(gr. eleutheria; lat. libertas; in. Freedom, Liberty; fr. Liberte; al. Freiheit; it. Liberta).
Esse termo tem três significados fundamentais, correspondentes a três concepções que se sobrepuseram ao longo de sua história e que podem ser caracterizadas da seguinte maneira: 1) liberdade como autodeterminação ou autocausalidade, segundo a qual a liberdade é ausência de condições e de limites; 2) liberdade como necessidade, que se baseia no mesmo conceito da precedente, a autodeterminação, mas atribuindo-a à totalidade a que o homem pertence (Mundo, Substância, Estado); 3) liberdade como possibilidade ou escolha, segundo a qual a liberdade é limitada e condicionada, isto é, finita. Não constituem conceitos diferentes as formas que a liberdade assume nos vários campos, como p. ex. liberdade metafísica, liberdade moral, liberdade política, liberdade econômica, etc. As disputas metafísicas, morais, políticas, econômicas, etc, em torno da liberdade são dominadas pelos três conceitos em questão, aos quais, portanto, podem ser remetidas as formas específicas de liberdade sobre as quais essas disputas versam.
1) Para a primeira concepção, de liberdade absoluta. incondicional e, portanto, sem limitações nem graus, é livre aquilo que é causa de si mesmo. Sua primeira expressão encontra-se em Aristóteles. Embora a análise aristotélica do voluntarismo das ações pareça recorrer ao conceito da liberdade finita, a definição de voluntário é a mesma de liberdade infinita: voluntário é aquilo que é "princípio de si mesmo". Aristóteles começa afirmando que a virtude e o vício dependem de nós; e prossegue: "Nas coisas em que a ação depende de nós a não-ação também depende; e nas coisas em que podemos dizer não também podemos dizer sim. De tal forma que, se realizar uma boa ação depende de nós, também dependerá de nós não realizar má ação" (Et. Nic, III, 5, 1113 b 10). Isso já fora dito por Platão no mito de Er. Mas para Aristóteles significa que "o homem é o princípio e o pai de seus atos, assim como de seus filhos" (Ibid.). De fato, "só para quem tem em si mesmo seu próprio princípio, o agir ou o não agir depende de si mesmo" (Ibid., III,. 1, 1110 a 17); assim o homem "é o princípio de seus atos" (Ibid., III, 3, 1112 b 15-16). Essa noção de "princípio de si mesmo" é a definição da lei incondicionada, encontrada, p. ex., em Cícero: "Para os movimentos voluntários da alma não se deve procurar uma causa alheia, pois o movimento está em nosso poder e depende de nós: nem por isso é sem causa, visto que sua causa é sua própria natureza" (De fato, II). Em Epicuro, a noção de liberdade tinha o mesmo significado de autodeterminação absoluta, que para ele começava nos átomos, aos quais atribuía o poder de desviar-se da própria trajetória. Lucrécio diz: "Podemos desviar nossos movimentos sem sermos determinados pelo tempo nem pelo lugar, mas pelo que nos inspira nosso espírito; pois sem dúvida a vontade é o princípio desses atos e através dela o movimento se expande por todos os membros" (De rer. nat., II, 260). A noção de liberdade como autocausalidade ou autodeterminação (autopragia) também é o fundamento do conceito de liberdade como necessidade. Os estoicos admitiam que eram livres as ações que têm em si mesmas causa ou princípio: "Só o sábio é livre, e todos os malvados são escravos, pois liberdade é autodeterminação, enquanto escravidão é falta da autodeterminação" (Diógenes Laércio, VII, 121). Epicteto, consequentemente, dizia que eram "livres" as coisas que estão "em nosso poder", ou seja, os atos do homem que têm princípio no próprio homem (Dis., 1,1).
Este conceito foi transmitido durante toda a Idade Média. Orígenes foi o primeiro a defendê-lo no mundo cristão, esclarecendo-o no sentido de que a liberdade consiste não só em ter em si a causa dos próprios movimentos, mas também em ser essa causa. Esta definição, que se aplica a todos os seres vivos, privilegia o homem porque a causa dos movimentos, humanos é aquilo que o próprio homem escolhe como móbil, enquanto juiz e árbitro das circunstâncias externas (De princ, III, 5). Considerações análogas ocorrem em De libero arbítrio de S. Agostinho (cf., p. ex., I, 12; III, 3; III, 25). Em outro trecho ele diz: "Sente que a alma se movimenta por si só quem sente em si a vontade" (Dediv. quaest., 83, 8). Alberto Magno dizia que era livre o homem que é causa de si e que não é coagido pelo poder de outro (S. Th., II, 16, 1). E, para Tomás de Aquino, "o livre-arbítrio é a causa do movimento porque pelo livre-arbítrio o homem determina-se a agir". Tomás de Aquino acrescenta que, para existir liberdade, não é necessário que o homem seja a primeira causa de si mesmo, como de fato não é, pois a primeira causa é Deus. Mas a Primeira Causa não impede a autocausalidade do homem (Ibid., I, q. 83, a. 1; cf. Contra Gent., II, 48). A última escolástica manteve esse conceito de liberdade, aliás acentuando a indiferença da vontade com relação aos seus possíveis determinantes. Duns Scot afirma que "a liberdade da nossa vontade consiste em poder decidir-se por atos opostos, seja depois, seja no mesmo instante" (Op. Ox, I, d. 39, q. 5, n. 16).
