
(gr. arete; lat. virtus; in. Virtue; fr. Vertu; al. Tugend; it. Virtu). Este termo designa uma capacidade qualquer ou excelência, seja qual for a coisa ou o ser a que pertença. Seus significados específicos podem ser reduzidos a três: 1) capacidade ou potência em geral; 2) capacidade ou potência do homem; 3) capacidade ou potência moral do homem. 1) No primeiro sentido, que é o da definição geral, a virtude indica uma capacidade ou potência qualquer, como p. ex. de uma planta, de um animal ou de uma pedra. Maquiavel fala da "virtude" da arte da guerra (O príncipe, 14), e Berkeley fala das "virtude da água de alcatrão" (Subtítulo de Siris, 1744). 2) No segundo sentido, a virtude é uma capacidade ou potência própria do homem. Assim, p. ex., chama-se de virtuoso/virtuose quem possui uma habilidade qualquer, como p. ex., para cantar, tocar um instrumento ou usar a gazua. Nietzsche quis retomar esse sentido de virtude.- "Reconheço a virtude no seguinte: 1) ela não se impõe; 2) ela não supõe a virtude em todo lugar, mas precisamente uma outra coisa; 3) ela não sofre pela ausência da virtude, mas considera essa ausência como uma relação de distância graças à qual há algo de venerável na virtude; 4) ela não faz propaganda; 5) não permite que ninguém se erija em juiz, porque é sempre uma virtude por si mesma; 6) ela faz exatamente tudo o que é proibido (a virtude, como a entendo, é verdadeiro vetitum em toda a legislação do rebanho); 7) ela é virtude no sentido renascentista, virtude livre de moralidade" (Wille zur Macht, ed. 1901, § 431). 3) No terceiro sentido, o termo designa uma capacidade do homem no domínio moral. Deve tratar-se de uma capacidade uniforme ou continuativa, como já declarava Hegel (Fil. do dir., § 150, anexo), porque um ato moral não constitui virtude. Essa condição, porém, nem sempre é respeitada, e Locke, p. ex., fala de virtude e de vício no sentido de atos morais isolados (.Ensaio, II, 28, 11). As definições de virtude nesse sentido estão compreendidas nas seguintes rubricas: a) capacidade de realizar uma tarefa ou uma função; b) hábito ou disposição racional; c) capacidade de cálculo utilitário; d) sentimento ou tendência espontânea; e) esforço. d) A virtude como capacidade de realizar uma tarefa determinada é conceito platônico. Assim como os órgãos (p. ex., a função dos olhos é ver, e a possibilidade de ver é a virtude dos olhos), a alma tem suas próprias funções, e sua capacidade de cumpri-las é a virtude da alma (República, I, 353). Por isso, segundo Platão, a diversidade das virtudes é determinada pela diversidade das funções que devem ser cumpridas pela alma ou pelo homem no Estado. As quatro virtude fundamentais ou cardeais são determinadas pelas funções fundamentais da alma e da comunidade. b) A concepção da virtude como hábito ou disposição racional constante encontra-se em Aristóteles e nos estoicos, sendo a mais difundida na ética clássica. Segundo Aristóteles, a virtude é o hábito que torna o homem bom e lhe permite cumprir bem a sua tarefa (Et. Nic, II, 6, 1106 a 22); é um hábito racional (Ibid., II, 2,1103 b 32) e, como todos os hábitos, uniforme ou constante. Os estoicos, por sua vez, definiam a virtude como "uma disposição da alma coerente e concorde, que torna dignos de louvor aqueles em quem se encontra e é louvável por si mesma, independentemente de sua utilidade" (Cícero, Tusc, IV, 15, 34; Stobeo, Ecl, II, 7, 60). Essas definições foram repetidas inúmeras vezes na filosofia antiga e medieval e também no pensamento moderno. Encontram-se, p. ex., em Abelardo (Theol. christ., II), Alberto Magno (S. Th., II, q. 102, a. 3), Tomás de Aquino (Suma Teológica, II, I, q. 55), Leibniz (que faz a distinção entre virtude como hábitos, e as ações correspondentes, Nouv. ess., II, 28, 7) e Wolff (Phil. practica, I, § 321). c) O terceiro conceito considera a virtude como capacidade de cálculo utilitário. Foi Epicuro o primeiro a expor essa noção, considerando como virtude suprema (da qual todas as outras derivam) a sabedoria, que é capaz de julgar dos prazeres que devem ser escolhidos e dos prazeres de que é preciso fugir, e destrói as opiniões causadoras das perturbações da alma (Diógenes Laércio, X, 132). No Renascimento esse conceito foi defendido por Telésio, para quem a virtude era a faculdade de estabelecer a medida certa das paixões e das ações, para que delas não proviessem prejuízo ao homem (De rer. nat. IX, 5). Mais tarde, concepção análoga foi defendida por Hume (Ink. Conc. Morais, I) e, em geral, pelo utilitarismo inglês, em especial