método cartesiano

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: mccastro

método cartesiano

Pelo contrário, a partir da Renascença, e muito especialmente a partir de Descartes, o método muda completamente de aspecto, e o acento vai recair agora, não tanto sobre a discussão posterior à intuição, quando sobre a própria intuição e os métodos de consegui-la. Quer dizer que se o método filosófico, na Antiguidade e na Idade Média se exercita principalmente depois de obtida a intuição, o método filosófico na Idade Moderna passa a exercitar-se principalmente antes de obter a intuição e como meio para obtê-la.

Tomemos o Discurso do Método, de Descartes, e as ideias filosóficas deste, e veremos que o que o preocupava era como chegar a uma evidência clara e distinta; quer dizer, como chegar a uma intuição indubitável da verdade. Os caminhos que conduzem a esta intuição (não os que depois da intuição a garantem, a provam, a retificam ou a depuram, mas os que conduzem a ela) são os que principalmente Interessam a Descartes. O método é, pois, agora pré-intuitivo, e tem como propósito essencial conseguir a intuição. Como se pode conseguir a intuição? Não se pode consegui-la ruiis que de um modo, que é procurando-a; quer dizer, dividindo em partes todo objeto que se nos ofereça confuso, obscuro, não evidente, até que algumas dessas partes se tornem para nós um objeto claro, intuitivo e evidente. Então já temos a intuição.

Operou-se aqui uma mudança radical com respeito à concepção que tinha Platão do mundo e da verdade. Platão tinha do mundo e da verdade a concepção de que este mundo em que vivemos é o reflexo pálido do mundo em que não vivemos e que é a morada da verdade absoluta. São, pois, dois mundos. Tinha-se que ir deste para aquele. Tinha-se que estar seguro, o mais possível, de que a intuição que daquele temos é a exata e verdadeira. Pelo contrário, para Descartes este mundo em que vivemos e o mundo da verdade são um só e mesmo mundo. O que acontece é que, quando o olhamos pela primeira vez, o mundo em que vivemos nos aparece revolto, confuso, como um caixão onde há uma multidão de coisas. Porém, se nessa multidão de coisas, se nessa multidão de conceitos caóticos, se nesse caixão nos preocupamos vagarosamente por colocar uma coisa aqui e outra lá e pôr ordem nessetotum revolutum, nesse caixão, então esse mundo tornase- nos de repente inteligível, compreendemo-lo, é para nós evidente. Em que consistiu aqui a consecução dessa evidência? Não consistiu numa fuga mística deste mundo ao outro mundo, mas antes consistiu numa análise metódica deste mundo, no fundo do qual está o mundo inteligível das ideias. Não são dois mundos distintos, mas um dentro do outro, os dois constituindo um todo.

Se se permite já o uso de uma palavra técnica filosófica, direi que o mundo de Platão é distinto do mundo em que vivemos; o mundo tinha ideias, diferente do mundo real em que vivemos em nossa sensação, é um mundo transcendente, porque é outro mundo distinto daquele que temos na sensação. A verdade, para Platão, é transcendente às coisas. A ideia, para Platão, é pois, transcendente ao objeto que vemos e tocamos. Quando queremos definir um dentre os objetos que vemos e tocamos, temos que destacá-lo, e escapar para o mundo transcendente das ideias, completamente distinto, e por isso chamado por Platão "transcendente". Mas em Descartes, quando queremos partilhar de um conceito, não escapamos para fora desse conceito a outro mundo, mas antes, por meio da análise, introduzimos clareza nesse mesmo conceito. É o mesmo conceito que nos era obscuro e que agora se torna para nós claro. Portanto, o mundo inteligível em Descartes é imanente, forma parte do mesmo mundo da sensação e da percepção sensível e não é outro mundo distinto. De modo que o método cartesiano, e a partir de Descartes o de todos os filósofos, postula a imanência do objeto filosófico. A intuição tem que discernir, através da caótica confusão do mundo, todas essas ideias claras e distintas que constituem sua essência e seu miolo. A análise é, pois, o método que conduz Descartes à intuição, e a partir deste momento, em toda a filosofia posterior a Descartes, acentua-se constantemente este instrumento da intuição. Depois de Descartes, a intuição continua sendo de uma ou de outra forma, segundo os sistemas filosóficos de que se trate, o método por excelência da filosofia. [Morente]

Submitted on:  Mon, 15-Jun-2009, 08:51