
Identificar sujeito transcendental e corpo não significa um retorno ao fisiologismo e não estaremos seguindo dessa forma o caminho de Watson? Não, mas não deixa de ser verdade que certos psicólogos da forma sentiram-se atraídos pelo fisiologismo e só o evitaram lançando-se na posição afim do "fisicismo". Koffka, propondo-se o problema das relações entre o campo fenomenal e o campo geográfico, demonstra que ambos se fundam no mundo físico e que a ciência revela nesse mundo fenômenos de forma (por exemplo a distribuição da corrente elétrica num condutor). Ora, se procuramos interpretar as causas das Gestalten psicológicas, isto é, explicar porque não é o campo geográfico que é percebido, mas o campo fenomenal, é realmente necessário referir-se, em última análise, às Gestalten fisiológicas em que reside o segredo dessa "deformação". É em razão das estruturas às quais está submetida nossa organização nervosa que as coisas percebidas o são de acordo com certas constantes: a interposição dessas constantes ou gestalten entre o mundo e eu traduz a transformação a que meu sistema fisiológico submete os dados físicos. Assim à física das informações visuais corresponde uma fisiologia de sua captação, e a esta finalmente uma psicologia de sua tradução. É portanto necessário estabelecer como hipótese de trabalho o princípio de um isomorfismo que abra caminho a investigações explicativas: a simples descrição compreensiva da experiência vivenciada deve prolongar-se pela sua interpretação causal. Não se trata evidentemente de um paralelismo antiquado: sabe-se atualmente, pela voz dos próprios fisiólogos, que é impossível fazer a correspondência de uma localização cortical com uma "representação" ou mesmo uma "função" completamente isoladas, mas sabe-se em compensação, que as áreas corticais são afetadas pelo influxo segundo certas estruturas e que, como no nível psicológico, o importante é muito menos a incitação molecular do que a distribuição global do influxo, isto é, a relação das áreas entre si, e o equilíbrio ou o desiquilíbrio da carga de influxo. Os neurônios não funcionam como unidades, mas como partes de um todo, e não é possível explicar o comportamento fisiológico do todo a partir de seus "elementos". Tais estruturas reguladoras, que podem igualmente ser compreendidas pelo modelo das regulações físicas (noção de campo de força, por exemplo), esclarecem as estruturas que regulam o nível periférico, isto é, físico. Koffka e depois dele Guillaume aproximam-se assim de um behaviorismo estruturalista e não é casualmente que o vocabulário das duas escolas tenha acabado por se fundir.
Os fenomenólogos não podem satisfazer-se com tal fusão e neste ponto exatamente o acordo que mantinham com os psicólogos objetivistas se rompe. Se, com efeito, passamos da compreensão das estruturas à explicação das mesmas, abandona-se o que constituía todo o interesse do conceito de Gestalt, a saber que ele implica de certa forma numa intencionalidade e que é inseparável de um sentido. Quando Koffka se orienta para a explicação das estruturas psíquicas pela morfologia nervosa ele inverte novamente o verdadeiro problema psicológico: pois é claro que a explicação ainda que sutil dos fenômenos psico-químicos que "acompanham" a visão não pode explicar o próprio fato de ver. Se na qualidade de fisiólogo, eu sigo passo a passo o andamento da "excitação" provocada sobre a retina até o "centro" visual através da complexidade dos reíais, depois a emissão de influxo na direção das zonas adequadas à acomodação etc., meu esquema, por mais adequado que seja aos fatos, será vão, pois jamais poderá explicar esse fato fundamental; eu vejo. "O que fizemos foi considerar um olho morto no meio do mundo visível para explicar a visibilidade desse mundo. Nada há portanto de surpreendente que este objeto de consciência, interioridade absoluta, se recuse a se deixar ligar?" (Sartre, O Ser e o Nada, 367). Em outros termos, não há união possível entre o corpo objetivo estudado pelo fisiólogo e minha consciência; neste plano todo retorno à fisiologia, como foi dito por Watson reintroduz as contradições insuperáveis do problema clássico da união da alma e do corpo. Se a psicologia deve ser em primeira pessoa, ela não pode encarregar a fisiologia, ciência em terceira pessoa, da solução desses problemas.
É preciso, todavia, confessar que "a interioridade absoluta" pela qual Sartre opõe a consciência ao corpo objetivo não se acha na linha fenomenológica: a interioridade nos reconduz à introspecção e nos faz recair no dilema algo envelhecido de uma subjetividade intransmissível e de um objetivismo que perde seu objeto. Há de qualquer modo na posição sartriana, em relação a esse problema, que consideramos a chave da tese fenomenológica em psicologia, uma tendência correta para dissociar claramente os dados fisiológicos da própria análise intencional: assim, no Imaginaire Sartre dedica uma primeira parte à descrição eidética pura da consciência formadora de imagens, e, confessando que "a descrição reflexiva não nos esclarece diretamente a respeito da matéria representativa da imagem mental", passa, numa segunda parte, ao exame dos dados experimentais: ora, esses indicam a necessidade de uma revisão da descrição fenomenológica. Do mesmo modo em Esquisse d’une théorie des émotions as tentativas de Dembo, psicólogo da forma, para interpretar a cólera em têrmos de meio-ambiente, de campo fenomenal de forças, e de equilíbrio das estruturas, são rejeitadas por Sartre porque não satisfazem à intencionalidade da consciência constituinte. Enfim, em O Ser e o Nada o corpo é de fato ultrapassado como organismo fisiológico e tomado como facticidade vivenciada, como objeto para outrem, mas também como aquilo pelo que "minha interioridade mais íntima" se exterioriza sob o olhar de outrem: "meu corpo está ali não só como o ponto de vista que eu sou, mas ainda como um ponto de vista que eu nunca poderia tomar; ele me escapa por todas as partes" (O Ser e o Nada, 419); se ele me escapa é que existe um eu que não é ele. Assim a dissociação da análise intencional e dos dados fisiológicos parece de fato pressupor uma dissociação, ainda mais grave, pcrque ela constitui uma opção filosófica e não mais apenas um erro metodológico, entre consciência e corpo, ou melhor, entre sujeito e objeto. A integração do corpo à subjetividade ou da subjetividade ao corpo não chega a fazer-se em profundidade na obra de Sartre, que segue mais o Husserl transcendentalista que o Husserl da terceira fase: é este Husserl que rejeitava as teses da Gestalttheorie, embora esta lhe atribuísse a autoridade, pois segundo ele a noção objetiva de estrutura não podia em nenhum caso servir para descrever a subjetividade transcendental. É evidente que a noção de "síntese passiva" está completamente ausente da psicologia e da filosofia sartrianas, as quais o censurariam certamente de "pôr espírito nas coisas", o que Sartre, de resto imputa ao marxismo. [Lyotard]