
VIDE metempsychosis (in. Immortality; fr. Immortalité; al. Unsterblichkeit; it. Immortalita). Uma das crenças mais difundidas nas filosofias e nas religiões do Oriente e do Ocidente. Do ponto de vista filosófico, pode assumir duas formas diferentes: 1) a crença na imortalidade da pessoa individual, ou seja, da alma humana em sua totalidade; 2) a crença na imortalidade daquilo que a pessoa individual tem em comum com um princípio eterno e divino, só da parte impessoal da alma. É necessário, pois, considerar em terceiro lugar as provas aduzidas pelos filósofos em favor da imortalidade. 1) A imortalidade da alma individual foi admitida por órficos, pitagóricos e por Platão. Os ecléticos (v. p. ex. Cícero, Tusc., I, 26-35) também a admitiram, bem como Plotino (Enn., III, 4, 6). Na Patrística e na escolástica, a imortalidade da alma individual é lugar-comum, e fora das disputas dos aristotélicos ela também se mantém como lugar-comum no Renascimento. Os naturalistas do Renascimento admitem a imortalidade (Campanella, De sensu rerum, II, 24; Bruno, De triplici minimo, I, 3). Ao lado da alma material, que é a única que preside às operações humanas (inclusive a moralidade) e é mortal, Telésio admite uma alma divina, que é o sujeito da aspiração do homem à transcendência e é imortal (De rer. nat., V, 2). A demonstração da imortalidade é uma das finalidades declaradas da filosofia de Descartes e um aspecto importante da filosofia de Leibniz (Teod., I, 89) e da filosofia alemã pré-kantiana (Baumgarten, Met., § 776). A imortalidade da alma continua fazendo parte de todas as formas monadológicas do espiritualismo moderno e contemporâneo, visto estar claro que a mônada, seja ela criada ou incriada, é em qualquer caso imortal. 2) A teoria da imortalidade parcial tem origem em Aristóteles. Após distinguir o intelecto ativo do passivo, Aristóteles diz que "o intelecto ativo" é separável, impassível e sem mistura porque, por sua substância, é ato; e que só ele "é imortal e eterno" (De an., III, 5. 430 a 17). Por sua "impassibilidade", o intelecto ativo não conserva as determinações particulares, por isso não se identifica com a totalidade da alma humana, que também compreende o intelecto passivo. Essa doutrina foi incorporada pelos estoicos em sua metafísica, segundo a qual a alma do homem é uma parte do Espírito Cósmico e, como este, é imortal (Dióg. L., VII. 156). Cleantes afirmava que todas as almas durarão até a conflagração final; Crisipo acreditava que somente as almas dos sábios durarão até esse momento (Dióg. L., VII, 157). Na Idade Média, o aristotelismo árabe retomou doutrina semelhante a esta. Averróis dava um passo a mais que Aristóteles no que se refere à relação entre o intelecto e o restante da alma humana: não só o intelecto ativo, como julgava Aristóteles, mas também o intelecto passivo (ou material ou Mico) estão separados da alma humana, à qual só pertence o intelecto aquisitivo ou especulativo, que é a disposição essencial para participar das operações do intelecto. Este é, portanto, único, separado e divino, e a alma humana nada tem de verdadeiramente imortal (De an., III, 1). Esse ponto de vista, seguido pelos averroístas latinos, que reduziam a imortalidade da alma a pura questão de fé (p. ex., Mandonnet, Siger de Brabante, II, p. 167), também foi adotado pelos averroístas e pelos alexandristas do Renascimento. Pomponazzi afirmava a respeito que a diferença entre intelecto ativo ou separado e o intelecto humano consiste no fato de o intelecto humano necessitar do órgão físico (De immortalitate animae, 9). Imortalidade parcial ou impessoal também é a que Spinoza atribui à alma humana, ao dizer que "a mente humana não pode ser destruída totalmente com o corpo, mas que dela fica alguma coisa que é eterna" (Et., V, 23); em outros termos, a alma é eterna enquanto modo ou manifestação da Substância Divina. O