da certeza [Gewissheit] da morte [Tod] e de seu caráter impendente, revela-se numa primeira aproximação mais uma vez o seu desconhecimento a respeito do ser da presença [Dasein], característico da cotidianidade [Alltäglichkeit] e do ser-para-a-morte [Sein zum Tode] que lhe pertence. A certeza [Gewissheit] "meramente" empírica da ocorrência do deixar de viver [ableben] nada decide sobre a certeza [Gewissheit] da morte [Tod]. Os casos de morte [Tod] podem dar azo faticamente a que a presença [Dasein], de início, fique atenta para a morte [Tod]. Permanecendo na certeza [Gewissheit] empírica, acima caracterizada, a presença [Dasein] não consegue, em absoluto, ter certeza [Gewissheit] da morte [Tod] naquilo que ela "é". Embora no impessoalmente público [Öffentlichkeit] a presença [Dasein] aparentemente só "fale" dessa certeza [Gewissheit] "empírica" da morte [Tod], no fundo ela não se atém, nem exclusiva e nem primariamente, aos casos de morte [Tod] recorrentes. Escapando de sua morte [Tod], o ser-para-o-fim [Sein zum Ende] cotidiano [alltäglich] tem outro tipo de certeza [Gewissheit] da morte [Tod] daquele pretendido por uma reflexão [Überlegung] puramente teórica. Esse "outro" esconde-se, na maior parte das vezes, na cotidianidade [Alltäglichkeit]. Esta não ousa aí fazer-se transparente [durchsichtig]. com a disposição [Befindlichkeit] cotidiana [alltäglich] caracterizada por um empenho "angustiado" nas ocupações [Besorgen] e aparentemente sem angústia [Angst] frente ao "fato" certo da morte [Tod], a cotidianidade [Alltäglichkeit] admite uma certeza [Gewissheit] "superior" àquela meramente empírica. Sabe-se com certeza [Gewissheit] da morte [Tod] e, no entanto, não se "está" propriamente certo dela. A cotidianidade [Alltäglichkeit] decadente da presença [Dasein] conhece a certeza [Gewissheit] da morte [Tod] mas escapa do estar-certo [Gewisssein]. Esse escape, no entanto, atesta fenomenalmente que a morte [Tod], aquilo de que se escapa, deve ser compreendida como a possibilidade [Möglichkeit] mais própria, irremissível [unbezüglich], insuperável [unüberholbar], certa. STMSCC: §52

A possibilidade [Möglichkeit] mais própria, irremissível [unbezüglich], insuperável [unüberholbar] e certa é, no tocante à certeza [Gewissheit], indeterminada. Como o antecipar [Vorlaufen] abre esse caráter da possibilidade [Möglichkeit] privilegiada da presença [Dasein]? Como a compreensão antecipadora [Vorlaufen] projeta-se para um certo poder-ser [Seinkönnen] constantemente possível, de maneira que sempre fique indeterminado quando a absoluta impossibilidade [Unmöglichkeit] da existência [Existenz] tornar-se-á enfim possível? [342] No antecipar [Vorlaufen] para a morte [Tod] certa mas indeterminada, a presença [Dasein] abre-se para uma ameaça [drohen] que sempre emerge de seu próprio [eigentlich] pre [das Da]. O ser para o fim deve manter-se nessa ameaça [drohen] e não pode apagá-la, mas, ao contrário, ela é que deve construir a indeterminação [Unbestimmtheit] da certeza [Gewissheit]. Como é possível, do ponto de vista existencial, a abertura [Erschliessen] genuína dessa ameaça [drohen] permanente? Todo compreender [Verstehen] se dá numa disposição [Befindlichkeit]. O humor [Stimmung] lança a presença [Dasein] para o estar-lançado [Geworfenheit] de seu "que ela é pre-sença [dass-es-da-ist]". A angústia [Angst], porém, é a disposição [Befindlichkeit] que permite que se mantenha aberta a ameaça [drohen] absoluta e insistente de si mesmo, que emerge do ser mais próprio [eigentlich] e singular da presença [Dasein]. Na angústia [Angst], a presença [Dasein] dispõe-se frente ao nada [Nichts] da possível impossibilidade [Unmöglichkeit] de sua existência [Existenz]. A angústia [Angst] se angustia pelo poder-ser [Seinkönnen] daquele ente assim determinado [Bestimmtheit], abrindo-lhe a possibilidade [Möglichkeit] mais extrema. Porque o antecipar [Vorlaufen] simplesmente singulariza a presença [Dasein] e, nessa singularização [Vereinzelung], torna certa a totalidade de seu poder-ser [Seinkönnen], a disposição [Befindlichkeit] fundamental da angústia [Angst] pertence ao compreender [Verstehen] de si mesma, própria da presença [Dasein]. O ser-para-a-morte [Sein zum Tode] é, essencialmente, angústia [Angst] [NH: mas não apenas angústia [Angst] e muito menos angústia [Angst] como mera emoção]. Isso é testemunhado, de modo indubitável, embora "apenas" indireto, pelo ser-para-a-morte [Sein zum Tode] já caracterizado, quando a angústia [Angst] se faz medo [Furcht] covarde e, superando, denuncia a covardia à angústia [Angst]. STMSCC: §53

A consciência dá "algo" a compreender [Verstehen], ela abre. Dessa caracterização formal surge a indicação [Aufschluss] de se reconduzir o fenômeno [Phänomen] para a abertura [Erschliessen] da presença [Dasein]. Essa constituição fundamental daquele ente que nós mesmos somos constitui-se de disposição [Befindlichkeit], compreensão, decadência [Verfallen] e fala [Rede]. A análise mais profunda da consciência a desvela [enthüllen] como apelo [Ruf] . O apelo [Ruf] é um modo de fala [Rede]. O apelo da consciência [Gewissensruf] possui o caráter de interpelação [Anruf] da presença [Dasein] para o seu poder-ser-si-mesmo mais próprio [eigentlich] e isso no modo de fazer apelo [Ruf] para o seu ser e estar em dívida [Schuldigsein] mais próprio [eigentlich]. STMSCC: §54

