
Portanto, não se coloca o problema de definir o social como objeto. "É tão falso colocar-nos na sociedade como um objeto no meio de outros objetos como colocar a sociedade em nós como objeto de pensamento, e de ambos os lados o erro consiste em tratar o social como um objeto "(ibid., 415). Monnerot proclama ruidosamente que "não existe sociedade"; isto é verdadeiro na medida em que ela não tem uma realidade visível na qualidade de indivíduo e a ideia afinal de contas não é nova; mas daí a dissolver os fatos sociais nos comportamentos individuais, e a verter na "psicologia social" pura e simples o sociologismo de Durkheim vai um passo que muitos sociólogos modernos dão, aparentemente pouco conscientes da gravidade do mesmo; pois o social é reduzido então a apenas uma representação individual, sendo um social para mim e o segundo eu, e a investigação sociológica se refere não às modalidades reais do Mitsein mas ao que pensam dessas modalidades as individualidades sondadas. Encontrar-se-iam mil exemplos dessa passagem na sociologia contemporânea; tomemos o das investigações de Warner ou de Centers sobre as classes sociais. Assim, os problemas sociológicos são escamoteados; é nesse sentido que tendem as observações de Monnerot, cuja solidez teórica não se poderia questionar. Que sociologia propõe, portanto, a fenomenologia?
Ainda uma vez ela não se propõe uma sociologia. Propõe uma retomada, uma reinterpretação crítica e construtiva das pesquisas sociológicas. Não há uma sociologia fenomenológica, há uma filosofia que fala "apenas como a sociologia, do mundo, dos homens e do espírito" (Merleau-Ponty, "Le philosophe et la sociologie", Signes, p. 138); mas essa filosofia se distingue de toda sociologia porque não objetiva seu objeto mas visa compreendê-lo no nível desse transitivismo que a ciência da criança revelou. É claro que quando se trata das sociedades arcaicas essa operação não é fácil: a análise intencional nos revela aqui não mais algo como nosso mundo, mas um mundo cujas estruturas profundas nos escapam. Não se poderia todavia afirmar sua incompreensibilidade e o próprio Lévy-Bruhl, que havia firmado essa opinião, renuncia a ela nos Carnets, obra póstuma. Quanto a Husserl. desde 1935 ,escrevia ao mesmo Lévy-Bruhl, a respeito da My-thologie primitive: "É uma tarefa possível e de alta importância, é uma alta tarefa projetar-nos numa humanidade fechada sobre a socialidade viva e tradicional e de compreendê-la na medida em que, na sua vida social total e a partir dela essa humanidade possuí o mundo, que não é para ela uma "representação do mundo", mas o mundo que para ela é real" (citado por Merleau-Ponty, ibid., 72). Assim também devemos seguir a direção da interpretação que Claude Lefort dá do trabalho célebre de Mauss sobre Le don contra o funcionalismo matematizado que Lévi-Strauss se contenta em ver nele: pois é certo que Mauss se inclinava muito mais para uma compreensão do dom que para uma formulação aritmética ou algébrica das tensões sociais ou interpessoais inerentes ao dom. O comentário de Lefort, que procura esclarecer o dom à luz da dialética hegeliana das consciências em luta, se insere numa linha fenomenológica. Para o fenomenólogo o social não é objeto de nenhuma maneira, ele é tomado como vivência e trata-se aqui, como há pouco em psicologia, de descrever adequadamente essa vivência para reconstitui-lhe o sentido; mas tal descrição por sua vez só pode ser feita com base nos dados sociológicos, resultados igualmente de uma objetivação prévia do social.
Pode-se evidentemente falar de uma "escola fenomenológica" em sociologia; Scheler, Vierkandt, Litt, Schütz, Geiger seriam seus representantes. (Cf. p. ex. Cuvillier, Manuel de sociologie, I, págs. 49 e ss., 162 e bibliografias). Na realidade todos os ataques lançados contra essas tentativas, mais "filosóficos" que sociológicos são no fundo justificados. Quando Mauss preconizava que a sociologia geral só interviesse nas conclusões das investigações concretas, ele temia pela fenomenologia contemporânea, como o veremos. Seja como for, a pesquisa de uma socialidade originaria nao implica em que a definição da socialidade seja anterior ao exame de suas formas concretas. [Lyotard]