Romantismo não esteve mais interessado que Spinoza na imortalidade da alma individual. Hegel dizia: "Para nós, o essencial da crença na imortalidade é que a alma tem em si um fim eterno, totalmente diferente de seu objetivo finito e portanto um valor infinito. É essa superioridade que confere interesse à fé na sobrevivência da alma". (Phil. der Geschichte, ed. Lasson, p. 494; trad. it., II, pp. 267-68). Realmente, para Hegel o que é imortal, aliás eterno, é o Espírito do Mundo, que se encarna nos povos e nos Estados, que se alternam como seus portadores. Por outro lado, todas as formas de panteísmo , antigas ou modernas, admitiram uma imortalidade parcial ou partilhada, que na realidade significa a eternidade de um princípio que só parcial ou temporariamente se encarna no homem. O próprio Bergson parece sugerir tal forma de imortalidade, ao considerar o corpo como um simples "instrumento de ação" e ao identificar a alma com a corrente da "lembrança pura", que não tem mais individualidade alguma (Matière et ménioire, Résumé et conclusion). 3) A maior parte das provas aduzidas pelos filósofos em favor da imortalidade não são suficientemente precisas para poderem ser invocadas em apoio a qualquer uma das crenças acima. As provas mais concludentes, pelo menos à primeira vista, são as que partem dos dois conceitos que tradicionalmente definem a natureza da alma: a causalidade e a substancialidade. Mas estas também são as provas mais radicalmente criticadas. I. Uma das provas mais antigas é a deduzida do movimento. Aristóteles relata que Alcméon de Cróton julgava a alma imortal e divina porque ela está sempre em movimento, assim como as coisas divinas, ou seja, a lua, o sol, etc. (De an., I, 2, 405 a 30). Platão adotava essa argumentação: "Toda alma é imortal porque o que se move incessantemente é imortal. Aquilo que move outra coisa e é movido por outra coisa, ao parar de mover-se, para de viver. Só o que se move por si, pelo que nunca falta a si mesmo, nunca deixa de mover-se, mas é também fonte e princípio de movimento para todas as coisas que se movem" (Fed., 245 d). A crítica a esse argumento foi feita por Aristóteles, para quem era impossível que a alma fosse movida, portanto que pudesse ser movida por outra coisa ou por si mesma (De an., I, 3). II. O segundo argumento é deduzido da definição de alma como substância; como substância, a alma é ser em ato e, como ser em ato, é imorredoura (Aristóteles, De an., III, 5, 430 a 17). Platão expôs este argumento no Fédon, em sua forma mais popular, asseverando que a alma, por participar necessariamente da ideia de vida, não pode deixar de viver, do mesmo modo como o número três, que participa necessariamente da ideia de ímpar, não pode deixar de ser ímpar (Fed., 104-07). Tomás de Aquino expressou o argumento de Aristóteles ao afirmar que "aquilo que tem ser por si não pode ser gerado e corrompido", pois "o ser por si é próprio da forma enquanto ato" (S. Th., imortalidade q. 75, a. 6). Este argumento foi criticado por Duns Scot: para este, a alma não tem ser por si no sentido de subsistir por conta própria e de não poder ser a título algum separada do ser: isto significaria que nem Deus pode criá-la e destruí-la, o que é falso (Rep. Par, IV, d. 43, q. 2, nos. 18-19). Esse argumento foi ainda mais radicalmente criticado por Kant, que demonstrou o caráter sofista da afirmação da substancialidade da alma, porquanto tal afirmação só faz transformar sub-repticiamente em substância a simples relação funcional que o sujeito pensante tem consigo mesmo, ou seja, o Eu penso (Crít. R. Pura, Dialética, cap. I). III. O terceiro argumento é deduzido de um corolário da tese de substancialidade da alma, ou seja, da simplicidade da substância alma. Em vista dessa simplicidade, a alma não pode corromper-se, pois que a corrupção (como passagem de um contrário a outro) implica