A análise [NH: aqui se confundem necessariamente várias coisas: 1) o apelo [Ruf] do que chamamos consciência; 2) o ser interpelado: 3) a experiência desse ser; 4) a interpretação comum da tradição; 5) a maneira em que disso se desincumbe] da consciência parte de um dado indiferente, a saber, de que ela, de algum modo, dá algo a compreender [Verstehen]. A consciência abre, pertencendo, assim, ao âmbito dos fenômenos existenciais que constituem o ser do pre [das Da] como abertura [Erschliessen]. Foram discutidas e interpretadas as estruturas mais gerais de disposição [Befindlichkeit], compreender [Verstehen], fala [Rede] e decadência [Verfallen]. Colocar a consciência nesse contexto fenomenal [phänomenal] não significa aplicar esquematicamente as estruturas antes obtidas a um "caso" particular de abertura [Erschliessen] da presença [Dasein]. A interpretação da consciência haverá não apenas de ampliar a análise anterior da abertura [Erschliessen] do pre [das Da] mas, sobretudo, de apreendê-la de forma mais originária com vistas ao ser próprio [eigentlich] da presença [Dasein]. STMSCC: §55

Através da abertura [Erschliessen], o ente que chamamos presença [Dasein] está na possibilidade [Möglichkeit] de ser o seu pre [das Da]. Com o seu mundo, ele é, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes [zunächst und zumeist], uma presença [Dasein] para si mesmo, e isso de tal modo que, a partir do "mundo" das ocupações [Besorgen], [348] ele já abriu para si mesmo o poder-ser [Seinkönnen]. O poder-ser [Seinkönnen] em que a presença [Dasein] existe sempre já se entregou a determinadas possibilidades [Möglichkeit]. E isso porque se trata de um ente lançado. Este estar-lançado [Geworfenheit] acha-se aberto pela determinação da afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung], de modo mais ou menos penetrante e claro. O compreender [Verstehen] pertence, de forma igualmente originária, à disposição [Befindlichkeit] (humor [Stimmung]). Por isso a presença [Dasein] "sabe" [NH: pretende sabê-lo] a quantas ela mesma anda na medida em que se projetou em possibilidades [Möglichkeit] de si mesma ou, afundando-se no impessoal [das Man], recebeu da interpretação pública do impessoal [das Man] as suas possibilidades [Möglichkeit]. Essa recepção, no entanto, só é existencialmente possível porque a presença [Dasein], enquanto ser-com [Mitsein] em compreendendo, pode escutar [NH: de onde [Woher] provém esse ouvir e poder ouvir? O ouvir sensível dos ouvidos como um modo lançado de aceitação] os outros. Perdendo-se no teor público [Öffentlichkeit] do impessoal [das Man] e na sua falação [Gerede], a presença [Dasein], ao escutar o impessoalmente si mesmo, não dá ouvidos ao próprio [eigentlich] de si mesma. Para a presença [Dasein] retirar-se da perdição [Verlorenheit] em que não dá ouvidos – retirar-se por ela mesma – ela deve primeiro poder encontrar a si enquanto o que não deu ouvidos a si mesma, por ter dado ouvidos ao impessoal [das Man]. Esse último dar ouvidos deve ser rompido, ou seja, a própria presença [Dasein] deve dar a si a possibilidade [Möglichkeit] de uma escuta [Hören] que o interrompa. A possibilidade [Möglichkeit] dessa interrupção reside em ser interpelada sem mediação. Esse apelo [Ruf] rompe o dar ouvidos ao impessoal [das Man] em que a presença [Dasein] não dá ouvidos quando, de acordo com seu próprio [eigentlich] caráter, desperta uma escuta [Hören] que, em tudo, se contrapõe à escuta [Hören] perdida [verloren]. Se este se caracteriza pelo "ruído" da ambiguidade [Zweideutigkeit] múltipla e variada da falação [Gerede] cotidianamente "nova", o apelo [Ruf] deve apelar sem ruído, sem ambiguidade [Zweideutigkeit], sem apoiar-se na curiosidade [Neugier]. O que assim apelando se dá a compreender [Verstehen] é a consciência. STMSCC: §55

Que a presença [Dass] seja faticamente, esse que ela é já está aberto para a presença [Dass], não obstante o seu porquê possa manter-se velado. O estar-lançado [Geworfenheit] desse ente pertence à abertura [Erschliessen] do "pre [das Da]" e se desvela [enthüllen] constantemente em cada disposição [Befindlichkeit]. Este leva a presença [Dasein], de forma mais ou menos explícita e própria, para diante desse "que" (ela é) enquanto o ente que tem de ser o que é e pode ser". Na maior parte das vezes, porém, o humor [Stimmung] fecha o estar-lançado [Geworfenheit]. A presença [Dasein] foge desse estar-lançado [Geworfenheit] para a facilidade da liberdade [Freiheit] pretendida pelo impessoalmente-si-mesmo [Man-selbst]. Caracterizou-se essa fuga [Flucht] como fuga [Flucht] da estranheza [Unheimlichkeit] que, no fundo, determina a singularidade do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein]. A estranheza [Unheimlichkeit] desvela-se propriamente na disposição [Befindlichkeit] fundamental da angústia [Angst] e, enquanto abertura [Erschliessen] mais elementar da presença [Dasein] lançada, coloca o seu ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] diante do nada do mundo com o qual ela se angustia na angústia [Angst] por seu poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich]. E se, dispondo no fundo de sua estranheza [Unheimlichkeit], a presença [Dasein] fosse quem [Wer] apela o apelo da consciência [Gewissensruf]? STMSCC: §57

