
A filosofia da existência (filosofia existencial, existencialismo) representa hoje um autêntico filosofar de elevada categoria e de vastíssima influência. Tendo-se organizado de maneira sistemática no século XX, suas raízes penetram na primeira metade do século XIX. Em termos mais precisos, ela representa uma reação contra o idealismo alemão. O pensamento de Hegel, que se presta para o perigo de semelhante interpretação, foi ulteriormente compreendida de maneira tal que o homem se volatilizava em mero momento evolutivo da ideia absoluta, e, por essa forma, a plenitude do existente se explicava por uma necessária conexão conceptual. Em face deste despotismo do universal, prevaleceu a substantividade e indeduzibilidade do indivíduo humano concreto. Num primeiro momento, o positivismo e a burguesia superficial fizeram deste homem algo de inconsistente e de irreal (desessenciado), porque derribaram o universal ideal, sem lhe oferecerem um novo fundamento radical. Aqui se enxertou a filosofia da existência, a qual confere ao indivíduo consistência e profundidade, chamando-o à "existência" ("Existenz"). O romantismo preparou o caminho a essa filosofia, na medida em que manda situar o homem em sua existência concreta, nele faz confluir a plenitude do ser e também enquanto desperta o sentido da indeduzibilidade do fenômeno histórico. Schelling, no último período de seu filosofar, levanta a questão com maior perspicácia: o problema da existência, ultrapassando as fronteiras da necessidade lógica do universal, apela para a liberdade e, para além da mera razão, exige como origem a vontade: "O ser primordial é querer". O passo decisivo para chegar à filosofia da existência ou existencialismo é dado pela teologia existencial de Kierkegaard. Pretende este conduzir o indivíduo à plenitude de seu existir, ou seja, à existência (Existenz) (pela primeira vez aparece o termo nesta acepção). A existência realiza-se mediante a decisão livre, na qual o homem se põe ou apreende a si mesmo, e mediante a fé com que se apoia em Deus; preliminarmente surge a angústia, como comoção de todo o finito e experiência do nada. A f é é pensada à maneira cristã e é concebida como uma espécie de salto; sua indeduzibilidade aumenta até ao paradoxo, na medida em que o cristão aparece como contraditório do homem. Correntes afins ampliam o esboço traçado por Kierkegaard. Com ele a filosofia da vida (filosofia da vida) propõe-se eximir a vida em sua concreta plenitude e profundidade à violência exercida pelo conceito universal; a vida abre-se só à compreensão pré-racional ou supra-racional, p, ex., ao instinto (Nietzsche) ou à intuição (Bergson). Acresce a hermenêutica (interpretação) do histórico (Ditlhey), o qual em sua irrepetibilidade não consente ser explicado por conceitos e leis universais, mas só pode ser compreendido, se lhe interpretarmos o sentido (compreender). Aparentada a este método é a fenomenologia de Husserl com sua intuição das essências, enquanto, partindo das situações internas, leva a cabo uma interpretação das mesmas; em Scheler, no último período, a fenomenologia aproxima-se da filosofia da vida, e, por essa forma, o impulso ou alor vital, de importância central já para Nietzcshe e (em sentido diferente) para Bergson, de novo passa a ocupar o primeiro plano. Voltando-se agora para os principais representante." da filosofia existencial na Alemanha, o que mais próximo se situa de Kierkegaard é Jaspers (nascido em 1883), que também recebeu o influxo de Kant. O indivíduo, enquanto existência, não é concebido a partir do universal, mas deve ser esclarecido a partir de si mesmo, como tal ou tal indivíduo, em sua uni-decorrente ou irrepetível sitúaselo histórica. Contra o nada Intimamente experimentado na angústia, a existência afirma-se pela decisão em favor de seu auto-ser (Selbsteein). Esta decisão, por seu turno, fundamenta-se na transcendência, a qual se manifesta ao passar através das situações-limite. A ela corresponde a "fé filosófica" supra-conceptual, a qual, em oposição à "fé religiosa", que abarca o Deus presente, só pode dirigir-se ao Deus ausente ou oculto. Todas as influências apontadas determinaram Heidegger (nascido em 1889). Seu pensamento não é só existentivo (existenziell), ou seja, elucidativo de tudo em sua significação para a existência individual (Jaspers), mas primariamente existenciário (existenzial), ou seja, dirigido, através do indivíduo ao "ser-aí" (Dasein = ao homem), e até mesmo simplesmente ao ser. Por isso, Heidegger move-se do ôntico ao ontológico, do ente fáctico ao ser que o fundamenta. Assim sendo, a analítica existencial do homem é tão-somente a ontologia fundamental, à qual deve seguir-se a ontologia como interpretação do próprio ser; contudo, recentemente, Heidegger