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Léxico Filosofia

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abertura

Definition:
Erschliessung, Erschlossenheit

Como ser constitui o questionado e ser diz sempre ser de um ente, o que resulta como interrogado na questão do ser é o próprio ente. Este é como que interrogado em seu ser. Mas para se poder apreender sem falsificações os caracteres de seu ser, o ente já deve se ter feito acessível antes, tal como é em si mesmo. Quanto ao interrogado, a questão de ser exige que se conquiste e assegure previamente um modo adequado de acesso ao ente. Chamamos de “ente” muitas coisas e em sentidos diversos. Ente é tudo de que [7] falamos dessa ou daquela maneira, ente é também o que e como nós mesmos somos. Ser está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado (Vorhandenheit), no teor e recurso, no valor e validade, no existir {CH: ainda é o conceito corrente e nenhum outro}, no “dá-se”. Em qual dos entes deve-se {CH: duas questões distintas se justapõem aqui; isso dá motivo para um mal-entendido, sobretudo com referência ao papel da presença [Dasein]} ler o sentido de ser? De que ente deve partir a ABERTURA para o ser? O ponto de partida é arbitrário, ou será que um determinado ente possui o primado na elaboração da questão do ser? Qual é este ente exemplar {CH: perigo de mal-entendido. Exemplar é a presença [Dasein] porque ela é o jogo de apreensão que, em sua essência como presença [Dasein] (resguardando a verdade do ser), o ser como tal joga e articula – porque o ser como tal põe no jogo de sua ressonância.} e em que sentido possui ele um primado? STMSC: §2

Ser é sempre ser de um ente. O todo dos entes pode tornar-se, em seus diversos setores, campo para se liberar e definir determinados âmbitos de objetos. Estas, por sua vez, como, por exemplo, história, natureza, espaço, vida, existência, linguagem, podem transformar-se em temas e objetos de investigação científica. A pesquisa científica realiza, de maneira ingênua e a grosso modo, um primeiro levantamento e uma primeira fixação dos âmbitos de objetos. A elaboração do âmbito em suas estruturas fundamentais já foi, de certo modo, efetuada pela experiência e interpretação pré-científicas do setor de ser que delimita a própria região de objetos. Os “conceitos fundamentais” assim produzidos constituem, de início, o fio condutor da primeira ABERTURA concreta do âmbito. Se o peso de uma pesquisa sempre se coloca nessa positividade, o seu progresso propriamente dito não consiste tanto em acumular resultados e conservá-los em “manuais”, mas em questionar a constituição fundamental de cada âmbito que, na maioria das vezes, surge reativamente do conhecimento crescente das coisas. STMSC: §3

A analítica existencial, por sua vez, possui, em última instância, raízes existenciárias, isto é, ônticas. Só existe a possibilidade de uma ABERTURA da existencialidade da existência, e com isso a possibilidade de se captar qualquer problemática ontológica suficientemente fundamentada, caso se assuma existenciariamente o próprio questionamento da investigação filosófica como uma possibilidade de ser da presença [Dasein], sempre existente. Assim esclarece-se também o primado ôntico da questão do ser. STMSC: §4

Enquanto tema fundamental da filosofia, ser não é o gênero dos entes, embora diga respeito a todo e qualquer ente. A sua “universalidade” deve ser procurada ainda mais alto. O ser e a estrutura de ser acham-se acima de qualquer ente e de toda determinação ôntica possível de um ente. O ser é o transcendens pura e simplesmente {CH: transcendens, seguramente não – apesar de todo eco metafísico – nem o koinon escolástico e greco-platônico, mas transcendência como ekstático – temporalidadetemporaneidade; mas horizonte. O ser cobriu o ente “com e no pensamento. A transcendência do ser da presença [Dasein] é privilegiada porque nela reside a possibilidade e a necessidade da individuação mais radical. Toda e qualquer ABERTURA de ser enquanto transcendens é conhecimento transcendental. A verdade fenomenológica (ABERTURA de ser) é veritas transcendentalis. STMSC: §7

Embora em toda ABERTURA e explicação de ser o tema seja propriamente o ser, o ente sempre acompanha previamente a tematização. No âmbito da presente análise, o ente pré-temático é o que se mostra na ocupação do mundo circundante. Aqui, o ente não é objeto de um conhecimento teórico do “mundo” e sim o que é usado, produzido, etc. O ente que assim vem ao encontro é visualizado pré-tematicamente por um “conhecimento” que, sendo fenomenológico, aspira primordialmente ao ser e, partindo dessa tematização de ser, tematiza igualmente o ente em causa. Essa interpretação fenomenológica não é, pois, um conhecimento de propriedades entitativas dos entes, mas uma determinação da estrutura de seu ser. Enquanto investigação do ser, ela realiza, porém, de maneira explícita e autônoma, a compreensão de ser que, desde sempre, pertence à presença [Dasein] e se “aviva” em todo modo de lidar com o ente. O ente fenomenologicamente pré-temático, ou seja, o usado, o que se acha em produção, torna-se acessível ao transferirmo-nos para tais ocupações. A rigor, seria errôneo falar de transferência, pois não precisamos nos transferir para esse modo de ser e de lidar da ocupação. A presença [Dasein] cotidiana já está sempre nesse modo quando, por exemplo, ao abrir a porta, faço uso do trinco. Para se conquistar um acesso fenomenológico ao ente que assim vem ao encontro, é preciso, contudo, afastar as tendências de interpretação afluentes e concorrentes que encobrem o fenômeno dessa “ocupação”. Pois o que com isso se encobre é, sobretudo, o ente tal como ele, a partir de si mesmo, vem ao encontro na ocupação e para ela. Esses desvios capciosos aparecem quando, agora numa investigação, perguntamos: Que ente há de ser pré-tematizado e estabelecido como base pré-fenomenal? STMSC: §15

Da mesma forma, a falta de um manual, cuja disponibilidade cotidiana é tão evidente que dele nem sequer tomamos conhecimento, constitui uma quebra dos nexos referenciais descobertos na circunvisão. A circunvisão depara-se com o vazio e só então é que vê para que (wofur) e com que (womit) estava à mão aquilo que faltava. Novamente, anuncia-se o mundo circundante. O que assim aparece não é em si mesmo um manual entre outros e muito menos algo simplesmente dado que fundasse, de alguma maneira, o instrumento à mão. Ele está “aí”, antes de toda constatação e consideração. Embora já sempre aberto à circunvisão, ele mesmo é inacessível à circunvisão por esta estar sempre voltada para o ente. “Abrir” e “ABERTURA” são termos técnicos que serão empregados, a seguir, no sentido de “des-fechar”. “Abrir” jamais significa, portanto, algo como “concluir através de mediações”. STMSC: §16

Mas o que significa dizer que a perspectiva para a qual se libera, pela primeira vez, o ente intramundano deve estar previamente aberta? Ao ser da presença [Dasein] pertence uma compreensão de ser. Compreensão tem o seu ser num compreender. Se convém essencialmente à presença [Dasein] o modo de ser-no-mundo, é que compreender ser-no-mundo pertence ao teor essencial de sua compreensão de ser. A ABERTURA prévia da perspectiva, em que acontece a liberação dos entes intramundanos que vêm ao encontro, nada mais é do que o compreender de mundo com que a presença [Dasein], enquanto ente, já está sempre em relação. STMSC: §18

O compreender, que a seguir será analisado mais profundamente (cf. §31), contém, numa ABERTURA prévia, as remissões mencionadas. Detendo-se nessa familiaridade, o compreender atém-se a estas remissões como o contexto em que se movem as suas referências. O próprio compreender se deixa referenciar nessas e para essas remissões. Apreendemos o caráter de remissão dessas remissões de referência como ação de signi-ficar. Na familiaridade com essas remissões, a presença [Dasein] “significa” para si mesma, ela oferece o seu ser e seu poder-ser a si mesma para uma compreensão originária, no tocante ao ser-no-mundo. O em virtude de significa um ser para, este um ser para isso, esse um estar junto em que se deixa e faz em conjunto, esse um estar com da conjuntura. Essas remissões estão acopladas entre si como totalidade originária. Elas são o que são enquanto ação de signi-ficar (Be-deuten), onde a própria presença [Dasein] se dá a compreender previamente a si mesma no seu ser-no-mundo. Chamamos de significância o todo das remissões] dessa ação de significar (Bedeuten). A significância é o que constitui a estrutura de mundo em que a presença [Dasein] {CH: a presença [Dasein] em que o homem vigora} já é sempre como é. Em sua familiaridade com a significância, a presença [Dasein] é a condição ôntica de possibilidade para se poder descobrir os entes que num mundo vêm ao encontro no modo de ser da conjuntura (manualidade) e que se podem anunciar em seu em-si. A presença [Dasein] como tal é sempre esta presença [Dasein] com a qual já se descobre essencialmente um contexto de manuais. Sendo, a presença [Dasein] já se {CH: mas não como uma ação e feito, dotados de eu, de um sujeito. Mas, presença [Dasein] e ser.} referiu a um “mundo” que lhe vem ao encontro, pois pertence essencialmente a seu ser uma referencialidade. STMSC: §18

A ABERTURA da significância como constituição existencial da presença [Dasein], o ser-no-mundo, é a condição ôntica da possibilidade de se descobrir uma totalidade conjuntural. STMSC: §18

Enquanto ser-no-mundo, a presença [Dasein] já descobriu a cada passo um “mundo”. Caracterizou-se esse descobrir, fundado na mundanidade do mundo, como liberação dos entes numa totalidade conjuntural. A ação liberadora de deixar e fazer em conjunto se perfaz no modo da referência, guiada pela circunvisão e fundada numa compreensão prévia da significância. Mostra-se assim que, dentro de uma circunvisão, o ser-no-mundo é espacial. E somente porque a presença [Dasein] é espacial, tanto no modo de dis-tanciamento quanto no modo de direcionamento, o que se acha à mão no mundo circundante pode vir ao encontro em sua espacialidade. A liberação de uma totalidade conjuntural é, de maneira igualmente originária, um deixar e fazer em conjunto que, numa região, dis-tancia e direciona, ou seja, libera a pertinência espacial do que está à mão. Na significância, familiar à presença [Dasein] nas ocupações de seu ser-em, reside também a ABERTURA essencial do espaço. STMSC: §24

No contexto de uma analítica existencial da presença [Dasein] fática, levanta-se a questão se este modo de doação do eu propicia uma ABERTURA qualquer para a cotidianidade da presença [Dasein]. Será mesmo a priori evidente que o acesso à presença [Dasein] deve ser proporcionado por uma reflexão simplesmente receptiva sobre o eu dos atos? E se este modo de “autodoação” da presença [Dasein] fosse, para a analítica existencial, uma tentação fundada no ser da própria presença [Dasein]? Ao se referir diretamente a si mesma, talvez a presença [Dasein] sempre diga: eu sou, e o faz também em alto e bom tom quando ela “não” é esse ente. E se a constituição de ser sempre minha da presença [Dasein] fosse uma razão para ela, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, não ser ela mesma? E se, partindo do dado do eu, a analítica existencial caísse, por assim dizer, nas tramas da própria presença [Dasein] e de sua auto-interpretação mais corriqueira? E se tivesse de resultar que o horizonte ontológico de toda determinação daquilo que é acessível numa simples doação ficasse, em princípio, indeterminado? Do ponto de vista ôntico, sempre se pode dizer com razão que “eu” sou este ente. No entanto, a analítica ontológica que utiliza este tipo de afirmação deve fazê-lo com reservas de princípio. O “eu” só pode ser entendido no sentido de uma indicação formal não constringente de algo que, em cada contexto ontológico-fenomenal, pode talvez se revelar como o “seu contrário”. Nesse caso, o “não-eu” não diz, de forma alguma, um ente em sua essência desprovido de “eu”, mas indica um determinado modo de ser do próprio “eu” como, por exemplo, a perda de si mesmo {CH: ou justamente também ser autenticamente próprio em oposição à egoidade indigente}. STMSC: §25

De acordo com a análise aqui desenvolvida, o ser com os outros pertence ao ser da presença [Dasein] que, sendo, põe em jogo seu próprio ser. Enquanto ser-com, a presença [Dasein] “é”, essencialmente, em virtude dos outros. Isso deve ser entendido, em sua essência, como um enunciado existencial. Mesmo quando cada presença [Dasein] fática não se volta para os outros quando acredita não precisar deles ou quando os dispensa, ela ainda é no modo de ser-com. No ser-com, enquanto o existencial de ser em virtude dos outros, os outros já estão abertos em sua presença [Dasein]. Essa ABERTURA dos outros, previamente constituída pelo ser-com, também perfaz a significância, isto é, a mundanidade que se consolida como tal no existencial de ser-em-virtude-de. Por isso, a mundanidade do mundo assim constituída, em que a presença [Dasein] já sempre é e está de modo essencial, deixa que o manual do mundo circundante venha ao encontro junto com a co-presença [Dasein] dos outros, na própria ocupação guiada pela circunvisão. Na estrutura da mundanidade do mundo, os outros não são, de saída, simplesmente dados como sujeitos soltos no ar ao lado de outras coisas. Eles se mostram em seu ser-no-mundo, empenhado nas ocupações do mundo circundante, a partir do ser que, no mundo, está à mão. STMSC: §26

A ABERTURA da co-presença [Dasein] dos outros, pertencente ao ser-com, significa: na compreensão do ser da presença [Dasein] já subsiste uma compreensão dos outros, porque seu ser é ser-com. Como todo compreender, esse compreender não é um conhecer nascido de uma tomada de conhecimento. É um modo de ser originariamente existencial que só então torna possível conhecer e tomada de conhecimento. Este conhecer-se está fundado no ser-com que compreende originariamente. Ele se move, de início, segundo o modo de ser mais imediato do ser-no-mundo que é com, no conhecer compreensivo do que a presença [Dasein] encontra e do que ela se ocupa na circunvisão do mundo circundante. A partir da ocupação e do que nela se compreende é que se pode entender a ocupação da preocupação. O outro se descobre, assim, antes de tudo, na preocupação das ocupações. STMSC: §26

Mas assim como o revelar-se e o fechar-se fundam-se nos modos de ser respectivos da convivência, de tal maneira que ele nada mais é do que isso mesmo, também a ABERTURA explicitada na preocupação nasce meramente do ser-com primordial. Essa ABERTURA temática e não teórica ou psicológica do outro evidencia-se facilmente para a problemática teórica do compreender da “vida psíquica do outro” enquanto o fenômeno que é primeiro visualizado. O que, fenomenalmente, apresenta “numa primeira aproximação” um modo de convivência compreensiva torna-se, ao mesmo tempo, aquilo que, assim considerado, possibilita e constitui, “em princípio” e originariamente, o ser para os outros. Esse fenômeno que, de maneira não muito feliz, denomina-se “ empatia” deve, por assim dizer, construir ontologicamente uma ponte entre o próprio sujeito isolado e o outro sujeito, de início, inteiramente fechado. STMSC: §26

O si-mesmo da presença [Dasein] cotidiana é o impessoalmente-si-mesmo , que distinguimos do propriamente si mesmo, ou seja, do si mesmo apreendido como próprio. Enquanto impessoalmente-si-mesma, cada presença [Dasein] se acha dispersa no impessoal, precisando ainda encontrar a si mesma. Essa dispersão caracteriza o “sujeito” do modo de ser que conhecemos como a ocupação que se empenha no mundo que vem imediatamente ao encontro. Que a presença [Dasein] esteja familiarizada consigo enquanto o impessoalmente-si-mesmo, isso também significa que o impessoal prelineia a primeira interpretação do mundo e do ser-no-mundo. O impessoalmente-si-mesmo, em virtude de que a presença [Dasein] é cotidianamente, articula o contexto referencial da significância. O mundo da presença [Dasein] libera o ente que vem ao encontro numa totalidade conjuntural, familiar ao impessoal e nos limites estabelecidos pela medianidade. Numa primeira aproximação, a presença [Dasein] fática esta no mundo comum, descoberto pela medianidade. Numa primeira aproximação, “eu” não “sou” no sentido do propriamente si mesmo e sim os outros nos moldes do impessoal. É a partir deste e como este que, numa primeira aproximação, eu “sou dado” a mim mesmo. Numa primeira aproximação, a presença [Dasein] é impessoal, assim permanecendo na maior parte das vezes. Quando a presença [Dasein] descobre o mundo e o aproxima de si, quando abre para si mesma seu próprio ser, este descobrimento de “mundo” e esta ABERTURA da presença [Dasein] se cumprem e realizam como uma eliminação das obstruções, encobrimentos, obscurecimentos, como um romper das distorções em que a presença [Dasein] se tranca contra si mesma. STMSC: §27

O que se constitui essencialmente pelo ser-no-mundo é sempre em si mesmo o “pre [das Da]” de sua presença [Dasein]. Segundo o significado corrente da palavra, o “pre [das Da]” da presença [Dasein] remete ao “aqui” e “lá”. O “aqui” de um “eu-aqui” sempre se compreende a partir de um “lá” à mão, no sentido de um ser que se dis-tancia e se direciona numa ocupação. A espacialidade existencial da presença [Dasein] que lhe determina o “lugar” já está fundada no ser-no-mundo. O “lá” é a determinação daquilo que vem ao encontro dentro do mundo. “Aqui” e “lá” são apenas possíveis no “pre [das Da]” da presença [Dasein], isto é, quando se da um ente que, enquanto ser do “pre [das Da]” da presença [Dasein], abriu a espacialidade. Em seu ser mais próprio, este ente traz o caráter de não fechamento. A expressão “pre [das Da]” refere-se a essa ABERTURA essencial. Através dela, esse ente (a presença [Dasein]) está junto à pre [das Da]-sença do mundo, fazendo-se presença [Dasein] para si mesmo. STMSC: §28

Numa imagem ôntica, falar de lumen naturale no homem não indica mais do que a estrutura ontológico-existencial deste ente, ou seja, de ser no modo do pre [das Da] de sua presença [Dasein]. Ser “esclarecido” significa: estar em si mesmo iluminado {CH: aletheiaABERTURA – claridade, luminosidade, iluminar} como ser-no-mundo, não através de um outro ente, mas de tal maneira que ele mesmo seja {CH: mas não produzido} a clareira. É para um ente existencialmente iluminado desse modo que um ser simplesmente dado faz-se acessível na luz e inacessível no escuro. A presença [Dasein] sempre traz consigo o seu pre [das Da] e, desprovida dele, ela não apenas deixa faticamente de ser, como deixa de ser o ente dessa essência. A presença [Dasein] é {CH: presença [Dasein] existe e só ela; com isso existência, o estar fora e exposto no aberto do pre [das Da]: ek-sistência} a sua ABERTURA. STMSC: §28

É preciso explicitar a constituição desse ser. Como a existência constitui a essência desse ente, a frase existencial “a presença [Dasein] é a sua ABERTURA” diz, ao mesmo tempo, que o ser em jogo no ser deste ente deve ser o “pre [das Da]” de sua presença [Dasein]. De acordo com a tendência da análise, alem de se caracterizar a constituição primordial do ser da ABERTURA, é preciso interpretar o modo de ser em que esse ente é cotidianamente o pre [das Da] de sua presença [Dasein]. STMSC: §28