Enquanto compreender-se no poder-ser [Seinkönnen] mais próprio [eigentlich], o querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen] é um modo de abertura [Erschliessen] da presença [Dasein]. Além do compreender [Verstehen], esta se constitui de disposição [Befindlichkeit] e fala [Rede]. O compreender [Verstehen] existenciário [existenziell] significa: projetar-se [Sichentwerfen] para a possibilidade [Möglichkeit] fática [faktisch] cada vez mais própria do poder-ser-no-mundo. Poder-ser, porém, só pode ser compreendido em existindo nessa possibilidade [Möglichkeit]. STMSCC: §60

Que humor [Stimmung] corresponde a esse compreender [Verstehen]? O compreender [Verstehen] do apelo [Ruf] abre a própria presença [Dasein] na estranheza [Unheimlichkeit] de sua singularidade. A estranheza [Unheimlichkeit] também desvelada no compreender [Verstehen] abre-se, de modo genuíno, pela disposição [Befindlichkeit] da angústia [Angst] que lhe pertence. Em seu fato, a angústia [Angst] da consciência é uma confirmação fenomenal [phänomenal] de que, no compreender [Verstehen] do apelo [Ruf], a presença [Dasein] é colocada diante da estranheza [Unheimlichkeit] de si mesma. O querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen] transforma-se na prontidão para a angústia [Angst]. STMSCC: §60

A abertura [Erschliessen] da presença [Dasein] subsistente no querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen] é constituída, portanto, pela disposição [Befindlichkeit] da angústia [Angst], pela compreensão enquanto projetar-se [Sichentwerfen] para o ser e estar em dívida [Schuldigsein] mais próprio [eigentlich] e pela fala [Rede] enquanto silenciosidade. Chamamos de decisão [Entschlossenheit] essa abertura [Erschliessen] privilegiada e própria, testemunhada pela consciência na própria presença [Dasein], ou seja, o projetar-se [Sichentwerfen] silencioso e pronto a angustiar-se para o ser e estar em dívida [Schuldigsein] mais próprio [eigentlich]. STMSCC: §60

A decisão [Entschlossenheit] antecipadora [Vorlaufen] não é, de modo algum, um subterfúgio inventado para "superar" a morte [Tod]. Ela é o compreender [Verstehen] que responde ao apelo da consciência [Gewissensruf], a qual libera a possibilidade [Möglichkeit] de a morte [Tod] apoderar-se da existência [Existenz] da presença [Dasein] e de, no fundo, dissipar todo encobrimento de si mesma, por menor que seja. O querer-ter-consciência [Gewissen-haben-wollen], determinado [Bestimmtheit] como ser-para-a-morte [Sein zum Tode], também não significa um desprendimento do mundo mas conduz, sem ilusões, à decisão [Entschlossenheit] do "agir [handeln]". A decisão [Entschlossenheit] antecipadora [Vorlaufen] também não surge de uma disposição [Befindlichkeit] "idealista" que sobrevoa a existência [Existenz] e suas possibilidades [Möglichkeit]. Ela brota do compreender [Verstehen] sóbrio de possibilidades [Möglichkeit] fundamentais e fáticas da presença [Dasein]. Junto com a angústia [Angst] sóbria que leva para a singularidade do poder-ser [Seinkönnen], está a alegria mobilizada dessa possibilidade [Möglichkeit]. Nela, a presença [Dasein] se vê livre dos "acasos" dos entretenimentos que a curiosidade [Neugier] solícita cria, sobretudo, a partir das ocorrências do mundo. A análise destes estados fundamentais de humor [Stimmung] ultrapassa, porém, os limites estabelecidos para a presente interpretação em seu propósito de ontologia fundamental. STMSCC: §62

Do mesmo modo, o "já" (Schon) significa o sentido [Sinn] ontológico, existencial e temporal [zeitlich] de um ente que, em sendo, já é sempre lançado. Somente porque a cura [Sorge] se funda no vigor de ter sido [Gewesenheit] é que a presença [Dasein], enquanto ente-lançado, pode existir [existieren]. "Enquanto" existe faticamente, a presença [Dasein] nunca é passado mas sempre o ter sido, no sentido [Sinn] de "eu [Ich] sou o ter sido". E ela só pode ser o ter sido, enquanto ela é. Em contraposição, chamamos de passado o ente que não é mais simplesmente dado [vorhanden]. Por isso, a presença [Dasein], em existindo, nunca pode ser constatada como um fato simplesmente dado [vorhanden] que surge e passa "com o tempo" e, aos poucos, torna-se passado. Ela sempre só "se encontra" como fato-lançado. Na disposição [Befindlichkeit], a própria presença [Dasein] sobrevém-a-si como o ente que, ainda sendo, já foi, ou seja, é contínua e constantemente o ter sido. O sentido [Sinn] existencial primário da facticidade [Faktizität] reside no vigor de ter sido [Gewesenheit]. Com as expressões "ante" (Vor) e "já" (Schon), a formulação da estrutura da cura [Sorge] indica o sentido [Sinn] temporal [zeitlich] de existencialidade [Existenzialität] e facticidade [Faktizität]. STMSCC: §65

