
Se, como o título diz, a obra como um todo trata da vontade de poder e se o terceiro livro deve trazer o princípio basilar e estruturador, então esse princípio não pode ser outro senão a nova instauração de valores. Como temos de compreender essa nova instauração de valores? Dissemos de maneira antecipadora: a vontade de poder denomina o caráter fundamental de todo ente; ela visa àquilo que perfaz no ente o que o ente propriamente é. Dessa forma, a reflexão decisiva de Nietzsche se desdobra da seguinte maneira: se tivermos de fixar o que propriamente deve ser e que por conseguinte precisa vir a ser, então este só pode se determinar se subsistir antes de mais nada verdade e clareza quanto ao que é e quanto ao que constitui o ser. De que outro modo poderia ser determinado o que deve ser?
No sentido dessa reflexão maximamente genérica, cuja sustentabilidade ainda permanece em aberto, Nietzsche diz: "Tarefa: ver as coisas tal como elas são!" (XII, 13). "Minha filosofia — retirar o homem da aparência, sem se importar com o risco que advém daí! Tampouco ter algum medo ante o perecimento da vida!" (XII, 18). E, por fim: "Porque vós mentis sobre o que é, não vos surge a sede pelo que deve vir a ser" (XII, 279).
A demonstração da vontade de poder como o caráter fundamental do ente deve afastar a mentira em meio à experiência e interpretação do ente. Mas não apenas isso. Por meio daí também deve ser estabelecida a base a partir da qual a avaliação emerge e na qual ela precisa permanecer enraizada; pois a "vontade de poder" já é em si mesma um avaliar e um instaurar valores. Se o ente é concebido como vontade de poder, então um dever se torna supérfluo, um dever que precisaria ser primeiramente pendurado sobre o ente, para que o ente se medisse por ele. Se a vida mesma é vontade de poder, então ela mesma é o fundamento, o principium da instauração de valores. Então não é um dever que determina o ser, mas o ser que determina um dever. "Se falamos de valores, falamos sob a inspiração, sob a ótica da vida: a vida mesma nos obriga a instaurar valores; a vida mesma valora por meio de nós quando instauramos valores..." (VIII, 89).
Exibir o princípio da nova instauração de valores significa, por isso, inicialmente, comprovar a vontade de poder como caráter fundamental do ente através de todos os seus âmbitos e esferas. [N1]