denomina ontologia a investigação do ente, a qual se identifica com a metafísica, e designa por ontologia fundamental o esclarecimento do ser; este, segundo ele, leva a cabo a superação da metafísica. O ser manifesta-se primeiro como projeto, bosquejo do homem em seus modos de existência ou existenciários. Na inautenticidade (caracterizada como "queda": "Verfallen"), o homem perde-se a si mesmo por se preocupar com as coisas mundanas. Acima desta o eleva a angústia, a qual esboça o nada como fundamento de todo ente: no presente como futilidade ("não-ser": Nichtigkeit) do cotidiano, no passado, enquanto o "donde" (das Woher) permanece oculto: lançadura (Geworfenheit); no futuro, porque deste só uma coisa é certa: que se precipita na morte. A experiência do nada abarca, pois, todas as prolongações do "ser-aí" ou Dasein e, com isso, situa o homem ante a totalidade de sua existência. O homem, ao captar esta em sua resolução (= em seu estado de resolução, em sua abertura determinada: Entschlossenheit), chega à autenticidade (à propriedade = Eigentlichkeit). Esta significaria carência de sentido (Sinnlosigkeit) e, por isso mesmo, tragédia sem esperança, se o nada denotasse o vácuo absoluto. De fato, porém, sob o véu do nada (do nada do ente) mostra-se o ser, o qual por forma alguma é só um projeto do homem, mas precede-o na qualidade de fundamento (Grund) de todo ente. Embora o ser deixe espaço para o santo, para a divindade e para Deus, o problema de Deus continua sem solução categórica. A par da filosofia existencial alemã importa mencionar o existencialismo francês, no qual perdura a herança espiritual de pensadores como Pascal e Maine de Piran. Desenvolve-se em duas direções fundamentais: uma ateístico-niilista, cujo principal representante é J. P. Sartre (nascido em 1905), e outra, metafísico-teísta, cultivada especialmente por G. Mareei (nascido em 1889). Sartre procede principalmente de Heidegger, Husserl e Hegel. Segundo ele, no homem a existência precede a essência, ou, por outras palavras, o homem como liberdade absoluta e ilimitada só determina sua essência e os valores importantes da existência. Dado que, enquanto liberdade, inteiramente desamparado, sem Deus e sem norma, deve buscar seu caminho, parece estar condenado a ela como a um ônus. A liberdade inclui a consciência, a qual se contrapõe essencialmente a si mesma e, portanto, não é inteiramente ela própria; impedida, por este não ou nada, de ser completamente ela própria, a liberdade é o ser, roto pelo nada, frente ao qual se ergue o corpóreo inconsciente como ser pleno sem ruptura. A consciência, tendendo necessariamente, embora em vão, a se tornar consciente e a ser completamente ela própria, manifesta-se como paixão inútil ou como absurdidade, da qual dá testemunho a náusea como experiência fundamental da existência. O polo oposto é, de certa maneira, constituído por G. Marcel, que chegou a formular suas ideias fundamentais anteriormente a Sartre e independentemente de Kierkegaard e da filosofia existencial alemã. Também ele investiga o mistério da pessoa humana e de sua liberdade. O homem, ao elucidar sua situação concreta, aparece, primeiramente, como que fracturado e segregado da própria vida. Contudo encontra-a e, com isso, encontra-se a si mesmo, enquanto, mediante o recolhimento e a fidelidade, se eleva em direção à transcendência e, por essa forma, se apoia no "tu" divino. Deste modo, a existência, para G. Marcel, é caracterizada mais pela esperança e pela adoração do que pela angústia e pelo cuidado. A filosofia da existência tem razão, quando assevera que o homem não é meramente existente (vorhanden), mas sim existência (Existenz), por outras palavras, que o homem só se conquista a si mesmo na decisão com que abarca e realiza a plenitude de seu ser. Assim sendo, a vontade e a liberdade, a atuação em geral, instalam-se no ponto central, e são exigidos um ser-captado pessoal e uma seriedade existencial, Com visão profunda pe salientou que esta "des-essencialização" (Verwesentlichung) se funda na transcendência, na união com algo de supramundano. Contudo, precisamente o véu, que envolve o transcendente, mostra as limitações da filosofia existencial. Juntamente com o universal idealístico tornam-se-lhe suspeitos o universal em geral e a razão (ratio) a ele subordinada. Como porém o irracional só patenteia as coisas em sua relação com a existência, persiste o perigo de que o objetivo se dilua no puro existenciário do homem, de que, portanto, "seja" unicamente na medida em que o homem o projete como aspecto de sua existência. A filosofia da existência não deve sucumbir a este perigo, uma vez que na passagem através dos existenciários pode abrir para si uma rota nova e cheia de vida para o ser. [Brugger]