Esta possibilidade de decidir-se por atos opostos expressa a perfeita indiferença da vontade com relação a todas as motivações possíveis. Ockham, mesmo negando a possibilidade simultânea de atos opostos, também frisa a indiferença absoluta da vontade: "Por liberdade entende-se o poder de, indiferente e contingentemente, propor coisas diferentes, de tal forma que posso causar ou não o mesmo efeito, sem que haja diversidade alguma, a não ser nesse poder" (Quodl, I, q. 16). Mas Ockham não julga que seja possível demonstrar que a vontade é livre nesse sentido. A liberdade só pode ser conhecida por experiência, pois "o homem sente que, mesmo que a razão lhe dite alguma coisa, a vontade pode querê-la ou não" (Ibid., I, q. 16). Buridan observava a esse respeito que a liberdade não consiste em poder deixar de seguir o juízo do intelecto, porque, se o intelecto reconhecesse com evidência que dois bens são perfeitamente iguais, não poderia decidir-se nem por nenhum dos dois; consiste, sim, em poder suspender ou impedir o juízo do intelecto (In Eth., III, q. 1-4). E assim propunha as premissas do caso que se denominou O Asno de Buridan : este, por não ter liberdade, morre de fome na mesma condição em que o homem pode suspender o juízo e fazer arbitrariamente a escolha.
O conceito de autopraghia ou causa sui ocorre com frequência na filosofia moderna e contemporânea. "A substância livre" — diz Leibniz — "determina-se por si mesma, seguindo o motivo do bem que é percebido pela inteligência, que a inclina sem necessitá-la: todas as condições da liberdade estão compreendidas nestas poucas palavras" (Théod., III, § 288). Este mesmo conceito levou Kant a admitir o caráter "numênico" da liberdade: "Se tivermos de admitir a liberdade como propriedade de certas causas dos fenômenos, ela deve, em relação aos fenômenos como eventos, ter a faculdade de iniciar por si (sponte) a série de seus efeitos, sem que a atividade da causa precise ter início e sem que seja necessária outra causa que determine tal início" (Prol, § 53). A "faculdade de iniciar por si um evento" é exatamente a causa sui do conceito tradicional de liberdade. Esta é também denominada, no mesmo sentido, "espontaneidade absoluta", ou seja, atividade que não recebe outra determinação senão de si mesma (Crít. R. Pura, I, livro I, cap. III, Elucidação crítica). Mas, mesmo como causa sui ou espontaneidade absoluta, "a causa livre, em seus estados, não pode ser submetida a determinações de tempo, não deve ser um fenômeno, deve ser uma coisa em si e só os seus efeitos devem ser julgados fenômenos" (Prol, § 53). Kant quis conciliar a liberdade humana, como poder de autodeterminação, com o determinismo natural que, para ele, constitui a racionalidade da natureza; por isso considerou a liberdade como númeno, pois aquilo que, de um ponto de vista (dos fenômenos), pode ser considerado necessidade, de outro ponto de vista (do númeno), pode ser considerado liberdade Mas o conceito de liberdade não sofreu inovação alguma com esse artifício kantiano. Esse mesmo conceito é expresso por Fichte: "A absoluta atividade também é denominada liberdade A liberdade é a representação sensível da auto-atividade" (Sittenlehre, Intr., 7, em Werke, IV, p. 9).
Esse mesmo conceito está hoje presente em todas as formas de indeterminismo . Nas formas espiritualistas do indeterminismo (que são as mais difundidas), a autodeterminação é considerada uma experiência interior fundamental, uma espécie de criação "interior"; torna-se a "autocriação do eu". Maine de Biran afirma: "A liberdade ou a ideia de liberdade, tomada em sua fonte real, nada mais é que o sentimento que temos de nossa atividade ou desse poder de agir, de criar o esforço constitutivo do eu" (Essai sur les fondements de la psychologie, 1812, em OEuvres, ed. Naville, I, p. 284). Concepção análoga pode ser encontrada em Mikrokosmus de Lotze (I, pp. 283 ss.) e, com alguma atenuação, em Nouvelle monadologie, de Renouvier (pp. 24 ss.). O espiritualismo francês, com Sécretan, Ravaisson, Lachelier, Boutroux, Hamelin, atém-se estritamente a esse mesmo conceito. "O conhecimento das leis das coisas" — diz Boutroux — "permite-nos dominá-las e assim, em vez de prejudicar nossa liberdade, o mecanismo torna-a eficaz." Portanto, não somente as coisas internas, como queria Epicteto, mas também as externas dependem de nós (De l’idée de loi naturelle, 1895, pp. 133, 143). Desse ponto de vista, o motivo não é a causa necessitante da ação. humana: a vontade dá preferência a um motivo mais que a outro, e o motivo mais forte não o é independentemente da vontade, mas sim em virtude dela (La contingence de lois de la nature, 1874, p. 124). O conceito bergsoniano de liberdade outra coisa não faz senão reexpor essa mesma tese. Bergson afirma que o conceito de liberdade por ele defendido situa-se entre a noção de liberdade moral, isto é, da "independência da pessoa perante tudo o que não é ela mesma", e a noção de livre-arbítrio, segundo o qual aquilo que é livre "depende de si mesmo assim como um efeito depende da causa que o determina necessariamente". Contra esta última concepção, Bergson objeta que os atos livres são imprevisíveis e que, portanto, não se lhes pode aplicar a causalidade, segundo a qual causas iguais têm efeitos iguais. Por isso, a liberdade continua indefinível; e deve ser identificada com o processo da vida consciente, ou seja, com a duração real (Essais sur les données immédiates de la conscience, 1899, pp. 131 ss.). Mas na realidade o conceito de livre-arbítrio partia precisamente da imprevisibilidade dos fatos humanos (os chamados "futuros contingentes") e da autocausalidade da vontade. A doutrina bergsoniana nega a indiferença da vontade aos motivos, somente para sustentar que a vontade cria ou constitui os motivos e confere-lhes a força determinante de que dispõem. Mas dessa forma a autodeterminação continua sendo definição de liberdade; como tal permanece também no conceito (proposto por F. Lombardi, La liberta del volere e l’individuo, 1941, p. 192) de ato ou movimento que "se reproduz ou se produz continuamente", levando consigo, nessa autoprodução, "todo o mundo em que atua". Não tem sentido diferente a doutrina de Sartre, para quem a liberdade é a escolha que o homem faz de seu próprio ser e do mundo. "Mas exatamente por se tratar de uma escolha, na medida em que é feita, essa escolha geralmente indica outras tantas como possíveis. A possibilidade dessas outras escolhas não é explicitada nem proposta, mas é vivida no sentimento de injustificabilidade e expressa na absurdidade da minha escolha, consequentemente do meu ser. Assim, minha liberdade devora a minha liberdade Sendo livre, projeto o meu possível total, mas com isto proponho que sou livre e que posso aniquilar esse meu primeiro projeto e relegá-lo ao passado" (L’être et le néant, p. 560). Mas uma escolha que não tem nada a escolher, que não é limitada por determinadas condições, de escolha só tem o nome; na realidade, é uma autocriaçâo gratuita. A doutrina de Sartre só faz levar ao extremo o antigo conceito de liberdade como autocausalidade.