Tanto a equanimidade impassível quanto o desânimo reprimido na ocupação cotidiana, a passagem de um para outro, o resvalar no mau humor não são, do ponto de vista ontológico, um nada, por mais que esses fenômenos passem despercebidos para a presença [Dasein], sendo considerados como os mais indiferentes e os mais passageiros. Que os humores possam deteriorar-se e transformar-se, isto diz somente que a presença [Dasein] já está sempre sintonizada e afinada num humor. Também a falta de humor contínua, regular e insípida, que não deve ser confundida com o mau humor, não é um nada, pois nela a própria presença [Dasein] se torna enfadonha para si mesma. Nesse mau humor, o ser do pre [das Da] mostra-se como peso {CH: “peso”: o que deve ser carregado; o homem está entregue à responsabilidade e à apropriação da presença [Dasein]. Carregar: assumir-se a partir da pertinência ao próprio ser}. Por que, não se sabe. E a presença [Dasein] não pode saber, visto que as possibilidades de ABERTURA do conhecimento são restritas se comparadas com a ABERTURA originária dos humores em que a presença [Dasein] se depara com seu ser enquanto pre [das Da]. Também o humor exacerbado pode aliviar o peso revelado pelo ser; mesmo essa possibilidade de humor revela, embora como alívio, o caráter de peso da presença [Dasein]. O humor revela “como alguém está e se torna”. É nesse “como alguém está” que a afinação do humor conduz o ser para o seu “pre [das Da]”. STMSC: §29

Na afinação do humor, a presença [Dasein] já sempre se abriu em sintonia com o humor como o ente a cuja responsabilidade a presença [Dasein] se entregou em seu ser e que, existindo, ela tem de ser. Aberto não significa conhecido como tal. E justamente na cotidianidade mais indiferente e inocente, o ser da presença [Dasein] pode irromper na nudez de “que é e ter de ser”. O puro “que é” mostra-se, enquanto o de onde (Woher) e o para onde (Wohin) permanecem obscuros. Constatar que a presença [Dasein] não “cede” a tais humores na cotidianidade, isto é, que não persegue a ABERTURA por eles realizada e não se deixa levar pelo que assim se abre, não constitui uma prova contra a fatualidade fenomenal de o humor abrir o ser do pre [das Da] em seu “que é” (Dass), mas sim um testemunho. Na maior parte das situações ôntico-existenciárias, a presença [Dasein] se esquiva ao ser que se abre nessa afinação do humor; do ponto de vista ontológico-existencial, isto significa: naquilo de que o humor faz pouco caso, a presença [Dasein] se descobre entregue a responsabilidade do pre [das Da]. É no próprio esquivar-se que o pre [das Da] se abre em seu ser. STMSC: §29

O ente que possui o caráter da presença [Dasein] é o seu pre [das Da], no sentido de dispor-se implícita ou explicitamente em seu estar-lançado. Na disposição, a presença [Dasein] já se colocou sempre diante de si mesma e já sempre se encontrou, não como percepção, mas como um dispor-se numa afinação de humor. Enquanto ente entregue à responsabilidade de seu ser, ela também se entrega à responsabilidade de já se ter sempre encontrado – encontro que não é tanto fruto de uma procura direta mas de uma fuga. A afinação do humor não realiza uma ABERTURA no sentido de observar o estar-lançado e sim de enviar-se e desviar-se. Na maior parte das vezes, ele faz pouco caso do caráter pesado da presença [Dasein] que nele se revela e, muito menos ainda, quando se alivia de um humor. Esse desvio é o que é, no modo da disposição. STMSC: §29

Que uma presença [Dasein] de fato possa, deva e tenha de se assenhorar do humor através do saber e da vontade pode, em certas possibilidades da existência, significar uma primazia da vontade e do conhecimento. Isso, porém, não deve levar a negação ontológica do humor enquanto modo de ser originário da presença [Dasein]. Neste modo de ser, ela se abre para si mesma antes de qualquer conhecimento e vontade e para além de seus alcances de ABERTURA. Ademais, nunca nos tornamos senhores do humor sem humor, mas sempre a partir de um humor contrário. Obtivemos, pois, como primeiro caráter ontológico da disposição que: a disposição abre a presença [Dasein] em seu estar-lançado e, na maior parte das vezes e antes de tudo, segundo o modo de um desvio que se esquiva. STMSC: §29

Isto é o que mostra o mau-humor. Nele, a presença [Dasein] se faz cega para si mesma, o mundo circundante da ocupação se vela, a circunvisão da ocupação se desencaminha. A disposição é tão pouco trabalhada pela reflexão que faz com que a presença [Dasein] se precipite para o “mundo” das ocupações numa dedicação e abandono irrefletidos. O humor se precipita. Ele não vem de “fora” nem de “dentro”. Cresce a partir de si mesmo como modo de ser-no-mundo. Com isso, porém, passamos de uma delimitação negativa da disposição frente à apreensão reflexiva do “interior” para uma compreensão positiva de seu caráter de ABERTURA. O humor já abriu o ser-no-mundo em sua totalidade e só assim torna possível um direcionar-se para... O estado de humor não remete, de início, a algo psíquico e não é, em si mesmo, um estado interior que, então, se exteriorizasse de forma enigmática, dando cor as coisas e pessoas. Nisto mostra-se o segundo caráter essencial da disposição: ela é um modo existencial básico da ABERTURA igualmente originária de mundo, de co-presença [Dasein] e existência, pois também este modo é em si mesmo ser-no-mundo. STMSC: §29

Além dessas duas determinações essenciais da disposição aqui explicitadas: a ABERTURA do estar-lançado e a ABERTURA do ser-no-mundo em sua totalidade, deve-se considerar ainda uma terceira, que contribui sobremaneira para uma compreensão mais profunda da mundanidade do mundo. Como dissemos anteriormente, o mundo que já se abriu deixa e faz com que o ente intramundano venha ao encontro. Essa ABERTURA prévia do mundo, que pertence ao ser-em, também se constitui de disposição. Deixar e fazer vir ao encontro é, primariamente, uma circunvisão e não simplesmente sensação ou observação. Numa ocupação dotada de circunvisão, deixar e fazer vir ao encontro tem o caráter de ser atingido, como agora se pode ver mais agudamente a partir da disposição. Do ponto de vista ontológico, inutilidade, resistência, ameaça, são apenas possíveis, porque o ser-em como tal se acha determinado previamente em sua existência, de modo a poder ser tocado dessa maneira pelo que vem ao encontro dentro do mundo. Esse ser tocado funda-se na disposição, descobrindo o mundo como tal, no sentido, por exemplo, de ameaça. Apenas o que é na disposição do medo, o sem medo, pode descobrir o que está à mão no mundo circundante como algo ameaçador. O estado de humor da disposição constitui, existencialmente, a ABERTURA mundana da presença [Dasein]. STMSC: §29

Os “sentidos” só podem ser “estimulados”, só é possível “ter sensibilidade para”, de maneira que o estimulante se mostre na afecção, porque, do ponto de vista ontológico, os sentidos pertencem a um ente que possui o modo de ser disposto no mundo. Por mais fortes que fossem a pressão e resistência, coisas como afecção não ocorreriam se a resistência não se descobrisse de modo essencial, se o ser disposto no mundo já não estabelecesse um liame com um ente intramundano, trabalhado de modo privilegiado por humores. Na disposição subsiste existencialmente um liame de ABERTURA com o mundo, a partir do qual algo que toca pode vir ao encontro. Do ponto de vista ontológico-fundamental, devemos em princípio deixar a descoberta primária do mundo ao “simples humor”. Uma intuição pura, mesmo introduzida nas artérias mais interiores de alguma coisa simplesmente dada, jamais chegaria a descobrir algo como ameaça. STMSC: §29

Que a circunvisão cotidiana se equivoque, devido à ABERTURA primordial da disposição e esteja amplamente sujeita a ilusão, isto é, segundo a ideia de um conhecimento absoluto de “mundo”, um me ón. Em razão dessas avaliações ontologicamente inadequadas, desconsidera-se inteiramente a positividade existencial da possibilidade de ilusão. É justamente na visão instável e de humor variável do “mundo” que o manual se mostra em sua mundanidade específica, a qual nunca é a mesma. A observação teórica sempre reduziu o mundo à uniformidade do que é simplesmente dado; dentro dessa uniformidade subsiste encoberta sem dúvida uma nova riqueza de determinações, passíveis de descoberta. Contudo, mesmo a mais pura theoria não conseguiu ultrapassar todos os humores; o que é ainda simplesmente dado em sua pura configuração apenas se mostra para a observação quando consegue chegar a si, demorando tranquilamente junto a..., na rastone e diagoge. O demonstrar da constituição ontológico-existencial de toda determinação de conhecimento na disposição do ser-no-mundo não deve ser confundido com a tentativa de abandonar onticamente a ciência ao “sentimento”. STMSC: §29

A disposição é um modo existencial básico em que a presença [Dasein] é o seu pre [das Da]. Ontologicamente, ela não apenas caracteriza a presença [Dasein] como também é de grande importância metodológica para a analítica existencial, devido a sua capacidade de ABERTURA. Esta possibilita, ademais, como toda interpretação ontológica, a se escutar, por assim dizer, o ser dos entes que antes já se abriram. Nesse sentido, deverá ater-se às possibilidades de ABERTURA privilegiadas e mais abrangentes da presença [Dasein] para delas retirar a explicação desse ente. A interpretação fenomenológica deve oferecer para a própria presença [Dasein] a possibilidade de uma ABERTURA originária e, ao mesmo tempo, da própria presença [Dasein] interpretar a si mesma. Ela apenas acompanha essa ABERTURA para conceituar existencialmente o conteúdo fenomenal do que assim se abre. STMSC: §29

A presente investigação já se deparou com esse compreender originário sem, no entanto, permitir que aflorasse explicitamente como tema. Dizer que a presença [Dasein] existindo é o seu pre [das Da] significa, por um lado, que o mundo é “presença [Dasein]”, a sua presença [Dasein] é o ser-em. Este é igualmente “presença [Dasein]” como aquilo em virtude de que a presença [Dasein] é. Nesse em virtude de, o ser-no-mundo existente se abre como tal. Chamou-se essa ABERTURA de compreender. No compreender desse em virtude de, abre-se conjuntamente a significância nele fundada. Enquanto ABERTURA do em virtude de e da significância, a ABERTURA do compreender diz respeito, de maneira igualmente originária, a todo o ser-no-mundo. Significância é a perspectiva em virtude da qual o mundo se abre como tal. Dizer que o em virtude de e a significância se abrem na presença [Dasein] significa dizer que a presença [Dasein] é um ente em que, como ser-no-mundo, está em jogo seu próprio ser. STMSC: §31

Como ABERTURA, o compreender sempre alcança toda a constituição fundamental do ser-no-mundo. Como poder-ser, o ser-em é sempre um poder-ser-no-mundo. Este não apenas se abre como mundo, no sentido de possível significância, mas a liberação de tudo que é intramundano libera esse ente para suas possibilidades. O manual se descobre, então, como tal em sua utilidade, aplicabilidade e prejudicialidade. A totalidade conjuntural desvela-se como o todo categorial de uma possibilidade do contexto manual. Por outro lado, também a “unidade” do que é simplesmente dado numa variedade multiforme, a natureza, só pode ser descoberta com base na ABERTURA de uma possibilidade que lhe pertence. Será por acaso que a questão do ser da natureza visa as “condições de sua possibilidade”? Em que se funda esse questionamento? Nele não pode faltar a questão: por que o ente, destituído do caráter de presença [Dasein], é compreendido em seu ser quando se abre nas condições de sua possibilidade? Kant pressupõe algo assim, talvez com razão. Mas essa pressuposição não pode mais permanecer sem verificar seu direito. STMSC: §31

Por que o compreender, em todas as dimensões essenciais do que nele se pode abrir, sempre conduz as possibilidades? Porque, em si mesmo, compreender possui a estrutura existencial que chamamos de projeto. O compreender projeta o ser da presença [Dasein] para o seu em virtude de e isso de maneira tão originária como para a significância, entendida como mundanidade de seu mundo. O caráter projetivo do compreender constitui o ser-no-mundo no tocante a ABERTURA do seu pre [das Da], enquanto pre [das Da] de um poder-ser. O projeto é a constituição ontológico-existencial do espaço de articulação do poder-ser fático. E, na condição de lançada, a presença [Dasein] se lança no modo de ser do projeto. O projetar-se nada tem a ver com um possível relacionamento frente a um plano previamente concebido, segundo o qual a presença [Dasein] instalaria o seu ser. Ao contrário, como presença [Dasein], ela já sempre se projetou e só é em se projetando. Na medida em que é, a presença [Dasein] já se compreendeu e sempre se compreenderá a partir de possibilidades. O caráter projetivo do compreender diz, ademais, que a perspectiva em virtude da qual ele se projeta apreende as possibilidades mesmo que não o faça tematicamente. Essa apreensão retira do que é projetado justamente o seu caráter de possibilidade, arrastando-o para um teor dado e referido, ao passo que, no projetar, o projeto lança previamente para si mesmo a possibilidade como possibilidade e assim a deixa ser. Enquanto projeto, compreender é o modo de ser da presença [Dasein] em que a presença [Dasein] é as suas possibilidades enquanto possibilidades. STMSC: §31

O projeto sempre diz respeito a toda a ABERTURA de ser-no-mundo; como poder-ser, o próprio compreender possui possibilidades prelineadas pelo âmbito do que nele é passível de se abrir essencialmente. O compreender pode colocar-se primariamente na ABERTURA de mundo, ou seja, a presença [Dasein] pode, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, compreender-se a partir de seu mundo. Ou ainda, o compreender lança-se primariamente para o em virtude de, isto é, a presença [Dasein] existe como ela mesma {CH: mas não como sujeito, indivíduo ou pessoa}. Brotando de seu si mesmo em sentido próprio, o compreender é próprio ou impróprio. “Im”-próprio não significa que a presença [Dasein] rompa consigo mesma e “só” compreenda o mundo. Mundo pertence ao seu ser-si-mesmo como ser-no-mundo. Por isso, o compreender propriamente é o compreender impropriamente podem ser autênticos ou inautênticos. Enquanto um poder-ser, o compreender está inteiramente impregnado de possibilidade. O translado para uma dessas possibilidades fundamentais da compreensão não deixa de lado as demais. A transferência inerente ao compreender é uma modificação existencial do projeto como um todo porque o compreender sempre diz respeito a toda a ABERTURA da presença [Dasein] como ser-no-mundo. No compreender de mundo, o ser-em também é sempre compreendido. Compreender de existência como tal é sempre compreender mundo. STMSC: §31

Em seu caráter existencial de projeto, compreender constitui o que chamamos de visão da presença [Dasein]. A visão que, junto com a ABERTURA do pre [das Da], se dá existencialmente e, de modo igualmente originário, a presença [Dasein], nos modos básicos de seu ser já caracterizados, a saber, a circunvisão da ocupação, a consideração da preocupação, a visão de ser em virtude da qual a presença [Dasein] é sempre como ela é. Chamamos de transparência (Durchsichtigkeit) a visão que se refere primeira e totalmente à existência. Escolhemos esse termo para designar o “conhecimento de si mesmo”, bem entendendo-se que não se trata de um exame perceptivo e nem tampouco da inspeção de si mesmo como um ponto, mas de uma captação compreensiva de toda a ABERTURA do ser-no-mundo através dos momentos essenciais de sua constituição. O ente que existe tem a visão de “si” somente à medida que ele se faz, de modo igualmente originário, transparente em seu ser junto ao mundo, em seu ser-com os outros, enquanto momentos constitutivos de sua existência. STMSC: §31

Deve-se proteger o termo “visão” de mal-entendidos. Ele corresponde a iluminação, que caracterizamos como a ABERTURA do pre [das Da]. “Ver” significa não só não perceber com os olhos do corpo como também não apreender, de modo puro e com os olhos do espírito, algo simplesmente dado em seu ser simplesmente dado. Para o significado existencial de visão, a única coisa a ser levada em conta é a particularidade do ver em que o ente a ele acessível se deixa encontrar descoberto em si mesmo. E o que todo “sentido” realiza em seu setor genuíno de descoberta. A tradição da filosofia, porém, orienta-se, desde o princípio, primariamente pelo “ver” enquanto modo de acesso para o ente e para o ser. A fim de manter um nexo com a tradição, pode-se formalizar a visão e o ver de modo tão amplo a ponto de se conquistar um termo universal capaz de caracterizar como acesso todo acesso ao ser. STMSC: §31

A ABERTURA do pre [das Da] da presença [Dasein] no compreender é ela mesma um modo do poder-ser da presença [Dasein]. A ABERTURA do ser em geral {CH: como ela está aí e o que significa ser?} consiste na projeção do ser da presença [Dasein] para o em virtude de e para a significância (mundo). No projetar de possibilidades já se antecipou uma compreensão de ser. Ser é compreendido {CH: não significa, porém, que o ser “seja” por graça do projeto} no projeto e não concebido ontologicamente. O ente que possui o modo de ser do projeto essencial de ser-no-mundo tem a compreensão de ser como um constitutivo de seu ser. O que anteriormente foi suposto de forma dogmática recebe agora sua demonstração a partir da constituição de ser em que a presença [Dasein] como um compreender é o seu pre [das Da]. Dentro dos limites dessa investigação, só se poderá alcançar um esclarecimento satisfatório do sentido existencial dessa compreensão de ser com base na interpretação temporânea de ser. STMSC: §31

Enquanto existenciais, a disposição é o compreender caracterizam a ABERTURA originária de ser-no-mundo. No modo de ser do humor, a presença [Dasein] “vê” possibilidades a partir das quais ela é. Na ABERTURA projetiva dessas possibilidades, ela já está sempre afinada pelo humor. O projeto do poder-ser mais próprio está entregue ao fato de ser lançado no pre [das Da] da presença [Dasein]. Mas não será que, com a explicação da constituição existencial do ser do pre [das Da], no sentido do projeto projetado, o ser da presença [Dasein] se torna ainda mais enigmático? Com efeito. Devemos primeiro deixar despontar todo o enigma desse ser, quer para fracassar com autenticidade na tentativa de “resolvê-lo”, quer para recolocar de modo novo a questão do ser-no-mundo que se lançou em projetos. STMSC: §31

É preciso elaborar concretamente esses existenciais, a fim de se dispor de uma visualização inicial e suficiente, do ponto de vista fenomenal, do modo de ser cotidiano do compreender disposto, isto é, de toda a ABERTURA do pre [das Da]. STMSC: §31

Se, porém, todo e qualquer perceber de um instrumento à mão já é compreender e interpretar, e assim permite, na circunvisão, o encontro de algo como algo, não será que isso significa que primeiro se faz a experiência de algo simplesmente dado para depois apreendê-lo como porta ou como casa? Isso seria um mal-entendido a respeito da função específica de ABERTURA da interpretação. Ela não lança, por assim dizer, um “significado” sobre a nudez de algo simplesmente dado, nem cola sobre ele um valor. O que acontece é que, no que vem ao encontro dentro do mundo como tal, o compreender de mundo já abriu uma conjuntura que a interpretação expõe. STMSC: §32

