essência da verdade

Category: Heidegger - Ser e Tempo etc.
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

essência da verdade

Wesen der Wahrheit

Trata-se da essência da verdade. A pergunta pela essência da verdade não se preocupa com o fato de a verdade ser a verdade da experiência prática da vida ou a da conjetura no campo econômico, a verdade de uma reflexão técnica ou de uma prudência política; ou, mais especialmente, com o fato de a verdade ser a verdade da pesquisa científica ou da criação artística, ou mesmo a verdade de uma meditação filosófica ou de uma fé religiosa. A pergunta pela essência se afasta de tudo isto e dirige seu olhar para aquilo que unicamente caracteriza toda "verdade" enquanto tal. [MHeidegger SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE]



A essência da verdade, porém, reside na connexio (symploke) de sujeito e predicado. Leibniz concebe, por conseguinte, a verdade desde o começo e com expressa, ainda que não justificada, referência a Aristóteles, como verdade da enunciação (proposição). Determina o nexus como "inesse" do P no S, no "inesse", porém, como "idem esse". Identidade como essência da verdade proposicional não designa aqui certamente mesmidade vazia de algo consigo mesmo, mas unidade, no sentido da harmonia (união) do que faz parte de uma comum-unidade. Verdade significa, por conseguinte, acordo que somente é tal enquanto con-cordância com aquilo que na identidade se manifesta como unido. As "verdades" - enunciações verdadeiras - recebem sua natureza por referência a algo em razão do qual podem ser acordos. Em cada verdade a união que separa é o que é, sempre em questão de..., isto é, como algo que se "fundamenta". Na verdade reside, por conseguinte, uma referência essencial a algo semelhante como "fundamento". Isto leva o problema da verdade necessariamente para a "proximidade" do problema do fundamento. Por isso, quanto mais originariamente nos apoderarmos da essência da verdade tanto mais urgente se tornará o problema do fundamento. [MHeidegger SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO]


O desvelamento [Entbergung] do ente [Seiende] enquanto tal é, ao mesmo tempo e em si mesmo, a dissimulação [Verbergung] do ente em sua totalidade. É nesta simultaneidade do desvelamento e da dissimulação que se afirma a errância [di Irre]. A dissimulação do que está velado e a errância pertencem à essência originária da verdade. A liberdade, compreendida a partir da ek-sistência insistente do ser-aí, somente é a essência da verdade (como conformidade da apresentação) pelo fato de a própria liberdade irromper da originária essência da verdade, do reino do mistério da errância. O deixar-ser [sein-lassen] do ente se realiza pelo nosso comportamento [Verhalten] no âmbito do aberto. Entretanto, o deixar-ser do ente como tal e em sua totalidade acontece, autenticamente, apenas então, quando, de tempos em tempos, é assumido em sua essência originária. Então a decisão enérgica pelo mistério se põe em marcha para a errância que reconheceu enquanto tal. Neste momento a questão da essência da verdade é posta mais originariamente. Então se revela, afinal, o fundamento da imbricação da essência da verdade com a verdade da essência. A perspectiva sobre o mistério, que se descerra a partir da errância, põe o problema da questão que unicamente importa: que é o ente enquanto tal em sua totalidade? Uma tal interrogação pensa o problema essencialmente desconcertante e por isso não dominado ainda em sua ambivalência: a questão do ser do ente. O pensamento do qual emana originariamente tal interrogação se concebe, desde Platão, como "filosofia", e recebeu mais tarde o nome de "metafísica". [MHeidegger SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO]


Para os poucos que de tempos em tempos perguntam uma vez mais, isto é, que colocam em decisão de maneira renovada a ESSÊNCIA DA VERDADE. Para os raros, que trazem consigo a mais elevada coragem para a solidão, a fim de pensar a nobreza do seer e falar de sua unicidade. O pensar no outro início é originariamente histórico de uma maneira única: o dispor autoconjuntivo sobre a essenciação do seer. Um projeto da essenciação do seer como o acontecimento apropriador precisa ser ousado porque não conhecemos a missão de nossa história. Que possamos experimentar de um modo fundamental a essenciação desse desconhecido em seu ocultar-se. Precisamos querer, porém, desdobrar esse saber, segundo o qual o desconhecido que nos é dado como tarefa deixa a vontade na solidão e, assim, obriga a existência do ser-aí à mais elevada retenção em relação ao que se oculta. [tr. Casanova; GA65: 5]

Se algum dia uma história nos for ainda uma vez comunicada, a exposição criadora ao ente a partir do pertencimento ao ser, então é indispensável a determinação: preparar o tempo-espaço da última decisão – se e como nós experimentamos e fundamos esse pertencimento. Nisso reside: de maneira pensante fundar o saber do acontecimento apropriador, por meio da fundação da ESSÊNCIA DA VERDADE enquanto ser-aí. Como quer que a decisão sobre a historicidade e a falta de historicidade possa vir a ser tomada, os questionadores, que preparam de maneira pensante a decisão, precisam ser, cada um porta a solidão para o interior de sua maior hora. Que dizer realiza o mais elevado silenciamento pensante? Que procedimento efetua mais prontamente a meditação sobre o seer? O dizer da verdade; pois ele é o entre para a essenciação do seer e a entidade do ente. Esse entre funda a entidade do ente no seer. O seer, porém, não é algo “anterior” – subsistindo por si, em si –, mas o acontecimento apropriador é a coetaneidade tempo-espacial para o seer e o ente. [tr. Casanova; GA65: 5]