Recorrem a este conceito tanto o indeterminismo quanto o determinismo. O que o determinismo nega é o mesmo que o indeterminismo afirma: a possibilidade de uma causa sui. Vimos que o próprio Kant considerava-a impossível no domínio dos fenômenos e a confiava ao domínio do númeno: foi o que fez também Schopenhauer, que considerou válidas as razões apresentadas por Priestley em sua Doutrina da necessidade filosófica (v. determinismo) e afirmou que a liberdade como autocausalidade é apenas da vontade como força numênica ou metafísica, da vontade como princípio cósmico (Die Welt, I, § 55). Em geral o determinismo consiste em julgar universal o alcance do princípio de causalidade em sua força empírica e portanto em negar a causalidade autônoma. Neste sentido, Claude Bernard afirmava a inércia dos corpos vivos tanto quanto dos inorgânicos, que é a incapacidade de entrar em movimento por si mesmos: e nessa inércia percebia a condição para o reconhecimento do determinismo absoluto (Intr à l’étude de la medicine expérimentale, 1865, II, 8).
O equivalente político da concepção de liberdade como autocausalidade é a noção de liberdade como ausência de condições ou de regras e recusa de obrigações; numa palavra, anarquia. Na maioria das vezes, esse conceito é utilizado como instrumento de polêmica, para negar a própria liberdade Platão foi o primeiro a fazer isso quando pretendeu demonstrar que da demasiada liberdade concedida pelo regime democrático nascem a tirania e a escravidão. De fato, a recusa constante de limites e restrições "torna os cidadãos tão suscetíveis que, tão logo se lhes proponha algo que pareça ameaçar sua liberdade, eles se melindram, rebelam-se e terminam rindo das leis escritas e não escritas, porque não querem de forma alguma submeter-se a nenhum comando" (Rep., VIII, 563 d). A liberdade aqui é entendida (não por Platão, como veremos mais adiante) como ausência de medida, recusa de normas. O ilimitado poder sobre todas as coisas, que, para Hobbes, constitui a liberdade em estado natural (De Cive, I, § 7), tem o mesmo significado. Filmer acreditava estar expressando o significado da doutrina de Hobbes quando dizia: "A liberdade consiste em cada um fazer o que lhe aprouver, em viver como quiser, sem estar vinculado a lei nenhuma" (Observations upon Mr. Hobbes’s Leviathan, 1652, p. 55). Mas talvez a melhor e mais coerente expressão dessa noção de liberdade seja o Único de Max Stiner: o indivíduo que não tem causa fora de si, que é sua própria causa e causa de tudo. Nessa forma extrema a tese da liberdade anárquica raramente é defendida: na maioria das vezes é pressuposta como termo de polêmica, reduzindo-se a ela (em boa ou má-fé) as demais concepções de liberdade política.
2) A segunda concepção fundamental identifica liberdade com necessidade. Esta concepção tem estreito parentesco com a primeira. O conceito de liberdade a que se refere é ainda o de causa sui; contudo, como tal, a liberdade é não atribuída à parte, mas ao todo: não ao indivíduo, mas à ordem cósmica ou divina, à Substância, ao Absoluto, ao Estado. A origem dessa concepção está nos estoicos, para os quais, como vimos, "a liberdade consiste na autodeterminação e portanto só o sábio é livre" (Dióg. liberdade, VII, 121). Mas por que o sábio é livre? Porque só ele vive em conformidade com a natureza, só ele se conforma à ordem do mundo, ao destino (Diógenes Laércio, VII, 88; Stobeo, Flor., VI, 19; Cícero, De fato, 17). A liberdade do sábio coincide, portanto, com a necessidade da ordem cósmica. Crisipo, porém, procura fugir a essa consequência distinguindo as causas perfeitas e principais das causas auxiliares e próximas; o destino age sobretudo através das primeiras, mas entre as últimas está o assentimento que o homem dá às coisas e, consequentemente, sua ação. É como acontece com o cilindro: basta dar um empurrãozinho para que ele role por um plano inclinado: graças à natureza do cilindro e do plano, ele continuará rolando se for empurrado, mas para que isso aconteça é necessário o empurrão. Da mesma forma, a ordem das.coisas é tal que, uma vez iniciadas, as ações continuam de determinado modo, mas, para que sejam iniciadas, é necessário o assentimento do homem e esse assenti-mento permanece em poder dele (Cícero, De fato, 18-19). Todavia para Crisipo também a liberdade é apenas adequação entre assentimento humano e ordem cósmica: as causas auxiliares pertencem à ordem necessária do mundo tanto quanto as causas principais, e o empurrão que faz o cilindro rolar pertence a essa ordem tanto quanto a forma do cilindro e o plano sobre o qual ele rola. Desse ponto de vista, negar que o homem como tal é livre e afirmar que ele é livre enquanto manifestação da autodeterminação cósmica ou divina são a mesma coisa. Tudo fica muito claro na formulação de Spi-noza: "diz-se que é livre o que existe só pela necessidade de sua natureza e que é determinado a agir por si só enquanto é necessário ou coagido aquilo