No projetar-se do compreender, o ente se abre em sua possibilidade. O caráter de possibilidade sempre corresponde ao modo de ser de um ente compreendido. O ente intramundano em geral é projetado para o mundo, ou seja, para um todo de significância em cujas remissões referenciais a ocupação se consolida previamente como ser-no-mundo. Se junto com o ser da presença [Dasein] o ente intramundano também se descobre, isto é, chega a uma compreensão, dizemos que ele tem sentido. Rigorosamente, porém, o que é compreendido não é o sentido, mas o ente e o ser. Sentido é aquilo em que se sustenta a compreensibilidade de alguma coisa. Chamamos de sentido aquilo que pode articular-se na ABERTURA compreensiva. STMSC: §32

O conceito de sentido abrange o aparelhamento formal daquilo que pertence necessariamente ao que é articulado pela interpretação que compreende. Sentido é a perspectiva na qual se estrutura o projeto pela posição prévia, visão prévia e concepção prévia. É a partir dela que algo se torna compreensível como algo. Como compreender e interpretação constituem existencialmente o ser do pre [das Da], o sentido deve ser concebido como o aparelhamento existencial-formal da ABERTURA pertencente ao compreender. Sentido é um existencial da presença [Dasein] e não uma propriedade colada sobre o ente, que se acha por “detrás” dele ou que paira não se sabe onde, numa espécie de “reino intermediário”. A presença [Dasein] só “tem” sentido na medida em que a ABERTURA do ser-no-mundo pode ser “preenchida” por um ente que nela se pode descobrir. Somente a presença [Dasein] pode ser com sentido ou sem sentido. Isso significa: o seu próprio ser e o ente que se lhe abre podem ser apropriados na compreensão ou recusados na incompreensão. STMSC: §32

Enquanto ABERTURA do pre [das Da], o compreender sempre diz respeito a todo o ser-no-mundo. Em todo compreender de mundo, a existência também esta compreendida e vice-versa. Toda interpretação, ademais, move-se na estrutura prévia já caracterizada. Toda interpretação que se coloca no movimento de compreender já deve ter compreendido o que se quer interpretar. Esse fato foi sempre observado na interpretação filológica, embora apenas nos setores dos modos derivados de compreensão e interpretação. A interpretação filológica pertence ao âmbito do conhecimento científico. Esse conhecimento exige o rigor de uma demonstração fundamentada. A prova científica não deve pressupor aquilo que ela há de fundamentar. Se, porém, a interpretação já sempre se movimenta no já compreendido e dele se deve alimentar, como poderá produzir resultados científicos sem se mover num círculo, sobretudo se a compreensão pressuposta se articula no conhecimento comum de homem e mundo? Segundo as regras mais elementares da lógica, no entanto, o circulo e um circulus vitiosus. Com isso, porém, o ofício da interpretação histórica se acha a priori banido do campo de todo conhecimento rigoroso. Enquanto não se abolir do compreender esse círculo, a historiografia deve satisfazer-se com possibilidades menos rigorosas de conhecimentos. Permite-se-lhe que preencha, de certo modo, essa falta mediante o “significado espiritual” de seus “objetos”. Segundo a opinião dos próprios historiadores, o ideal seria que se pudesse evitar o circulo na esperança de se criar, pela primeira vez, uma historiografia tão independente do ponto de vista do observador como se presume que seja o conhecimento da natureza. STMSC: §32

Disposição e compreender são os existenciais fundamentais que constituem o ser do pre [das Da], ou seja, a ABERTURA do ser-no-mundo. O compreender guarda em si a possibilidade de interpretação, isto é, de uma apropriação do que se compreende. Sendo disposição e compreender igualmente originários, a disposição se mantém numa certa compreensão. Corresponde-lhe também uma certa possibilidade de interpretação. O enunciado tornou visível um derivado extremo da interpretação. O esclarecimento do terceiro significado de enunciado como comunicação (declaração) levou ao conceito de dizer e pronunciar, até aqui propositadamente desconsiderado. Que somente agora se tematize a linguagem, isso deve indicar que este fenômeno se radica na constituição existencial da ABERTURA da presença [Dasein]. O fundamento ontológico-existencial da linguagem é a fala. Embora tenhamos excluído esse fenômeno de uma análise temática, dele nos servimos constantemente nas interpretações feitas até aqui da disposição, do compreender, da interpretação e do enunciado. STMSC: §34

Do ponto de vista existencial, a fala é igualmente originária à disposição e ao compreender. A compreensibilidade já está sempre articulada, antes mesmo de qualquer interpretação apropriadora. A fala é a articulação da compreensibilidade. Por isso, a fala se acha à base de toda interpretação e enunciado. Chamamos de sentido o que pode ser articulado na interpretação e, por conseguinte, mais originariamente ainda já na fala. Chamamos de totalidade significativa aquilo que, como tal, se estrutura na articulação da fala. Esta pode desmembrar-se em significações. Enquanto aquilo que se articula nas possibilidades de articulação, todas as significações sempre têm sentido. Uma vez que, enquanto articulação da compreensibilidade do pre [das Da], a fala é um existencial originário da ABERTURA, constituído primordialmente pelo ser-no-mundo, ela também deve possuir, em sua essência, um modo de ser especificamente mundano. A compreensibilidade do ser-no-mundo, trabalhada por uma disposição, pronuncia-se como fala. A totalidade significativa da compreensibilidade vem à palavra. Dos significados brotam palavras. As palavras, porém, não são coisas dotadas de significados. STMSC: §34

A linguagem é o pronunciamento da fala. Como um ente intramundano, essa totalidade de palavras em que e como tal a fala possui seu próprio ser “mundano” pode ser encontrada à maneira de algo à mão. Nesse caso, a linguagem pode ser despedaçada em coisas-palavras simplesmente dadas. Existencialmente, a fala é linguagem porque aquele ente, cuja ABERTURA se articula em significações, possui {CH: para a linguagem, estar-lançado é essencial} o modo de ser-no-mundo, de ser lançado e remetido a um “mundo”. STMSC: §34

A fala é constitutiva da existência da presença [Dasein], uma vez que perfaz a constituição existencial de sua ABERTURA. A escuta e o silêncio pertencem à linguagem falada como possibilidades intrínsecas. Somente nestes fenômenos é que se torna inteiramente nítida a função constitutiva da fala para a existencialidade da existência. De início, trata-se de elaborar a estrutura da fala como tal. STMSC: §34

A fala é a articulação “significativa” da compreensibilidade do ser-no-mundo, a que pertence o ser-com, e que já sempre se mantém num determinado modo de convivência ocupacional. Essa convivência está sempre falando, tanto ao dizer sim quanto ao dizer não, tanto provocando quanto avisando, tanto pronunciando, recuperando ou intercedendo, e ainda “emitindo enunciados” ou fazendo “discursos”. Falar é falar sobre... Aquilo sobre que se fala não possui necessariamente, nem mesmo na maior parte das vezes, o caráter de tema de um enunciado que estabelece determinações. Também uma ordem é exercício de uma fala sobre; o desejo também possui aquilo sobre que deseja. O interceder não se acha desprovido de algo sobre que. A fala possui necessariamente esta estrutura, já que constitui também a ABERTURA do ser-no-mundo e sua própria estrutura é pré-moldada por essa constituição fundamental da presença [Dasein]. O referencial da fala é sempre “endereçado” dentro de determinados limites e numa determinada perspectiva. Toda fala tem algo sobre que fala (Geredetes) que, como tal, constitui propriamente o dito dos desejos, das perguntas, dos pronunciamentos. Nele, a fala se comunica. STMSC: §34

Toda fala sobre alguma coisa comunica através daquilo sobre que fala e sempre possui o caráter de pronunciar-se. Na fala, a presença [Dasein] se pronuncia. Entretanto, isso não ocorre porque a presença [Dasein] se acharia, de início, encapsulada num “interior” que se opõe a um exterior, mas porque, como ser-no-mundo, ao compreender, ela já se acha “fora”. O que se pronuncia é justamente o estar fora {CH: o pre [das Da]; estar exposto como posição aberta}, isto é, o modo cada vez diferente da disposição (ou do humor) que, como se indicou, alcança toda a ABERTURA do ser-em. O índice linguístico próprio da fala em que se anuncia o ser-em da disposição está no tom, na modulação, no ritmo da fala, “no modo de dizer”. A comunicação das possibilidades existenciais da disposição, ou seja, da ABERTURA da existência, pode tornar-se a meta explícita da fala “poética”. STMSC: §34

O nexo da fala com o compreender e a sua compreensibilidade torna-se claro a partir de uma possibilidade existencial inerente à própria fala, que é a escuta. Não dizemos por acaso que não “compreendemos” quando não escutamos “bem”. A escuta é constitutiva da fala. E, assim como a articulação verbal está fundada na fala, assim também a percepção acústica funda-se na escuta. Escutar é o estar aberto existencial da presença [Dasein] enquanto ser-com os outros. Enquanto escuta da voz do amigo que toda presença [Dasein] traz consigo, o escutar constitui até mesmo a ABERTURA primordial e própria da presença [Dasein] para o seu poder-ser mais próprio. A presença [Dasein] escuta porque compreende. Como ser-no-mundo articulado em compreensões com os outros, a presença [Dasein] obedece na escuta à coexistência e a si própria como “pertencente” a essa obediência. O escutar recíproco de um e outro, onde se forma e elabora o ser-com, possui os modos possíveis de seguir, acompanhar e os modos privativos de não ouvir, resistir, fazer frente a, defender-se. STMSC: §34

Uma outra possibilidade constitutiva da fala, o silêncio, possui o mesmo fundamento existencial. Quem silencia na fala da convivência pode “dar a entender” com maior propriedade, isto significa, pode elaborar a compreensão por oposição àquele que não perde a palavra. Falar muito sobre alguma coisa não assegura em nada uma compreensão maior. Ao contrário, as falas prolixas encobrem e emprestam ao que se compreendeu uma clareza aparente, ou seja, a incompreensão da trivialidade. Silenciar, no entanto, não significa ficar mudo. Ao contrário, o mudo é a tendência “para dizer”. O mudo não apenas não provou que pode silenciar, como lhe falta até a possibilidade de prová-lo. E, como o mudo, aquele que, por natureza, fala pouco, também ainda não mostra que silencia e pode silenciar. Quem nunca diz nada também não pode silenciar num dado momento. Silenciar em sentido próprio só é possível numa fala autêntica. Para poder silenciar, a presença [Dasein] deve ter algo a dizer {CH: e o a ser dito? (O ser)}, isto é, deve dispor de uma ABERTURA própria e rica de si mesma. Pois só então o estar em silêncio se revela e, assim, abafa a “falação”. Como modo de fala, o estar em silêncio articula tão originariamente a compreensibilidade da presença [Dasein] que dele provém o verdadeiro poder escutar e a convivência transparente. STMSC: §34

Porque a fala é constitutiva do ser do pre [das Da], isto é, da disposição e do compreender, a presença [Dasein] significa então: como ser-no-mundo, a presença [Dasein] se pronunciou como ser-em uma fala. A presença [Dasein] possui linguagem. Terá sido mero acaso que os gregos depositaram a sua existência cotidiana predominantemente no espaço aberto pela fala convivial, guardando ao mesmo tempo olhos para ver, tanto na interpretação filosófica como na pré-filosófica da presença [Dasein], a essência do homem determinada como zoon logon echon {CH: o homem como o que “colhe”, recolhendo-se no ser-vigente na ABERTURA dos entes (mas estes em segundo plano)}? A interpretação posterior dessa caracterização do homem, no sentido de animal rationale, “animal racional”, não é, com efeito, “falsa”, mas encobre o solo fenomenal que deu origem a essa definição da presença [Dasein]. O homem mostra-se como um ente que é na fala. Isso não significa que a possibilidade de articulação verbal seja apenas própria do homem, e sim que o homem se realiza no modo de descoberta de mundo e da própria presença [Dasein]. Os gregos não dispunham de uma palavra própria para linguagem porque entendiam esse fenômeno “sobretudo” como fala. Por outro lado, porque na reflexão filosófica o logos foi visualizado, sobretudo como enunciado, a elaboração das estruturas básicas das formas e dos integrantes da fala se deu de acordo com este logos. A gramática buscou seus fundamentos na “lógica” deste logos. Esta, por sua vez, se funda na ontologia do simplesmente dado. O acervo das “categorias semânticas”, herdado pela linguística posterior e ainda hoje decisivo em seus princípios, orienta-se pela fala entendida como enunciado. Tomando, porém, esse fenômeno em toda a originariedade fundamental e em todo o alcance de um existencial, será necessário transpor a linguística para fundamentos mais originários do ponto de vista ontológico. A tarefa de libertar a gramática da lógica necessita de uma compreensão preliminar e positiva da estrutura a priori da fala como existencial. Essa tarefa não pode ser cumprida subsidiariamente através de correções e complementações do que foi legado pela tradição. Nesse propósito, devem-se questionar as formas fundamentais em que se funda a possibilidade semântica de articulação do que é susceptível de compreensão e não apenas dos entes intramundanos conhecidos teoricamente e expressos em proposições. A semântica não se constitui por si mesma de uma comparação ampla do maior número possível de línguas e das línguas mais distantes entre si. Também não basta assumir o horizonte filosófico em que W.v. Humboldt problematizou a linguagem. A semântica tem suas raízes na ontologia da presença [Dasein]. O seu florescimento ou fenecimento está atrelado ao destino da presença [Dasein]. STMSC: §34

Remontando às estruturas existenciais que compõem a ABERTURA do ser-no-mundo, a interpretação, de certo modo, perdeu de vista a cotidianidade da presença [Dasein]. A análise deve reconquistar mais uma vez o horizonte fenomenal, estabelecido para seu tema. Levanta-se então a pergunta: Quais são os caracteres existenciais da ABERTURA do ser-no-mundo quando o ser-no-mundo cotidiano se detém no modo de ser do impessoal? Será que esse modo de ser possui uma disposição própria e específica, uma compreensão, uma fala e uma interpretação especiais? A resposta a essas perguntas torna-se tanto mais urgente quanto mais se recorda que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] sucumbe ao impessoal e por ele se deixa dominar. Como ser-lançado-no-mundo, não será que a presença [Dasein] foi jogada de saída no caráter público do impessoal? E que mais significa esse ser público do que a ABERTURA específica do impessoal? STMSC: §34

Deve evidenciar-se, numa primeira aproximação, a ABERTURA do impessoal, isto significa, o modo de ser cotidiano da fala, da visão e da interpretação em determinados fenômenos. Com relação a esses fenômenos, não será supérfluo observar que a interpretação tem um propósito puramente ontológico e se mantém muito distante de qualquer crítica moralizante da presença [Dasein] cotidiana e de qualquer aspiração a uma “filosofia da cultura”. STMSC: §34

A fala que pertence à constituição de ser essencial da presença [Dasein] também perfaz a sua ABERTURA. Ela traz a possibilidade de se tornar falação e, com isso, de manter o ser-no-mundo não tanto numa compreensão estruturada, mas de trancar e encobrir os entes intramundanos. Para isso, porém, não necessita da intenção de enganar. A falação não tem o modo de ser em que apresenta conscientemente algo como algo. O que é sem solo ou fundamento já lhe basta para transformar a ABERTURA em fechamento. Pois o que foi dito já foi sempre compreendido como algo “que diz”, ou seja, que descobre. A falação é, pois, por si mesma, um fechamento, devido à sua própria abstenção de retornar à base e ao fundamento do referencial. STMSC: §35

Obstruindo da maneira descrita, a falação constitui o modo de ser da compreensão desenraizada de presença [Dasein]. Ela não se apresenta como estado simplesmente dado de algo simplesmente dado, mas, existencialmente sem raízes, ela mesma é no modo de um contínuo desenraizamento. Do ponto de vista ontológico, isso significa: como ser-no-mundo, a presença [Dasein] que se mantém na falação cortou suas remissões ontológicas primordiais, originárias e legítimas com o mundo, com a co-presença [Dasein] e com o próprio ser-em. Ela se mantém oscilante e, desse modo, sempre é e está junto ao “mundo”, com os outros e consigo mesma. Somente um ente cuja ABERTURA é constituída pela fala compreensiva e sintonizada numa disposição, ou seja, que tenha o seu pre [das Da], que é e está “no-mundo”, nessa constituição ontológica, é que também traz a possibilidade ontológica de um tal desenraizamento. Mais do que um não-ser, esse desenraizamento perfaz sua “realidade” mais cotidiana e mais persistente. STMSC: §35

Durante a análise da compreensão e da ABERTURA do pre [das Da], fez-se referência ao lumen naturale. Denominou-se também a ABERTURA do ser-em de clareira da presença [Dasein]. É somente nessa clareira que se torna possível qualquer visão. A visão foi concebida na perspectiva do modo fundamental de ABERTURA própria à presença [Dasein], ou seja, do compreender no sentido de uma apropriação genuína dos entes com os quais a presença [Dasein] pode relacionar-se e assumir uma atitude segundo suas possibilidades de ser essenciais. STMSC: §36

A falação também rege os caminhos da curiosidade. É ela que diz o que se deve ter lido e visto. Esse estar em toda parte e em parte alguma da curiosidade entrega-se à responsabilidade da falação. Esses dois modos de ser cotidianos da fala e da visão não se acham simplesmente um ao lado do outro em sua tendência de desenraizamento, mas um modo de ser arrasta o outro consigo. A curiosidade, que nada perde, e a falação, que tudo compreende, dão à presença [Dasein], que assim existe, a garantia de “uma vida cheia de vida”, pretensamente autêntica. Com esta pretensão, porém, mostra-se um terceiro fenômeno característico da ABERTURA da presença [Dasein] cotidiana. STMSC: §36

A ambiguidade da interpretação pública proporciona as falas adiantadas e os pressentimentos curiosos com relação ao que propriamente acontece, carimbando assim as realizações e as ações com o selo de retardatário e insignificante. Desse modo, no impessoal, o compreender da presença [Dasein] não vê a si mesmo em seus projetos, no tocante às possibilidades ontológicas autênticas. A presença [Dasein] é e está sempre “por aí” de modo ambíguo, ou seja, por aí na ABERTURA pública da convivência, onde a falação mais intensa e a curiosidade mais aguda controlam o “negócio”, onde cotidianamente tudo e, no fundo, nada acontece. STMSC: §37

Esse modo de ser da ABERTURA do ser-no-mundo também domina inteiramente a convivência como tal. Numa primeira aproximação, o outro “está por aí” pelo que se ouviu impessoalmente dele, pelo que se sabe e se fala a seu respeito. A falação logo se insinua dentre as formas de convivência originária. Todo mundo presta primeiro atenção em como o outro se comporta, no que ele irá dizer. A convivência no impessoal não é, de forma alguma, uma justaposição acabada e indiferente, mas um prestar atenção uns nos outros, ambíguo e tenso. Trata-se de um escutar uns aos outros secretamente. Sob a máscara do ser um para o outro atua o ser um contra o outro. STMSC: §37