Em seu sentido [Sinn] temporal [zeitlich], a decisão [Entschlossenheit] representa uma abertura [Erschliessen] própria da presença [Dasein]. A abertura [Erschliessen] constitui um ente, de tal maneira que, em existindo, pode ser o seu "pre [das Da]" ele mesmo. Em relação [Beziehung] a seu sentido [Sinn] temporal [zeitlich], a cura [Sorge] foi caracterizada apenas em seus traços fundamentais. Demonstrar a sua constituição temporal [zeitlich] concreta significa interpretar, temporalmente, cada um de seus momentos estruturais, quais sejam, compreender [Verstehen], disposição [Befindlichkeit], decadência [Verfallen] e fala [Rede]. Todo compreender [Verstehen] possui o seu humor [Stimmung]. Toda disposição [Befindlichkeit] é compreensiva. O compreender [Verstehen] disposto possui o caráter de decadência [Verfallen]. O compreender [Verstehen] decadente e afinado pelo humor [Stimmung] articula-se na fala [Rede], no tocante à sua compreensibilidade [Verständigkeit]. A constituição temporal [zeitlich] de cada um dos fenômenos mencionados remete, cada vez, a uma temporalidade [Zeitlichkeit] que, como tal [als solches], garante a unidade estrutural possível de compreender [Verstehen], disposição [Befindlichkeit], decadência [Verfallen] e fala [Rede]. STMSCC: §68

b) A temporalidade [Zeitlichkeit] da disposição [Befindlichkeit] STMSCC: §68

O compreender [Verstehen] nunca se dá solto no ar, mas está sempre numa disposição [Befindlichkeit]. Na afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung], o "pre [das Da]" sempre se abre e fecha [425] de modo igualmente originário [ursprünglich]. A afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung] coloca a presença [Dasein] diante (vor) de seu estar-lançado [Geworfenheit] de tal maneira que o estar-lançado [Geworfenheit] não é reconhecido como tal [als solches], abrindo-se, bem mais originariamente, no "como se está". Existencialmente, ser e estar-lançado [Geworfenheit] significa: dispor-se deste ou daquele modo. A disposição [Befindlichkeit] funda-se, portanto, no estar-lançado [Geworfenheit]. O humor [Stimmung] representa o modo em que sempre eu [Ich] sou primariamente o ente-lançado. Como se torna visível a constituição temporal [zeitlich] da afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung]? Como se mostra o nexo [Zusammenhang] existencial entre a disposição [Befindlichkeit] e o compreender [Verstehen] a partir da unidade ekstática de cada temporalidade [Zeitlichkeit]? STMSCC: §68

Aviando e desviando da própria presença [Dasein], o humor [Stimmung] realiza aberturas. Existencialmente, só é possível colocar-se diante [Bringen vor] desse que (se é) [Dass] do próprio [eigentlich] estar-lançado [Geworfenheit] – seja desvelando com propriedade [Eigentlichkeit] ou encobrindo com impropriedade [Uneigentlichkeit] – quando o ser da presença [Dasein], de acordo com seu sentido [Sinn], é constantemente o vigor de ter sido [Gewesenheit]. O colocar-se diante [Bringen vor] deste ente-lançado, que impessoalmente se é, não cria o vigor de ter sido [Gewesenheit]. A sua ekstase [Ekstase] é que possibilita o encontrar-se [finden] como disposição [Befindlichkeit]. O compreender [Verstehen] funda-se, primariamente, no porvir [Zukunft], ao passo que a disposição [Befindlichkeit] se temporaliza [zeitigen], primariamente, no vigor de ter sido [Gewesenheit]. Humor temporaliza-se, ou seja, a sua ekstase [Ekstase] específica pertence a um porvir [Zukunft] e a uma atualidade [Gegenwart] mas de tal forma que o vigor de ter sido [Gewesenheit] modifica as ekstases [Ekstase] igualmente originárias. STMSCC: §68

Já salientamos que os humores [Stimmung], não obstante conhecidos do ponto de vista ôntico [ontisch], não são reconhecidos em sua função existencial originária. São considerados vivências fugazes que "dão cor" a todo o "estado d’alma". O que, para uma simples observação [Betrachtung], não passa de um aparecer e desaparecer fugaz pertence, no entanto, à consistência [Ständigkeit] originária da existência [Existenz]. Mas o que pode haver de comum entre os humores [Stimmung] e o "tempo"? Que estas "vivências" [Erlebnis] vêm e vão, que elas transcorrem "no tempo", é uma constatação trivial; sem dúvida, e, na verdade, uma constatação ôntico-psicológica. A tarefa consiste, porém, em demonstrar [Aufweisung] a estrutura ontológica da afinação [Gestimmtheit] do humor [Stimmung] em sua concreção existencial e temporal [zeitlich]. Numa primeira aproximação, isso pode apenas significar: tornar visível, ao menos uma vez, a temporalidade [Zeitlichkeit] do humor [Stimmung]. A tese segundo a qual "disposição [Befindlichkeit] funda-se, primariamente, no vigor de ter sido [Gewesenheit]" diz que o caráter existencial básico do humor [Stimmung] é uma recolocação em... [426] A recolocação não produz o vigor de ter sido [Gewesenheit], mas a disposição [Befindlichkeit] sempre revela, para a análise existencial, um modo do vigor de ter sido [Gewesenheit]. A interpretação temporal [zeitlich] da disposição [Befindlichkeit] não pode, portanto, pretender deduzir os humores [Stimmung] da temporalidade [Zeitlichkeit] e dissolvê-los em puros fenômenos de temporalização [Zeitigung]. Trata-se apenas de comprovar que os humores [Stimmung], no que e no modo em que "significam" existenciariamente, só são possíveis com base na temporalidade [Zeitlichkeit]. A interpretação temporal [zeitlich] limitar-se-á aos fenômenos já analisados do medo [Furcht] e da angústia [Angst]. STMSCC: §68