que é induzido a existir e a agir por uma outra coisa, segundo uma razão exata e determinada" (Et., I, def. 7). Nesse sentido, só Deus é livre, pois só Ele age com base nas leis de sua natureza e sem ser obrigado por ninguém (Ibid., I, 17, corol. II), ao passo que o homem, como qualquer outra coisa, é determinado pela necessidade da natureza divina e pode julgar-se livre somente enquanto ignora as causas de suas volições e de seus desejos (Ibid, I, ap.; II, 48). Contudo, poderá tornar-se livre se for guiado pela razão (Ibid., IV, 66, scol.), se agir e pensar como parte da Substância Infinita e reconhecer em si a necessidade universal dela (Ibid., V, VI, scol.). Em outros termos, o homem torna-se livre através do amor intelectual por Deus (que é exatamente o conhecimento da necessidade divina): amor que é idêntico ao amor com que Deus se ama (Ibid., V, 36, scol.). Nenhuma inovação foi introduzida nesse ponto de vista pela elaboração e ampliação feitas pela filosofia romântica. Schelling afirma explicitamente a coincidência entre liberdade e necessidade: "O Absoluto age por meio de cada inteligência, ou seja, sua ação é absoluta porquanto não é livre nem desprovida de liberdade, mas as duas coisas ao mesmo tempo: absolutamente livre e por isso também necessária" (System des transzendentalen Idealismus, IV, E). Em Investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana (1809), Schelling transfere para Deus, ou melhor, para a natureza ou fundamento de Deus, o ato com que o homem escolhe essa natureza ou fundamento, pelo qual todas suas inclinações ou ações serão determinadas. A tendência a atribuir a liberdade ao Absoluto e a identificá-la com a necessidade explicita-se assim como característica típica da concepção romântica. Hegel contrapõe "o conceito abstrato de liberdade", isto é, a liberdade como exigência ou possibilidade, à "liberdade concreta", que é a "liberdade real" ou "a própria realidade" do espírito ou dos homens (Enc., § 482; Fil. do dir, § 33, Zusatz). Essa liberdade real, realidade mesma do homem, é o Estado, que, exatamente por isso, é considerado "Deus real" (Fil. do dir., § 258, Zusatz). O Estado é "a realidade da liberdade concreta" (Ibid., § 260). Isso significa que ele "é a realidade em que o indivíduo tem liberdade e a usufrui, mas só quando o indivíduo é ciência, fé e vontade do universal. Assim, o Estado é o centro dos outros aspectos concretos da vida: direito, arte, costumes, bem-estar. No Estado, a liberdade é realizada objetiva e positivamente". Isto não significa que a vontade subjetiva do indivíduo se realize através da vontade universal, que seria, portanto, um meio para ela; significa que a vontade universal se realiza através dos cidadãos, que, nesse aspecto, são seus instrumentos. "O direito, a moral e o Estado, e somente eles, são segundo o qual aquilo que é livre "depende de si mesmo assim como um efeito depende da causa que o determina necessariamente". Contra esta última concepção, Bergson objeta que os atos livres são imprevisíveis e que, portanto, não se lhes pode aplicar a causalidade, segundo a qual causas iguais têm efeitos iguais. Por isso, a liberdade continua indefinível; e deve ser identificada com o processo da vida consciente, ou seja, com a duração real (Essais sur les données immédiates de la conscience, 1899, pp. 131 ss.). Mas na realidade o conceito de livre-arbítrio partia precisamente da imprevisibilidade dos fatos humanos (os chamados "futuros contingentes") e da autocausalidade da vontade. A doutrina bergsoniana nega a indiferença da vontade aos motivos, somente para sustentar que a vontade cria ou constitui os motivos e confere-lhes a força determinante de que dispõem. Mas dessa forma a autodeterminação continua sendo definição de liberdade; como tal permanece também no conceito (proposto por F. Lombardi, La liberta del volere e l’individuo, 1941, p. 192) de ato ou movimento que "se reproduz ou se produz continuamente", levando consigo, nessa autoprodução, "todo o mundo em que atua". Não tem sentido diferente a doutrina de Sartre, para quem a liberdade é a escolha que o homem faz de seu próprio ser e do mundo. "Mas exatamente por se tratar de uma escolha, na medida em que é feita, essa escolha geralmente indica outras tantas como possíveis. A possibilidade dessas outras escolhas não é explicitada nem proposta, mas é vivida no sentimento de injustificabilidade e expressa na absurdidade da minha escolha, consequentemente do meu ser. Assim, minha liberdade devora a minha liberdade Sendo livre, projeto o meu possível total, mas com isto prononho que sou livre e que posso aniquilar esse meu primeiro projeto e relegá-lo ao passado" (L’être et le néant, p. 560). Mas uma escolha que não tem nada a escolher, que não é limitada por determinadas condições, de escolha só tem o nome; na realidade, é uma autocriação gratuita. A doutrina de Sartre só faz levar ao extremo o antigo conceito de liberdade como autocausalidade.
