
Nos modernos tratados de cosmologia, usa-se confrontar a teoria aristotélica dos princípios, chamada hilemorfismo com as teorias rivais do atomismo e do dinamismo. Não será interessante entrar nessas discussões senão depois de se tomar consciência da extrema complexidade das explicações colocadas em questão e da própria ambiguidade do vocabulário empregado. Assim pode-se muito bem sustentar que no hilemorfismo de Aristóteles é latente um atomismo e um mecanicismo dos, mais caracterizados, e deve-se afirmar que Descartes é um anti-atomista convicto. Termos tão ambíguos como estes, em particular, de atomismo e de mecanicismo, não devem ser utilizados senão com grande prudência.
A base mais segura para este debate parece ser a crítica que Aristóteles opõe ao atomismo, tal como Leucipes e Demócrito o apresentavam. Com efeito, estes dois filósofos tinham elaborado um sistema da natureza onde se encontrava a explicação atomista do mundo sob a forma mais ingênua, mas também a mais rigorosa. O mundo é composto de partículas extremamente pequenas, não qualificadas, indivisíveis, somente dotadas de figuras diversas, e que, através, de associações variadas constituíam os corpos que nos rodeiam e produziam suas transformações. Da forte discussão sobre esta questão, colocada no princípio do De Generatione, resultou que Aristóteles não pôde aceitar o atomismo pela razão principal de que um tal sistema é impotente para explicar a geração de novas substâncias: um nôvo conjunto de. átomos não é uma substância nova. Dito de outra forma, a substância não pode resultar de um simples agregado de elementos pré-existentes: "com efeito, há geração e corrupção absolutas, não em consequência da união e da separação (no sentido mecânico), mas quando há mudança total de uma tal coisa em uma outra coisa" (De Gener., I, c. 2, 317 a 20). "Que seja bem estabelecido, diz para concluir, que a geração não pode ser uma união" (317 a 30).
Como sistema explicativo absoluto o atomismo vai de encontro com o fato, demonstrado por Aristóteles, da geração substancial concebida como a destruição total de um ser, ligada ao nascimento de um ser essencialmente novo. Se se continua a admitir com o Estagirita que há tais transformações no mundo físico, o que evidentemente supõe previamente que há substâncias, a argumentação do De Generatione parece conservar todo seu valor e, no plano filosófico, o hilemorfismo deve ser mantido. Ora, já o vimos, pelo menos para o caso dos viventes, para os quais os têrmos indivíduo, nascimento ou destruição parecem conservar sua significação plena, parece difícil refutá-lo.
Mas o atomismo, e é sob este ponto de vista que geral mente se colocam os estudiosos, pode ser considerado como uma ordenação e uma solução sobre o plano da quantidade, ou do contínuo espacial do mundo dos corpos. Nada impede, parece, imaginar agora que estes sejam constituídos de corpúsculos nos quais a disposição e os movimentos serão analisáveis matematicamente. Assim o universo se revelará sob esta luz como um sistema mecânico: visão de fato fundamentada na realidade e que no próprio aristotelismo encontra, com a doutrina do primado do movimento local, como uma pedra fundamental. Mas esta visão é obtida, convém não esquecermos, ao preço de uma abstração e sob um ponto de vista relativo.
A explicação hilemórfica e a explicação atomista poderão portanto ser igualmente mantidas, cada uma em seu plano. Mas, filosoficamente falando, é a análise de Aristóteles que vai mais ao fundo das coisas. [Gardeil]