Ser o que busca, o que vela, o que guarda – isto significa o cuidado enquanto traço fundamental do ser-aí. Em seu nome reúne-se a determinação do homem, na medida em que ele é concebido a partir de seu fundamento, isto é, a partir do ser-aí, o qual se encontra apropriado em meio ao acontecimento e imerso na viragem para o acontecimento apropriador enquanto para a essência do seer e só pode se tornar insistente por força de sua origem como fundação do tempo-espaço (“temporialidade”), a fim de transformar a indigência do abandono do ser na necessidade da criação como a restituição do ente. E nos juntando à junção do seer, nós nos encontramos à disposição dos deuses. A própria busca é a meta. E isto significa: “metas” estão ainda por demais ligadas ao primeiro plano e sempre continuam se colocando diante do seer – e soterram o necessário. À disposição dos deuses – o que isto significa? E se os deuses forem o indecidido, porque ainda resta em um primeiro momento recusada a abertura da deização? Aquela palavra significa: à disposição para o ser usado no descerramento desse aberto. E aqueles que determinam previamente pela primeira vez a abertura desse aberto e que precisam realizar a afinação sobre eles, na medida em que repensam a ESSÊNCIA DA VERDADE e a elevam ao nível de questão, esses são os que são mais duramente usados. À “disposição dos deuses” – isto significa: se encontrar – muito para além e para fora – para fora do caráter corrente do “ente” e de suas interpretações; pertencer aos que se acham mais ao longe, para os quais a fuga dos deuses permanece o mais próximo em sua mais ampla subtração. [tr. Casanova; GA65: 5]

Aquele equívoco das pretensões emerge do desconhecimento da ESSÊNCIA DA VERDADE como velamento clareador do aí, que precisa ser suportado na insistência do questionar. Mas toda e qualquer reunião com vistas à copertinência mais originária pode ser preparada para a experiência fundamental do ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 24]

Se o saber como resguardo da verdade do verdadeiro (da ESSÊNCIA DA VERDADE no ser-aí) distingue o homem (em face do animal racional até aqui) e o eleva ao nível da vigilância do seer, então o saber mais elevado é aquele que é suficientemente forte para ser a origem de uma abdicação. A renúncia é naturalmente considerada por nós como fraqueza e como transigência, como uma desarticulação da vontade; assim experimentada, a recusa é uma entrega e um deixar-se levar. Mas há uma renúncia que não apenas mantém firme, mas até mesmo conquista por meio do combate e suporta o sofrimento, aquela renúncia que emerge como a prontidão para a recusa, a retenção desse elemento estranho, que se essencia de tal modo como o próprio seer, aquele em meio ao ente e à deização, que arranja um espaço para o entre aberto, em cujo campo de jogo temporal o abrigo da verdade no ente e a fuga e chegada dos deuses se convertem um no outro. O saber da recusa (ser-aí como renúncia) desdobra-se como a longa preparação da decisão sobre a verdade, sobre se essa verdade é capaz de se tornar uma vez mais senhora do verdadeiro (isto é, do correto) e, assim, se ela é medida por aquilo que cai sob ela, se a verdade não permanece apenas a meta do conhecimento técnico-prático (um “valor” e uma “ideia”), mas se transforma ela mesma na fundação da insurreição da recusa. Esse saber desdobra-se como o questionamento que se projeta ampla e antecipadamente para frente, o questionamento acerca do seer, cuja questionabilidade obriga todo criar à indigência, erige para todo ente um mundo e salva o que há de confiável da terra. [tr. Casanova; GA65: 26]

O deslocamento extasiante e fascinante, porém, também pode se solidificar em uma indiferença, e, então, o aberto é tomado como o pura e simplesmente presente à vista, o que desperta a aparência de ser o ente, porque o efetivamente real. A partir dessa indiferença ela mesma velada da aparente ausência de deslocamento extasiante e fascinante, o deslocamento extasiante e fascinante aparece como exceção e como evento isolado, lá onde ele mostra de qualquer modo o fundamento e a ESSÊNCIA DA VERDADE. Aquela in-diferença é também o âmbito, no qual todo re-presentar, visar, toda correção se transcorrem. [tr. Casanova; GA65: 32]

Aquela ESSÊNCIA DA VERDADE, contudo, a clareira e o encobrimento extasiantes e fascinantes como origem do aí, se essencia em seu fundamento, que nós experimentamos como acontecimento da apropriação. A aproximação e a fuga, a chegada e a evasão, ou a simples elisão dos deuses; para nós, no ser senhor, isto é, no início e no ser dominante sobre esse acontecimento, cujo domínio final inicial se mostrará como o último deus. Em seu aceno, o ser mesmo, o acontecimento apropriador enquanto tal, se torna pela primeira vez visível, e esse brilhar carece tanto da fundação da ESSÊNCIA DA VERDADE como clareira e como encobrimento quanto de seu abrigo derradeiro nas figuras transformadas do ente. De resto, o que se pensou até aqui sobre espaço e tempo, que pertencem retroativamente a essa origem da verdade, já é, como Aristóteles já tinha exposto pela primeira vez na Física, uma consequência da essência já fixada do ente como ousia e da verdade como correção e de tudo aquilo que se obtém a partir daí em termos de “categorias”. Quando Kant caracteriza espaço e tempo como “intuições”, isto não é outra coisa senão, no interior dessa tradição, uma fraca tentativa de salvar em geral a essência própria de espaço e tempo. Mas Kant não tem nenhum caminho para a essência de espaço e tempo. A orientação pelo “eu”, pela “consciência” e pelo re-presentar obstrui pura e simplesmente todo e qualquer caminho e vereda. [tr. Casanova; GA65: 32]