A falação, a curiosidade e a ambiguidade caracterizam o modo em que a presença [Dasein] realiza cotidianamente o seu “pre [das Da]”, a ABERTURA de ser-no-mundo. Como determinações existenciais, essas características não são algo simplesmente dado na presença [Dasein], constituindo também o seu ser. Nelas e em seu nexo ontológico, desvela-se um modo fundamental de ser da cotidianidade que denominamos com o termo decadência da presença [Dasein]. STMSC: §38

Tornando-se desse modo tentação, a interpretação pública mantém a presença [Dasein] presa em sua decadência. A falação e a ambiguidade, o já ter visto tudo e já ter compreendido tudo, perfazem a pretensão de que a ABERTURA da presença [Dasein], assim disponível e dominante, seria capaz de lhe assegurar a certeza, a autenticidade e a plenitude de todas as possibilidades de seu ser. A certeza de si mesmo e a decisão do impessoal espalham uma suficiência crescente no tocante à compreensão própria e disposta. A pretensão do impessoal, de nutrir e dirigir toda “vida” autêntica, tranquiliza a presença [Dasein], assegurando que tudo “está em ordem” e que todas as portas estão abertas. O ser-no-mundo da decadência é, em si mesmo, tanto tentador como tranquilizante. STMSC: §38

A questão que orienta este capítulo buscava o ser do pre [das Da]. O tema era a constituição ontológica da ABERTURA, inerente à essência da presença [Dasein]. O modo de ser da ABERTURA forma-se na disposição, no compreender e na fala. O modo de ser cotidiano da ABERTURA caracteriza-se pela falação, curiosidade e ambiguidade. STMSC: §38

Pertence à estrutura ontológica da presença [Dasein] uma compreensão de ser. É sendo que a presença [Dasein] está aberta para si mesma em seu ser. A disposição e o compreender constituem o modo de ser dessa ABERTURA. Existiria, pois, uma disposição compreensiva na presença [Dasein] em que ela estaria aberta para si mesma de modo privilegiado? STMSC: §39

A analítica existencial da presença [Dasein] há de resguardar uma clareza de princípio sobre sua função ontológica fundamental. Por isso, a fim de cumprir a tarefa preliminar de explicitação do ser da presença [Dasein], ela deve buscar uma das possibilidades de ABERTURA mais abrangentes e mais originárias dentro da própria presença [Dasein]. O modo de ABERTURA em que a presença [Dasein] é colocada diante de si mesma deve ser tal que, nele, a presença [Dasein] se faça, de certo modo, acessível de maneira simplificada. Com o que nela se abre deve vir à luz, de forma elementar, a totalidade estrutural do ser que se procura. STMSC: §39

Todo ente é independente de experiência, conhecimento e apreensão através do que ele se abre, descobre e determina. O ser, no entanto, apenas “é” no compreender {CH: mas esse compreender como escuta. Isso, no entanto, nunca significa que “ser” seja apenas “subjetivo” e sim ser (como ser dos entes) como diferença “na” presença [Dasein] enquanto ela é um projetar-se (do projeto)} dos entes a cujo ser pertence a uma compreensão de ser. O ser, portanto, pode não ser concebido, embora jamais seja inteiramente incompreendido. Na problemática ontológica, ser e verdade foram, desde a antiguidade, correlacionados, embora suas razões originárias permaneçam talvez encobertas. Nisso se comprova o nexo necessário entre ser e compreensão {CH: portanto: ser e presença [Dasein]}. A fim de se preparar de modo suficiente a questão do ser, é preciso, por conseguinte, esclarecer ontologicamente o fenômeno da verdade. De imediato, esse esclarecimento se faz com base no que se obteve através da interpretação precedente dos fenômenos de ABERTURA e descoberta, interpretação e enunciado. STMSC: §39

Desse modo, a conclusão da análise fundamental preparatória da presença [Dasein] possui como tema: a disposição fundamental da angústia como ABERTURA privilegiada da presença [Dasein] (§40), o ser da presença [Dasein] como cura (§41), a confirmação da interpretação existencial da presença [Dasein] como cura a partir da própria interpretação pré-ontológica da presença [Dasein] (§42), presença [Dasein], mundanidade e realidade (§43), presença [Dasein], ABERTURA e verdade (§44). STMSC: §39

§40. A disposição fundamental da angústia como ABERTURA privilegiada da presença [Dasein] STMSC: §40

É uma possibilidade ontológica da presença [Dasein] que deverá “descortinar o horizonte” ôntico e explicar a própria presença [Dasein] como ente. Todo descortinar só é possível dentro da ABERTURA constitutiva da presença [Dasein]. E esta se baseia na disposição e no compreender. Em que medida a angústia é uma disposição privilegiada? Será de fato que, na angústia, a presença [Dasein] se coloca diante de si mesma a partir de seu próprio ser, a ponto de, numa perspectiva fenomenológica, o ente revelado na angústia chegar a se determinar em seu ser ou, ao menos, poder preparar adequadamente uma tal determinação? STMSC: §40

Do ponto de vista existenciário, sem dúvida, a propriedade do ser-si-mesmo acha-se na decadência, obstruído e fechado. Esse fechamento, no entanto, é apenas privação de uma ABERTURA que se revela fenomenalmente dado que a fuga da presença [Dasein] é fuga de si mesma. É justamente daquilo de que foge que a presença [Dasein] corre “atrás”. Somente na medida em que, através de sua ABERTURA constitutiva, a presença [Dasein] se coloca essencialmente diante de si mesma é que ela pode fugir de si mesma. Decerto, tanto no desviar-se como no aviar-se, próprios da decadência, não se apreende aquilo de que se foge e nem se faz a sua experiência. No entanto, no desvio de si mesma, descortina-se o “pre [das Da]” da presença [Dasein]. Em razão de seu caráter de ABERTURA, o desvio ôntico-existenciário propicia fenomenalmente a possibilidade de se apreender aquilo de que se foge como tal, de forma ontológico-existencial. Em meio a esse movimento ôntico de “para longe de”, inerente ao desvio, pode-se compreender e conceituar aquilo de que se foge, “aviando-se” para uma interpretação fenomenológica. STMSC: §40

Nessas condições, orientar a análise pelo fenômeno da decadência não exclui, em princípio, a possibilidade de se fazer uma experiência ontológica da presença [Dasein] que se abre nesse fenômeno. Ao contrário, nesse caso, a interpretação não se expõe a uma auto-apreensão artificial da presença [Dasein]. Ela realiza apenas a explicação daquilo que a própria presença [Dasein] abre onticamente. A possibilidade de se chegar ao ser da presença [Dasein], interpretando-se numa repetição e num acompanhamento o compreender dado na disposição, cresce ainda mais quanto mais originário for o fenômeno que funciona metodologicamente como disposição de ABERTURA. De início, dizer que a angústia fornece uma condição desse tipo não passa de mera afirmação. STMSC: §40

Por isso, a angústia também não “vê” um “aqui” e um “ali” determinados, de onde o ameaçador se aproximasse. Que o ameaçador não se encontre em lugar nenhum, isso é o que caracteriza o referente da angústia. Ela não sabe o que é aquilo com que se angustia. “Em lugar nenhum”, porém, não significa um nada meramente negativo. Justamente aí situa-se a região, a ABERTURA do mundo em geral para o ser-em essencialmente espacial. Em consequência, o ameaçador dispõe da possibilidade de não se aproximar a partir de uma direção determinada, situada na proximidade, e isso porque ele já está sempre “por aí”, embora em lugar nenhum. Está tão próximo que sufoca a respiração e, no entanto, encontra-se em lugar nenhum. STMSC: §40

Mais uma vez, a interpretação e a fala cotidianas constituem a prova mais imparcial de que, enquanto disposição fundamental, a angústia constitui uma ABERTURA. Como dissemos anteriormente, a disposição revela “como se está”. Na angústia, se está “estranho”. Com isso se exprime, antes de qualquer coisa, a indeterminação característica em que se encontra a presença [Dasein] na angústia: o nada e o “em lugar nenhum”. Estranheza significa, porém, igualmente “não se sentir em casa”. Na primeira indicação fenomenal da constituição fundamental da presença [Dasein] e no esclarecimento do sentido existencial do ser-em, por oposição ao significado categorial da “interioridade”, determinou-se o ser-em como habitar em..., “estar familiarizado com...” (§12). Esse caráter do ser-em tornou-se a seguir visível, de modo ainda mais concreto, através do público na sua impessoalidade cotidiana, que instala na cotidianidade mediana da presença [Dasein] a certeza tranquila de si mesma e o “sentir-se em casa”. A angústia, ao contrário, retira a presença [Dasein] de seu empenho decadente no “mundo”. Rompe-se a familiaridade cotidiana. A presença [Dasein] se singulariza, mas como ser-no-mundo. O ser-em aparece no “modo” existencial de não sentir-se em casa. É isso o que diz a fala sobre a “estranheza”. STMSC: §40

Pertence, na verdade, à essência de toda disposição abrir, cada vez, todo o ser-no-mundo, segundo todos os seus momentos constitutivos (mundo, ser-em, ser-próprio). Só na angústia subsiste a possibilidade de uma ABERTURA privilegiada uma vez que ela singulariza. Essa singularização retira a presença [Dasein] de sua decadência, revelando-lhe a propriedade e impropriedade como possibilidades de seu ser. Na angústia, essas possibilidades fundamentais da presença [Dasein], que é sempre minha {CH: não egoisticamente, mas lançado para assumir}, mostram-se como elas são em si mesmas, « sem se deixar desfigurar pelo ente intramundano a que, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] se atém. STMSC: §40

O poder-ser, em virtude de que a presença [Dasein] é, possui em si mesmo o modo de ser-no-mundo. Nele reside, portanto, ontologicamente, a remissão ao ente intramundano. A cura é sempre ocupação e preocupação, mesmo que de modo privativo. No querer só se apreende um ente já compreendido, isto é, um ente já projetado em suas possibilidades como ente a ser tratado na ocupação ou a ser cuidado em seu ser na preocupação. É por isso que ao querer sempre pertence algo que se quer, algo que já se determinou a partir daquilo em-virtude-de que se quer. Para a possibilidade ontológica do querer são constitutivos: a ABERTURA prévia do em-virtude-de que (o anteceder-a-si-mesma), a ABERTURA do que se pode ocupar (o mundo como algo em que já se é) e o projeto de compreender da presença [Dasein] num poder-ser para a possibilidade de um ente “que se quis”. No fenômeno do querer, transparece a totalidade subjacente da cura. STMSC: §41

No cumprimento das tarefas preparatórias da analítica existencial da presença [Dasein] surgiu a interpretação do compreender, do sentido e da interpretação. A análise da ABERTURA da presença [Dasein] mostrou, além disso, que, nessa ABERTURA e de acordo com a sua constituição fundamental de ser-no-mundo, a presença [Dasein] desvela-se, de modo igualmente originário, no tocante ao mundo, ao ser-em e ao ser-si-mesmo. Na ABERTURA fática do mundo descobre-se ainda também o ente intramundano. Isso significa: o ser desse ente já é sempre de certo modo conhecido, embora não concebido ontologicamente de maneira adequada. A compreensão pré-ontológica de ser abrange, de certo, todo ente que se abriu na presença [Dasein] de modo essencial, apesar da compreensão de ser em si mesma ainda não conseguir se articular no mesmo grau com os diferentes modos de ser. STMSC: §43

A questão se o mundo é real e se o seu ser pode ser provado, questão que a presença [Dasein] enquanto ser-no-mundo haveria de levantar – e quem mais poderia fazê-lo? – mostra-se, pois, destituída de sentido. Trata-se ademais de uma questão ambígua. Confunde-se e não se chega a distinguir mundo enquanto o contexto do ser-em e “mundo” enquanto ente intramundano em que se empenham as ocupações. No entanto, com o ser da presença [Dasein], o mundo já se abriu de modo essencial; com a ABERTURA de mundo, já se descobriu o “mundo”. Sem dúvida, o ente intramundano no sentido de real, de ser simplesmente dado, pode ficar encoberto. Entretanto, somente com base num mundo já aberto é que o real pode vir a ser descoberto ou ficar encoberto. Coloca-se a questão da “realidade” do “mundo externo” sem se esclarecer previamente o fenômeno do mundo. De fato, o “problema do mundo externo” orienta-se, constantemente, pelos entes intramundanos (coisas e objetos) e, desse modo, todas as discussões conduzem a uma problemática que, do ponto de vista ontológico, é quase indeslindável. STMSC: §43

O mesmo que foi dito acerca da indeterminação ontológica dos fundamentos em Dilthey vale fundamentalmente para essa teoria. A análise ontológica dos fundamentos da “vida” não pode ser acrescentada posteriormente como uma infra-estrutura. É ela que sustenta, tenta e condiciona a análise da realidade, bem como toda explicação do conjunto das resistências e de suas pressuposições fenomenais. Resistência vem ao encontro como não deixar passar..., como impedimento da vontade de passar... com isso, no entanto, abre-se algo pelo que impulso e vontade se empenham. A indeterminação ôntica desse pelo que se empenham não pode ser ontologicamente desconsiderada e compreendida como um nada. O próprio empenho... que se depara com resistência, e é o único que pode se deparar, já se acha junto a uma totalidade conjuntural. A sua descoberta, porém, funda-se na ABERTURA do todo referencial da significância. Do ponto de vista ontológico, a experiência de resistência, ou seja, a descoberta daquilo que resiste a um esforço, só é possível com base na ABERTURA de mundo. O conjunto das resistências caracteriza o ser dos entes intramundanos. As experiências de resistência apenas determinam faticamente o alcance e a direção da descoberta dos entes intramundanos que vêm ao encontro. A ABERTURA de mundo não é introduzida pela sua soma, mas, ao contrário, pressuposta. Em sua possibilidade ontológica, o “ser-contra” e o “ser oposto” são sustentados pelo ser-no-mundo que já se abriu. STMSC: §43

§44. Presença, ABERTURA e verdade STMSC: §44

Entretanto, a análise anterior da mundanidade do mundo e dos entes intramundanos mostrou que a descoberta dos entes intramundanos funda-se na ABERTURA de mundo. ABERTURA, porém, é o modo fundamental da presença [Dasein] segundo o qual ela é o seu pre [das Da]. A ABERTURA constitui-se de disposição, de compreender e de fala, referindo-se, de maneira igualmente originária, ao mundo, ao ser-em e ao ser-si-mesmo. A estrutura da cura enquanto anteceder-a-si-mesma-no-já-estar-num-mundo-como ser-junto aos entes intramundanos, resguarda em si a ABERTURA da presença [Dasein]. Com ela e por ela é que se dá a descoberta. Por isso, somente com a ABERTURA da presença [Dasein] é que se alcança o fenômeno mais originário da verdade. O que antes se demonstrou quanto à constituição existencial do pre [das Da] e com referência ao seu ser cotidiano referia-se ao fenômeno mais originário da verdade. Sendo essencialmente a sua ABERTURA, abrindo e descobrindo o que se abre, a presença [Dasein] é essencialmente “verdadeira”. A presença [Dasein] é e está “na verdade”. Esse enunciado possui sentido ontológico. Não significa que onticamente a presença [Dasein] tenha sido introduzida sempre ou apenas algumas vezes “em toda a verdade”, mas indica que a ABERTURA de seu ser mais próprio pertence à sua constituição existencial. STMSC: §44

1. A ABERTURA em geral pertence essencialmente à constituição de ser da presença [Dasein]. Abrange a totalidade da estrutura ontológica que se explicitou no fenômeno da cura. À cura pertence não apenas o ser-no-mundo, mas também o ser e estar junto aos entes intramundanos. Juntamente com o ser da presença [Dasein] e a sua ABERTURA se dá, de maneira igualmente originária, a descoberta dos entes intramundanos. STMSC: §44

2. O estar-lançado pertence à constituição de ser da presença [Dasein] como constitutivo de sua ABERTURA. Nele desvela-se que a presença [Dasein] já é sempre minha e isso num mundo determinado e junto a um âmbito determinado de entes intramundanos determinados. A ABERTURA é, em sua essência, fática. STMSC: §44

3. O projeto pertence à constituição de ser da presença [Dasein]: do ser que se abre para o seu poder-ser. Como um em compreendendo, a presença [Dasein] pode compreender-se tanto a partir do “mundo” e dos outros entes quanto a partir de seu poder-ser mais próprio. Esta última possibilidade diz: a presença [Dasein] abre-se para si mesma em seu poder-ser mais próprio e como tal. Esta ABERTURA própria mostra o fenômeno da verdade mais originária no modo da propriedade. A verdade da existência é a ABERTURA mais originária e mais própria que o poder-ser da presença [Dasein] pode alcançar. Ela só poderá receber sua determinação ontológico-existencial no contexto de uma análise da propriedade da presença [Dasein]. STMSC: §44

Da interpretação ontológico-existencial do fenômeno da verdade resultou, portanto: 1. Verdade no sentido mais originário é a ABERTURA da presença [Dasein] à qual pertence a descoberta dos entes intramundanos. 2. A presença [Dasein] é e está, de modo igualmente originário, na verdade e na não-verdade. STMSC: §44

No horizonte da interpretação tradicional do fenômeno da verdade, essas proposições só podem ser {CH: assim nunca são entendidas} inteiramente entendidas quando se mostra que: 1. Compreendida como concordância, verdade tem sua origem na ABERTURA, e isso através de uma modificação determinada. 2. O próprio modo de ser da ABERTURA propicia que, primeiro, se faça visível sua modificação derivada e que vigore a explicação teórica da estrutura da verdade. STMSC: §44

O enunciado e sua estrutura, o como apofântico, fundam-se na interpretação e em sua estrutura, o como hermenêutico e, a seguir, no compreender, a ABERTURA da presença [Dasein]. A verdade, porém, vale como determinação privilegiada do enunciado assim derivado. Então, as raízes da verdade dos enunciados alcançam novamente a ABERTURA do compreender. Além dessa indicação acerca da proveniência da verdade dos enunciados deve-se, no entanto, mostrar expressamente o fenômeno da concordância em seu caráter derivado. STMSC: §44

O ser junto ao ente intramundano, a ocupação, é descobridor. A fala, porém, pertence essencialmente à ABERTURA da presença [Dasein]. A presença [Dasein] se pronuncia; se – enquanto ser-descobridor para o ente. É no enunciado que ela se pronuncia como tal sobre o ente descoberto. O enunciado comunica o ente no modo de sua descoberta. Na percepção, a presença [Dasein] que percebe essa comunicação traz a si mesma para o ser-descobridor com a referência ao ente discutido. Naquilo sobre o que o enunciado se pronuncia está contida a descoberta dos entes. A descoberta preserva-se no que se pronuncia. O que se pronuncia torna-se, por assim dizer, um manual intramundano que pode ser retomado e propagado. Por preservar a descoberta, o que se pronuncia e assim se acha à mão traz, em si mesmo, uma remissão ao ente sobre o qual todo enunciado se pronuncia. Descoberta é sempre descoberta de... Mesmo na repetição, a presença [Dasein] que repete chega a um ser para o próprio ente discutido. Contudo, ela é e se acredita dispensada de realizar originariamente o descobrimento. STMSC: §44

