
A liberdade de eleição, ou livre arbítrio, ou livre alvedrio é a capacidade que o ser espiritual tem de tomar por si mesmo (isto é, sem ser precedentemente determinado univocamente por coisa alguma) uma posição em face de valores limitados conhecidos, de escolher ou não escolher o bem limitado, de escolher este ou aquele bem concebido como limitado. Portanto a liberdade da vontade só é tomada em consideração onde se apreende um valor como real, mas limitado, unido a um não-valor, que é tal desde outro ponto de vista. Quando alguma coisa aparece como valor absoluto tal que a tendência a ele não leva anexo nenhum não-valor noutro sentido, a vontade deve — não por coação, mas de acordo com o seu peculiar impulso natural para tudo quanto é valioso (apetite) — afirmar o bem em questão e tender necessariamente para ele. Além disso, a liberdade da vontade não significa, por forma alguma, capacidade para querer "sem causa", como repetidamente afirmam muitos adversários do livre arbítrio (deterministas), por desconhecerem a verdadeira doutrina da liberdade. Não há querer imotivado. A liberdade da vontade não quer dizer que esta não possa ser intensamente influenciada e solicitada pelos motivos ou que permaneça absolutamente indiferente perante eles. Nem tampouco significa que, de fato, os homens queiram sempre livremente, pois que muitas ações da vida cotidiana se praticam sem qualquer apreciação de motivos. Além disso, como a deliberação necessária para a escolha pode ser também limitada e entorpecida pela paixão ou por estados patológicos, como p. ex., por ideias obsessivas e outros transtornos idênticos, podemos com razão, em tais circunstâncias, falar de minoração da liberdade e da imputabilidade, embora não da total supressão das mesmas (a não ser nos casos de grave enfermidade mental). O fato do livre arbítrio infere-se, antes de mais nada, de suas relações com a personalidade ética. Sem liberdade da vontade e, portanto, sem a possibilidade de querer desta ou daquela maneira, não pode o homem razoavelmente ser mais responsável das orientações de sua vontade, nem mais digno de prêmio ou de castigo, do que o é um enfermo de sua enfermidade. Por conseguinte, sem liberdade da vontade também não é possível separar razoavelmente do puro valor de utilidade a bondade moral ou a maldade do querer. O imperativo categórico da consciência careceria, então, de sentido, tanto como a vivência da boa ou má consciência, a culpabilidade, o arrependimento, etc. Com a renúncia à liberdade da vontade deveria simultaneamente renunciar-se à dignidade ética da personalidade, mas com isso perderia também seu sentido o ser inteiro do homem. — Além disso, a consciência da liberdade antes, em e depois das decisões voluntárias (aliás, admitida como um fato por muitos adversários), é um fato tão universal e fàcticamente invencível, que não se pode explicar sempre e em todos os casos, p. ex., por mera auto-ilusão, por ignorância inconsciente de motivos, etc, mas só pela realidade da liberdade da vontade. Que, não obstante, seja possível em muitos casos predizer com o máximo de probabilidade decisões ulteriores das pessoas, quando se conhecem exatamente seu caráter, inclinações e situações, isso explica-se pelo fato de, em muitos casos, os homens escolherem precisamente aquilo que, de ordinário, corresponde a seus costumes, a suas inclinações estáveis, ou a considerações de sua situação, principalmente se esta não oferece ensejo especial para uma escolha contrária (cf. os experimentos de Ach para "refutar" a liberdade da vontade). — Tampouco se pode asseverar que, mesmo sem liberdade da vontade, os conceitos éticos fundamentais conservariam seu pleno sentido, porque, p. ex., o homem deveria ter formado melhor o caráter que agora o determina ao mal. De fato, se êíe não é livre, não podia formar o caráter de outra maneira, e, por conseguinte, não é responsável pelos efeitos deste. A liberdade da vontade radica, em última instância, na essência do ser espiritual. Este, de um lado, deve chegar, de maneira essencialmente necessária, ao conhecimento do valor meramente relativo dos fins limitados apetecidos (ao juízo valorativo indiferente, o qual diz: o fim em questão sintoniza-se, em parte, bem, e, em parte, menos bem, com o sentido do querer; mas sob outro aspecto, também o contradiz; pelo que, não oferece a fundamentação absoluta de uma volição); do outro lado, uma vontade psicologicamente determinada, também neste caso, estaria necessária e essencialmente ordenada a tal fim; por conseguinte, a orientação intencional da vontade a si mesma se contradiria, a vontade a si mesma se aniquilaria e se converteria num absurdo. — A liberdade da vontade não repugna, por forma alguma, à validade universal do princípio de razão suficiente ou à validade, não menos universal, do princípio de causalidade, cujo caso particular, a lei de causalidade, se restringe, em sua validade, aos acontecimentos do mundo corpóreo. Razão suficiente, embora não necessitante, do querer é sempre a bondade apreendida do fim. Causa eficiente bastante do ato volitivo é a vontade satisfeita com os motivos ou a própria alma, enquanto tem em si a eficácia produtora não só de uma, mas de muitas direções da vontade. Mas não se demonstrou como sendo lei universalmente válida e necessária, o fato de uma causa suficiente em cada caso, embora atuando como força decisiva à luz de um completo conhecimento de várias possibilidades, dever ser uma causa coarctada, capaz unicamente da ação em questão. Alguns defensores da liberdade da vontade (indeterministas) tentaram, mediante profundas controvérsias especulativas, examinar mais em pormenor o "como" da gênese e da possibilidade dos atos volitivos livres, e também da cooperação dos mesmos com a onipotência e a razão divina. Assim, nos séculos XVI e XVII, Báñez, Molina, Belarmino ( concurso de Deus, presciência divina, molinismo), Leibniz (doutrina da eleição do fim que em cada caso parece ser o melhor, com o que a liberdade ficaria logicamente suprimida) e outros. Não se conseguiu até hoje o acordo definitivo sobre esta questão, talvez só possível psicologicamente, e que esbarra na impossibilidade de elucidar, de modo exaustivo, com nossos meios racionais, a essência e a ação de Deus nas criaturas. Para a apreciação de tais tentativas, é essencial que, nos intentos de explicação teorética, fiquem a salvo a liberdade, a responsabilidade, a dignidade ética do homem e, com elas, a justiça, e a veracidade de Deus, bem como a dependência da criatura relativamente ao Criador. — Segundo Kant, a liberdade da vontade não é teoreticamente demonstrável; deve, porém, admitir-se como pressuposição das exigências éticas. Todavia, ela não consiste propriamente na liberdade de optar perante valores limitados, mas na independência a respeito dos impulsos sensitivos, a qual, ria verdade, não significa livre arbítrio, mas espiritualidade exagerada da vontade. — WlLLWOLL. [Brugger]