definição

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

definição

De um ponto de vista geral, a definição equivale à delimitação, isto é à indicação dos fins ou limites conceptuais de um ente relativamente aos demais. Por isso se concebeu muitas vezes a definição como uma negação; delimitamos um ente relativamente aos outros, porque negamos os outros até ficarmos mentalmente com o ente definido. Supõe-se que ao levar a cabo, de um modo consequente, esta delimitação alcançamos a natureza essencial da coisa definida. Por isso, definir não é o mesmo que discernir. A ação de discernir a aprovação empírica da verdade ou falsidade do objeto considerado, e a de definir supõe delimitação intelectual da sua essência. Isto não significa, naturalmente, que a definição seja sempre uma operação mental independente da comprovação empírica. Acontece muitas vezes que só depois de muitas comprovações empíricas acerca de um objeto dado possamos passar a defini-lo.

Sócrates e Platão proporcionaram uma das interpretações mais influentes: aquela segundo a qual a definição universal de qualquer ente é possível por meio da divisão de todos os entes do universo de acordo com certas articulações simultaneamente lógicas e ontológica. Definir um ente consiste, fundamentalmente, em tomar a classe da qual é membro e em pôr essa classe no “lugar ontológico” correspondente. Esse “lugar ontológico” foi determinado por dois elementos de caráter lógico: o gênero próximo e a diferença específica. Daí a fórmula tradicional: “a definição realiza-se por gênero próximo e diferença específica”. Deste modo se formula a célebre definição: animal racional, que define o homem. Com efeito, Animal é o gênero próximo , a classe mais próxima na qual está incluída a classe homem. E racional é a diferença específica por meio da qual separamos conceptualmente a classe dos homens da classe de todos os outros animais. Por outro lado, é necessário que em qualquer definição se esgotem as caraterísticas do ente definido que se consideram essenciais. Da mencionada necessidade surgiram as regras que se aplicaram com frequência (sobretudo a partir dos escolásticos) com vistas à definição .Eis algumas delas: a definição deve ser mais clara que a coisa definida; o definido tem que ficar excluído da definição; a definição não deve conter nem mais nem menos que aquilo que é susceptível de ser definido.

Aristóteles examinou a definição como uma das quatro classes de predicáveis, o predicável que tem a caraterística de ser essencial e convertível. E, além disso, como um processo mental por meio do qual se encontra um termo médio que permite saber o que é o ente dado. Ao contrário da existência do ente e da causa pela qual o ente é, a definição tem como missão averiguar a essência, isto é, aquilo que faz que o ente seja aquilo que é. Os escolásticos aproveitaram algumas das designações anteriores. Além disso, puseram a claro que, quando se fala de definição, esta pode ser definição de uma coisa ou definição de um nome. [Ferrater]



(gr. horos; lat. definitio; in. Definition; fr. Definition; al. Definition; it. Definizione).

Declaração da essência. Distinguem-se diversos conceitos de definição, que correspondem aos diversos conceitos de essência, mais precisamente: 1) conceito de definição como declaração da essência substancial; 2) conceito de definição como declaração da essência nominal; 3) conceito de definição como declaração da essência-significado.

1) A doutrina aristotélica da definição diz respeito à essência substancial. Aristóteles afirma explicitamente que a definição concerne à essência e à substância (An.post, II, 3, 90 b 30). E os vários significados de definição que ele enumera referem-se todos à essência substancial. "A definição pode ser, em um primeiro sentido, a declaração não demonstrável da essência; num segundo sentido, pode ser a dedução da essência e diferir da demonstração só pela disposição das palavras: num terceiro sentido, pode ser a conclusão da demonstração da essência" (Ibid., II, 10, 94 a 11). No primeiro significado, a definição refere-se a objetos que são substâncias, como por ex. ao homem; no segundo e no terceiro caso, refere-se a objetos que não são substâncias, mas fatos. como p. ex. o trovão, dos quais dizer essência significa dizer causa (Ibid., 94 a 1 ss.). Em todos os casos, a definição declara a essência substancial de seu objeto. Diz Aristóteles: "A essência substancial pertence às coisas das quais há definição. E não há definição quando há um termo que se refere a alguma coisa: nesse caso todas as palavras seriam definições porque as palavras indicam sempre alguma coisa e até mesmo ‘Ilíada’ seria uma definição. Mas só há definição quando o termo significa algo de primário, o que ocorre quando se fala de coisas que não podem ser predicados de outras coisas" (Met., VII, 4, 1030 a 6). É essa a definição constituída pelo gênero próximo e pela diferença específica: entendendo-se por gênero próximo o predicado essencial comum a coisas que diferem em espécie (p. ex., o predicado animal comum a todas as espécies animais) e por diferença o que distingue uma espécie da outra (Top., I, 8, 103 b 15).