composição, donde os corpos, também se forem simples (como os celestes), serão incorruptíveis. Platão afirmava que a alma, por ser invisível como as ideias, deve ser imutável e indecomponível com elas (Fed., 78c ss.). Tomás de Aquino expõe argumento análogo com outra forma, (cf. especialmente Contra Gent, II, 55). Uma variante dele foi dada por Mendelssohn, em Fédon (1766), com a tese de que a alma, em vista de sua simplicidade, não pode morrer por decomposição, mas nem por extinção. De fato, não podendo ela ser diminuída pouco a pouco e depois reduzida ao nada (já que não tem partes), não deveria haver espaço de tempo entre o instante em que ela é e aquele em que ela não é mais. Kant notava a propósito que, mesmo não tendo quantidade extensiva, a alma poderia e deveria ter, assim como a consciência, uma quantidade intensiva, ou seja, um grau (Crít. R. Pura, Confutação do argumento de Mendelssohn). IV. O quarto argumento é deduzido da presença da verdade na alma (Platão, Mên., 86a). S. Agostinho diz: "Se aquilo que está num sujeito (subiectum) dura para sempre, necessariamente o sujeito também dura para sempre. Ora, toda ciência (disciplina) existe na alma como em seu sujeito; conclui-se necessariamente que a alma dura para sempre, se a ciência dura para sempre. Mas a ciência é verdade e a verdade dura para sempre; portanto, a alma dura para sempre também e nunca pode ser considerada morta" (Solil, II, 13). Esse argumento foi repetido por Tomás de Aquino (Contra Gent., II, 55): "Sendo incorruptível o objeto do intelecto, o próprio intelecto será incorruptível." Foi criticado pelos alexandristas do Renascimento, particularmente por Pomponazzi. "Para o intelecto é essencial entender, através de imagens, como resulta claro da definição de alma como ato de um corpo físico-orgânico. Por isso o intelecto, em cada uma de suas funções, necessita de um órgão. Mas aquilo que assim entende é necessariamente inseparável do corpo. Portanto o intelecto humano é mortal" (De imm. animae, 9). Argumento semelhante ao de Agostinho algumas vezes foi repetido por filósofos modernos com referência à presença de valores ideais na alma humana, ou seja, da Verdade, da Beleza e do Bem (p. ex., C. H. Howison, The Limits of Evolution, 1901, cap. 6). V. Argumento análogo a este foi deduzido por S. Anselmo da presença do amor por Deus na alma. A alma humana, como criatura racional, "foi criada para amar sem cessar a Substância Suprema. Mas não poderia fazê-lo se não vivesse para sempre; portanto, a alma é feita para viver sempre, conquanto queira fazer sempre aquilo para que foi feita. Além disso, não estaria de acordo com a suprema bondade, sabedoria e onipotência do Criador reduzir a nada uma criatura por ele criada para amá-lo, até que ela o ame" (Monologion, 69). VI. O sexto argumento é extraído do desejo natural de imortalidade. Tomás de Aquino diz: "Qualquer um que tenha inteligência naturalmente deseja existir para sempre. Mas um desejo natural não pode ser vão. Portanto, toda substância intelectual é incorruptível" (S. Th., imortalidade q. 75, a. 6). Conquanto Tomás de Aquino aduza esse argumento como simples signum da imortalidade, ele foi repetido com frequência. VII. O sétimo argumento apresenta a imortalidade como exigência da vida moral do homem. Esse argumento não teve muita aceitação na Antiguidade: valeu mais como motivo, frequentemente inconfesso, para que os filósofos procurassem provas demonstrativas da imortalidade. Duns Scot negava que fossem conclusivas as razões extraídas da aspiração da alma à bem-aventurança eterna e à justiça capaz de retribuir o bem e o mal. A razão natural deveria pelo menos dar-nos a conhecer que a bem-aventurança eterna é o fim adequado à nossa natureza, o que não acontece; quanto à necessidade de prêmio ou de castigo, pode-se dizer que cada um encontra retribuição suficiente em sua