O fenômeno existencial da descoberta, que se funda na ABERTURA da presença [Dasein], transforma-se em propriedade simplesmente dada, que ainda guarda em si um caráter de relação e, como tal, torna-se uma relação simplesmente dada. Verdade como ABERTURA e ser-descobridor, no tocante ao ente descoberto, transforma-se em verdade como concordância entre seres simplesmente dados dentro do mundo. Com isso, fica demonstrado o caráter ontologicamente derivado do conceito tradicional de verdade. STMSC: §44

A tese de que o “lugar” genuíno da verdade é o juízo não apenas é erroneamente atribuída a Aristóteles como constitui, no que respeita a seu conteúdo, um desconhecimento da estrutura da verdade. O enunciado não é o “lugar” primário da verdade. Ao contrário, o enunciado, enquanto modo de apropriação da descoberta e enquanto modo de ser-no-mundo, funda-se no descobrimento ou na ABERTURA da presença [Dasein]. A “verdade” mais originária é o “lugar” do enunciado e a condição ontológica de possibilidade para que o enunciado possa ser verdadeiro ou falso (possa ser descobridor ou encobridor). STMSC: §44

Enquanto constituída pela ABERTURA, a presença [Dasein] é e está essencialmente na verdade. A ABERTURA é um modo de ser essencial da presença [Dasein]. Só “se dá” verdade à medida que e enquanto a presença [Dasein] é. Só então o ente é descoberto e ele só se abre enquanto a presença [Dasein] é. As leis de Newton, o princípio de contradição, toda verdade em geral só é verdade enquanto a presença [Dasein] é. Antes da presença [Dasein] e depois da presença [Dasein] não havia verdade e não haverá verdade porque, nesse caso, a verdade não pode ser enquanto ABERTURA, descoberta e descobrimento. Antes das leis de Newton serem descobertas, elas não eram “verdadeiras”; daí não se segue, porém, que fossem falsas nem que seriam falsas se, do ponto de vista ôntico, nenhuma descoberta fosse mais possível. Do mesmo modo, essa “limitação” não contém uma diminuição do ser-verdadeiro das “verdades”. STMSC: §44

O que diz “pressupor”? Compreender alguma coisa como a base e o fundamento do ser de um outro ente. Essa compreensão dos entes em seus nexos ontológicos só é possível com base na ABERTURA, ou seja, no ser-descobridor da presença [Dasein]. Pressupor “verdade” significa, pois, compreendê-la como algo em virtude da qual a presença [Dasein] é. Presença, no entanto – e isso reside na constituição de ser como cura – já sempre antecedeu a si mesma. Ela é um ente em que, em seu ser, está em jogo o poder-ser mais próprio. A ABERTURA e o descobrimento pertencem, de modo essencial, ao ser e ao poder-ser da presença [Dasein] como ser-no-mundo. Na presença [Dasein] está em jogo o seu poder-ser-no-mundo e, com isso, a ocupação que descobre na circunvisão o ente intramundano. Na constituição de ser da presença [Dasein] como cura, no anteceder-a-si mesma, reside o “pressupor” mais originário. Porque esse pressupor a si mesmo pertence ao ser da presença [Dasein], “nós” devemos pressupor também a “nós” como algo que se determina pela ABERTURA. Esse “pressupor” radicado no ser da presença [Dasein] não se comporta com os entes não dotados do caráter de presença [Dasein], mas unicamente consigo mesmo. A verdade pressuposta, o “se dá”, pelo qual se deve determinar o seu ser, possui o modo e o sentido de ser da própria presença [Dasein]. Devemos “fazer” a pressuposição de verdade porque ela já se “fez” com o ser do “nós”. STMSC: §44

Devemos pressupor a verdade. Ela deve ser enquanto ABERTURA da presença [Dasein] assim como em si mesma esta deve ser esta e sempre minha. Isso pertence ao estar-lançado no mundo, essencial à presença [Dasein]. Será que a presença [Dasein] já sempre se decidiu livremente enquanto si mesma e sempre poderá decidir se quer ou não vir à “presença [Dasein]”? “Em si” não se pode perceber por que o ente deve ser descoberto, por que deve haver verdade e presença [Dasein]. A objeção corriqueira do ceticismo, a negação do ser ou da possibilidade de se conhecer a “verdade” estão a meio caminho. Na argumentação formal, ela mostra pura e simplesmente que, ao se julgar, pressupõe-se a verdade. É a indicação de que a “verdade” pertence ao enunciado, a indicação de que, em seu modo de ser, o enunciado é um descobrimento. Com isso se deixa não esclarecido por que isso deve ser assim e onde se encontra o fundamento ontológico desse nexo ontológico necessário entre enunciado e verdade. Do mesmo modo, permanecem inteiramente obscuros o modo de ser da verdade, o sentido de pressupor e de seu fundamento ontológico na presença [Dasein]. Ademais, desconsidera-se que, mesmo quando ninguém emite um juízo, já se pressupõe a verdade na medida em que a presença [Dasein] é. STMSC: §44

O ser da verdade encontra-se num nexo originário com a presença [Dasein]. E somente porque a presença [Dasein] é, enquanto o que se constitui pela ABERTURA, ou seja, pelo compreender, é que se pode compreender ser, e uma compreensão de ser torna-se possível. STMSC: §44

O que se conquistou e o que se busca na análise preparatória da presença [Dasein]? O que achamos foi a constituição fundamental desse ente tematizado, isto é, o ser-no-mundo, cujas estruturas essenciais estão centradas na ABERTURA. A totalidade desse todo estrutural desvelou-se como cura. Nela encontra-se inserido o ser da presença [Dasein]. A análise desse ser tomou como fio condutor a existência que, numa concepção prévia, foi determinada como essência da presença [Dasein]. Enunciado formalmente, isso significa: enquanto poder-ser que compreende, a presença [Dasein] é o que, sendo, está em jogo como seu próprio ser. O ente, que desse modo está sendo, é sempre eu mesmo. A elaboração do fenômeno da cura permitiu vislumbrar a constituição concreta da existência, ou seja, em seu nexo igualmente originário com a facticidade e a decadência da presença [Dasein]. STMSC: §45

Não é, porém, de forma ocasional ou suplementar que a presença [Dasein] realiza para si essa possibilidade mais própria, irremissível e insuperável, no curso de seu ser. Em existindo, a presença [Dasein] já está lançada nessa possibilidade. De início e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] não possui nenhum saber explícito ou mesmo teórico de que ela se ache entregue à sua morte e que a morte pertença ao ser-no-mundo. É na disposição da angústia que o estar-lançado na morte se desvela para a presença [Dasein] de modo mais originário e penetrante. A angústia com a morte é angústia “com” o poder-ser mais próprio, irremissível e insuperável. O próprio ser-no-mundo é aquilo com que ela se angustia. O porquê dessa angústia é o puro e simples poder-ser da presença [Dasein]. Não se deve confundir a angústia com a morte e o medo de deixar de viver. Enquanto disposição fundamental da presença [Dasein], a angústia não é um humor “fraco”, arbitrário e casual de um indivíduo singular e sim a ABERTURA de que, como ser-lançado, a presença [Dasein] existe para seu fim. Assim, esclarece-se o conceito existencial da morte como ser-lançado para o poder-ser mais próprio, irremissível e insuperável. com isso, ganha nitidez a delimitação frente a um mero desaparecer, a um mero finar ou ainda a uma “vivência” do deixar de viver. STMSC: §50

Estar-certo de um ente significa: ter por verdadeiro enquanto verdadeiro. Todavia, verdade significa descoberta de um ente. Toda descoberta funda-se, ontologicamente, na verdade mais originária, a saber, na ABERTURA da presença [Dasein]. Enquanto ente aberto – que abre e descobre, a presença [Dasein] está essencialmente “na verdade”. A certeza, porém, ou está fundada na verdade ou a ela pertence de modo igualmente originário. Assim como o termo “verdade”, a expressão “certeza” possui um duplo significado. Originariamente, verdade diz a atitude descobridora da presença [Dasein]. O significado aqui derivado é o de descoberta dos entes. De modo correspondente, a certeza significa, originariamente, um modo de ser da presença [Dasein], ou seja, o estar-certo. Em sentido derivado, também o ente do qual a presença [Dasein] pode ter certeza é chamado de “certo”. STMSC: §52

A suficiência do ter-por-verdadeiro mede-se pela pretensão de verdade a que pertence. Esta pretensão legitima-se pelo modo de ser desse ente a se abrir e da direção da ABERTURA. Com a diferença entre os entes e de acordo com a tendência orientadora e o alcance desse abrir, o modo da verdade e também da certeza se transforma. A consideração precedente limita-se a uma análise do estar-certo diante da morte que, em última instância, expõe uma privilegiada certeza da presença [Dasein]. STMSC: §52

A presença [Dasein] constitui-se pela ABERTURA, isto é, por uma compreensão determinada por disposições. Ser-para-a-morte em sentido próprio não pode escapar da possibilidade mais própria e irremissível e, nessa fuga, encobri-la e alterar o seu sentido em favor da compreensão do impessoal. O projeto existencial de um ser-para-a-morte em sentido próprio deve, portanto, elaborar os momentos desse ser que o constituem como compreensão da morte, no sentido de um ser para a possibilidade caracterizada, que nem foge e nem encobre. STMSC: §53

Ser-para-a-morte é antecipar o poder-ser de um ente cujo modo de ser é, em si mesmo, o antecipar. Ao desvelar numa antecipação esse poder-ser, a presença [Dasein] abre-se para si mesma, no tocante à sua possibilidade mais extrema. Projetar-se para seu poder-ser mais próprio significa, contudo: poder compreender-se no ser de um ente assim desvelado: existir. A antecipação comprova-se como possibilidade de compreender seu poder-ser mais próprio e mais extremo, ou seja, enquanto possibilidade de existir em sentido próprio. A sua constituição ontológica deve fazer-se visível com a elaboração da estrutura concreta do antecipar da morte. Como se cumpre a delimitação fenomenal dessa estrutura? Manifestamente no modo em que determinarmos os caracteres de sua ABERTURA antecipadora a fim de se poder compreender puramente a possibilidade mais própria, irremissível, insuperável, certa e, como tal, indeterminada. Deve-se ainda atentar a que, primariamente, compreender não diz agarrar um sentido, mas compreender-se em suas possibilidades de ser, desveladas no projeto. STMSC: §53

A possibilidade mais própria, irremissível e insuperável é certa. O modo de ser certa determina-se a partir da verdade (ABERTURA) que lhe corresponde. A possibilidade certa da morte abre a presença [Dasein] como possibilidade apenas no sentido de, antecipando-a, essa possibilidade possibilitar a si mesma como o poder-ser mais próprio de si. A ABERTURA da possibilidade funda-se no possibilitar antecipador. Manter-se nessa verdade, ou seja, estar certo do que se abriu, exige justamente o antecipar. A certeza da morte não pode ser computada a partir da constatação de casos de morte ocorrentes. Ela não se detém, de forma alguma, numa verdade do ser simplesmente dado que, no tocante à sua descoberta, se dá ao encontro, no sentido mais puro, num deixar vir ao encontro meramente contemplativo dos entes em si mesmos. Para se alcançar a coisalidade, ou seja, a indiferença da evidência apodítica, a presença [Dasein] precisa, primeiramente, perder-se na conjuntura das coisas – o que pode até constituir uma tarefa e uma possibilidade da cura. Se o estar-certo da morte não possui esse caráter, não significa que ele tenha um grau inferior, mas que: ele não pertence, de modo algum, à ordem de gradações das evidências sobre o ser simplesmente dado. STMSC: §53

A possibilidade mais própria, irremissível, insuperável e certa é, no tocante à certeza, indeterminada. Como o antecipar abre esse caráter da possibilidade privilegiada da presença [Dasein]? Como a compreensão antecipadora projeta-se para um certo poder-ser constantemente possível, de maneira que sempre fique indeterminado quando a absoluta impossibilidade da existência tornar-se-á enfim possível? No antecipar para a morte certa mas indeterminada, a presença [Dasein] abre-se para uma ameaça que sempre emerge de seu próprio pre [das Da]. O ser para o fim deve manter-se nessa ameaça e não pode apagá-la, mas, ao contrário, ela é que deve construir a indeterminação da certeza. Como é possível, do ponto de vista existencial, a ABERTURA genuína dessa ameaça permanente? Todo compreender se dá numa disposição. O humor lança a presença [Dasein] para o estar-lançado de seu “que ela é pre [das Da]-sença”. A angústia, porém, é a disposição que permite que se mantenha aberta a ameaça absoluta e insistente de si mesmo, que emerge do ser mais próprio e singular da presença [Dasein]. Na angústia, a presença [Dasein] dispõe-se frente ao nada da possível impossibilidade de sua existência. A angústia se angustia pelo poder-ser daquele ente assim determinado, abrindo-lhe a possibilidade mais extrema. Porque o antecipar simplesmente singulariza a presença [Dasein] e, nessa singularização, torna certa a totalidade de seu poder-ser, a disposição fundamental da angústia pertence ao compreender de si mesma, própria da presença [Dasein]. O ser-para-a-morte é, essencialmente, angústia {CH: mas não apenas angústia e muito menos angústia como mera emoção}. Isso é testemunhado, de modo indubitável, embora “apenas” indireto, pelo ser-para-a-morte já caracterizado, quando a angústia se faz medo covarde e, superando, denuncia a covardia à angústia. STMSC: §53

A consciência dá “algo” a compreender, ela abre. Dessa caracterização formal surge a indicação de se reconduzir o fenômeno para a ABERTURA da presença [Dasein]. Essa constituição fundamental daquele ente que nós mesmos somos constitui-se de disposição, compreensão, decadência e fala. A análise mais profunda da consciência a desvela como apelo. O apelo é um modo de fala. O apelo da consciência possui o caráter de interpelação da presença [Dasein] para o seu poder-ser-si-mesmo mais próprio e isso no modo de fazer apelo para o seu ser e estar em dívida mais próprio. STMSC: §54

A análise {CH: aqui se confundem necessariamente várias coisas: 1) o apelo do que chamamos consciência; 2) o ser interpelado: 3) a experiência desse ser; 4) a interpretação comum da tradição; 5) a maneira em que disso se desincumbe} da consciência parte de um dado indiferente, a saber, de que ela, de algum modo, dá algo a compreender. A consciência abre, pertencendo, assim, ao âmbito dos fenômenos existenciais que constituem o ser do pre [das Da] como ABERTURA. Foram discutidas e interpretadas as estruturas mais gerais de disposição, compreender, fala e decadência. Colocar a consciência nesse contexto fenomenal não significa aplicar esquematicamente as estruturas antes obtidas a um “caso” particular de ABERTURA da presença [Dasein]. A interpretação da consciência haverá não apenas de ampliar a análise anterior da ABERTURA do pre [das Da] mas, sobretudo, de apreendê-la de forma mais originária com vistas ao ser próprio da presença [Dasein]. STMSC: §55

Através da ABERTURA, o ente que chamamos presença [Dasein] está na possibilidade de ser o seu pre [das Da]. Com o seu mundo, ele é, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, uma presença [Dasein] para si mesmo, e isso de tal modo que, a partir do “mundo” das ocupações, ele já abriu para si mesmo o poder-ser. O poder-ser em que a presença [Dasein] existe sempre já se entregou a determinadas possibilidades. E isso porque se trata de um ente lançado. Este estar-lançado acha-se aberto pela determinação da afinação do humor, de modo mais ou menos penetrante e claro. O compreender pertence, de forma igualmente originária, à disposição (humor). Por isso a presença [Dasein] “sabe” {CH: pretende sabê-lo} a quantas ela mesma anda na medida em que se projetou em possibilidades de si mesma ou, afundando-se no impessoal, recebeu da interpretação pública do impessoal as suas possibilidades. Essa recepção, no entanto, só é existencialmente possível porque a presença [Dasein], enquanto ser-com em compreendendo, pode escutar {CH: de onde provém esse ouvir e poder ouvir? O ouvir sensível dos ouvidos como um modo lançado de aceitação} os outros. Perdendo-se no teor público do impessoal e na sua falação, a presença [Dasein], ao escutar o impessoalmente si mesmo, não dá ouvidos ao próprio de si mesma. Para a presença [Dasein] retirar-se da perdição em que não dá ouvidos – retirar-se por ela mesma – ela deve primeiro poder encontrar a si enquanto o que não deu ouvidos a si mesma, por ter dado ouvidos ao impessoal. Esse último dar ouvidos deve ser rompido, ou seja, a própria presença [Dasein] deve dar a si a possibilidade de uma escuta que o interrompa. A possibilidade dessa interrupção reside em ser interpelada sem mediação. Esse apelo rompe o dar ouvidos ao impessoal em que a presença [Dasein] não dá ouvidos quando, de acordo com seu próprio caráter, desperta uma escuta que, em tudo, se contrapõe à escuta perdida. Se este se caracteriza pelo “ruído” da ambiguidade múltipla e variada da falação cotidianamente “nova”, o apelo deve apelar sem ruído, sem ambiguidade, sem apoiar-se na curiosidade. O que assim apelando se dá a compreender é a consciência. STMSC: §55

Apreendemos o apelo como modo da fala. Esta articula a compreensibilidade. A caracterização da consciência como apelo não é, absolutamente, apenas uma “imagem” como a representação kantiana do tribunal da consciência. Devemos lembrar que a verbalização não é essencial nem para a fala e nem para o apelo. Pois todo pronunciamento e todo “apelamento” já pressupõem a fala. Se a interpretação cotidiana conhece uma “voz” da consciência, não se pensa tanto numa verbalização, que de fato nunca chega {CH: uma voz que não “ouvimos” sensivelmente} a se constatar, mas se entende a “voz” como o que dá a compreender. Na tendência de ABERTURA do apelo, insere-se um momento de impacto, de sobressalto {CH: mas também aquilo que detém} brusco. O apelo vem de longe e apela para longe. Só é atingido pelo apelo quem quer {CH: quem se distanciou do próprio si-mesmo} recuperar-se. STMSC: §55

Com essa caracterização da consciência, porém, esboçou-se apenas o horizonte fenomenal para a análise de sua estrutura existencial. Não é que se compare o fenômeno a um apelo mas, enquanto fala, o fenômeno é compreendido a partir da ABERTURA constitutiva da presença [Dasein]. Esta consideração evita, desde o início, o caminho que imediatamente se oferece para uma interpretação da consciência: aquele em que se reconduz a consciência a uma das faculdades da alma, entendimento, vontade ou sentimento, ou a explica como uma mistura desses elementos. Face a um fenômeno como a consciência {CH: a saber, de sua proveniência no ser-si-mesmo; mas não será que até agora não passou de uma afirmação?}, salta logo aos olhos a insuficiência ontológico-antropológica da classificação das faculdades da alma ou dos atos pessoais. STMSC: §55