Recorrem a este conceito tanto o indeterminismo quanto o determinismo. O que o determinismo nega é o mesmo que o indeterminismo afirma: a possibilidade de uma causa sul Vimos que o próprio Kant considerava-a impossível no domínio dos fenômenos e a confiava ao domínio do númeno: foi o que fez também Schopenhauer, que considerou válidas as razões apresentadas por Priestley em sua Doutrina da necessidade filosófica (v. determinismo) e afirmou que a liberdade como autocausalidade é apenas da vontade como força numênica ou metafísica, da vontad: como princípio cósmico (Die Welt, I, § 55). Em geral o determinismo consiste em julgar universal o alcance do princípio de causalidade em sua força empírica e portanto em negar a causalidade autônoma. Neste sentido, Claude Bernard afirmava a inércia dos corpos vivos tanto quanto dos inorgânicos, que é a incapacidade de entrar em movimento por si mesmos: e nessa inércia percebia a condição para o reconhecimento do determinismo absoluto (Intr. à l’étude de la medicine expérimentale, 1865, II, 8).
O equivalente político da concepção de liberdade como autocausalidade é a noção de liberdade como ausência de condições ou de regras e recusa de obrigações; numa palavra, anarquia. Na maioria das vezes, esse conceito é utilizado como instrumento de polêmica, para negar a própria liberdade Platão foi o primeiro a fazer isso quando pretendeu demonstrar que da demasiada liberdade concedida pelo regime democrático nascem a tirania e a escravidão. De fato, a recusa constante de limites e restrições "torna os cidadãos tão suscetíveis que, tão logo se lhes proponha algo que pareça ameaçar sua liberdade, eles se melindram, rebelam-se e terminam rindo das leis escritas e não escritas, porque não querem de forma alguma submeter-se a nenhum comando" (Rep., VIII, 563 d). A liberdade aqui é entendida (não por Platão, como veremos mais adiante) como ausência de medida, recusa de normas. O ilimitado poder sobre todas as coisas, que, para Hobbes, constitui a liberdade em estado natural (De Cive, I, § 7), tem o mesmo significado. Filmer acreditava estar expressando o significado da doutrina de Hobbes quando dizia: "A liberdade consiste em cada um fazer o que lhe aprouver, em viver como quiser, sem estar vinculado a lei nenhuma" (Observations upon Mr. Hobbes’s Leviathan, 1652, p. 55). Mas talvez a melhor e mais coerente expressão dessa noção de liberdade seja o Único de Max Stiner: o indivíduo que não tem causa fora de si, que é sua própria causa e causa de tudo. Nessa forma extrema a tese da liberdade anárquica raramente é defendida: na maioria das vezes é pressuposta como termo de polêmica, reduzindo-se a ela (em boa ou má-fé) as demais concepções de liberdade política.
2) A segunda concepção fundamental identifica liberdade com necessidade. Esta concepção tem estreito parentesco com a primeira. O conceito de liberdade a que se refere é ainda o de causa sui; contudo, como tal, a liberdade é não atribuída à parte, mas ao todo: não ao indivíduo, mas à ordem cósmica ou divina, à Substância, ao Absoluto, ao Estado. A origem dessa concepção está nos estoicos, para os quais, como vimos, "a liberdade consiste na autodeterminação e portanto só o sábio é livre" (Dióg. liberdade, VII, 121). Mas por que o sábio é livre? Porque só ele vive em conformidade com a natureza, só ele se conforma à ordem do mundo, ao destino (Diógenes Laércio, VII, 88; Stobeo, Flor., VI, 19; Cícero, De fato, 17). A liberdade do sábio coincide, portanto, com a necessidade da ordem cósmica. Crisipo, porém, procura fugir a essa consequência distinguindo as causas perfeitas e principais das causas auxiliares e próximas; o destino age sobretudo através das primeiras, mas entre as últimas está o assentimento que o homem dá às coisas e, consequentemente, sua ação. É como acontece com o cilindro: basta dar um empurrãozinho para que ele role por um plano inclinado: graças à natureza do cilindro e do plano, ele continuará rolando se for empurrado, mas para que isso aconteça é necessário o empurrão. Da mesma forma, a ordem das. coisas é tal que, uma vez iniciadas, as ações continuam de determinado modo, mas, para que sejam iniciadas, é necessário o assentimento do homem e esse assentimento permanece em poder dele (Cícero, De fato, 18^19). Todavia para Crisipo também a liberdade é apenas adequação entre assentimento humano e ordem cósmica: as causas auxiliares pertencem à ordem necessária do mundo tanto quanto as causas principais, e o empurrão que faz o cilindro rolar pertence a essa ordem tanto quanto a forma do cilindro e o plano sobre o qual ele rola. Desse ponto de vista, negar que o homem como tal é livre e afirmar que ele é livre enquanto manifestação da autodeterminação cósmica ou divina são a mesma coisa. Tudo fica muito claro na formulação de Spinoza: "diz-se que é livre o que existe só pela necessidade de sua natureza e que é determinado a agir por si só enquanto é necessário ou coagido aquilo que é induzido a existir e a agir por uma outra coisa, segundo uma razão exata e determinada" (Et., I, def. 7). Nesse sentido, só Deus é livre, pois só Ele age com base nas leis de sua natureza e sem ser obrigado por ninguém (Ibid., I, 17, corol. II), ao passo que o homem, como qualquer outra coisa, é determinado pela necessidade da natureza divina e pode julgar-se livre somente enquanto ignora as causas de suas volições e de seus desejos (Ibid., I, ap.; II, 48). Contudo, poderá tornar-se livre se for guiado pela razão (Ibid., IV, 66, scol.), se agir e pensar como parte da Substância Infinita e reconhecer em si a necessidade universal dela (Ibid., V, VI, scol.). Em outros termos, o homem torna-se livre através do amor intelectual