Esse conceito aristotélico de definição tornou-se clássico, ficando sistematicamente ligado ao conceito de essência substancial e de ser como necessidade. Spinoza só fazia expressar isso com outras palavras quando dizia: "A verdadeira definição de uma coisa qualquer não implica nem exprime nada além da natureza da coisa definida" (Et., I, 8, schol. II). Depois de Aristóteles e por influência da Lógica estoica, o conceito de definição tornou-se muito mais extenso e flexível; Boécio podia enumerar 15 espécies de definição (v. adiante). A definição substancial, todavia, continuou sendo vista como a única verdadeira e autêntica, como se afigurou ao próprio Boécio (De diffinitione, em P. L., 64e, col. 898). Esse foi o ponto de vista compartilhado por todos os escolásticos e até pelos nominalistas ou terministas que, porém, insistiram na importância da definição nominal. Ockham dizia: "A definição tem dois significados, já que uma é a definição que exprime o que é o objeto (quid rei) e a outra é a definição que exprime o que é o nome (quid nominis). A definição que exprime o que é o objeto pode ser assumida em dois sentidos: num sentido lato, caso em que compreende a definição propriamente dita, e a definição descritiva, e em sentido estrito, caso em que é um discurso breve que exprime a natureza toda da coisa e nada contém que seja extrínseco a essa coisa" (Summa log., I, 26). Por outro lado, a definição que exprime o que é o nome é "um discurso que declara explicitamente a que se refere implicitamente com um enunciado" (Ibid., I, 26). Ockham exclui da lógica as definição reais porque "o lógico não trata de coisas que não sejam signos" (Ibid., I, 26), mas não nega a legitimidade dessas definição fora da lógica. Por outro lado, parece-lhe um embuste (trufaticum) admitir que de um mesmo objeto (p. ex., do homem) haja uma definição lógica, uma definição natural, uma definição metafísica. "O lógico, que não trata do homem porque não trata das coisas que não são signos, não tem de definir o homem, mas só ensinar de que modo as outras ciências, que tratam do homem, devem defini-lo. Por isso, o lógico não deve consignar nenhuma definição do homem, a não ser para exemplificar; nesse caso a definição dada como exemplo deve ser natural ou metafísica" (Ibid., I, 26). Esse ponto de vista foi adotado pela lógica posterior. Jungius distinguia três espécies de definição: nominal, essencial e científica, que correspondem aos três significados do termo estabelecidos por Aristóteles (Lógica, 1638, IV, II, 6-8; II, 15). Leibniz reivindicava, contra Locke, a distinção entre definição nominal e definição real, dizendo que "a essência do ouro é aquilo que o constitui e lhe confere as qualidades sensíveis que lhe permitem ser reconhecido como tal e tornam nominal a sua definição, ao passo que teríamos a definição real e causal se pudéssemos explicar sua estrutura ou constituição interior" (Nouv. ess., III, 3, 19). Mas anteriormente (num ensaio de 1684), distinguira entre "definição nominais, que contêm apenas as notas para discernir uma coisa das outras, e definição reais, das quais consta que a coisa é possível" (Op., ed. Erdmann, p. 80). Wolff valeu-se dessas observações para dizer que "a definição da qual não resulta que a coisa definida é possível se diz nominal; e aquela de que resulta ser possível a coisa definida, se diz real" (Log., § 191); e, para dividir as definição nominais em essenciais e acidentais, acomodava a seu modo — como dizia explicitamente — as noções escolásticas (Ibid., § 192). Kant, por sua vez, entendia que definir era "expor originariamente o conceito explícito de uma coisa dentro de seus limites", entendendo por explícito a. clareza e a suficiência das notas, por limites a precisão e por originariamente o caráter primitivo da determinação, que não deve precisar de demonstração (Crít. R. Pura, Doutrina do método, I, seç. I, § 1).

2) A possibilidade da definição nominal foi admitida por Aristóteles como via subordinada e preparatória à definição real: "E como a definição é a declaração da essência haverá também a declaração daquilo que o nome significa ou outra declaração nominal: p. ex., o que significa o nome triângulo" (An.post., II, 10, 93 b 28). A distinção entre definição real e definição nominal não despertava o interesse da lógica estoica, que não atribuía à definição a tarefa de declarar a essência substancial, portanto não se encontra nos escritores de inspiração predominantemente estoica, como Cícero (Top., 5, 26 ss.) e Boécio (De diffinitione, P. L., 64Q col. 901-02). Pedro Hispano também a ignora. É utilizada pelos lógicos terministas medievais porque lhes fornece o modo de definir o objeto específico da lógica, como ciência dos signos (v. os trechos de Ockham acima citados).