Começaremos a análise com a demonstração da temporalidade [Zeitlichkeit] do medo [Furcht]. Caracterizou-se o medo [Furcht] como disposição [Befindlichkeit] imprópria [uneigentlich]. Em que medida o vigor de ter sido [Gewesenheit] é o sentido [Sinn] existencial que o possibilita? Que modo desta ekstase [Ekstase] caracteriza a temporalidade [Zeitlichkeit] específica do medo [Furcht]? Medo é ter medo [fürchten] do que ameaça [drohen]. Trata-se do que se aproxima prejudicialmente, como já descrito, do poder-ser [Seinkönnen] fático [faktisch] da presença [Dasein], no âmbito do que está à mão [zuhanden] e do que é simplesmente dado [vorhanden] nas ocupações [Besorgen]. No modo da circunvisão [Umsicht] cotidiana [alltäglich], o ter medo [fürchten] abre algo que ameaça [drohen]. Um sujeito [Subjekt] meramente espectador nunca poderia descobrir [entdecken] algo assim. Mas não será esta abertura [Erschliessen] de ter medo [fürchten] de alguma coisa [Ding] um deixar vir-a-si? Não é correta a determinação do medo [Furcht] como espera [Erwarten] de um mal que está vindo (malum futurum)? Não será o sentido [Sinn] temporal [zeitlich] primário do medo [Furcht] tanto o porvir [Zukunft] como o vigor de ter sido [Gewesenheit]? Indiscutivelmente, o medo [Furcht] não apenas se "relaciona" com o que "está por vir [zukünftig]", entendido como o que só advém "no tempo", mas também esse relacionar-se, em si mesmo, já está por vir [zukünftig], no sentido [Sinn] do tempo originário [ursprünglich]. Sem dúvida, também pertence à constituição existencial e temporal [zeitlich] do medo [Furcht] um aguardar [Gewärtigen]. Mas, de início, isso diz apenas que a temporalidade [Zeitlichkeit] do medo [Furcht] é imprópria [uneigentlich]. Será que ter medo [fürchten] de alguma coisa [Ding] é apenas esperar [Erwarten] uma ameaça [drohen] em advento? Esperar [Erwarten] uma ameaça [drohen] em advento ainda não precisa ser medo [Furcht], e é tão pouco medo [Furcht] que lhe falta justamente o caráter do humor [Stimmung] específico do medo [Furcht]. Este reside em que o aguardar [Gewärtigen] próprio [eigentlich] ao medo [Furcht] deixa e faz com que aquilo que ameaça [drohen] volte para o poder-ser [Seinkönnen] fático [faktisch], empenhado em ocupações [Besorgen]. Só no aguardar [Gewärtigen] é que o que ameaça [drohen] pode estar de volta para [Zurück auf] o ente [427] que eu sou [ich bin] e, dessa forma, a presença [Dasein] só pode ser ameaçada caso já se tenha aberto, ekstaticamente, o para onde volta. O caráter de humor [Stimmung] e afecção [Affektion] do medo [Furcht] reside em que o aguardar [Gewärtigen] medroso tem medo [Furcht] "de si mesmo", isto é, em que todo ter medo [fürchten] de alguma coisa [Ding] é um ter medo [fürchten] por... O seu sentido [Sinn] existencial e temporal [zeitlich] constitui-se por um esquecer-se de si: qual seja, extrair-se [Ausrücken], de forma conturbada, do poder-ser [Seinkönnen] fático [faktisch] em sentido [Sinn] próprio [eigentlich]; é nesse esquecer [Vergessen] que o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] ameaçado se ocupa do que está à mão [zuhanden]. É com razão que Aristóteles determina o medo [Furcht] como lype tis he tarache, aflição [Gedrücktheit] e conturbação [Verwirrung]. A aflição [Gedrücktheit] pressiona a presença [Dasein] no sentido [Sinn] de voltar para o seu estar-lançado [Geworfenheit] mas de tal maneira que justamente este estar-lançado [Geworfenheit] se fecha. Já a conturbação [Verwirrung] funda-se num esquecer [Vergessen]. O extrair-se [Ausrücken] no esquecimento [Vergessenheit] de um poder-ser [Seinkönnen] fático [faktisch] e decidido baseia-se nas possibilidades [Möglichkeit] de salvação e escape previamente descobertas numa circunvisão [Umsicht]. Porque se esquece de si e não apreendendo nenhuma possibilidade [Möglichkeit] determinada [Bestimmtheit], a ocupação [Besorgen] que se teme salta do mais próximo para o mais próximo. Com isso, todas as possibilidades [Möglichkeit] "possíveis" e impossíveis se oferecem. Aquele que tem medo [Furcht] não se detém em nenhuma delas; o "mundo circundante [Umwelt]" não desaparece, ao contrário, lhe vem ao encontro [begegnen] justamente nesse não-mais-se-reconhecer no mundo circundante [Umwelt]. Essa atualização [Gegenwärtigen] conturbada do que é melhor por ser o mais próximo pertence ao esquecimento [Vergessenheit] de si, inerente ao medo [Furcht]. É sabido que o habitante de uma casa em chamas, por exemplo, frequentemente, quer "salvar" as coisas mais indiferentes por estarem mais imediatamente à mão. A atualização [Gegenwärtigen] esquecida de si de uma confusão de possibilidades [Möglichkeit] soltas possibilita a conturbação [Verwirrung] do medo [Furcht] que, como tal [als solches], lhe constitui o caráter específico de humor [Stimmung]. O esquecimento [Vergessenheit] inerente à conturbação [Verwirrung] também modifica o aguardar [Gewärtigen], caracterizando-o como um aguardar [Gewärtigen] aflito e conturbado por oposição a uma pura espera [Erwarten]. STMSCC: §68