por Deus (que é exatamente o conhecimento da necessidade divina): amor que é idêntico ao amor com que Deus se ama (Ibid., V, 36, scol.). Nenhuma inovação foi introduzida nesse ponto de vista pela elaboração e ampliação feitas pela filosofia romântica. Schelling afirma explicitamente a coincidência entre liberdade e necessidade: "O Absoluto age por meio de cada inteligência, ou seja, sua ação é absoluta porquanto não é livre nem desprovida de liberdade, mas as duas coisas ao mesmo tempo: absolutamente livre e por isso também necessária" (System des transzendentalen Idealismus, IV, E). Em Investigações filosóficas sobre a essência da liberdade humana (1809), Schelling transfere para Deus, ou melhor, para a natureza ou fundamento de Deus, o ato com que o homem escolhe essa natureza ou fundamento, pelo qual todas suas inclinações ou ações serão determinadas. A tendência a atribuir a liberdade ao Absoluto e a identificá-la com a necessidade explicita-se assim como característica tipica da concepção romântica. Hegel contrapõe "o conceito abstrato de liberdade", isto é, a liberdade como exigência ou possibilidade, à "liberdade concreta", que é a "liberdade real" ou "a própria realidade" do espírito ou dos homens (Enc., § 482; Fil. do dir., § 33. Zusatz). Essa liberdade real, realidade mesma do homem, é o Estado, que, exatamente por isso, é considerado "Deus real" (Fil. do dir., § 258, Zusatz). O Estado é "a realidade da liberdade concreta" (Ibid., § 260). Isso significa que ele "é a realidade em que o indivíduo tem liberdade e a usufrui, mas só quando o indivíduo é ciência, fé e vontade do universal. Assim, o Estado é o centro dos outros aspectos concretos da vida: direito, arte, costumes, bem-estar. No Estado, a liberdade é realizada objetiva e positivamente". Isto não significa que a vontade subjetiva do indivíduo se realize através da vontade universal, que seria, portanto, um meio para ela; significa que a vontade universal se realiza através dos cidadãos, que, nesse aspecto, são seus instrumentos. "O direito, a moral e o Estado, e somente eles, são positiva realidade e satisfação da liberdade O arbítrio do indivíduo não é liberdade. A liberdade que é limitada é o arbítrio referente ao momento particular das necessidades" (Philosophie der Geschichte, ed. Lasson, I, p. 90). Essa coincidência entre liberdade e necessidade, que leva a atribuir a liberdade apenas ao Absoluto ou à sua realização no mundo (o Estado), por um lado passou a caracterizar todas as doutrinas de cunho romântico e por outro foi utilizada, fora do âmbito de tais doutrinas, na defesa do absolutismo estatal e na recusa do liberalismo político. Foi aceita por Gentile e por Croce: o primeiro identificando a liberdade com a necessidade dialética do Absoluto (Teoria generale dello spirito, XII, § 20), o segundo identificando a liberdade com "a criatividade das forças que se denominam individuais e coincidem com a unidade do Universal" (Storiografia e idealità morale, p. 58). Mas também foi aceita por Martinetti, para quem a liberdade é espontaneidade da razão, e a espontaneidade da razão é a própria necessidade, de tal forma que, em qualquer caso, identificam-se liberdade e espontaneidade, espontaneidade e concatenação necessária (La liberta, 1928, p. 349). Com outra aparência, essa doutrina retorna em algumas manifestações da filosofia contemporânea, como p. ex. no realismo de Nicolai Hartmann e no existencialismo de Jaspers. Segundo Hartmann, a liberdade consiste no fato de que, em cada plano do ser, acrescenta-se ao determinismo dos planos inferiores o determinismo daquele plano. Os planos, em outros termos, são contingentes, um em relação ao outro, porquanto cada um tem uma forma específica de determinismo não redutível à forma dos planos inferiores; a liberdade seria então o super-determinismo de um plano do ser em relação aos outros. Hartmann diz: "A liberdade em sentido positivo não é um minus, mas um plus na determinação. O nexo causal não permite um minus porque sua lei afirma que uma série de efeitos, uma vez em movimento, não pode ser detida de modo algum. Mas admite um plus — se ele existir — porque sua lei não afirma que aos elementos de determinação causal de um processo não se possam acrescentar outros elementos de determinação" (Ethik, p. 649). No plano do espírito, esse plus de determinação é constituído pela teleologia própria do homem, que impõe aos processos causais fins extraídos da esfera dos valores. Mas é óbvio que, nesse sentido, a liberdade outra coisa não é senão o acréscimo de um determinismo "superior" aos determinismos "inferiores": é portanto a autodeterminação dos planos, que se acrescenta à determinação externa. No mesmo sentido Jaspers afirma a unidade de liberdade e necessidade, expressa na forma "posso porque devo" (no sentido da necessidade de fato, Ich muss-. Phil., II, pp. 186, 195). Nesse caso a liberdade, autodeterminação, pertence à situação existencial total, cuja expressão é o eu. Continuamos no âmbito da concepção que identifica liberdade com autocausalidade de uma totalidade metafísica (política, social, etc), ou seja, com a necessidade com que essa totalidade se realiza. Essa doutrina por vezes foi defendida por filósofos ou escritores de tendências liberais, mas na realidade é a insígnia do antiliberalismo moderno. De fato, no plano metafísico, reconhece como sujeito de liberdade apenas o ser, a substância, o mundo; no plano político, apenas o Estado, a Igreja, a raça, o partido, etc; atribui à totalidade assim privilegiada um poder de autocausalidade ou autocriação que é um outro poder igualmente absoluto de coerção sobre os indivíduos, considerados manifestações ou partes dele.