própria ação boa e que o primeiro castigo do pecado é o próprio pecado (Op. Ox., IV, d. 43, q. 2, n2 27, 32). Portanto, para Duns Scot, a imortalidade da alma era pura verdade de fé, não susceptível de tratamento demonstrativo. Pomponazzi retomou esse ponto de vista em sua critica ao argumento moral (De imm. animae, 14). Na filosofia moderna, contudo, esse foi o argumento que obteve maior receptividade, o que se explica com facilidade, visto que, com o declínio da metafísica antiga, as provas deduzidas da causalidade e da substancialidade da alma perderam valor. Na "Profissão de fé do Vigário saboiano" (Emílio, IV), Rousseau chegava a afirmar a imaterialidade, portanto a imortalidade da alma, exatamente com base na exigência de uma justiça que nem sempre se vê realizada no mundo: "Mesmo que não houvesse outra prova da imaterialidade da alma, além do triunfo do mau e da opressão do justo neste mundo, só isso bastaria para que eu não duvidasse dela. Contradição tão manifesta, dissonância tão estridente na harmonia do universo, levar-me-ia a refletir que nem tudo termina para nós na vida, mas que, com a morte, tudo retorna à ordem". Nesse aspecto, Rousseau constituía a voz eloquente de grande parte do iluminismo e do deísmo do séc. XVIII, ainda que outra parte desse iluminismo pensasse, Voltaire, que "a mortalidade da alma não é contrária ao bem da sociedade, como provam os antigos hebreus, que acreditavam na alma material e mortal" (Traité de métaphysique, 6). Kant só fez reexpor a tese de Rousseau, aceitando a imortalidade como um dos postulados da razão prática. Segundo Kant, a imortalidade da alma e a existência de Deus são condições para a realização do supremo, que é a união de virtude e felicidade. Sem a continuação indefinida da vida humana além da morte, a realização da santidade mediante o progresso ao infinito não seria possível, portanto o homem nunca se tornaria digno de felicidade. Mas para Kant esse postulado não é uma verdade teorética, mas uma necessidade do ser moral finito: as considerações morais, em outros termos, não demonstram a imortalidade, mas mostram que ela é uma aspiração legítima de quem age moralmente (cf. Postulados da Razão Prática). VIII. Por fim um argumento antigo, mas que sempre reaparece, é extraído do consensus gentium. Cícero assim o expressava: "Se o consenso universal é voz natural e se todos, em todos os lugares, estão de acordo em julgar que existe algo no que se refere aos que já morreram, também nós devemos ser do mesmo parecer e, se julgarmos que os dotados de espírito superior por engenho ou virtude estão em melhores condições para reconhecer a força da natureza porque são perfeitos por natureza, é verossímil — visto que os melhores se preocupam muitíssimo com a posteridade — que exista algo cuja sensação estão destinados a ter depois da morte" (Tusc. Disp., I, 15, 35). O problema da imortalidade há muito deixou de existir em filosofia. Isto nem tanto porque a solução positiva dele estivesse ligada a determinada filosofia, a metafísica da substância, mas também e sobretudo por outras duas razões. A primeira delas é que a ética moderna desvinculou a moral de qualquer sanção ultraterrena, eliminando assim o primeiro e mais imediato interesse na solução positiva do problema da imortalidade. A segunda é que a moderna tendência da filosofia, que considera ilegítimo ou sem significado estender a análise filosófica além da espera de existência ou da experiência detectável com os instrumentos que o homem possui, negou, em princípio, a legitimidade e a conclusividade do próprio debate sobre a imortalidade. Não causa portanto estranheza o fato de serem escassos e pobres os trabalhos sobre esse problema na filosofia moderna e contemporânea, principalmente depois de Kant. Seu interesse por ele acabou por limitar-se à esfera da religião e da apologética religiosa. [Abbagnano]