Como a temporalidade [Zeitlichkeit] da angústia [Angst] se comporta frente à temporalidade [Zeitlichkeit] do medo [Furcht]? Chamamos este fenômeno [Phänomen] de disposição [Befindlichkeit] fundamental. Ela coloca a presença [Dasein] diante de seu estar-lançado [Geworfenheit] mais próprio [eigentlich], desvelando a estranheza [Unheimlichkeit] do ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] cotidiano [alltäglich] e familiar. Assim como o medo [Furcht], a angústia [Angst] também se determina formalmente por um com quê [Wovor] e um pelo quê [Worum] a angústia [Angst] se angustia. A análise mostrou, no entanto, que estes dois fenômenos coincidem. Isto não significa, porém, que os caracteres estruturais do com quê [Wovor] e pelo quê [Worum] se confundem no sentido [Sinn] de que a angústia [Angst] não se angustiaria nem com e nem por alguma coisa [Ding]. A coincidência [Zusammenfallen] entre o com quê [Wovor] e o pelo quê [Worum] deve significar que é um e o mesmo o ente que os realiza, ou seja, a presença [Dasein]. Especificamente, o com quê [Wovor] a angústia [Angst] se angustia vem ao encontro [begegnen] não como algo determinado [Bestimmtheit] numa ocupação [Besorgen]. A ameaça [drohen] não provém do que está à mão [zuhanden] e do que é simplesmente dado [vorhanden] mas, sobretudo e justamente, de que tudo que está à mão [zuhanden] e é simplesmente dado [vorhanden] já não "diz" absolutamente nada. Não estabelece mais nenhuma conjuntura [Bewandtnis] com o ente do mundo circundante [Umwelt]. O mundo, no contexto do qual eu [Ich] existo, afundou na insignificância, e o mundo que, dessa forma, se abre só é capaz de liberar entes sem conjuntura [Bewandtnis]. O nada [Nichts] do mundo, com o que a angústia [Angst] se angustia, não significa que, na angústia [Angst], se faça a experiência de uma ausência de seres simplesmente dados dentro do mundo [innerweltlich]. É preciso que eles venham ao encontro para que não estabeleçam nenhuma conjuntura [Bewandtnis] e possam, assim, mostrar-se numa impiedade vazia. Isso significa, porém, que o aguardar [Gewärtigen] da ocupação [Besorgen] não encontra mais nada a partir do qual possa compreender-se. Ele agarra o nada [Nichts] do mundo; deparando-se com o mundo, porém, o compreender [Verstehen] é trazido pela angústia [Angst] para o ser-no-mundo [In-der-Welt-sein] como [429] tal, de maneira que esse com quê [Wovor] a angústia [Angst] se angustia é, também, o seu por quê. O angustiar-se com alguma coisa [Ding] não possui nem o caráter de espera [Erwarten], nem de aguardar [Gewärtigen]. O com quê [Wovor] a angústia [Angst] se angustia já está "pre-sente" [das Da], é a própria presença [Dasein]. Será que a angústia [Angst] não se constitui pelo porvir [Zukunft]? Sem dúvida, mas não pelo porvir [Zukunft] impróprio [uneigentlich] do aguardar [Gewärtigen]. STMSCC: §68

A insignificância do mundo, aberta na angústia [Angst], desvela [enthüllen] a nulidade das ocupações [Besorgen], a impossibilidade [Unmöglichkeit] de projetar-se [Sichentwerfen] um poder-ser [Seinkönnen] da existência [Existenz] primariamente fundado na ocupação [Besorgen]. Desvelar essa impossibilidade [Unmöglichkeit] significa, porém, deixar vir à luz [Licht] a possibilidade [Möglichkeit] de um poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich]. Que sentido [Sinn] temporal [zeitlich] possui esse desvelar [Enthüllen]? A angústia [Angst] angustia-se pela presença [Dasein] nua e crua, enquanto lançada na estranheza [Unheimlichkeit]. Ela recoloca o puro que (se é) do estar-lançado [Geworfenheit] mais próprio [eigentlich] e singular. Esse recolocar não tem o caráter de um esquecer [Vergessen] que se esquiva e nem tampouco de uma recordação [Erinnerung]. A angústia [Angst], porém, também não implica um assumir que retoma a existência [Existenz] na decisão [Entschlossenheit]. A angústia [Angst], bem ao contrário, recoloca o estar-lançado [Geworfenheit] enquanto possível de ser retomado. E isso a tal ponto que ela também desvela [enthüllen] a possibilidade [Möglichkeit] de um poder-ser [Seinkönnen] próprio [eigentlich] que, entendido como porvindouro, deve retornar, na retomada [Wiederholung], para o "pre [das Da]" que está lançado. Colocar-se diante da possibilidade [Möglichkeit] de retomada [Wiederholung] é o modo ekstático específico do vigor de ter sido [Gewesenheit], constitutivo da disposição [Befindlichkeit] da angústia [Angst]. STMSCC: §68

O esquecer [Vergessen], inerente ao medo [Furcht], conturba, deixando a presença [Dasein] perdida [verloren] em meio a possibilidades [Möglichkeit] "mundanas" não apreendidas. Diante desta atualização [Gegenwärtigen] que não se sustenta, a atualização [Gegenwärtigen] da angústia [Angst] se mantém na recolocação do estar-lançado [Geworfenheit] mais próprio [eigentlich]. De acordo com seu sentido [Sinn] existencial, a angústia [Angst] não pode se perder em ocupações [Besorgen]. Quando algo assim parece ocorrer numa disposição [Befindlichkeit], trata-se então do medo [Furcht] que o entendimento cotidiano [alltäglich] confunde com a angústia [Angst]. Embora a atualidade [Gegenwart] da angústia [Angst] se mantenha, ela ainda não possui o caráter do instante [Augenblick], que se temporaliza [zeitigen] na decisão [Entschlossenheit]. A angústia [Angst] só conduz para o humor [Stimmung] de uma decisão [Entschlossenheit] possível. Sua atualidade [Gegenwart] mantém o instante [Augenblick], em que ela mesma e somente ela é possível, num salto. STMSCC: §68