3a Enquanto as duas primeiras concepções de liberdade possuem um núcleo conceitual comum, a terceira não recorre a esse núcleo porque entende a liberdade como medida de possibilidade, portanto escolha motivada ou condicionada. Nesse sentido, a liberdade não é autodeterminação absoluta e não é, portanto, um todo ou um nada, mas um problema aberto: determinar a medida, a condição ou a modalidade de escolha que pode garanti-la. Livre, nesse sentido, não é quem é causa sui ou quem se identifica com uma totalidade que é causa sui, mas quem possui, em determinado grau ou medida, determinadas possibilidades. Platão foi o primeiro a enunciar o conceito segundo o qual a liberdade consiste na "justa medida" (Leis, 693 e); ilustrou esse conceito como mito de Er. Segundo esse mito, as almas, antes de encarnar, são levadas a escolher o modelo de vida a que posteriormente ficarão presas. "Para a virtude, anuncia a parca Láquesis, não existem padrões: cada um terá mais ou menos, conforme a honre ou a negligencie. Cada um é autor de sua escolha; a divindade está fora de questão" (Rep., X, 617 e). Mas o importante é que essa escolha, cujo autor é cada indivíduo e cuja causalidade, portanto, não pode ser atribuída à divindade, é limitada, em um sentido, pelas possibilidades objetivas, pelos modelos de vida disponíveis, e, em outro, pela motivação, pois — como afirma Platão — "a maior parte das almas escolhe de acordo com os costumes da vida anterior" (Ibid., 620 a). A situação mítica aqui ilustrada é de liberdade finita, de escolha entre possibilidades determinadas e condicionadas por motivos determinantes. Semelhante liberdade é delimitada: 1) pelo grau das possibilidades objetivas, sempre em número mais ou menos restrito; 2) pela ordem dos motivos da escolha, que podem restringir ainda mais, até a unidade, a ordem das possibilidades objetivas. Portanto, esse conceito de liberdade é uma forma de determinismo, ainda que não de necessarismo: admite a determinação do homem por parte das condições a que sua atividade corresponde, sem admitir que a partir de tais condições a escolha seja infalivelmente previsível.
Esse conceito de liberdade foi completamente esquecido na Antiguidade e na Idade Média devido ao predomínio do conceito de liberdade como causa sui. Quando reapareceu, nos primórdios da Idade Moderna, assumiu, em oposição à noção de livre-arbítrio, a forma de negação da liberdade de querer-e de afirmação da liberdade de fazer. Nessa forma é expressa por Hobbes. Este, identificando a vontade com o apetite, afirma que não se pode não querer aquilo que se quer (não se pode não ter fome quando se tem fome, não ter sede quando se tem sede, etc), mas que é possível fazer ou não fazer aquilo que se quer (comer ou não comer quando se tem fome, etc). Existe, pois, uma liberdade de fazer, não uma liberdade de querer (De bom., II, § 2; De corp., 25, § 13).
Essa doutrina foi substancialmente aceita por Locke, que definia a liberdade como "o fato de se estar em condições de agir ou de não agir segundo se escolha ou se queira" (Ensaio, II, 21, 27). Mas em Locke essa doutrina se complica e confunde, pois por um lado ele distingue apetite de vontade, que julga constituída por um poder de escolha, preferência ou inibição (suspensão do desejo, ibid., II, 21, 48), e por outro admite que tal escolha, preferência ou inibição é necessariamente determinada pelo motivo (que inicialmente ele identifica com o desejo do bem e depois com o mal-estar próprio do desejo, ibid., II, 21, 31). Portanto, é difícil saber como, desse ponto de vista, se poderia falar em liberdade de fazer ou de não fazer, visto que a escolha ou a preferência dada a uma ou a outra dessas alternativas é necessariamente determinada. De qualquer forma, a intenção da doutrina de Locke é clara: tende, por um lado,
a garantir o determinismo dos motivos, negando o livre-arbítrio como autocausalidade da vontade, e por outro a garantir a liberdade do homem contra o determinismo rigoroso. Locke conseguiu expressar muito melhor esse conceito no terreno político ao negar, em oposição a Filmer, que a liberdade consistisse em cada um fazer o que bem entendesse; e afirmou. "A liberdade natural do homem consiste em estar livre de poderes superiores sobre a terra, em não estar submetido à vontade ou à autoridade legislativa de ninguém e em possuir como norma própria apenas a lei natural. A liberdade do homem em sociedade consiste em não estar sujeito a outro poder legislativo além do estabelecido por consenso no Estado, nem ao domínio de outra vontade ou à limitação de outra lei além da que esse poder legislativo tiver estabelecido de acordo com a confiança nele depositada" (Two Treatises of Government, II, 4, 22). No Estado natural a liberdade consiste na possibilidade de escolha limitada pela norma natural, que é uma norma de reciprocidade, segundo a qual deve-se atribuir aos outros as mesmas possibilidades atribuídas a si mesmo (Ibid., II, 2, 4). Em sociedade, a liberdade consiste na possibilidade de escolhas delimitadas por leis estabelecidas por um poder para isso designado pelo consenso dos cidadãos. Em outros termos, a liberdade política supõe duas condições: la existência de normas que circunscrevam as possibilidades de escolha dos cidadãos; 2- possibilidade de os próprios cidadãos fiscalizarem, em determinada medida, o estabelecimento dessas normas. Desse ponto de vista, o problema da liberdade política é um problema de medida: a medida na qual os cidadãos devem participar da fiscalização das leis e a medida na qual tais leis devem restringir as possibilidades de escolha dos cidadãos. Esse sempre foi o problema do liberalismo clássico, ou seja, de qualquer liberalismo autêntico, seja ele antigo ou moderno. Montesquieu repropôs a doutrina da liberdade política de Locke em L’esprit des lois (1748, XI, 3-4). Hume e o Iluminismo retomaram a doutrina da liberdade filosófica. O primeiro afirmava: "Por liberdade só podemos entender um poder de agir ou de não agir, segundo