À fala pertence aquilo sobre o que se fala. A fala dá indicações sobre algo e isso numa determinada perspectiva. A fala retira o que ela diz como essa fala daquilo sobre que fala como tal. Na fala, enquanto comunicação, isso é o que se torna acessível à co-presença [Dasein] dos outros, na maior parte das vezes, através da verbalização da língua. O que no apelo da consciência constitui o referido da fala, ou seja, o interpelado? Manifestamente a própria presença [Dasein]. Essa resposta é tão indiscutível quanto indeterminada. Mesmo que o apelo tivesse uma meta tão vaga, ele ainda seria para a presença [Dasein] um motivo de prestar atenção a si mesma. Pertence à presença [Dasein], no entanto, de modo essencial, que, com a ABERTURA de seu mundo, ela está aberta para si mesma, de tal modo que ela sempre já se compreende. O apelo alcança a presença [Dasein] nesse movimento de sempre já se ter compreendido na cotidianidade mediana das ocupações. O impessoalmente si mesmo do ser-com os outros nas ocupações é também alcançado pelo apelo. STMSC: §56

O que o apelo abre é, não obstante, unívoco e preciso, mesmo que possa sofrer interpretações diversas, segundo as possibilidades de compreensão de cada presença [Dasein] singular. Apesar da aparente indeterminação do conteúdo do apelo não se pode deixar de considerar a direção segura com que o apelo intervém. O apelo não necessita primeiro buscar, tateando, o interpelado. Não necessita de nenhum sinal que designe ser ele o visado. Na consciência, os “enganos” não surgem de uma falha do apelo, mas somente do modo em que se escuta o apelo – de que, ao invés de ser propriamente compreendido, o apelo é arrastado pelo impessoalmente si mesmo para uma conversa negociadora consigo mesmo, desviando-se, assim, de sua tendência de ABERTURA. STMSC: §56

Que a presença [Dasein] seja faticamente, esse que ela é já está aberto para a presença [Dasein], não obstante o seu porquê possa manter-se velado. O estar-lançado desse ente pertence à ABERTURA do “pre [das Da]” e se desvela constantemente em cada disposição. Este leva a presença [Dasein], de forma mais ou menos explícita e própria, para diante desse “que” (ela é) enquanto o ente que tem de ser o que é e pode ser”. Na maior parte das vezes, porém, o humor fecha o estar-lançado. A presença [Dasein] foge desse estar-lançado para a facilidade da liberdade pretendida pelo impessoalmente-si-mesmo. Caracterizou-se essa fuga como fuga da estranheza que, no fundo, determina a singularidade do ser-no-mundo. A estranheza desvela-se propriamente na disposição fundamental da angústia e, enquanto ABERTURA mais elementar da presença [Dasein] lançada, coloca o seu ser-no-mundo diante do nada do mundo com o qual ela se angustia na angústia por seu poder-ser mais próprio. E se, dispondo no fundo de sua estranheza, a presença [Dasein] fosse quem apela o apelo da consciência? STMSC: §57

Já indicamos a resposta para essas questões com a seguinte tese: o apelo não “diz” nada que se pudesse discutir. Não oferece nenhum conhecimento a respeito de dados. O apelo coloca a presença [Dasein] diante de seu poder-ser e isso enquanto apelo proveniente da estranheza. É indeterminado quem apela – mas o lugar de onde ele apela não é indiferente para o apelo. No apelo, esse lugar de onde – a estranheza da singularidade lançada – é convocado, ou seja, abre-se conjuntamente. Na apelação para..., o lugar de onde provém o apelo é o lugar para onde se destina a reclamação. O apelo não dá a compreender um poder-ser ideal e universal; ele abre o poder-ser como a singularidade de cada presença [Dasein]. O caráter de ABERTURA do apelo só se determina plenamente na sua compreensão de reclamação que apela. Somente orientando-se por essa apreensão do apelo é que se deve perguntar o que ele dá a compreender. STMSC: §58

Com isso, perde em força a objeção de que a interpretação existencial desconsideraria que o apelo da consciência se referia cada vez a um determinado ato “realizado” ou que se dá na vontade. Não se pode negar que, com frequência, o apelo é experimentado nessa tendência. Permanece, no entanto, a questão se essa experiência do apelo permite que ele se faça “apelamento” em toda a sua plenitude. A interpretação comum pode pretender sustentar-se nos “fatos”, limitando, nessa sua compreensão, a abrangência de ABERTURA do apelo. A “boa” consciência se presta tão pouco a um “farisaísmo” quanto se pode reduzir a função da “má” consciência a uma indicação de culpabilizações possíveis, simplesmente dadas ou reprimidas. Pois é como se a presença [Dasein] fosse um “orçamento doméstico” cujas dívidas só precisariam ser quitadas para o si-mesmo poder ficar, como espectador passivo, “ao lado” dessas sequências de vivências. STMSC: §59

Enquanto compreender-se no poder-ser mais próprio, o querer-ter-consciência é um modo de ABERTURA da presença [Dasein]. Além do compreender, esta se constitui de disposição e fala. O compreender existenciário significa: projetar-se para a possibilidade fática cada vez mais própria do poder-ser-no-mundo. Poder-ser, porém, só pode ser compreendido em existindo nessa possibilidade. STMSC: §60

O terceiro momento essencial da ABERTURA é a fala. Entendido como fala originária da presença [Dasein], o apelo exclui toda e qualquer fala contrária, algo no sentido de uma discussão negociadora do que diz a consciência. A escuta compreensiva do apelo recusa a fala contrária não porque essa escuta fosse atropelada por um “poder obscuro” e repressor mas por se apropriar, sem encobrimentos, do conteúdo do apelo. O apelo apresenta o insistente ser e estar em dívida, retirando, assim, o si-mesmo da algazarra da compreensão impessoal. Por isso a silenciosidade é o modo de articulação da fala que pertence ao querer-ter-consciência. Caracterizou-se o silêncio como possibilidade essencial da fala. Aquele que, silenciando, quer dar a compreender, deve “ter algo a dizer”. Na interpelação, a presença [Dasein] dá a compreender o seu poder-ser mais próprio. Por isso, o apelo é um silêncio. A fala da consciência nunca chega a articular-se. A consciência só apela em silêncio, ou seja, o apelo provém da mudez da estranheza e reclama a presença [Dasein] apelada para aquietar-se na quietude de si mesma. É só na silenciosidade, portanto, que o querer-ter-consciência compreende, adequadamente, essa fala silenciosa. A silenciosidade retira a palavra da falação e da compreensão impessoal. STMSC: §60

A ABERTURA da presença [Dasein] subsistente no querer-ter-consciência é constituída, portanto, pela disposição da angústia, pela compreensão enquanto projetar-se para o ser e estar em dívida mais próprio e pela fala enquanto silenciosidade. Chamamos de decisão essa ABERTURA privilegiada e própria, testemunhada pela consciência na própria presença [Dasein], ou seja, o projetar-se silencioso e pronto a angustiar-se para o ser e estar em dívida mais próprio. STMSC: §60

A decisão é um modo privilegiado de ABERTURA da presença [Dasein]. A ABERTURA já foi interpretada, existencialmente, como verdade originária. Primariamente, esta não é, em absoluto, uma qualidade do “juízo” e nem tampouco de um determinado comportamento, mas um constitutivo essencial do ser-no-mundo. Verdade deve ser concebida como um existencial fundamental. O esclarecimento ontológico da sentença: “a presença [Dasein] é e está na verdade” mostrou a ABERTURA originária desse ente na verdade da existência e, no tocante à sua delimitação, remeteu à análise da propriedade da presença [Dasein]. STMSC: §60

Com a decisão conquistamos, agora, a verdade mais originária da presença [Dasein] porque a mais própria. A ABERTURA do pre [das Da] abre, cada vez de modo igualmente originário, a totalidade do ser-no-mundo, ou seja, o mundo, o ser-em e o si-mesmo que esse ente é enquanto “eu sou”. Com a ABERTURA do mundo, sempre já se descobriram entes intramundanos. A descoberta do que está à mão e do que é simplesmente dado funda-se na ABERTURA de mundo; pois a liberação do todo conjuntural de qualquer manual exige um pre [das Da]-compreender da significância. Compreendendo-a, a presença [Dasein] ocupada numa circunvisão remete para o que vem ao encontro da mão. O compreender da significância como ABERTURA de cada mundo funda-se, assim, no compreender em virtude de... a que está remetida toda descoberta da totalidade conjuntural. O abrigo, a manutenção, o abandono de suas funções são possibilidades constantes e imediatas da presença [Dasein] para as quais esse ente, em que está em jogo seu ser, sempre já se projetou. Lançada em seu “pre [das Da]”, a presença [Dasein] já está sempre faticamente remetida a um “mundo” determinado, o seu. Junto com ele, os projetos são faticamente conduzidos da perdição nas ocupações para o impessoal. Essa perdição pode ser interpelada pelo próprio de cada presença [Dasein], e a interpelação pode ser compreendida no modo da decisão. Essa ABERTURA própria, porém, modifica, de forma igualmente originária, a descoberta do “mundo” e a ABERTURA da co-presença [Dasein] dos outros nela fundada. Quanto a seu “conteúdo”, o “mundo” à mão não se torna um outro mundo, o círculo dos outros não se modifica, embora, agora, o ser-para o que está à mão, no modo de compreender e ocupar-se, e o ser-com da preocupação com os outros sejam determinados a partir de seu poder-ser mais próprio. STMSC: §60

A decisão não desprende a presença [Dasein], enquanto ser-si-mesmo mais próprio, de seu mundo, ela não a isola num eu solto no ar. E como poderia, se a presença [Dasein], no sentido de ABERTURA própria, nada mais é propriamente do que ser-no-mundo? A decisão traz o si-mesmo justamente para o ser que sempre se ocupa do que está à mão e o empurra para o ser-com da preocupação com os outros. STMSC: §60

No termo situação (posição, condição – “estar em posição de..., estar em condições de...” ), inclui-se um significado espacial. Não pretendemos eliminá-lo do conceito existencial. Pois ele também se acha no “pre [das Da]” da presença [Dasein]. Pertence ao ser-no-mundo uma espacialidade própria, anteriormente caracterizada nos fenômenos de distanciamento e direcionamento. Existindo faticamente, a presença [Dasein] “se arruma”. A espacialidade que possui o caráter de presença [Dasein] e sobre cujas bases a existência determina a cada vez o seu “lugar” funda-se, contudo, na constituição de ser-no-mundo. O constitutivo primordial dessa constituição é a ABERTURA. Assim como a espacialidade do pre [das Da] funda-se na ABERTURA, a situação também está fundada na decisão. Cada vez a situação é o pre [das Da], o aberto na decisão, que o ente que existe é. A situação não é a moldura simplesmente dada em que a presença [Dasein] ocorre ou apenas se coloca. Longe de um amálgama simplesmente dado de circunstâncias e acasos, a situação é somente pela e na decisão. Somente decidida para o pre [das Da] em que ela mesma tem de ser em existindo é que se lhe abre, cada vez, o caráter faticamente conjuntural das circunstâncias. Somente para a decisão é que pode ocorrer aquilo que chamamos de acaso, ou seja, o que lhe cai a partir do mundo circundante e do mundo compartilhado. STMSC: §60

A decisão conduz o ser do pre [das Da] à existência de sua situação. A decisão, porém, delimita a estrutura existencial do poder-ser próprio, testemunhado na consciência, isto é, do querer-ter-consciência. Nele reconhecemos a compreensão adequada do interpelar. com isso, torna-se inteiramente claro que o apelo da consciência, o fazer apelo ao poder-ser, não propõe nenhum ideal vazio de existência, mas faz apelo para a situação. Essa positividade existencial do apelo da consciência, corretamente compreendido, também evidencia a medida em que a limitação da tendência do apelo para culpabilizações anteriormente cometidas e contraídas desconhece o caráter de ABERTURA da consciência e aparentemente só nos transmite a compreensão concreta de sua voz. A interpretação existencial que compreende o interpelar enquanto decisão desvela a consciência como o modo de ser que se acha no fundo da presença [Dasein]. É neste modo de ser que a consciência, testemunhando o poder-ser mais próprio, possibilita para si mesma a sua existência fática. STMSC: §60

Caracterizou-se a decisão como o projetar-se silencioso e pronto a angustiar-se para o ser e estar em dívida mais próprio. Este pertence ao ser da presença [Dasein] e significa o ser-fundamento nulo de um nada. A “dívida” inerente ao ser da presença [Dasein] não admite aumento e nem diminuição. Pois se acha antes de qualquer quantificação, caso esta possua de todo algum sentido. Essencialmente em dívida, a presença [Dasein] não pode de vez em quando estar em dívida e depois não mais. O querer-ter-consciência decide-se por esse ser e estar em dívida. No sentido próprio da decisão reside o projetar-se para esse ser e estar em dívida que a presença [Dasein] é enquanto é. O assumir existenciário dessa “dívida” na decisão só se realiza propriamente caso a decisão se torne, em sua ABERTURA, tão transparente que compreenda o ser e estar em dívida como algo constante. Esse compreender, porém, só é possível porque a presença [Dasein] abre para si o poder-ser “até o fim”. Mas ser e estar-no-fim da presença [Dasein] diz, existencialmente, ser-para-o-fim. A decisão só se torna propriamente aquilo que ela pode ser como ser-para-o-fim que compreende, isto é, como antecipar da morte. A decisão não “possui” meramente um nexo com o antecipar no sentido de ser algo diferente dela. Ela abriga em si o ser-para-a-morte enquanto modalidade existenciariamente possível de sua própria propriedade. Cabe, pois, esclarecer, fenomenalmente, esse “nexo”. STMSC: §62

Com o fenômeno da decisão, colocamo-nos diante da verdade originária da existência. Decidida, a presença [Dasein] se desvela para si mesma em seu poder-ser fático, de maneira a ser este desvelar e estar desvelado. Pertence à verdade um ter-por-verdadeiro, que sempre lhe corresponde. O ser e estar-certo é a apropriação explícita do que se abriu e se descobriu. A verdade originária da existência exige um estar-certo igualmente originário, no sentido de ater-se ao que a decisão lhe abre. Ela dá a si a situação fática e nela se coloca. A situação não pode ser antecipadamente calculada ou prevista como algo simplesmente dado, que espera por sua apreensão. Ela só se abre numa decisão livre, previamente indeterminada mas aberta a determinações. O que significa a certeza inerente a tal decisão? Ela deve ater-se ao que se abriu na decisão. Isso significa, porém, que ela não pode enrijecer-se na situação mas deve compreender que, de acordo com o seu sentido próprio de ABERTURA, a decisão deve manter-se aberta e livre para as possibilidades fáticas. A certeza da decisão significa: manter-se livre para o seu reassumir possível e faticamente necessário. Esse ter-por-verdadeiro da decisão (enquanto verdade da existência) não permite, em absoluto, recair na indecisão. Ao contrário, enquanto manter-se livre na decisão para reassumir, este ter-por-verdadeiro é decidir com propriedade pela retomada de si mesmo. Com isso, enterra-se justamente a perdição existenciária na indecisão. O ter-por-verdadeiro inerente à decisão tende, de acordo com seu sentido, a manter-se constantemente livre, ou seja, para todo o poder-ser da presença [Dasein]. Essa certeza insistente só confirma a decisão quando se atém à possibilidade da qual ela pode ser e estar absolutamente certa. Em sua morte, a presença [Dasein] deve, pura e simplesmente, “reassumir-se”. Estando constantemente certa dela, isto é, antecipando-a, a decisão conquista sua certeza própria e total. STMSC: §62

A presença [Dasein], no entanto, está de modo igualmente originário na não-verdade. A decisão antecipadora lhe dá, ao mesmo tempo, a certeza originária de seu fechamento. Antecipadamente decidida, e com base em seu próprio ser, a presença [Dasein] mantém-se aberta para a possibilidade de, constantemente, perder-se na indecisão do impessoal. Como possibilidade insistente da presença [Dasein], a indecisão também é certa. Transparente para si mesma, a decisão compreende que a indeterminação do poder-ser só se determina no decisivo de cada situação. Ela sabe da indeterminação que domina um ente que existe. Caso pretenda corresponder à própria decisão, esse saber deve então surgir de uma ABERTURA em sentido próprio. A indeterminação do poder-ser próprio, embora certa na decisão, só se revela totalmente no ser-para-a-morte. O antecipar coloca a presença [Dasein] diante de uma possibilidade constantemente certa e, não obstante, a todo instante, indeterminada, quando a possibilidade se torna impossibilidade. Ela revela que esse ente está-lançado na indeterminação de sua “situação limite”, em cuja decisão a presença [Dasein] adquire seu poder-ser toda em sentido próprio. A indeterminação da morte entreabre-se, originariamente, na angústia. Essa angústia originária, porém, aspira a dispor-se à decisão. Ela varre todo encobrimento acerca do abandono da presença [Dasein]. O nada trazido pela angústia desvela a nulidade que determina o fundamento da presença [Dasein] que, por sua vez, é enquanto estar-lançado na morte. STMSC: §62

Não apenas a demonstração das estruturas mais elementares do ser-no-mundo, a delimitação do conceito de mundo, o esclarecimento do quem mais imediato e mediano desse ente, do impessoalmente-si-mesmo, a interpretação do “pre [das Da]”, mas, sobretudo, as análises de cura, morte, consciência e dívida, mostram como se consolidou, na própria presença [Dasein], a compreensibilidade do poder-ser nas ocupações e de sua ABERTURA, isto é, de seu fechamento. STMSC: §63

Mas ainda assim de onde se deve retirar o que constitui “propriamente” a existência da presença [Dasein]? Sem uma compreensão existenciária, toda análise da existencialidade permanece sem solidez. Será que a interpretação da propriedade e totalidade da presença [Dasein] não tem por base uma concepção ôntica da existência que, não obstante possível, não precisa, obrigatoriamente, impor-se a toda e qualquer concepção de existência? A interpretação existencial nunca pretenderá exercer poder sobre as possibilidades e obrigações existenciárias. Mas não deverá ela justificar a si mesma no que tange às possibilidades existenciárias com as quais ela oferece um solo ôntico para a interpretação ontológica? Se, de modo essencial, o ser da presença [Dasein] é poder-ser e ser-livre para as suas possibilidades mais próprias, e se ele só existe na liberdade e não-liberdade para estas possibilidades, poderá então a interpretação ontológica basear-se em outras possibilidades senão as ônticas (modos de poder-ser) e projetá-las sobre a sua possibilidade ontológica? E se, na maior parte das vezes, a presença [Dasein] se interpreta a partir da perdição no “mundo” das ocupações? Nesse caso, a determinação das possibilidades ôntico-existenciárias, conquistada em contracorrente à perdição, e a análise existencial que nelas se funda não constituiriam o modo de ABERTURA adequado a esse ente? A violência do projeto não se tornaria, assim, cada vez, uma liberação do teor fenomenal não distorcido da presença [Dasein]? STMSC: §63