Embora ambos os modos da disposição [Befindlichkeit], medo [Furcht] e angústia [Angst], estejam fundidos primariamente num vigor de ter sido [Gewesenheit], na totalidade da cura [Sorge], a sua temporalização [Zeitigung] própria tem, cada vez, uma origem diferente. A angústia [Angst] surge do porvir [Zukunft] da decisão [Entschlossenheit]. O medo [Furcht] surge da atualidade [Gegenwart] perdida [verloren] que, medrosamente, tem medo [Furcht] do medo [Furcht], para então nele decair. STMSCC: §68

Mas será que, talvez, a tese da temporalidade [Zeitlichkeit] dos humores [Stimmung] não valha apenas no caso dos fenômenos escolhidos para a análise? Como se pode encontrar um sentido [Sinn] temporal [zeitlich] na morna ausência de humores [Stimmung] que domina o "cotidiano [alltäglich] cinzento"? E o que dizer da temporalidade [Zeitlichkeit] dos humores [Stimmung] e afetos [Affekt] como esperança [Hoffnung], alegria, encantamento e jovialidade? Que não apenas o medo [Furcht] e a angústia [Angst] mas também outros fenômenos estão existencialmente fundados num vigor de ter sido [Gewesenheit], isso se mostra, claramente, quando nomeamos [431] fenômenos tais que tédio, tristeza, melancolia e desespero. Sem dúvida, sua interpretação deve fazer-se com base numa analítica mais ampla da presença [Dasein], elaborada existencialmente. Mas também um fenômeno [Phänomen] como a esperança [Hoffnung], que parece totalmente fundada no porvir [Zukunft], deve ser analisado de forma correspondente à análise do medo [Furcht]. Em oposição ao medo [Furcht], que se relaciona a um malum futurum, costuma-se caracterizar a esperança [Hoffnung] como espera [Erwarten] de um bonum futurum. Para a estrutura do fenômeno [Phänomen], porém, o decisivo não é tanto o caráter "futuro" daquilo a que a esperança [Hoffnung] está relacionada mas, sobretudo, o sentido [Sinn] existencial do próprio [eigentlich] ter esperança [Hoffnung]. Também aqui o caráter de humor [Stimmung] reside, primariamente, em ter esperança [Hoffnung] enquanto ter esperança-para-si. Aquele que tem esperança [Hoffnung] carrega, por assim dizer, a si mesmo para dentro da esperança [Hoffnung], contrapondo-se ao que é esperado. Isso pressupõe, no entanto, um ter-se-conquistado. Que a esperança [Hoffnung], em oposição ao medo [Furcht] que abate, alivia diz apenas que também essa disposição [Befindlichkeit] permanece referida ao peso [Last] de uma carga, no modo de ser [Seinsart] o ter sido. Do ponto de vista ontológico, o humor [Stimmung] exaltado, ou melhor, exaltante só é possível numa remissão [Bezug] ekstático-temporal da presença [Dasein] ao fundamento-lançado de si mesma. STMSCC: §68

A interpretação temporal [zeitlich] de compreender [Verstehen] e disposição [Befindlichkeit] deparou-se não apenas com a ekstase [Ekstase] primária referente a cada fenômeno [Phänomen] mas também com toda a temporalidade [Zeitlichkeit]. Da mesma forma que o porvir [Zukunft] possibilita primariamente o compreender [Verstehen] e o vigor de ter sido [Gewesenheit] possibilita o humor [Stimmung], o terceiro momento estrutural da cura [Sorge], a decadência [Verfallen], encontra seu sentido [Sinn] existencial na atualidade [Gegenwart]. A análise preparatória da decadência [Verfallen] teve início com a interpretação da falação [Gerede], da curiosidade [Neugier] e da ambiguidade [Zweideutigkeit]. A análise temporal [zeitlich] da decadência [Verfallen] deve seguir o mesmo caminho. Contudo, a investigação se limitará em considerar a curiosidade [Neugier] porque é nela que se pode ver [Sehen], mais facilmente, a temporalidade [Zeitlichkeit] específica da decadência [Verfallen]. A análise da falação [Gerede] e da ambiguidade [Zweideutigkeit], por sua vez, já pressupõe o esclarecimento da constituição temporal [zeitlich] da fala [Rede] e da significação [Bedeuten] (da interpretação). STMSCC: §68

A plena abertura [Erschliessen] do "pre [das Da]", que se constitui de compreender [Verstehen], disposição [Befindlichkeit] e decadência [Verfallen], articula-se com a fala [Rede]. Por isso, a fala [Rede] não se temporaliza [zeitigen], primordialmente, em uma ekstase [Ekstase] determinada [Bestimmtheit]. Como, na maior parte das vezes, a fala [Rede] de fato se pronuncia na linguagem [Sprache] e, inicialmente, no modo de um dizer que ocupa e discute o "mundo circundante [Umwelt]", a atualização [Gegenwärtigen] possui, sem dúvida, uma função constitutiva proeminente. STMSCC: §68