O pressentimento inexpresso do acontecimento apropriador apresenta-se em primeiro plano e, ao mesmo tempo, em meio a uma rememoração histórica (ousia = parousia) como “temporialidade”: o acontecimento do êxtase que guarda o que tinha sido e que antecipa abrindo o porvir, isto é, a abertura e a fundação do aí, e, com isso, da ESSÊNCIA DA VERDADE. [tr. Casanova; GA65: 34]

O silenciar e o questionar: o questionar essencial enquanto um colocar na decisão da ESSÊNCIA DA VERDADE. [tr. Casanova; GA65: 38]

A expressão não significa: a “verdade” “sobre” o seer, por exemplo, até mesmo como uma consequência de proposições corretas sobre o conceito do seer ou uma “doutrina” irrefutável sobre o seer. Mesmo se algo assim pudesse ser algum dia condizente com o seer, o que é impossível, não precisaria ser pressuposto apenas que há uma “verdade” sobre o seer, mas também e antes de tudo de que tipo em geral é a essência daquela verdade, na qual o seer desponta. De onde, porém, a essência dessa verdade e, com isso, a ESSÊNCIA DA VERDADE enquanto tal deve poder se determinar senão a partir do próprio seer? E isso não apenas no sentido de uma “derivação” a partir do seer, mas no sentido de uma efetuação dessa essência por meio do seer, algo sobre o que nós não temos como dispor por meio de nenhuma visão “correta” sobre o seer, o que, ao contrário, pertence unicamente aos instantes velados da história do ser. [tr. Casanova; GA65: 44]

A essência da decisão só pode ser determinada a partir de sua essenciação essencial. Decisão é decisão entre ou-ou. Com isso, porém, o decisivo já é antecipado. De onde o ou-ou? De onde esse: somente esse ou apenas esse? De onde a incontornabilidade do de tal ou tal modo? Não resta o terceiro elemento, a indiferença? Mas aqui, porém, no extremo, ela não é possível. O que é aqui o extremo: ser ou não-ser e, em verdade, não o ser de um ente qualquer, por exemplo, do homem, mas essenciação do ser, ou? Por que se chega aqui ao ou-ou? A indiferença seria apenas o ser do não-ente, apenas o nada mais elevado. Pois “ser” não tem em vista aqui ao ser em si presente à vista, assim como o não-ser também não visa aqui: ao completo desaparecimento, mas não-ser como uma espécie do ser: sendo e, de qualquer modo, não como uma espécie de ser; e o mesmo vale para o ser: nulo e, de qualquer modo, precisamente sendo. Esse sendo retomado na essenciação do ser exige a intelecção do pertencimento do nada ao ser, e só assim alcança o ou-ou a sua agudeza e a sua origem. Como o seer é nulo, ele precisa para a consistência de sua verdade da subsistência do não e, com isso, ao mesmo tempo do contra tudo o que é nulo, o não-ente. A partir da nulidade essencial do ser (viragem) vem à tona o fato de que ele exige e necessita daquilo que se mostra a partir do ser-aí como ou-ou, o um ou o outro, e apenas deles. A essenciação essencial da decisão é um salto em direção à decisão ou a indiferença; ou seja, não a retração e não a destruição. A indiferença como o não-decidir. A decisão passa originariamente por saber se decisão ou não decisão. A decisão, porém, é um colocar-se diante do ou-ou, e, com isso, já é um ter sido decidido, porque aqui já se dá um pertencimento ao acontecimento apropriador. A decisão sobre a decisão (viragem). Nenhuma reflexão, mas o contrário disso: sobre a decisão, isto é, já saber o acontecimento apropriador. Decisão e questão; questão como mais originária: colocar a ESSÊNCIA DA VERDADE em decisão. A verdade mesma, contudo, já é o que precisa ser decidido enquanto tal. [tr. Casanova; GA65: 47]

1) O cálculo – estabelecido pela primeira vez no poder por meio da maquinação da técnica, maquinação essa que se funda, em consonância com o saber, na matematização; aqui a conceptualidade prévia se mostra obscura em termos de sentenças diretrizes e de regras, e, por isso, a segurança da direção e do planejamento, o ensaio; a inquestionabilidade do atravessar de algum modo; nada é impossível, se está certo do “ente”; não se necessita mais da pergunta sobre a ESSÊNCIA DA VERDADE; tudo tem de se orientar pelo estado respectivo do cálculo; a partir daí, o primado da organização, recusa a uma mudança que cresça livremente desde o fundamento; o incalculável é aqui apenas o ainda não dominado pelo cálculo, mas que em si pode ser expressamente capturado; portanto, de modo algum aquilo que se encontra fora de todo cálculo; em instantes “sentimentais”, que não raramente estão precisamente sob o “domínio” do cálculo, o “destino” e a “providência” são tomados por empenho, mas nunca de tal modo que poderia emergir daquilo que é aí conclamado uma força configuradora, que poderia algum dia indicar os limites da mania do cálculo. O cálculo é visado aqui como a lei fundamental do comportamento, não como a mera reflexão e até mesmo a astúcia, que pertencem a todo modo de agir humano. [tr. Casanova; GA65: 58]

