intencionalidade e comportamento

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: mccastro

intencionalidade e comportamento

A fenomenologia, nisto também paralela ao objetivismo, era assim levada necessariamente a rejeitar a distinção clássica entre interior e exterior. Pode-se, num certo sentido, dizer que todo o problema husserliano é definir como existe para mim "objetos", razão pela qual é correto afirmar que a intencionalidade está no centro do pensamento fenomenológico. A intencionalidade, tomada no sentido psicológico, exprime precisamente a insuficiência fundamental da cisão entre a interioridade e a exterioridade. Dizer que a consciência é consciência de algo é dizer que não existe noesis sem noema, cogito sem cogitatum, mas tampouco amo sem amatum etc, em suma que eu estou entrelaçado ao mundo. E lembramos que a redução não significa absolutamente interrupção desse entrelaçamento mas apenas um colocar fora de circuito da alienação pela qual eu apreendo a mim mesmo como mundano e não como transcendental. A rigor, o eu puro isolado de seus correlatos não é nada. Assim o eu psicológico (que é o mesmo que o eu puro) é constantemente e por essência lançado ao mundo, comprometido em situações. Chega-se então a uma nova localização do "psiquismo" que não é mais interioridade, mas intencionalidade, em outras palavras, relação do sujeito e da situação. Subentendendo-se que essa relação não une dois polos rigorosamente isoláveis, mas ao contrário que o eu, como igualmente a situação, só é definível na situação e por ela. Contra Sto. Agostinho que evoca a retorno à verdade interior, Merleau-Ponty escreve: "O mundo não é um objeto cuja lei de constituição eu possuo em meu coração, ele é o meio natural e o campo de todos os meus pensamentos e todas as minhas percepções explicitas.. A verdade não "habita" somente o "homem interior" ou melhor não existe homem interior, o homem é no mundo, é no mundo que ele se conhece" (Phén. perc., p. V.). Assim o mundo é negado como exterior e afirmado como "meio", o eu é negado como interioridade e afirmado como "existente".

Ora, o mesmo deslocamento da noção central de toda a psicologia, ou seja do próprio psiquismo, se observava paralelamente nas investigações empíricas. O conceito de comportamento, tal como é definido por exemplo por Watson em 1914, responde já à mesma intenção: esse comportamento é concebido "perifericamente", isto é, pode ser estudado sem se recorrer à fisiologia, como uma relação constantemente móvel entre um conjunto de estímulos, procedentes do meio natural e cultural e um conjunto de respostas a tais estímulos, que levam o sujeito para esse meio. A hipótese de uma consciência fechada na sua interioridade e que dirige o comportamento, como um piloto o seu navio, deve ser eliminada: ela é contrário ao único postulado coerente de uma psicologia objetiva, o determinismo. Uma definição de tal natureza autoriza além disso as pesquisas experimentais e favorece a elaboração de constantes. A fenomenologia não tinha motivos para se pronunciar sobre esse último ponto, mas, de qualquer modo, só poderia aplaudir à formação de uma psicologia empírica cujos axiomas estavam de acordo com suas próprias definições eidéticas. Nada há de surpreendente no fato de haver rompido com o behaviorismo reflexológico para o qual Watson propendia, pois via nisto uma recaída nas aporias do introspeccionismo: em vez de permanecer no nível periférico, de acordo com suas primeiras definições, Watson chegava a procurar a causa da resposta a um estímulo dado nas conduções nervosas aferentes, centrais e eferentes pelas quais o influxo circula; tentava mesmo, para finalizar, reduzir todas as conduções ao esquema reflexo, integrando assim sem precauções os resultados da célebre reflexologia da Pavlov e Bechterev, isolando de novo o corpo. O reflexo tornava-se o conceito de base da explicação behaviorista: os fenomenólogos não têm dificuldades para demonstrar que Watson não mais descreve o comportamento efetivamente vivido, mas um substituto tematizado desse comportamento, um "modelo" fisiológico abstrato, cujo valor é, de resto, contestável. [Lyotard]

Submitted on:  Fri, 11-Dec-2009, 11:29