
Esta crítica pode ser esquematicamente conduzida a três temas principais. - Primeiro tema: as objeções dos céticos. Este é o tema por excelência da crítica antiga, ao qual a crítica moderna, com Descartes e seus sucessores, não cessará de retornar. As dificuldades sobre as quais este tema especula formam uma legião, tão numerosa quanto as ilusões e os erros que lhe servem de argumento. Tomemos, para nos reportar a um texto clássico, a série de argumentos que propõe a primeira das Meditações Metafísicas de Descartes. Os dados dos sentidos veem-se aí desde logo atacados como suspeitos; a experiência atesta que frequentemente tenho, me enganado a seu respeito, não há, pois, prudência em não me fiar inteiramente neles? E se certas sensações, mais imediatas e mais fortes, parecem-me impor de maneira mais vigorosa sua realidade objetiva, não devo lembrar que por vezes, em sonho, tive sensações semelhantes que, ao despertar, se revelaram ser ilusão? Mas o erro não vem somente infirmar o valor de meus conhecimentos sensíveis; ele ataca também minha razão que por vezes se engana, como acontece mesmo nas matemáticas. Enfim, e de uma maneira bem geral, não podemos temer que sejamos o objeto dos malefícios de algum poder nefasto, de um deus enganador, que faria com que, mesmo naquilo que temos de mais seguro, estivéssemos irremediavelmente no erro? Sabemos que a dúvida não conduziu Descartes ao ceticismo, e que ele não a prolongou mesmo até o fim; as primeiras evidências da intuição intelectual foram postas de lado, o que reservará a possibilidade de uma construção positiva. Mas, pouco importa, o que nos interessa presentemente é esta evocação dos erros do conhecimento que naturalmente me conduzem a duvidar. Se, por vezes, me enganei, mesmo quando acreditava sem dúvida estar na verdade, quem jamais poderá me assegurar que atualmente não me engano? O fato incontestável do erro não coloca em questão o próprio valor do conhecimento? - Segundo tema: a imanência do conhecimento. O realismo, afirmam os idealistas, repousa, por outro lado, sobre uma pressuposição que não se mantém diante dos argumentos de uma crítica metafísica sem timidez. Tomemos, a título de exemplo, aquela que lhe endereça um idealista moderno, Hamelin (Essai sur les éléments principaux de Ia représentation). A base do realismo seria, segundo este filósofo, a dualidade do ser pensado e do ser pensante. Como, então, a ideia pode ser outra coisa que a imagem no segundo do atributo real possuído pelo primeiro? O conhecimento seria, portanto, essencialmente uma duplicação do ser no pensamento, suposição da qual é bastante cômodo explicar a origem em uma psicologia primitiva, mas que não se ,revela menos à reflexão como manifestamente absurdo, como a proposição monstruosa de que a representação é a pintura de um exterior em um interior, como se fosse possível atingir ou falar de um exterior ao pensamento. O pensamento que é essencialmente a unidade de um sujeito e de um objeto, não pode evidentemente repousar sobre a base da dualidade primitiva do ser pensante e de seu objeto presumido. A explicação da origem de nossas ideias ou da formação de nosso pensamento não é menos pueril se nos ativermos a esta posição do realismo. Com efeito, ela somente poderia ser concebida no modo de uma causalidade transitiva, de uma transmissão de espécies ou qualidades, como a introdução em nós de imagens, teoria grosseira que Demócrito e Epicuro aclimataram em filosofia e da qual Descartes fez justiça boa e definitiva na sua acerba crítica das "espécies voltejantes" da psicologia escolástica. Seria igualmente vão, para escapar a estas dificuldades, suprimir, como os percepcionistas o tentaram fazer, todo intermediário entre o pensamento e o ser. Resguardamo-nos bem, com isto, do absurdo da transmissão das imagens, mas para cair no mistério de uma "imediatez" sem justificação. Renunciemos, pois, de uma vez por todas, à empresa quimérica de querer, a todo preço, fazer reunir no fato do pensamento uma dualidade primitivamente afirmada e, portanto, a duplicar do exterior por um representado a representação: os representados não são o exterior da representarão. A representação, contrariamente à significação etimológica da palavra, não reflete um objeto e um sujeito que existiriam sem ela: ela é o objeto e o sujeito, ela é a própria realidade. A representação é o ser, e o ser é a representação. - Terceiro tema: a atividade do conhecimento. Se, por outro lado, observamos com atenção o espírito que pensa, seremos levados a constatar que ele está longe de se apresentar, segundo a suposição realista, como uma capacidade receptiva ou como uma potência passiva que se submeteria à ação determinante de um objeto exterior. Kant já havia observado que o entendimento não é, de modo algum, intuitivo, mas essencialmente atividade sintética; e, levando esta ideia adiante, o idealismo absoluto afirmará, com um Fichte ou com um Hegel, que o pensamento é atividade pura e incondicionada. O eu se põe ele mesmo anteriormente a toda suposição. Os seguidores dessas teses astuciosas não carecem de argumentos. Consideremos, por exemplo, para nos convencer, o caso privilegiado do pensamento científico. Não se tem a impressão de que, nesse domínio, o espírito só progride na medida em que projete diante de si o seu objeto? Isto é perfeitamente claro nas matemáticas. As figuras ou os números que estudo foram previamente constituídas por uma atividade de construção ou de soma da qual estou perfeitamente consciente, e a fecundidade do espírito, neste domínio, irá até determinar quantidades, espaços ou números, que sou impotente de me representar. Igual constatação para as ciências experimentais: não encontrarei jamais na experiência senão aquilo que o espírito aí previamente já depositou a título de hipótese ou de ideia diretriz. E as teorias gerais, nas quais se resume, em um momento dado, o acervo dos conhecimentos científicos, não são um admirável exemplo dessa fecundidade criadora de nossa inteligência? É a ideia pura evidentemente que, neste domínio, vem regular nosso espírito. Se nos detivermos, no momento, naquela operação intelectual em que estamos ordinariamente de acordo em considerar, como perfectiva de nossa vida de pensamento, o juízo, não aparece que aqui ainda o espírito é essencialmente construtor? Afirmo a priori, pelo menos no que concerne às proposições necessárias, liames que não me podem ser dados na experiência: aqui é o espírito que é regulador, como o observara Kant. Ou então, com Brunschvicg, a exterioridade que parece se ligar ao objeto da síntese judicativa, não se revelará simplesmente como uma modalidade subjetiva onde se afirma, como que por um ricochete, a limitação de nosso pensamento? De outra parte, em que se transforma, na suposição realista do determinismo do objeto, esse atributo de liberdade que parece bem caracterizar a própria essência da vida do espírito? Entre o materialismo das sequências necessárias e a espontaneidade sem entrave de um eu autônomo, é preciso, com efeito, fazer uma escolha? Se vos submeteis inicialmente a um objeto, jamais sereis verdadeiramente livres. O idealismo sozinho se afirma capaz de assegurar à nossa personalidade de homem a dignidade que devemos reivindicar para ela. Todas essas razões, e outras ainda, convergem pois para esta conclusão: nosso espírito é uma atividade livre e que se determina a si próprio em uma independência total diante de todo objeto transcendente. [Gardeil]