Sem dúvida, já na análise da estrutura do compreender mostrou-se que a deficiência constatada na expressão inadequada de “círculo” pertence à essência e à especificidade do próprio compreender. No entanto, a investigação deve retomar agora, explicitamente, o “argumento do círculo”, no tocante ao esclarecimento da situação hermenêutica da problemática ontológico-fundamental. A “objeção do círculo”, levantada contra a interpretação existencial, quer dizer: a ideia de existência e a ideia de ser são “pressupostas” e “segundo elas” interpreta-se a presença [Dasein] para então se conquistar a ideia de ser. Mas o que significa “pressupor”? Será que com a ideia de existência se estabelece, de início, uma sentença a partir da qual se deduz, mediante regras formais de consequência, outras sentenças sobre o ser da presença [Dasein]? Ou será que esse pré-supor possui o caráter de um projeto que compreende? Nesse caso, a interpretação formada no compreender daria a palavra ao que se deve interpretar para que ele mesmo decida como este ente fornece a constituição de ser, em virtude da qual se abriu no projeto de maneira formalmente indicativa? Será que no que concerne a seu ser, algum ente pode vir à palavra de outra maneira? Na comprovação de alguma coisa, a analítica existencial jamais pode “evitar” um “círculo” porque ela não faz, de modo algum, comprovações segundo as regras da “lógica de consequência”. Para pretensamente satisfazer o máximo rigor de uma investigação científica e evitar o “círculo”, a compreensibilidade coloca de lado nada menos do que a estrutura fundamental da cura. Originariamente constituída pela cura, a presença [Dasein] já sempre antecede-a-si-mesma. Sendo, ela sempre já se projetou para determinadas possibilidades de sua existência, projetando também, de forma pré-ontológica nesses projetos existenciários, a existência e o ser. Pode-se então recusar esse projetar-se essencial da presença [Dasein] à pesquisa que, sendo, como toda pesquisa, um modo de ser da ABERTURA da presença [Dasein], quer elaborar e conceituar a compreensão de ser constitutiva da existência? STMSC: §63

A análise da decisão antecipadora conduziu, ao mesmo tempo, para o fenômeno da verdade originária e própria. Já se mostrou como a compreensão ontológica, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes predominante, concebe o ser no sentido de algo simplesmente dado, encobrindo, dessa forma, o fenômeno originário da verdade. Se, no entanto, ser somente “se dá” na medida em que a verdade “é”, e a compreensão de ser sempre se modifica segundo o modo da verdade, então a verdade originária e própria deve garantir a compreensão de presença [Dasein] e de ser em geral. A “verdade” ontológica da análise existencial forma-se com base na verdade existenciária originária. No entanto, esta não precisa necessariamente daquela. A verdade mais originária, existencial e básica para a qual se encaminha a problemática de uma ontologia fundamental – preparando a questão do ser em geral – é a ABERTURA do sentido ontológico da cura. Assim, para se liberar esse sentido, é preciso aprontar integralmente o conteúdo estrutural da cura. STMSC: §63

A primeira tarefa consiste em tornar visível a impropriedade da presença [Dasein] em sua temporalidade específica, através da análise temporal do poder-ser todo em sentido próprio da presença [Dasein] e de uma caracterização geral da temporalidade da cura. Numa primeira aproximação, a temporalidade mostra-se na decisão antecipadora. Ela é o modo próprio da ABERTURA que, na maior parte das vezes, se mantém na impropriedade da auto-interpretação decadente do impessoal. Caracterizar a temporalidade da ABERTURA em geral leva à compreensão temporal do ser-no-mundo mais imediato das ocupações e, com isso, da indiferença mediana da presença [Dasein], aqui tomada como primeiro ponto de partida da analítica existencial. Chamamos de cotidianidade o modo de ser mediano da presença [Dasein] no qual, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, ela se mantém. Mediante a retomada da análise anterior, a cotidianidade deve desvelar o seu sentido temporal para, com isso, deixar vir à luz a problemática abrigada na temporalidade e fazer desaparecer por completo a aparente “evidência” das análises preparatórias. A temporalidade deve, na verdade, confirmar-se em todas as estruturas essenciais da constituição fundamental da presença [Dasein]. Isto, porém, não leva a uma repetição esquemática e exterior das análises realizadas em sua sequência. O curso da análise temporal toma agora uma outra direção, tornando ainda mais claro o contexto das considerações anteriores e superando a casualidade e a aparente arbitrariedade. Além dessas necessidades metodológicas, motivos inerentes ao próprio fenômeno impõem uma outra articulação da análise a ser retomada. STMSC: §66

Para que os fenômenos obtidos na análise preparatória possam ser reconduzidos à visão fenomenológica, basta uma indicação a respeito dos estágios percorridos. A delimitação da cura resultou da análise da ABERTURA constitutiva do ser do “pre [das Da]”. O esclarecimento deste fenômeno trouxe consigo a interpretação provisória da constituição fundamental da presença [Dasein], a saber, o ser-no-mundo. A investigação teve início com esta caracterização a fim de assegurar, desde o começo, um horizonte fenomenal suficiente frente às determinações ontológicas prévias da presença [Dasein], em sua maior parte inadequadas e não expressas. Ser-no-mundo foi caracterizado, numa primeira aproximação, na perspectiva do fenômeno do mundo. E, na verdade, a explicação partiu da caracterização ôntico-ontológica do que está à mão e do que é simplesmente dado “em” um mundo circundante para, então, destacando a intramundanidade, nela tornar visível o fenômeno da mundanidade. A estrutura da mundanidade, a significância, demonstrou-se, no entanto, conectada com o para onde o compreender, que pertence essencialmente à ABERTURA, projeta-se, isto é, com o poder-ser da presença [Dasein], em virtude da qual ela existe. STMSC: §67

A interpretação temporal da presença [Dasein] cotidiana deve partir das estruturas constitutivas da ABERTURA. São elas: compreender, decadência e fala. Os modos de temporalização da temporalidade, a serem liberados no tocante a estes fenômenos, propiciam a base para se determinar a temporalidade do ser-no-mundo. Isso levará, de novo, ao fenômeno do mundo, permitindo uma delimitação da problemática especificamente temporal da mundanidade. Esta deve confirmar-se mediante a caracterização do ser-no-mundo cotidiano e imediato da ocupação decadente na circunvisão. É a sua temporalidade que possibilita a modificação da circunvisão em visualização perceptiva e em conhecimento teórico aí fundado. A temporalidade do ser-no-mundo que assim emerge demonstra-se, também, fundamento da espacialidade específica da presença [Dasein]. Deve-se mostrar a constituição temporal de dis-tanciamento e direcionamento. O todo destas análises desvela uma possibilidade de temporalização da temporalidade em que se funda, ontologicamente, a impropriedade da presença [Dasein]. Além disso, conduz à questão de como se deve compreender o caráter temporal da cotidianidade, o sentido temporal da expressão – “numa primeira aproximação e na maior parte das vezes”, aqui constantemente utilizada. A fixação desse problema torna claro que e em que medida o esclarecimento do fenômeno até agora obtido é insuficiente. STMSC: §67

O presente capítulo obedece, pois, à seguinte estrutura: a temporalidade da ABERTURA em geral (§68); a temporalidade do ser-no-mundo e o problema da transcendência (§69); a temporalidade da espacialidade inerente à presença [Dasein] (§70); o sentido temporal da cotidianidade da presença [Dasein] (§71). STMSC: §67

§68. A temporalidade da ABERTURA em geral STMSC: §68

Em seu sentido temporal, a decisão representa uma ABERTURA própria da presença [Dasein]. A ABERTURA constitui um ente, de tal maneira que, em existindo, pode ser o seu “pre [das Da]” ele mesmo. Em relação a seu sentido temporal, a cura foi caracterizada apenas em seus traços fundamentais. Demonstrar a sua constituição temporal concreta significa interpretar, temporalmente, cada um de seus momentos estruturais, quais sejam, compreender, disposição, decadência e fala. Todo compreender possui o seu humor. Toda disposição é compreensiva. O compreender disposto possui o caráter de decadência. O compreender decadente e afinado pelo humor articula-se na fala, no tocante à sua compreensibilidade. A constituição temporal de cada um dos fenômenos mencionados remete, cada vez, a uma temporalidade que, como tal, garante a unidade estrutural possível de compreender, disposição, decadência e fala. STMSC: §68

Apreendido de modo existencialmente originário, compreender significa: ser, projetando-se num poder-ser, em virtude do qual a presença [Dasein] sempre existe. O compreender abre o poder-ser próprio de tal maneira que, compreendendo, a presença [Dasein], de algum modo, sempre sabe a quantas ela mesma anda. Esse “saber” não significa, contudo, ter descoberto um fato mas manter-se numa possibilidade existenciária. O não-saber que lhe corresponde não consiste numa ausência do compreender mas deve ser considerado um modo deficiente de se projetar o poder-ser. A existência pode tornar-se digna de questionamento. Para que este “estar em questão” seja possível, é necessária uma ABERTURA. O porvir está à base do compreender-se no projeto de uma possibilidade existenciária enquanto um vir-a-si, a partir da possibilidade em que a presença [Dasein] cada vez existe. Do ponto de vista ontológico, o porvir possibilita um ente que é de tal modo que, compreendendo, existe em seu poder-ser. O projetar-se tem por base o porvir e, consequentemente, não apreende, em primeiro lugar, a possibilidade projetada como tema de uma opinião, mas se lança na possibilidade. Em compreendendo, a presença [Dasein] é, cada vez, como ela pode ser. A decisão mostrou-se como um existir originário e próprio. Sem dúvida, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] permanece indecisa, ou seja, fechada em seu poder-ser mais próprio no qual ela só se empenha singularizando-se. Isto implica que nem sempre a temporalidade se temporaliza a partir do porvir, em sentido próprio. Essa inconsistência não significa, porém, que a temporalidade careça, por vezes, de porvir e sim que a temporalização do porvir está sujeita a mutações. STMSC: §68

Começaremos a análise com a demonstração da temporalidade do medo. Caracterizou-se o medo como disposição imprópria. Em que medida o vigor de ter sido é o sentido existencial que o possibilita? Que modo desta ekstase caracteriza a temporalidade específica do medo? Medo é ter medo do que ameaça. Trata-se do que se aproxima prejudicialmente, como já descrito, do poder-ser fático da presença [Dasein], no âmbito do que está à mão e do que é simplesmente dado nas ocupações. No modo da circunvisão cotidiana, o ter medo abre algo que ameaça. Um sujeito meramente espectador nunca poderia descobrir algo assim. Mas não será esta ABERTURA de ter medo de alguma coisa um deixar vir-a-si? Não é correta a determinação do medo como espera de um mal que está vindo (malum futurum)? Não será o sentido temporal primário do medo tanto o porvir como o vigor de ter sido? Indiscutivelmente, o medo não apenas se “relaciona” com o que “está por vir”, entendido como o que só advém “no tempo”, mas também esse relacionar-se, em si mesmo, já está por vir, no sentido do tempo originário. Sem dúvida, também pertence à constituição existencial e temporal do medo um aguardar. Mas, de início, isso diz apenas que a temporalidade do medo é imprópria. Será que ter medo de alguma coisa é apenas esperar uma ameaça em advento? Esperar uma ameaça em advento ainda não precisa ser medo, e é tão pouco medo que lhe falta justamente o caráter do humor específico do medo. Este reside em que o aguardar próprio ao medo deixa e faz com que aquilo que ameaça volte para o poder-ser fático, empenhado em ocupações. Só no aguardar é que o que ameaça pode estar de volta para o ente que eu sou e, dessa forma, a presença [Dasein] só pode ser ameaçada caso já se tenha aberto, ekstaticamente, o para onde volta. O caráter de humor e afecção do medo reside em que o aguardar medroso tem medo “de si mesmo”, isto é, em que todo ter medo de alguma coisa é um ter medo por... O seu sentido existencial e temporal constitui-se por um esquecer-se de si: qual seja, extrair-se, de forma conturbada, do poder-ser fático em sentido próprio; é nesse esquecer que o ser-no-mundo ameaçado se ocupa do que está à mão. É com razão que Aristóteles determina o medo como lype tis he tarache, aflição e conturbação. A aflição pressiona a presença [Dasein] no sentido de voltar para o seu estar-lançado mas de tal maneira que justamente este estar-lançado se fecha. Já a conturbação funda-se num esquecer. O extrair-se no esquecimento de um poder-ser fático e decidido baseia-se nas possibilidades de salvação e escape previamente descobertas numa circunvisão. Porque se esquece de si e não apreendendo nenhuma possibilidade determinada, a ocupação que se teme salta do mais próximo para o mais próximo. Com isso, todas as possibilidades “possíveis” e impossíveis se oferecem. Aquele que tem medo não se detém em nenhuma delas; o “mundo circundante” não desaparece, ao contrário, lhe vem ao encontro justamente nesse não-mais-se-reconhecer no mundo circundante. Essa atualização conturbada do que é melhor por ser o mais próximo pertence ao esquecimento de si, inerente ao medo. É sabido que o habitante de uma casa em chamas, por exemplo, frequentemente, quer “salvar” as coisas mais indiferentes por estarem mais imediatamente à mão. A atualização esquecida de si de uma confusão de possibilidades soltas possibilita a conturbação do medo que, como tal, lhe constitui o caráter específico de humor. O esquecimento inerente à conturbação também modifica o aguardar, caracterizando-o como um aguardar aflito e conturbado por oposição a uma pura espera. STMSC: §68

A plena ABERTURA do “pre [das Da]”, que se constitui de compreender, disposição e decadência, articula-se com a fala. Por isso, a fala não se temporaliza, primordialmente, em uma ekstase determinada. Como, na maior parte das vezes, a fala de fato se pronuncia na linguagem e, inicialmente, no modo de um dizer que ocupa e discute o “mundo circundante”, a atualização possui, sem dúvida, uma função constitutiva proeminente. STMSC: §68

A ABERTURA do pre [das Da] e as possibilidades existenciárias fundamentais da presença [Dasein], a saber, propriedade e impropriedade, fundam-se na temporalidade. A a ABERTURA sempre alcança, de modo igualmente originário, todo o ser-no-mundo, tanto o ser-em como o mundo. Orientando-se pela constituição temporal da ABERTURA, também se deve poder demonstrar a condição ontológica da possibilidade de se dar um ente que existe como ser-no-mundo. STMSC: §68

A unidade ekstática da temporalidade, isto é, a unidade do “fora de si” nas retrações de porvir, vigor de ter sido e atualidade é a condição de possibilidade para que um ente possa existir como o seu “pre [das Da]”. O ente que carrega o título de presença [Dasein] É “iluminado”. A luz que constitui a luminosidade da presença [Dasein] não é uma força ou fonte ôntica simplesmente dada de uma clareza cintilante que, por vezes, ocorre neste ente. Antes de toda interpretação “temporal”, determinou-se como cura o que ilumina essencialmente esse ente, isto é, aquilo que o torna “aberto” e também “claro” para si mesmo. É na cura que se funda toda ABERTURA do pre [das Da]. E é esta luminosidade que possibilita toda iluminação e esclarecimento, toda percepção, “visão” e posse de alguma coisa. A luz desta luminosidade só pode ser compreendida quando, ao invés de sairmos à busca de uma força simplesmente dada e implantada, questionarmos toda a constituição ontológica da presença [Dasein], ou seja, a cura, quanto ao fundamento unificador de sua possibilidade existencial. A temporalidade ekstática ilumina originariamente o pre [das Da]. Ela é o regulador primordial da unidade possível de todas as estruturas essencialmente existenciais da presença [Dasein]. STMSC: §69

Costuma-se considerar válido que, na ciência, todo manejo se acha apenas a serviço da pura observação, da descoberta e ABERTURA investigadoras das “coisas elas mesmas”. Tomado no sentido mais amplo, o “ver” regula todos os “dispositivos”, conservando a primazia. “Qualquer que seja a maneira e qualquer que seja o meio em que um conhecimento se relacione com um objeto, a intuição é a maneira e o meio pelos quais o conhecimento se relaciona imediatamente a estes e é a ela que visa todo pensamento enquanto meio (grifo do autor)”. Desde os primórdios da ontologia grega até hoje, a ideia do intuitus é que orienta toda interpretação do conhecimento, seja ele de fato alcançável ou não. De acordo com a primazia da “visão”, deve-se iniciar a demonstração da gênese existencial da ciência, mediante a caracterização da circunvisão que rege a ocupação “prática”. STMSC: §69

Determinamos o ser da presença [Dasein] como cura. Seu sentido ontológico é a temporalidade. Mostrou-se tanto que e como ela constitui a ABERTURA do pre [das Da]. Na ABERTURA do pre [das Da], abre-se conjuntamente o mundo. A unidade da significância, isto é, a constituição ontológica de mundo, também deve fundar-se, portanto, na temporalidade. A condição existencial e temporal da possibilidade de mundo reside em que a temporalidade, enquanto unidade ekstática, possui um horizonte. As ekstases não são simplesmente retrações para... A ekstase pertence, sobretudo, um “para onde” ela se retrai. Chamamos de esquema horizontal esse para onde da ekstase. O horizonte ekstático é diferente em cada uma das três ekstases. O esquema em que a presença [Dasein] vem a si no porvir, quer de modo próprio ou impróprio, é o estar em virtude de si. Apreendemos como o diante de que (Wovor) do estar-lançado e o para o que (Woran) do estar-entregue o esquema em que a presença [Dasein], lançada na disposição, abriu-se para si mesma. Este esquema caracteriza a estrutura horizontal do vigor de ter sido. Lançada e existindo em virtude de si na entrega a si mesma, a presença [Dasein], na condição de ser e estar junto a..., é, ao mesmo tempo, atualizante. É o ser-para que determina o esquema horizontal da atualidade. STMSC: §69

Abertura e interpretação pertencem essencialmente ao acontecer da presença [Dasein]. A partir do modo de ser deste ente que existe historicamente, nasce a possibilidade existenciária de uma ABERTURA e de uma apreensão explícita da história. A tematização, ou seja, a ABERTURA historiográfica da história é a pressuposição de uma possível “construção do mundo histórico pelas ciências do espírito”. A interpretação existencial da historiografia como ciência visa, unicamente, comprovar a sua proveniência ontológica da historicidade da presença [Dasein]. Somente a partir dela é que se podem marcar os limites dentro dos quais uma epistemologia, orientada pelas vicissitudes da atividade científica, pode expor-se aos acasos de seus questionamentos. STMSC: §72

Chamamos de destino a transmissão antecipadora no pre [das Da] do instante, que reside na decisão. O envio comum, entendido como o acontecer da presença [Dasein] no ser-com os outros, também se funda no destino. Na retomada, o envio comum do destino pode abrir-se explicitamente no ater-se à herança legada. E a retomada que revela para a presença [Dasein] a sua própria história. O próprio acontecer, a ABERTURA que lhe pertence, bem como a sua apropriação fundam-se, existencialmente, em que a presença [Dasein] está, de modo ekstático, aberta no tempo. STMSC: §74