a determinação da vontade; isso significa que, se decidirmos ficar parados, poderemos ficar, e se decidirmos andar, também poderemos andar " (Inq. Conc. Underst, VIII, 1); ao mesmo tempo, ressaltava o determinismo dos motivos, sem o qual as leis e sanções seriam inoperantes. O iluminismo, através de Voltaire, retomou essa mesma doutrina: liberdade de indiferença é "uma expressão sem sentido", pois significaria que no homem há "um efeito sem causa". Somos livres para fazer quando temos o poder de fazer (Dictionnaire philosophique, art. "Liberte"). Kant utilizou o conceito de liberdade finita para definir a liberdade jurídica ou política: ela é "a faculdade de não obedecer a outras leis externas a não ser as leis às quais eu possa dar meu assentimento" (Zum ewigen Frieden, II, art. 1, ne 1). A concepção de determinismo não necessarista consolidou-se na orientação empirista. Stuart Mill mostrou que o fatalismo brota de um conceito de necessidade que não se reduz ao de determinação. Ela significa apenas "uniformidade de ordem e capacidade de previsão". Mas para os defensores da necessidade "é como se houvesse um vínculo mais forte entre as volições e suas causas: como se, ao dizerem que a vontade é governada pelo equilíbrio dos motivos, estivessem dizendo algo além da afirmação de que, conhecendo-se os motivos e nossa habitual suscetibilidade a eles, fosse possível predizer a maneira como iremos agir" (Logic, VI, 2, § 2). Dewey traduz essa doutrina para os termos do pragmatismo, ou seja, do empirismo orientado para o futuro: "Às vezes se afirma que, se é possível demonstrar que a deliberação determina a escolha e é determinada pelo caráter e pelas condições, é porque nào existe liberdade. É como dizer que uma flor não pode produzir fruto porque provém da raiz e do caule. A questão não diz respeito aos antecedentes da deliberação da escolha, mas às suas consequências. Qual é sua característica? Dar-nos o controle das possibilidades futuras que se abrem para nós. Esse controle é o núcleo da nossa liberdade. Sem ele, somos empurrados de trás, com ele caminhamos na luz" (Human Nature and Conduct, 1922, p. 311). A liberdade de que Heidegger fala como "transcendência" e "projeção" do homem no mundo também é uma liberdade finita, porque condicionada e limitada pelo mundo em que se projeta ( Vom Wesen des Grundes, 1949, III, trad. it., pp. 64 ss.).
Essa doutrina da liberdade consolidou-se e tornou-se mais clara e coerente quando, a partir da década de 40, a ciência desistiu do ideal de causalidade necessária e de previsão infalível. O predomínio do conceito de condição sobre o de causa, da explicação probabilista sobre a explicação necessarista, que se delineou na física atômica como efeito do princípio de indeterminaçâo (v. causalidade; condição), tornou obviamente anacrônica a conservação do esquema necessarista para a explicação dos acontecimentos humanos. Ao mesmo tempo, deixou de ter sentido a oposição entre ciência e consciência, entre a exigência de causalidade própria da primeira e o testemunho de liberdade dada pela segunda. Por um lado, vimos que a consciência não dá demonstrações de liberdade absoluta e que tampouco pode mostrar ser válida qualquer demonstração nesse sentido; por outro lado, vimos que a ciência não exige a causalidade necessária que autorizaria a previsão infalível dos eventos, mas um determinismo condicionante que autorize a previsão provável dos eventos. A conclusão é que o conceito de liberdade como autocausação (que ainda aparece em Bergson e Sartre) é tão pouco sustentável quanto o conceito de determinismo como necessidade. Correspondentemente, no plano político o conceito de liberdade como poder de fazer o que apraz e o conceito de liberdade como poder absoluto da totalidade a que o homem pertence (Estado, Igreja, raça, partido, etc.) são igualmente mistificadores. Hoje, assim como nos tempos em que a noção no mundo moderno foi formulada pela primeira vez, a liberdade é uma questão de medida, de condições e de limites; e isso em qualquer campo, desde metafísico e psicológico ao até econômico e político. Hoje se destaca o fato de que a liberdade humana é "situada, enquadrada no real, uma liberdade sob condição, uma liberdade relativa" (Gurvitch, Détermismes sociaux et liberte humaine, 1955, p. 81). Expressa-se por vezes esse conceito dizendo que a liberdade não é uma escolha, mas uma "possibilidade de escolha", ou seja, uma escolha que, se feita, poderá ser sempre repetida em determinada situação (Abbagnano, Possibilita e liberta, 1956, passim). Dessa forma, pode-se dizer que a liberdade está presente em todas as atividades humanas organizadas e eficazes, notadamente nos procedimentos científicos cujas técnicas de verificação consistem exatamente em possibilidades de escolha no sentido acima. Válido é o procedimento que pode ser eficazmente empregado por qualquer um, nas circunstâncias apropriadas: é uma "possibilidade de escolha" sempre ao alcance de qualquer um que se encontre nas condições oportunas. Analogamente, as liberdade políticas são possibilidades de escolha que asseguram aos cidadãos a possibilidade de escolher sempre. Um tipo de governo não é livre simplesmente por ter sido escolhido pelos cidadãos, mas se, em certos limites, permitir que os cidadãos exerçam contínua possibilidade de escolha, no sentido da possibilidade de mantê-lo, modificá-lo ou eliminá-lo. As chamadas "instituições estratégicas da liberdade", como a liberdade de pensamento, de consciência, de imprensa, de reunião, etc, têm o objetivo de garantir aos cidadãos a possibilidade de escolha no domínio científico, religioso, político, social, etc. Portanto, os problemas da liberdade no mundo moderno não podem ser resolvidos por fórmulas simples e totalitárias (como seriam as sugeridas pelos conceitos anárquicos ou necessaristas), mas pelo estudo dos limites e das condições que, num campo e numa situação determinada, podem tornar efetiva e eficaz a possibilidade de escolha do homem. [Abbagnano]