3) A irrupção do massificado. Com isto, não se tem em vista apenas as “massas” em um sentido “social”; essas massas só ascendem porque o número já vigora e o calculável, isto é, o acessível a qualquer um da mesma maneira. O que é comum a muitos e a todos é, para os “muitos”, aquilo que eles conhecem como o pre-ponderante; por isso, a interpelação com vistas ao cálculo e à rapidez, assim como, inversamente, a adução realizada por esses do massificado em trilhos e quadros. Aqui a mais aguda oposição, porque a mais discreta, em relação ao raro, ao único (a essência do ser). Por toda parte nesses encobrimentos do abandono do ser, a inessência do ente se difunde, o não ente se expande e, em verdade, com a aparência de um “grande” acontecimento. A propagação desses encobrimentos do abandono do ser e, com isso, precisamente deles mesmos é o mais forte obstáculo, porque ao mesmo tempo um obstáculo que não tem de modo algum como ser notado, para a correta apreciação e fundação da tonalidade afetiva fundamental da retenção, na qual pela primeira vez a ESSÊNCIA DA VERDADE reluz, na medida em que a remoção para o interior do ser-aí acontece. Aqueles modos da estada no ente e de seu “domínio” são, porém, a tal ponto degradantes porque eles não gastam somente um dia, por exemplo, com formas aparentemente apenas externas que abarcam um interior. Eles colocam a si mesmos no lugar do interior e negam finalmente a diferença entre um interior e um exterior, uma vez que eles são o que há de primeiro e uma vez que eles são tudo o que há. A isso corresponde o modo como se alcança o saber, e a distribuição calculada, rápida e maciça de conhecimentos não compreendidos na maior quantidade possível e no menor tempo possível; “a escolaridade”, uma palavra, que coloca de ponta cabeça em seu significado atual precisamente a essência da escola e da schole. Mas mesmo isso é apenas um novo sinal da reviravolta, que não detém o desenraizamento crescente porque ela não chega às raízes do ente e não quer mesmo chegar até aí; porque se ela chegasse a essas raízes, ela precisaria se deparar com a sua própria ausência de solo. Ao cálculo, à rapidez e à massificação alia-se ainda um outro elemento que, ligado aos três de uma maneira acentuada, assume o encobrimento e a dissimulação da decomposição interior – esse elemento é: [O desnudamento, a publicização e a vulgarização da tonalidade afetiva] [tr. Casanova; GA65: 58]

A ausência de indigência se torna a mais elevada possível, lá onde a certeza de si mesmo se tornou inexcedível, lá onde tudo é considerado como calculável e onde antes de tudo se decide, sem questão prévia, quem nós somos e o que nós devemos ser; lá onde se perdeu o saber e onde esse saber nunca foi fundamentado propriamente, de tal modo que o ser si mesmo propriamente dito acontece no fundar para além de si, o que exige: a fundação do espaço da fundação e de seu tempo, o que requer: o saber da ESSÊNCIA DA VERDADE como o que incontornavelmente precisa ser sabido. Onde, porém, a “verdade” há muito tempo não se mostra mais como questão e a tentativa de tal questão é rejeitada como perturbação e como um permanecer ao largo meditabundo, aí a indigência do abandono do ser não encontra de modo algum um tempo-espaço. Onde a posse do verdadeiro como o correto se encontra fora de questão e dirige todo fazer e todo deixar de fazer, em que medida ainda haveria aí espaço para a questão acerca da ESSÊNCIA DA VERDADE? E onde essa posse do verdadeiro pode até mesmo se reportar aos fatos, quem gostaria de se perder aí ainda na inutilidade de uma questão essencial e se expor ao escárnio? A partir do soterramento da ESSÊNCIA DA VERDADE como o fundamento do ser-aí e da fundação da história emerge a ausência de indigência. [tr. Casanova; GA65: 60]

A confrontação do outro início com o primeiro nunca tem o sentido de comprovar a história até aqui da questão diretriz e, com isso, a “metafísica” como um “erro”. Com isso, a ESSÊNCIA DA VERDADE seria tão desconhecida quanto a essenciação do seer, que permanecem inesgotáveis, porque elas são o que há de mais único para todo e qualquer saber. Com certeza, porém, a confrontação mostra que, para a interpretação do ente até aqui, se perdeu a necessidade, uma vez que não se pode experimentar mais nenhuma indigência e impeli-la para a sua “verdade”, nem tampouco o modo como até mesmo a verdade de si mesma é deixada inquestionada. Pois, desde Platão, nunca se perguntou sobre a verdade da interpretação do “ser”. Ao contrário, a correção da representação e seu alijamento por meio da intuição foram apenas retransportados da representação do ente para a representação da “essência”; e isso se deu, por fim, na “fenomenologia” pré-hermenêutica. [tr. Casanova; GA65: 94]

A resposta a essas duas perguntas é, contudo: tempo é aqui experimentado de maneira velada como temporalização, como deslocamento extasiantee, com isso, como abertura; e ele se essentia enquanto tal na ESSÊNCIA DA VERDADE para a entidade. [tr. Casanova; GA65: 98]

Nada é aqui pressentido da incomparabilidade da posição fundamental no outro início. Que o salto, aqui como pergunta acerca da ESSÊNCIA DA VERDADE mesma, traz pela primeira vez o homem para o interior do campo de jogo do acometimento e da permanência de fora da chegada e da fuga dos deuses. O outro início não pode querer senão isso. Computado a partir do que se teve até aqui, isso significa a recusa a uma validade e a um emprego no sentido de uma “visão de mundo”, de uma “doutrina” e de um anúncio. [tr. Casanova; GA65: 119]