De início, isto será esclarecido, indicando-se que, como ciência da história da presença [Dasein], a historiografia deve “pressupor” o ente originariamente histórico como seu possível “objeto”. Todavia, para que um objeto histórico se torne acessível, não apenas deve se dar a história. Da mesma forma, não apenas o conhecimento historiográfico, na condição de comportamento da presença [Dasein] num acontecer, é histórico. Mas, segundo a sua natureza e estrutura ontológicas, toda ABERTURA historiográfica da história já está, em si mesma, radicada na historicidade da presença [Dasein], quer se tenha cumprido de fato ou não. É a esse contexto que se está referindo ao se falar da origem existencial da historiografia a partir da historicidade da presença [Dasein]. Do ponto de vista do método, esclarecê-lo significa: projetar, ontologicamente, a ideia da historiografia a partir da historicidade da presença [Dasein]. Mas não se trata de adequar nem de “abstrair” o conceito da historiografia de uma atividade científica que hoje é um fato. Pois, em princípio, o que garante que esse procedimento de fato represente a historiografia segundo as suas possibilidades originárias e próprias? Mesmo se este fosse o caso, a respeito do qual não nos pronunciamos, só se poderia “descobrir” no fato o conceito, mediante a compreensão da ideia de historiografia. Por outro lado, a ideia existencial da historiografia não adquire maior direito se os historiógrafos a confirmarem porque ela concordaria com a sua atividade. Ela também não se torna “falsa” porque discordaria. STMSC: §76

A ideia da historiografia como ciência reside em assumir como tarefa própria a ABERTURA do que é histórico. Toda ciência se constitui, primariamente, pela tematização. Aquilo que é conhecido pré-cientificamente como ser-no-mundo que se abriu, projeta-se em seu ser específico. Com esse projeto, delimita-se a região de um ente, as suas vias de acesso adquirem “direção” metodológica e a estrutura de conceitualização da interpretação ganha um prelineamento. Postergando a questão da possibilidade de uma “história do presente”, atribuímos à historiografia a tarefa de ABERTURA do “passado”. Nesse caso, a tematização historiográfica da história só é possível depois de se ter aberto o “passado”. Deixando-se inteiramente de lado se estão disponíveis as fontes suficientes para uma apresentação historiográfica do passado, o caminho para o passado deve estar aberto, no sentido de retorno historiográfico. Não é, contudo, evidente se isso acontece e como isso é possível. STMSC: §76

Restos, monumentos, relatos ainda dados constituem “material” possível para a ABERTURA concreta da presença [Dasein] que vigora por ter sido presença [Dasein]. Estes só podem tornar-se material historiográfico porque, em seu próprio modo de ser, possuem o caráter de pertencer à história do mundo. E apenas se tornam material por serem previamente compreendidos em sua intramundanidade. O mundo já projetado determina-se pela interpretação do material “conservado” de uma história do mundo. A constatação, depuração e o asseguramento do material é que dão o passo rumo ao “passado”, mas eles já pressupõem o ser histórico para a presença [Dasein] que vigora por ter sido presença [Dasein], isto é, para a historicidade da existência do historiógrafo. E esta que funda, existencialmente, a historiografia como ciência, até mesmo nos dispositivos mais sutis e “artesanais”. STMSC: §76

Se, portanto, a historiografia se enraíza na historicidade, então é a partir desta que se pode determinar o objeto “próprio” da historiografia. A delimitação do tema originário da historiografia deve cumprir-se de acordo com a historicidade própria e com a ABERTURA a ela inerente do que vigora por ter sido presença [Dasein], ou seja, com a retomada. Esta compreende a presença [Dasein] que vigora por ter sido presença [Dasein] no vigor de sua possibilidade. O “nascimento” da historiografia a partir da historicidade própria significa, então: a tematização primária do objeto histórico projeta a presença [Dasein] que vigora por ter sido presença [Dasein] em sua possibilidade mais própria de existir. Será, portanto, o possível tema da historiografia? Todo o seu sentido não reside, unicamente, nos “fatos”, isto é, no modo como de fato foi? STMSC: §76

Brotando da historicidade própria, a historiografia desvela, na retomada, a presença [Dasein] que vigora por ter sido presença [Dasein] em sua possibilidade. Nesse caso, ela também já revelou o “universal” no que é único. Já constitui um equívoco radical perguntar se a historiografia tem por objeto apenas a série dos dados únicos e “individuais” ou também as “leis”. Seu tema não é o que aconteceu uma única vez nem um universal que paira sobre a singularidade, mas a possibilidade que faticamente vigorou na existência. Esta não se retoma como tal, ou seja, não é compreendida de modo propriamente historiográfico, mesmo quando distorcida pela palidez de um padrão supratemporal. Enquanto destino decidido, somente a historicidade própria e fática é capaz de abrir a história que vigora por ter sido presença [Dasein]. E isso de tal modo que, na retomada, a “força” do possível ressoe na existência fática, isto é, advenha ao seu porvir. Tão pouco como a historicidade da presença [Dasein] não historiográfica, a historiografia não parte, de forma alguma, do “presente” e de uma “realidade” que só se dá hoje para, tateando, recuperar um passado. A ABERTURA historiográfica também se temporaliza a partir do porvir. A “seleção” do que deve tornar-se objeto possível da historiografia já foi feita na escolha existenciária e fática da historicidade da presença [Dasein], onde somente a historiografia surge e unicamente é. STMSC: §76

A ABERTURA historiográfica do “passado”, fundada na retomada que tem a marca do destino, é tão pouco “subjetiva” que somente ela é capaz de garantir a “objetividade” da historiografia. Pois a objetividade de uma ciência regula-se, primariamente, pela possibilidade de apresentar, sem encobrimentos, à compreensão o seu ente temático na originariedade de seu ser. Em nenhuma ciência, a “validade universal” dos parâmetros e as exigências de “universalidade”, imposta pelo impessoal e por sua compreensibilidade, são menos critérios possíveis de “verdade” do que na historiografia própria. STMSC: §76

Histórica, a presença [Dasein] apenas é possível com base na temporalidade. Esta se temporaliza na unidade ekstática e horizontal de suas retrações. A presença [Dasein] existe propriamente como porvir na ABERTURA decidida de uma possibilidade escolhida. Voltando a si numa decisão, ela se abre em retomadas para as possibilidades “monumentais” da existência humana. A historiografia que surge de tal historicidade é “monumental”. Enquanto vigor de ter sido, a presença [Dasein] é e está entregue à responsabilidade de seu estar-lançado. Ao se apropriar do possível nas retomadas, também se prelineia a possibilidade de se venerar a existência que vigora por ter sido presença [Dasein], preservada e revelada na possibilidade assumida. Monumental, a historiografia própria é, por isso, “antiquária”. A presença [Dasein] se temporaliza como atualidade na unidade do porvir e do vigor de ter sido. A atualidade abre, como instante, o hoje em sentido próprio. Interpretando o instante a partir da compreensão porvindoura nas retomadas de uma possibilidade de existência assumida, a historiografia própria desatualiza o hoje, isto é, separa-se, com sofrimento, do público e decadente do hoje. Em sentido próprio, a historiografia monumental e antiquária é, necessariamente, uma crítica do “presente”. A historicidade própria é o fundamento da unidade possível das três essências da historiografia. O solo em que se funda a historiografia própria é, no entanto, a temporalidade enquanto sentido ontológico e existencial da cura. STMSC: §76

A apresentação concreta da origem existencial e histórica da historiografia realiza-se na análise da tematização, constitutiva dessa ciência. O ponto nevrálgico da tematização historiográfica é elaborar a situação hermenêutica. Esta se abre com o decidir da presença [Dasein], que historicamente existe, por abrir, na retomada, o que vigora por ter sido presença [Dasein]. É a partir da ABERTURA própria (”verdade”) da existência histórica que se deve expor a possibilidade e a estrutura da verdade histórica. Porque, no entanto, quer referidos a seus objetos ou a seus modos de tratamento, os conceitos fundamentais das ciências historiográficas são conceitos existenciais, a teoria das ciências do espírito pressupõe uma interpretação existencial temática da historicidade da presença [Dasein]. Ela é a meta constante do trabalho de pesquisa de W. Dilthey, e se esclarece, mais profundamente, através das ideias do Conde Yorck von Wartenburg. STMSC: §76

Que a estrutura da possibilidade de datação pertence, em sua essência, ao que se interpretou como o “agora”, o “então” e o “outrora”, isso se torna a comprovação mais elementar da proveniência do que foi interpretado a partir da temporalidade que interpreta a si mesma. Dizendo “agora”, sempre já compreendemos um “em que” isso ou aquilo..., embora sem dizê-lo explicitamente. Por quê? Porque o “agora” interpreta uma atualização dos entes. No “agora em que...”, reside o caráter ekstático da atualidade. A possibilidade de datação do “agora”, do “então” e do “outrora” reflete a constituição ekstática da temporalidade, sendo, também, por isso essencial para o próprio tempo pronunciado. A estrutura da possibilidade de datação do “agora”, do “então” e do “outrora” é a prova de que estes, brotando da temporalidade, são eles mesmos tempo. O pronunciamento que interpreta o “agora”, o “então” e o “outrora” é a indicação temporal mais originária {CH: a mais imediata}. E porque, na unidade a ekstática da temporalidade, compreendida junto com a possibilidade de datação, embora não tematizada nem reconhecida como tal, a presença [Dasein] sempre já se abriu como ser-no-mundo, com isso ela descobre entes intramundanos. Por isso o tempo interpretado já possui sempre uma datação a partir daquele ente que vem ao encontro na ABERTURA do pre [das Da]: agora em que a porta bate; agora em que o livro me está faltando, etc. STMSC: §79

A presença [Dasein] de fato lançada só pode “tomar” tempo e perder tempo porque, com a ABERTURA do pre [das Da], fundada na temporalidade, a presença [Dasein], entendida como temporalidade ekstaticamente estendida, recebe a concessão de um “tempo”. STMSC: §79

O ser da presença [Dasein] é a cura. Esse ente existe lançado na decadência. Entregue ao “mundo” descoberto em seu pre [das Da] e dependente de suas ocupações, a presença [Dasein] aguarda seu poder-ser-no-mundo. E isso de maneira a “contar” com e por meio daquilo com que ela estabelece uma conjuntura privilegiada em virtude desse poder-ser. O ser-no-mundo cotidiano da circunvisão precisa de possibilidade de visão, ou seja, de claridade para poder lidar, numa ocupação, com o que está à mão em meio ao que é simplesmente dado. Com a ABERTURA fática de seu mundo, a natureza se descobre para a presença [Dasein]. Em seu estar-lançado, ela se entrega à mudança de dia e noite. Com sua claridade, o dia propicia a visão possível, e a noite a retira. STMSC: §80

Na ABERTURA propiciada pelo relógio natural, pertencente à presença [Dasein] lançada na decadência, reside, igualmente, um fazer-se público privilegiado e sempre realizado pela presença [Dasein] do tempo ocupado. Este se consolida e aumenta através do aperfeiçoamento da contagem do tempo e do refinamento do uso do relógio. Não caberia aqui expor historiograficamente o desenvolvimento histórico da contagem do tempo e do uso do relógio, percorrendo suas possíveis transformações. Deve-se, ao invés, colocar, de modo ontológico e existencial, a seguinte questão: Qual o modo de temporalização da temporalidade da presença [Dasein] que se revela na direção em que se formaram a contagem do tempo e o uso do relógio? Junto com a resposta a esta questão deve nascer uma compreensão mais originária de que também a medição do tempo, ou seja, a publicação explícita do tempo ocupado, está fundada na temporalidade da presença [Dasein] e, na verdade, numa sua temporalização bem determinada. STMSC: §80

Comparando-se a presença [Dasein] “primitiva”, à base da análise da contagem “natural” do tempo, com a presença [Dasein] “evoluída”, mostra-se que, para esta última, o dia e a vigência da luz solar já não possuem uma função privilegiada. Isto porque ela tem o “privilégio” de também poder tornar dia a noite. Da mesma forma, para se constatar o tempo não é mais necessária uma visão imediata e explícita do sol e de sua posição. A fabricação e o uso de certos instrumentos de medição permitem uma leitura direta do tempo no relógio que para isso se produz. Que horas são é “quanto tempo é”. Mesmo que determinada leitura do tempo possa ficar encoberta, o uso do instrumento relógio também se funda na temporalidade da presença [Dasein] a qual, juntamente com a ABERTURA do pre [das Da], possibilita uma datação do tempo ocupado. E isso porque, enquanto aquilo que possibilita uma contagem pública do tempo, o relógio deve ser regulado pelo relógio “natural”. A compreensão do relógio natural, construída através da evolução da descoberta da natureza, acena para novas possibilidades de medição do tempo que são relativamente independentes do dia e de toda observação explícita do céu. STMSC: §80

A temporalidade do ser-no-mundo fático possibilita, originariamente, a ABERTURA do espaço, e a presença [Dasein] espacial, partindo de um lá já descoberto, sempre está referida a um aqui, dotado do caráter de presença [Dasein]. É por isso que, em sua possibilidade de datação, o tempo ocupado na temporalidade da presença [Dasein] está sempre ligado a um lugar da presença [Dasein]. Não é o tempo que se acopla a um lugar. A temporalidade é que constitui a condição de possibilidade para que a datação possa ligar-se ao lugar do espaço, de tal maneira que, enquanto medida, esse lugar seja obrigatório para todo mundo. Não é o tempo que se acopla ao espaço, mas o “espaço”, que se presume como o que acopla, só vem ao encontro com base na temporalidade das ocupações do tempo. De acordo com o fundamento do relógio e da contagem de tempo na temporalidade da presença [Dasein], a qual constitui esse ente como histórico, pode-se mostrar em que medida o próprio uso do relógio é, ontologicamente, histórico, e que todo relógio como tal “tem uma história”. STMSC: §80

A medição do tempo realiza um fazer-se público definitivo do tempo, de tal maneira que somente por esse caminho é que se pode conhecer aquilo que, comumente, chamamos de “tempo”. Na ocupação, atribui-se a qualquer coisa o “seu tempo”. Todas as coisas “têm” tempo e, como todo ente intramundano, só podem “ter” tempo porque são e estão “no tempo”. Conhecemos como tempo do mundo o tempo “dentro do qual” entes intramundanos vêm ao encontro. com base na constituição ekstática e horizontal da temporalidade a que pertence, o tempo do mundo possui a mesma transcendência que o mundo. com a ABERTURA de mundo, o tempo do mundo se torna público, de tal maneira que qualquer ser que se ocupa do tempo junto a entes intramundanos os compreende numa circunvisão como o que vem ao encontro “no tempo”. STMSC: §80

O tempo, “no qual” se move e repousa o que é simplesmente dado, não é “objetivo”, caso este termo queira referir-se ao ser simplesmente dado em si dos entes que vêm ao encontro dentro do mundo. Mas tampouco o tempo é “subjetivo”, caso por subjetivo compreendamos o ser simplesmente dado e a ocorrência em um “sujeito”. O tempo do mundo é “mais objetivo” do que qualquer objeto possível porque, enquanto condição de possibilidade dos entes intramundanos, eleja se “objetivou” junto com a ABERTURA de mundo, ekstática e horizontalmente. Apesar da opinião de Kant, o tempo do mundo encontra-se, preliminarmente e de forma igualmente imediata, tanto no físico quanto no psíquico. Assim, não se chega ao primeiro através do segundo. Numa primeira aproximação, o “tempo” se mostra justamente no céu, ou seja, lá onde impessoalmente se encontra quando a gente é orientado por ele de forma natural, a ponto de o “tempo” se identificar com o céu. STMSC: §80

De que maneira o “tempo” se temporaliza numa primeira aproximação para a ocupação cotidiana, guiada por uma circunvisão? Em que modo de lidar da ocupação no uso de instrumentos o tempo se torna expressamente acessível? O tempo se torna público com a ABERTURA de mundo e já é sempre ocupado com a descoberta de entes intramundanos, inerente à ABERTURA de mundo. Isso se dá na medida em que a presença [Dasein], contando o tempo, conta consigo mesma. Por isso é no uso do relógio que reside o comportamento em que se é orientado, de forma explícita, pelo tempo. O seu sentido existencial e temporal comprova-se como uma atualização do ponteiro que anda. Contar é seguir, atualizando, as posições do ponteiro. Essa atualização se temporaliza na unidade ekstática de um reter que aguarda. Reter o “outrora” numa atualização significa: dizendo-agora, ser e estar aberto para o horizonte do anterior, ou seja, do agora-não-mais. Aguardar o “então” numa atualização significa: dizendo-agora, estar aberto para o horizonte do posterior, ou seja, do agora-ainda-não. O que se mostra nessa atualização é o tempo. Como se define, portanto, o tempo revelado no uso do relógio próprio das ocupações, guiadas por uma circunvisão que toma tempo? O tempo é o que é contado na sequência atualizante de contagem do ponteiro no mostrador de suas variações. E isso de tal maneira que a atualização se temporaliza na unidade ekstática de reter e aguardar, abertos horizontalmente segundo o anterior e o posterior. Esta nada mais é do que a interpretação ontológico-existencial da definição do tempo, dada por Aristóteles: touto gar estin ò chronos, arithmos kineseos kata to proteron kai hysteron. “O tempo é isso, a saber, o que é contado no movimento que se dá ao encontro no horizonte do anterior e do posterior”. Por mais que, à primeira vista, essa definição possa parecer estranha, ao se delimitar o horizonte ontológico-existencial do qual Aristóteles a retira, ela se mostra por si mesma “evidente” e autenticamente haurida. Para Aristóteles, a origem do tempo assim revelado não constitui problema. Sua interpretação do tempo movimenta-se, sobretudo, na direção da compreensão “natural” de ser. Mas como esta compreensão e o ser nela compreendido tornam-se um problema de princípio para a presente investigação, a análise aristotélica do tempo só poderá ser tematicamente interpretada, após se resolver a questão do ser. E isso de maneira que ela conquiste um significado de princípio para a apropriação positiva do questionamento crítico e delimitado da antiga ontologia. STMSC: §81

Na compreensão de ser, que, enquanto compreender, pertence à existência da presença [Dasein], abriu-se algo como “ser”. Embora não concebida, a ABERTURA preliminar de ser possibilita que, como ser-no-mundo existente, a presença [Dasein] possa relacionar-se com o ente que vem ao encontro dentro do mundo e também consigo mesma, enquanto existente. Mas como é simplesmente possível na presença [Dasein] a compreensão do ser em sua ABERTURA? Pode-se responder a esta questão, remontando-se à constituição ontológica originária da presença [Dasein] que compreende ser? A constituição ontológico-existencial da totalidade da presença [Dasein] funda-se na temporalidade. Desta forma, é um modo originário de temporalização da própria temporalidade ekstática que deve tornar possível o projeto ekstático do ser em geral. Como se há de interpretar esse modo de temporalização da temporalidade? Haverá um caminho que conduza do tempo originário para o sentido do ser? Será que o próprio tempo se revela como horizonte do ser? STMSC: §83

Submitted on 25.08.2021 18:26
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