
A futurologia é uma disciplina que surgiu da pesquisa operacional e da cibernética . As técnicas utilizadas na obra que trouxe a futurologia a público são técnicas desenvolvidas por aquelas duas disciplinas. Numa visão rápida, o espírito da futurologia é o seguinte: parte-se da premissa que existem, no presente, certos "processos notáveis" que deverão continuar, por algum tempo, a influenciar as nossas vidas (por exemplo, a guerra do Vietnam, a corrida armamentista, um movimento neo-nacionalista nas nações do Terceiro Mundo). Supõe-se, ainda que a inter-conjugação destes processos notáveis pode conduzir a uma série de alternativas que constituiriam o mundo em futuro próximo (por exemplo, seriam alternativas um mundo constituído pela guerra do Vietnam ganha pelos americanos, a corrida armamentista estancada e a cessação do nacionalismo no Terceiro Mundo, ou então, um mundo com a guerra do Vietnam ganha pelos vietcongs, o fim do nacionalismo no Terceiro Mundo, mas ainda com a corrida armamentista estancada). A futurologia, baseando-se nestas premissas, pretende duas coisas. Primeiramente, seu interesse é descobrir a quais alternativas os "fatos notáveis" do presente levarão. Em seguida, estando descobertas estas alternativas, a futurologia deseja — com o auxílio de grandes organizações (tais como governos, associações internacionais, ou mesmo entidades meio mitológicas, do tipo do "complexo industrial-militar") — escolher o futuro mais conveniente. Esta escolha é feita através de um processo de feedforward : constrói-se o modelo do presente, e manipulando-se este modelo tanto por técnicas matemáticas (como a teoria dos jogos , ou as técnicas econométricas de projeção) quanto por técnicas "subjetivas" de avaliação, determinam-se as alternativas "futuras". Encontradas as alternativas, e escolhida a mais conveniente, procura-se descobrir que movimentos poderão levar à sua realização (isto é, que guerras devem ser ganhas, ou que governos devem — e podem — ser mudados, para que se chegue ao futuro desejado) .
Este resumo, que explica o que foi feito no livro de Kahn e Wiener, mostra como a futurologia não "prevê" o futuro, limitando-se a avaliá-lo como o conjunto dos muitos "possíveis" em face do atual presente, e procurando atingir, dos "possíveis", o mais conveniente. Ao mesmo tempo, quando a consideramos em sua produção, a futurologia talvez se mostre mais incapaz de previsões que outras tentativas menos "científicas" (e uma das análises notáveis de Spengler — cuja influência sobre os autores do Ano 2000 é óbvia, por sinal — está no último capítulo da Decadência do Ocidente, onde é visto o surgimento da "nova" figura de homem, o engenheiro, "o sábio sacerdote da máquina" — ou seja, o tecnocrata! Spengler nos surpreende muitas vezes; no seu livro sobre a técnica ocidental, Spengler não só levanta os problemas de destruição ambiental — de poluição — que a tecnologia desenfreada provoca, como também prevê o uso contra o Ocidente da tecnologia nas mãos dos povos do Terceiro Mundo, que nela hão de descobrir horizontes muito mais amplos de aplicação que o Ocidente. Façamos agora uma análise das premissas nas quais se funda a futurologia. Os "processos notáveis" que ela pretende isolar são, essencialmente, ideologemas , ou seja — pelo menos, fatos que o "senso comum" considera como "notáveis" — ou, mais radicalmente, consequências aparentes de processos "em profundidade". Exemplificando-se, ao estudar a guerra do Vietnam, o futurólogo, não se preocupa com suas origens e motivos, mas sim com o desenrolar-se do inter-jôgo de forças que se manifestam na guerra. Para o futurólogo, portanto, esta guerra será apenas a sucessão de operações que o exército americano, o vietnamita do sul, e o vietcong e os norte-vietnamitas executam; a guerra é vista, rigorosamente, como um jogo no sentido da teoria dos jogos. Ora, embora esta visada do processo possua eficácia a curto prazo, numa perspectiva mais distante ela, necessariamente, se mostrará falha. A guerra do Vietnam, enquanto manifestação "profunda", pode ser encarada (a) como uma luta de um povo colonizado contra o colonizador; (b) como um conflito entre duas grandes potências visando ao domínio estratégico de certa área, ou (c) como um choque entre duas ideologias irreconciliáveis, o Ocidente e o Leste por exemplo. A compreensão do processo em profundidade, que o futurólogo não pretende atingir, tem a vantagem de nos revelar o solo, a unidade do espírito do tempo dentro do qual vivemos. E pode, eventualmente, esclarecer os processos futuros que a futurologia classificará como o "imponderável" ou o "imprevisível".
A futurologia, portanto, pretende ser eficaz. Mas o que é a eficácia? Um problema pode ser solucionado eficazmente, stm ser efetivamente solucionado. Assim, a economia se propôs a resolver o problema da escassez de recursos, e a solução "eficaz" proposta foi a tecnologia. Mas técnicas podem produzir alimentos mais baratos e roupa em maior quantidade até um certo limite — pois a Terra é finita, e seus recursos são limitados. E, ao mesmo tempo, o desenvolvimento incontrolado da tecnologia conduz inevitavelmente ao problema da poluição. A resposta "eficaz" se revela assim uma resposta fundamentalmente inadequada. Como a tecnologia — que é mais um outro "notável processo" contemporâneo — é uma consequência de fenômenos bastante complexos, a futurologia ao considerá-la, e não aos fenômenos que a geraram, passa por cima de problemas de radical importância. Esclareçamos. O que se costuma chamar "grandes conquistas científicas do século XX" — a conquista da Lua, foguetes e aviões, o laser, a pílula anticoncepcional, os alimentos sintéticos, as fibras artificiais como o tergal e o nycron —i são na realidade conquistas meramente tecnológicas. A ciência que funda estas conquistas ou ainda está se iniciando — como a química dos polímeros, que conduziu (?) ao tergal, ou a bioquímica homonal, que levou (?) à pilula —i ou é, decididamente, uma ciência de há dois séculos — como a mecânica de Newton, que nos ajuda a mandar foguetes à Lua; Einstein nada tem a ver com isso. Muito pelo contrário, em nosso século a ciência só tem passado por crises. Considerando-se a física e a matemática como ciências "já estabelecidas", pode-se facilmente observar como desde fins do século já se delineavam das grandes dificuldades que a física e a matemática de hoje em dia enfrentam. Especificamente, tratam-se de dificuldades "fundamentais": a matemática deseja se ver "livre de contradições internas" — mas teoremas como o de Gödel restringem radicalmente tais pretensões. A física deseja compreender a estrutura da "matéria", do "espaço" e do "tempo", mas nossa compreensão dos três só faz se tornar mais complexa e misteriosa sempre. Esta crise foi pressentida, curiosamente, por pensadores que observavam a ciência e a tecnologia a alguma distância, Spengler, Heidegger, Husserl; e ela talvez se mostre o real espírito de nosso tempo. Mas a respeito dela nada nos diz a futurologia. Há mais problemas, ainda, em torno da futurologia. Tais problemas envolvem as técnicas matemáticas das quais ela se serve. Por exemplo, projeções econométricas de índices envolvem, estruturalmente, uma faixa finita de imprevisibilidade mesmo que o erro estatístico seja nulo. E técnicas como a teoria dos jogos possuem muitas restrições internas drásticas. A este respeito, remetemos o leitor às referências e aos verbetes relacionados. (Francisco Doria - DCC)