O ente já é determinado aí em sua entidade e, em verdade, como idea, o aspecto, e esse aspecto mesmo uma vez mais como presentidade constante. Em que medida na idea estão as duas determinações tempo-espaciais? Presentação (z) como reunião do corte, do aspecto – quid; Constância (z) como duração e perduração – o fato de que o aspecto não se ausenta; Constância (r) o que preenche, o que constitui a consistência; Presentação (r) Dar espaço, o para onde do reposicionamento, o fato de que subsiste. A cada vez cada determinação, presentidade e constância, sobretudo temporal e espacialmente, e, todas as vezes, a partir da temporalização tanto quanto a partir da espacialização, aquela diferenciação, que nos é por demais corrente e inquestionada como o quid e o fato-de-que do ente. De onde, porém, provém a cada vez o duplo na temporalização e na espacialização? A partir de sua essência fundamental do arrebatamento extasiante e fascinante e essa essência fundamental enraizada na ESSÊNCIA DA VERDADE. Se o quid e o fato-de-que não são inquiridos como determinações da entidade juntamente com essa entidade com vistas à sua verdade (tempo-espaço), então todas as discussões sobre essentia e existentia, tal como o atesta já o M. A., permanecem um anexo vazio de conceitos desenraizados. A entidade, porém, já se funda na “diferenciação” velada que não tem como ser dominada de seer e ente. [tr. Casanova; GA65: 150]

O conceito da “essência” depende do tipo de questão acerca do ente enquanto tal ou acerca do seer, e, juntamente com isso, do tipo de questão acerca da verdade do pensar filosófico. Mesmo na questão da verdade impõe-se a viragem: ESSÊNCIA DA VERDADE e verdade da essência. [tr. Casanova; GA65: 166]

“Compreensão de ser” e pro-jeto e, em verdade, como jogado! O ser-no-mundo do ser-aí. “Mundo”, porém, não o saeculum cristão e a denegação de Deus, ateísmo! Mundo a partir da ESSÊNCIA DA VERDADE e do aí! Mundo e terra (cf conferência sobre a obra de arte). [tr. Casanova; GA65: 172]

Por meio daí, a aletheia é destacada de todo e qualquer ente, de modo tão decidido que, agora, a questão acerca de seu próprio seer, questão essa que se determina por meio dela mesma e a partir de sua essenciação, se torna incontornável. Mas a essenciação da verdade originária só pode ser experimentada, se esse em-meio-a clareado que funda a si mesmo e determina o tempo-espaço for ressaltado naquilo de que e para o que ele é clareira, a saber, para o encobrir-se. O encobrir-se, porém, aponta para a doutrina fundamental do primeiro início e de sua história (da metafísica enquanto tal). O encobrir-se é um caráter essencial do seer, e, com efeito, precisamente na medida em que o seer precisa da verdade e se apropria, assim, do ser-aí em meio ao acontecimento, se mostrando em si originariamente, com isso, como acontecimento apropriador. Agora, a ESSÊNCIA DA VERDADE se transformou originariamente no ser-aí, e agora a pergunta não tem qualquer sentido, se e como, por exemplo, o “pensar” (o “pensar” que pertence inicialmente e de modo derivado apenas à aletheia, homoiosis) poderia levar a cabo e assumir o “desvelamento”. Pois o pensar mesmo está agora entregue em sua possibilidade inteiramente à responsabilidade do em-meio-a clareado. Pois a essenciação do aí (da clareira para o encobrir-se) só pode ser determinada a partir dele mesmo, do mesmo modo que o ser-aí só chega até a fundação a partir da ligação clareadora do aí com o encobrir-se enquanto seer. Todavia, a partir do fundamento posteriormente visível, não é suficiente nenhuma “faculdade” do homem até aqui (animal racional). O ser-aí funda-se e essencia-se na suportabilidade afinada e criadora e, assim, se torna ele mesmo o fundamento e o fundador do homem, que agora é novamente colocado diante da questão sobre quem ele é, uma questão que interroga o homem de maneira mais originária como o guardião da tranquilidade do passar ao largo do último deus. [tr. Casanova; GA65: 207]

[A ESSÊNCIA DA VERDADE] É próprio da ESSÊNCIA DA VERDADE da maneira mais íntima possível o fato de que ela é histórica. A história da verdade, da reluzência, da transformação e da fundação de sua essência, só tem instantes raros que se encontram distantes uns dos outros. Por longos tempos, essa essência parece enrijecida (cf a longa história da verdade como correção: homoiosis, adaequatio), porque só o verdadeiro por ela determinado é buscado e impelido. E, assim, emerge a aparência de que a ESSÊNCIA DA VERDADE seria até mesmo “eterna” com base nesta constância que tinha sido deixada parada; sobretudo caso se represente a “eternidade” como a mera perduração. [tr. Casanova; GA65: 217]

Será que nós nos encontramos no fim de tal longo tempo de enrijecimento radical da ESSÊNCIA DA VERDADE e, então, diante do portal de um novo instante de sua verdade velada? [tr. Casanova; GA65: 217]

A ESSÊNCIA DA VERDADE é o encobrimento clareador do acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 219]

A verdade é o primeiro verdadeiro do seer, e, com efeito, na medida em que clareia e oculta. A ESSÊNCIA DA VERDADE reside no fato de se essenciar como o verdadeiro do seer e de se tornar, assim, origem para o abrigo do verdadeiro no ente, por meio do que esse ente se torna pela primeira vez essente. [tr. Casanova; GA65: 224]

A clareira para o encobrimento como essência originária-unificadora é o abismo do fundamento, como o qual o aí se essencia. A concepção fatídica: “a verdade é a não verdade” permanece por demais mal interpretável, para que ela pudesse mostrar com segurança a via correta. Todavia, ela deve indicar o elemento estranho que reside no novo projeto da essência – a clareira para o encobrimento e isso como essenciação no acontecimento apropriador. Que retenção jurisdicional do ser-aí é requisitada com isso hierarquicamente, se essa ESSÊNCIA DA VERDADE deve chegar a ser sabida como o originariamente verdadeiro? Agora também fica mais clara pela primeira vez a origem da errância e o poder e a possibilidade do abandono do ser, o encobrimento e a di-ssimulação; o domínio do não fundamento. O mero aceno para a aletheia com vistas à explicação da ESSÊNCIA DA VERDADE, essência essa colocada aqui como fundamento, não nos ajuda a seguir adiante porque, na aletheia, precisamente o acontecimento do desencobrimento e do encobrimento não são experimentados e concebidos como fundamento, uma vez que, sim, o questionar continua sendo determinado a partir da physis, o ente enquanto ente. [tr. Casanova; GA65: 226]