O compreender [Verstehen] funda-se, primariamente, no porvir [Zukunft] (antecipar [Vorlaufen] e aguardar [Gewärtigen]). A disposição [Befindlichkeit] temporaliza-se, primariamente, no vigor de ter sido [Gewesenheit] (retomada [Wiederholung] e esquecimento [Vergessenheit]). A decadência [Verfallen] enraíza-se, primária e temporalmente, na atualidade [Gegenwart] (atualização [Gegenwärtigen] e instante [Augenblick]). Não obstante, a compreensão é sempre atualidade [Gegenwart] "do vigor de ter sido [Gewesenheit]". Não obstante, a disposição [Befindlichkeit] se temporaliza [zeitigen] num porvir [Zukunft] "atualizante". Não obstante, a atualidade [Gegenwart] "surge" ou se sustenta num porvir [Zukunft] do vigor de ter sido [Gewesenheit]. Assim, fica claro que: a temporalidade [Zeitlichkeit] se temporaliza [zeitigen] totalmente em cada ekstase [Ekstase], ou seja, a totalidade do todo estrutural de existência [Existenz], facticidade [Faktizität] e decadência [Verfallen] funda-se na unidade ekstática de cada temporalização [Zeitigung] plena da temporalidade [Zeitlichkeit]. Esta é a unidade estrutural da cura [Sorge]. STMSCC: §68

Determinamos o ser da presença [Dasein] como cura [Sorge]. Seu sentido [Sinn] ontológico é a temporalidade [Zeitlichkeit]. Mostrou-se tanto que e como ela constitui a abertura [Erschliessen] do pre [das Da]. Na abertura [Erschliessen] do pre [das Da], abre-se conjuntamente o mundo. A unidade da significância [Bedeutsamkeit], isto é, a constituição ontológica de mundo, também deve fundar-se, portanto, na temporalidade [Zeitlichkeit]. A condição existencial e temporal [zeitlich] da possibilidade [Möglichkeit] de mundo reside em que a temporalidade [Zeitlichkeit], enquanto unidade ekstática, possui um horizonte. As ekstases [Ekstase] não são simplesmente retrações para... A ekstase [Ekstase] pertence, sobretudo, um "para onde [Wohin]" ela se retrai. Chamamos de esquema horizontal esse para onde [Wohin] da ekstase [Ekstase]. O horizonte ekstático é diferente em cada uma das três ekstases [Ekstase]. O esquema em que a presença [Dasein] vem a si no porvir [Zukunft], quer de modo próprio [eigentlich] ou impróprio [uneigentlich], é o estar em virtude de [worumwillen] si. Apreendemos como o diante de que (Wovor) do estar-lançado [Geworfenheit] e o para o que (Woran) do estar-entregue o esquema em que a presença [Dasein], lançada na disposição [Befindlichkeit], abriu-se para si mesma. Este esquema caracteriza a estrutura horizontal do vigor de ter sido [Gewesenheit]. Lançada e existindo em virtude de [worumwillen] si na entrega a si mesma, a presença [Dasein], na condição de ser e estar junto [Wobei] a..., é, ao mesmo tempo, atualizante. É o ser-para [Um-zu] que determina o esquema horizontal da atualidade [Gegenwart]. STMSCC: §69

Todavia, esses múltiplos carateres da cotidianidade [Alltäglichkeit] não caracterizam, de forma alguma, um mero “aspecto” da presença [Dasein], quando se “olha impessoalmente” para o fazer e o empreender do homem [Mensch]. A cotidianidade [Alltäglichkeit] é um modo de ser [Seinsart] ao qual pertence, sem dúvida, a manifestação pública. Mas enquanto modo de existir [existieren] próprio [eigentlich], a cotidianidade [Alltäglichkeit] é também mais ou menos conhecida de cada presença [Dasein] “singular”, através da disposição [Befindlichkeit] de uma ausência morna de humor [Stimmung]. Na cotidianidade [Alltäglichkeit], a presença [Dasein] pode “sofrer” de estupidez, pode mergulhar na sua estupidez ou dela escapar, buscando uma nova dispersão para fazer frente à dispersão nos negócios e tarefas. Mas a existência [Existenz] também pode amestrar, embora nunca apagar, o cotidiano [alltäglich] no instante [Augenblick] e, sem dúvida, apenas “por um instante [Augenblick]”. STMSCC: §71

Em cada modo de se deixar tempo nas ocupações [Besorgen], a datação do tempo parte de tudo aquilo de que, em cada momento, se ocupa no mundo circundante [Umwelt]. E no que se abre na compreensão própria da disposição [Befindlichkeit], a datação parte do que se empreende "dia a dia". Toda vez que a presença [Dasein] se empenha, aguardando as ocupações [Besorgen] ou se esquecendo de si por não aguardar [Gewärtigen] a si mesma, o seu tempo, aquele que ela se "deixa", também fica encoberto nesse modo de "deixar". Justo no "ir vivendo" inerente à ocupação [Besorgen] cotidiana [alltäglich], a presença [Dasein] nunca se compreende como o transcurso ao longo de uma sequência contínua e duradoura de puros "agora" [jetzt]. Com base nesse encobrimento, o tempo que a presença [Dasein] se dá também tem lacunas, por assim dizer. É frequente [504] não se conseguir recompor o "dia", recorrendo-se ao tempo "utilizado". Essa não recomposição das lacunas do tempo não é, contudo, uma fragmentação, mas um modo da temporalidade [Zeitlichkeit] já sempre aberta e ekstaticamente es-tendida. O modo pelo qual o tempo "dado" "decorre" e a espécie de indicação [Aufschluss] em que a ocupação [Besorgen] se dá tempo, de forma mais ou menos explícita, só podem ser explicitados fenomenalmente de maneira adequada caso, por um lado, se afaste a "representação [Vorstellung]" teórica de um fluxo contínuo de agora e, por outro, se conceba que os modos possíveis em que a presença [Dasein] se dá e se deixa tempo devem ser, primordialmente, determinados de acordo com a maneira em que a presença [Dasein] "tem" seu tempo, em correspondência a cada existência [Existenz] singular. STMSCC: §79

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