por Bentham, que definia a virtude como "disposição para produzir felicidade" (Deontology, X). Apesar de ser peculiar ao empirismo, esse conceito de virtude foi compartilhado por Spinoza: "Para nós, agir absolutamente segundo a virtude, nada mais é que agir, viver e conservar o próprio ser (três coisas que significam o mesmo) segundo a orientação da razão sobre o fundamento da busca do útil" (Et., IV, 24). d) O conceito de virtude como sentimento ou disposição, vale dizer, como espontaneidade, encontra-se nos analistas ingleses do séc. XVIII, a começar por Shaftesbury: "Numa criatura sensível, que não é feito por meio de uma afeição não produz nem bem nem mal em sua natureza, pois essa criatura só pode ser chamada de bondosa quando o bem ou o mal do sistema com o qual ela está em relação for objeto imediato de alguma emoção ou afeição que a mova" (Characteristics of Men, Treatise IV, livro I, part. 2, seç. I). Com base nisto, Hutchinson postulou um sentido moral como fundamento da virtude (System of Moral Sentiments, 1754, III, I) e Adam Smith definiu esse sentido moral como simpatia (Theory of Moral Sentiments, 1759, III, 1). Mas foi principalmente o Iluminismo francês que divulgou esse conceito: Rousseau falava da piedade como "virtude natural", que é "uma disposição conveniente a seres tão débeis e sujeitos a tantos males quanto os homens", que antecede a reflexão (De l’inégalité parmi les hommes, I); no mesmo sentido, Voltaire considerava que virtude outra coisa não é senão "fazer o bem ao próximo" (Dictionnaire philosophique, art. Vertu). A ética do positivismo ateve-se a essa concepção, considerando a virtude como manifestação do instinto altruísta (Comte, Catéchisme positiviste, p. 48; Spencer, Data of Ethics, § 46). Na filosofia contemporânea, pode-se distinguir concepção análoga na chamada "moral aberta" de Bergson, que é a manifestação do elã vital (Deux soucers, 1932, cap. I). e) Finalmente, a concepção de virtude como esforço foi enunciada por Rousseau e adotada por Kant. Rousseau dizia: "Não existe felicidade sem coragem, nem virtude sem luta: a palavra virtude deriva da palavra força; a força é a base de toda virtude. A virtude pertence apenas aos seres de natureza débil, mas de vontade forte: exatamente por isso homenageamos o homem justo; também por isso, mesmo atribuindo bondade a Deus, não dizemos que Ele é virtuoso, porque suas boas obras são por ele cumpridas sem esforço algum" (Émile, virtude). Nesse espírito, Kant definiu a virtude como "intenção moral em luta", que não teria sentido caso o homem tivesse acesso à santidade, ou seja, à coincidência perfeita da vontade como lei (Crít. R. Prática, I, livro I, cap. III). Assim como Cícero (v. coragem) e Rousseau, ele uniu estreitamente a noção de virtude com a de coragem: "A qualidade especial e o propósito elevado com que se resiste a um adversário forte mas injusto chama-se coragem (fortitudo); quando se trata do adversário encontrado pela intenção em nós mesmos, chama-se virtude (virtus, fortitudo moralis). Portanto, a parte da doutrina geral dos deveres que submete a liberdade interna (e não a externa) a leis é uma doutrina da virtude" (Met. der Sitten, II, Intr., I). Em polêmica com Kant, Schiller procurou integrar a doutrina Kantiana na concepção de virtude como espontaneidade ou sentimento, dizendo: "Não tenho bom conceito do homem que pode confiar tão pouco na voz do instinto que precise silenciá-lo o tempo todo diante da lei moral; respeito e estimo mais aquele que se entrega ao instinto com certa segurança, sem o risco de ser por ele desencaminhado" (Über Anmut und Wurde, 1793, em Werke, ed. Karpeles, XI, p. 202). O conceito de alma bela nascia exatamente dessa noção da virtude como espontaneidade, à qual Kant respondia que, se "o temperamento da virtude for corajoso e portanto alegre", a virtude, entre os seus outros benefícios, também pode ser acompanhada pela graça (Religion, I, Observ., nota). Já Hegel observava que no seu tempo não se falava mais tanto de virtude (Fil. do dir., § 150, Zusatz), pois "falar de virtude confina facilmente com declamação vazia, pois assim se fala apenas de algo abstrato e indeterminado"; e que o discurso sobre a virtude destina-se ao indivíduo enquanto arbítrio subjetivo (Ibid., § 150). A observação de Hegel também se aplica aos nossos tempos, em que a discussão do problema moral deixou de ter forma de discurso sobre a virtude, para assumir a forma de discurso sobre valores e normas, de um lado, e sobre atitudes e modos de vida de outro (v. ética). [Abbagnano]