Em minhas tentativas até aqui para o projeto dessa ESSÊNCIA DA VERDADE, o esforço para me tornar compreensível se encaminhara sempre em primeiro lugar para deixar claro os modos da clareira e as modulações do encobrimento e sua copertinência essencial (cf, por exemplo, a conferência sobre a verdade de 1930). [tr. Casanova; GA65: 226]

1) A verdade se essencia e por quê? Porque só assim se tem a essenciação do seer. Por que seer? 2) A ESSÊNCIA DA VERDADE funda a necessidade do porquê e, com isso, da questão. A questão acerca da verdade acontece por causa do seer, que precisa do nosso pertencimento como o que funda o ser-aí. 3) A primeira questão (1) é em si a determinação essencial da verdade. 4) Como precisa ser estabelecida a questão acerca da verdade. Partir da ambiguidade essencial: a “verdade” visada como “o verdadeiro”; o verdadeiro, porém, é a verdade como encobrimento clareador do acontecimento apropriador. Essa luz para o início é uma claridade, mas sem brilho e sem irradiação. O próprio encobrimento tanto mais claro, brilhando através da profundidade do encobrimento. 5) Como é que o conceito há muito legado da verdade como correção não apenas guia de saída a questão, mas também sugere que a resposta a ela precisaria ser medida por uma correção e, com isso, que a ESSÊNCIA DA VERDADE precisaria ser deduzida de algo previamente dado, que ela re-stitui. 6) Desdobrar em primeiro lugar a verdade na essência como encobrimento clareador (dissimulação e velamento). 7) A verdade como fundamento do tempo-espaço, mas, por isso, ao mesmo tempo essencialmente determinável a partir desse tempo-espaço. 8) O tempo-espaço como sítio instantâneo a partir da viragem do acontecimento apropriador. 9) A verdade e a necessidade do abrigo. 10) Abrigo como contestação da contenda entre mundo e terra. 11) As vias historicamente necessárias do abrigo. 12) Como é que no abrigo pela primeira vez o ente se torna essente. 13) Como é que só na mensuração que medita retrospectivamente sobre o caminho precedente se desdobra o âmbito, no qual e o qual acontece como a “diferenciação” de seer e ente. Ser-aí se essenciando como o “entre”. [tr. Casanova; GA65: 227]

Se apenas a admissão fosse tão longe, então já se precisaria mobilizar a questão de saber se, em geral, a correção, que fundamentou pela primeira vez tal representação do ente e daquele mesmo que representa (não pressuposto, por exemplo), enquanto ESSÊNCIA DA VERDADE, não pode fundamentar e determinar a busca e a pretensão ao verdadeiro. [tr. Casanova; GA65: 227]

O que significa, porém, dizer que, então, o projeto da ESSÊNCIA DA VERDADE como encobrimento clareador precisa ser ousado e que o tresloucamento do homem no interior do ser-aí precisa ser preparado? [tr. Casanova; GA65: 227]

[A ESSÊNCIA DA VERDADE é a não-verdade] Por meio dessa sentença concebida conscientemente como autocontraditória deve ser expresso o fato de que pertence à verdade o caráter negativo, mas de modo algum apenas como falha, mas como algo que resiste, como aquele encobrir-se que surge na clareira enquanto tal. Com isso se apreende a ligação originária da verdade com o seer enquanto acontecimento apropriador. Apesar disso, essa sentença é duvidosa quando se tem a intenção de se aproximar da estranha ESSÊNCIA DA VERDADE por meio de tal estranhamento. Concebida de maneira completamente originária reside nela a intelecção essencial e ao mesmo tempo a indicação para a intimidade e para o caráter contencioso no seer mesmo enquanto acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 228]

O que está voltado para o projeto nunca se mostra como um em si puro e simples, nem o que projeta consegue algum dia se colocar puramente por si, mas essa contenda em jogo no fato de que cada um dos dois se vira contra o outro, vinculando-se a ele e se referindo de volta a ele, é a consequência da intimidade, que se essencia na ESSÊNCIA DA VERDADE como clareira do encobrir-se. Com uma mera dialética extrínseca da relação sujeito-objeto não se concebe nada aqui, mas essa relação mesma, fundada na correção como uma estaca da verdade, tem sua origem a partir da ESSÊNCIA DA VERDADE. Com certeza, essa origem da contenda e essa contenda mesma precisam ser agora indicadas. Para tanto, não é suficiente refletir apenas sobre a clareira e sobre a sua instituição por meio do projeto, mas é necessário em primeiro lugar que a clareira mantenha no aberto o que se encobre e que o arrebatamento fascinante que provém daí como determinante deixe afinar inteiramente o ser-si-mesmo daquele que projeta. Somente assim acontecerá algum dia a sobreapropriação junto ao ser e, nela, a atribuição apropriadora ao próprio jogador, razão pela qual ele chegará, por sua parte, a se encontrar pela primeira vez na clareira (do que se encobre), se tornando insistente no aí. [tr. Casanova; GA65: 229]

O fundamento velado de todo esse impulso reside, porém, no primado e na pretensão à correção e esse primado e essa pretensão se devem à impotência para a própria ESSÊNCIA DA VERDADE, isto é, para o saber acerca daquilo que suporta ou obstrui todos os esforços, por mais sinceros que eles sejam, acerca do verdadeiro. [tr. Casanova; GA65: 230]