Mas só se tem uma teoria da definição propriamente dita, como declaração da essência nominal, quando a essência nominal é considerada a única possível, podendo-se, portanto, dizer o mesmo de sua definição Nesse sentido Hobbes dizia: "A definição não pode ser outra coisa senão a explicação de um nome mediante um discurso". Quando o nome se refere a um conceito composto, a definição é a resolução do nome em suas partes mais gerais, de sorte que se pode dizer que a definição é "a proposição cujo predicado é resolutivo do sujeito onde isso é possível; e onde não é possível, exemplificativo deste" (De corp., 6, § 14). Do mesmo modo, Locke diz que "definição outra coisa não é senão dar a conhecer o significado de uma palavra mediante vários outros termos não sinônimos" (Ensaio, III, 4, 6); e julga que "o melhor modo de dar uma definição é enumerar as ideias simples que se combinam no significado do termo definido" (Ibid., III, 3, 10). Nessa tradição, Stuart Mill afirmava que definição "é uma proposição declaratória do significado de uma palavra" (Logic, I, 8, 1). Expressões semelhantes recorrem em filósofos e lógicos mesmo recentes, que não admitem a doutrina da substância e se inclinam para um ponto de vista nominalista. O mais das vezes, todavia, a teoria da definição nominal apoia-se no pressuposto de que um nome não tem nem pode ter mais de uma definição; esse pressuposto distingue a teoria da definição daquela que chamamos teoria da es-sência-significado.

3) Pode-se dizer que esta última teoria foi proposta pelos estoicos. Crisipo afirmava que a definição é uma resposta (apodosis, Dióg. L., VII, 1, 60), entendendo com isso que qualquer resposta dada à pergunta "o quê?" pode ser considerada uma definição da coisa. Foi provavelmente com base nessa noção extremamente generalizada da definição que começaram a surgir numerosas espécies de definição, como em Cícero (Top., 5. 26 ss.) e, na sua esteira, em Boécio. Este enumerou 15 espécies de definição, privilegiando, como se disse, a primeira, que é a definição substancial. As outras 14 espécies são as seguintes: 1) definição nocional, que dá certa concepção do objeto, dizendo mais o que o objeto faz do que o que é; 2) definição qualitativa, que se vale de uma qualidade do objeto; 3) a definição descritiva, feita com caracteres que ilustram a natureza de uma coisa; é peculiar ao orador; 4) definição verbal, que consiste em esclarecer uma palavra com outra palavra; 5) definição por diferença, que consiste em esclarecer a diferença entre dois objetos, p. ex., entre o rei e o tirano; 6) definição por metáfora, como p. ex. quando se diz que a juventude é a flor da idade; 7) a definição por privação do contrário, como p. ex. quando se diz que o bem é o que não é mal; 8) definição por hipotipose, que é a elaborada pela fantasia; 9) definição por comparação com um tipo, como quando se diz que o animal é como o homem; 10) definição por falta de plenitude no mesmo gênero, como quando se diz que o plano é aquilo a que falta a profundidade; 11) definição laudativa; 12) definição por analogia; p. ex.: "o homem é um microcosmo"; 13) definição relativa; p. ex.: "pai é quem tem filho"; 14) definição causal, p. ex.: "dia é o sol sobre a terra" (De diffinitione, P. L, 54s, col. 901-07). A disparidade dessa relação de Boécio é tal que qualquer resposta à pergunta "o quê?" pode ser considerada definição. Desse ponto de vista, a herança da teoria estoica da definição é o conceito moderno de que definição é a declaração do significado de um termo, ou seja, do uso que o termo pode terem dado campo de investigação. Desse ponto de vista, nào existe uma essência privilegiada do termo (nem nominal nem real), mas existem possibilidades diferentes de defini-lo para fins diferentes; todas as possibilidades podem, embora em graus diferentes, ser declaradas essenciais aos seus fins. Assim, pode-se considerar definição qualquer restrição ou limitação do uso de um termo em determinado contexto. E em todos os casos a definição supõe o contexto, ou, como disse M. Black, um conjunto de pressuposições que constituem um preâmbulo à definição, de sorte que sua forma é "Toda vez que as condições forem assim e assim, o termo será usado assim e assim" (cf. M. Black, Problems of Analysis, 1954, p. 34). Segundo a natureza do preâmbulo, a definição poderá ter caráter diferente. Se o preâmbulo faz referência a linguagens artificiais (como a lógica e a matemática), a definição será simplesmente uma convenção (proposta ou aceita) sobre o uso da palavra em tal linguagem (definição estipulativa). Se o preâmbulo fizer referência a linguagens não artificiais ou só em parte artificiais (como a linguagem comum e as das ciências empíricas), a definição será a declaração do uso corrente do termo em questão (definição lexical) ou a proposta ou aceitação de uma modificação oportuna desse uso (redefinição) (cf. R. Robinson, Definition, 1954). A essa terceira espécie pertencem as definição dos termos contidos neste dicionário, que utilizam, simplificam ou retificam os usos de um termo em linguagem filosófica, científica ou corrente. [Abbagnano]

Submitted on:  Wed, 03-Mar-2010, 19:30