[A questão acerca da verdade como meditação histórica] O que se tem em vista aqui não é o relato historiológico sobre as opiniões e doutrinas, que foram apresentadas com vistas ao “conceito” da verdade. No outro início, a filosofia é em essência histórica, e, nesse aspecto, precisa se dar, então, um tipo mais originário de lembrança da história do primeiro início. A questão é que movimentos fundamentais da ESSÊNCIA DA VERDADE e de suas condições de interpretação suportaram e suportarão a história ocidental. As duas posições fundamentais distintas nessa história são caracterizadas por Platão e Nietzsche. E, com efeito, Platão (cf Interpretação da alegoria da caverna) como aquele pensador, junto ao qual ainda se torna clara uma derradeira reluzência da aletheia na transição para a verdade do enunciado (cf também Aristóteles, Metaflsica Theta IV). E Nietzsche, junto ao qual se reúne a tradição ocidental na variante moderna e antes de tudo positivista do século XIX e junto ao qual ao mesmo tempo a “verdade” é trazida para a posição oposta e, com isso, para a copertinência com a arte – as duas como modos fundamentais da vontade de poder como a essência do ente (essentia), cuja existentia é denomina como o eterno retorno do mesmo. [tr. Casanova; GA65: 232]

1) Por que essa interpretação é historicamente essencial? Porque ainda se torna visível aqui em uma meditação levada a termo como é que ao mesmo tempo a aletheia suporta e conduz essencialmente a questão grega acerca do ón e como é que precisamente por meio desse questionamento, do estabelecimento da idea, ela experimenta a sua derrocada. 2) Ao mesmo tempo, se mostra muito lá atrás: a derrocada não é a derrocada de algo instituído e mesmo de algo expressamente fundado. Nem uma coisa nem outra chegaram a ser realizadas no pensamento grego inicial; e isso apesar da sentença de Heráclito sobre o polemos e do poema de Parmênides. E, contudo, a aletheia é essencial por toda parte no pensar e no poetar (tragédia e Píndaro). 3) Somente se isso for experimentado e exposto é que se tornará possível mostrar de que maneira, então, um resíduo e uma aparência da aletheia precisaram em certo sentido se manter, uma vez que mesmo a verdade como correção e precisamente ela precisa se abrigar em um já aberto (cf sobre a correção). Precisa estar aberto aquilo, pelo que o re-presentar se orienta (se retifica), e precisa estar aberto também aquilo ao que se deve atribuir a justeza (cf correção e relação sujeito-objeto; ser-aí e re-presentar). 4) Se considerarmos panoramicamente a história da aletheia a partir da alegoria da caverna, que tem uma posição chave tanto em relação ao que vem antes quanto em relação ao que vem depois, então é possível mensurar de maneira mediata o que significa erigir em primeiro lugar a verdade como aletheia de maneira pensante, desdobrá-la e fundamentá-la na essência. Que isso não apenas não aconteceu na metafísica até aqui e também no primeiro início, mas não podia acontecer. 5) A fundação essencial da verdade como desentranhamento da primeira reluzência na aletheia não é, então, simplesmente a assunção da palavra e de sua tradução adequada como “desvelamento”, mas importante é experimentar a ESSÊNCIA DA VERDADE como clareira para o encobrir-se. O encobrimento clareador precisa se fundar como ser-aí. O encobrir-se precisa ganhar o espaço do saber como essenciação do próprio seer enquanto acontecimento apropriador. A ligação mais íntima possível entre seer e ser-aí em sua viragem torna-se visível como aquilo que impõe a questão fundamental e obriga a ir além da questão diretriz, e, com isso, de toda metafísica; para além de fato em direção ao cerne da tempo-espacialidade do aí. 6) Como, porém, “a verdade” mesma e seu conceito, de acordo com uma longa história e com uma confusa tradição, para a qual muitas coisas confluíram, não se encontram mais em questão em nenhum modo de formulação claro e necessário, mesmo as interpretações da história do conceito de verdade tanto quanto as interpretações da alegoria da caverna se mostram em particular como precárias e dependentes daquilo que mesmo antes foi retirado do platonismo e da doutrina do juízo. Faltam as posições fundamentais para um projeto daquilo que é dito na alegoria da caverna e daquilo que se dá nesse dizer. Por isto, é necessário apresentar algum dia pela primeira vez uma interpretação coesa, proveniente da questão da verdade, da alegoria da caverna e tornar essa interpretação eficaz como uma introdução ao âmbito da questão da verdade e como uma condução à necessidade dessa questão, com todas as reservas que permanecem presas a tais tentativas imediatas; pois o fundamento e a perspectiva do projeto da interpretação e de seus passos permanecem pressupostos como não discutidos e aparecem como violentos e arbitrários. [tr. Casanova; GA65: 233]

Nietzsche foi aquele que por último perguntou da maneira mais apaixonada possível sobre a verdade. Pois um dia ele partiu do fato de “que nós não temos a verdade” (XI, 159); mas, por outro lado, ele pergunta de qualquer modo o que a verdade seria, sim, até mesmo qual seria o seu valor (VII, 471). E, no entanto, Nietzsche não pergunta originariamente sobre a verdade. Pois na maioria das vezes ele tem em vista sempre por essa palavra o “verdadeiro”; e, onde ele pergunta sobre a essência do verdadeiro, isso acontece em meio a um enredamento na tradição e não a partir de uma meditação originária, de tal modo que a verdade é ao mesmo tempo concebida como decisão essencial também sobre “o verdadeiro”. Com certeza, ainda que se pergunte de maneira mais originária, isso nunca garante uma resposta mais certa, mas, ao contrário, apenas abre uma questiona-bilidade mais elevada da ESSÊNCIA DA VERDADE; e é dessa questiona-bilidade que precisamos; pois sem ela o verdadeiro permanece indiferente. [tr. Casanova; GA65: 234]

Nietzsche não chega, porém, a uma posição livre em sua meditação sobre a “verdade”, porque ele: 1) Refere a verdade à “vida” (de maneira “biológico”-idealista) como asseguramento da vida. “A vida” é estabelecida simplesmente como realidade efetiva fundamental e lhe é atribuído o caráter universal do devir. 2) Ao mesmo tempo, porém, Nietzsche concebe o “ser” como o “constante”, completamente no sentido da mais antiga tradição platônica; e como esse elemento constante, visto a partir da vida e com vistas a ela, ele é o fixado e assim respectivamente “verdadeiro”. 3) Este conceito de verdade erigido com vistas à “vida” e determinado a partir do conceito tradicional de ser está, além disso, completamente na via da tradição, na medida em que a verdade é uma determinação e um resultado do pensamento e da re-presentação. O ponto de partida dessa opinião corrente em Aristóteles. Tudo isso assumido sem questionamento impede uma pergunta mais originária acerca da ESSÊNCIA DA VERDADE. [tr. Casanova; GA65: 234]

Na medida em que a ESSÊNCIA DA VERDADE se encontra em meio às suas últimas meditações (cf a sua sentença sobre a relação entre a verdade (do saber) e a arte; cf a doutrina da perspectiva dos impulsos), tudo conquista uma nova vitalidade, que, porém, não deve nos iludir quanto ao caráter fragmentário das bases – sobretudo não, quando se leva em conta o fato de que Nietzsche quer superar o platonismo à sua maneira. Com efeito, porém, apesar de tudo, Nietzsche parece ter vinculado uma vez mais a ESSÊNCIA DA VERDADE com a vida. Mas será que ele chegou a ter clareza quanto à verdade desse ponto de partida “da vida” e, com isso, da vontade de poder e do eterno retorno do mesmo? À sua maneira, com certeza, pois ele compreende esses projetos do ente como uma tentativa que fazemos com a “verdade”. Essa filosofia deve ser um asseguramento da “vida” enquanto tal; de tal modo, com efeito, que ele a libere em suas possibilidades inexcedíveis. E reside supostamente aqui um passo no pensamento nietzschiano, cuja dimensão nós ainda não temos como mensurar, porque nós estamos próximos demais dele e, por isso, somos obrigados a ver tudo ainda por demais no campo de visão (“da vida”), que Nietzsche no fundo queria superar. Tanto mais necessário será para nós perguntar de maneira mais originária e, assim, não decair precisamente na opinião equivocada de que o questionamento nietzschiano estaria com isso “resolvido”. [tr. Casanova; GA65: 234]

Da maneira mais profunda possível, Nietzsche parece levar a pergunta até o cerne da ESSÊNCIA DA VERDADE, lá onde ele acolhe a questão “o que significa toda vontade de verdade?” e onde ele designa o saber em torno dessa questão como “o nosso problema” (VII, 482). Sua solução é: vontade de verdade é vontade de aparência e isso necessariamente como uma vontade de poder, como asseguramento da vida; e essa vontade em sua dimensão mais elevada na arte, razão pela qual a arte tem mais valor do que a verdade. Mas a vontade de “verdade” é, de acordo com isso, ambígua: ela é enquanto fixação uma contrariedade em relação à vida e, enquanto vontade de aparência, enquanto transfiguração, elevação da vida. O que é que essa vontade quer entre nós é a questão de Nietzsche. E, contudo, mesmo essa questão e esse saber em torno dessa questão não são originários (abstraindo-se completamente do ponto de partida da “vida” e da interpretação do “ser”). Pois Nietzsche toma como definido o que a verdade é; ele considera suficientemente fundada a interpretação que ele dá da essência, a fim de acolher, assim, imediatamente a questão aparentemente mais aguda e mais originária (porque ligada à “vontade de poder”). Todavia, o que é a verdade e, antes de tudo, a partir de onde nós sabemos o que é a verdade? A questão acerca do que a verdade é já não pressupõe a verdade? E que tipo de pressuposição é essa e como é que nós a resgatamos? [tr. Casanova; GA65: 234]

Por que é a verdade? E ela é afinal? Como? Se a verdade não fosse, sobre o que se basearia, então, mesmo que apenas a possibilidade do porquê? Por meio da questão do porquê, a verdade já é ratificada em sua consistência, de tal forma que ela precisaria ser de algum modo? A pergunta como uma busca pelo fundamento, a partir do qual e sobre o qual a verdade deve ser. De onde, porém, o perguntar? Não se encontra à base do questionamento uma irrupção do homem em um aberto, que se abre para encobrir? E isso que se abre, o encobrimento clareador, não é a ESSÊNCIA DA VERDADE? Mas de onde e como acontece essa irrupção do homem naquele outro que ele mesmo pretende ser, que lhe aparece como sua circunscrição, e que, porém, ele não é propriamente, que lhe é antes vedado e dissimulado, de tal modo que só lhe resta uma aparência disso (o ser-aí)? [tr. Casanova; GA65: 236]

Ora, mas em que se baseia a determinação da ESSÊNCIA DA VERDADE como encobrimento clareador? Em uma parada junto à aletheia. Mas quem foi que imaginou a aletheia algum dia normativamente, e de onde provém o direito a esse elemento tradicional, e, contudo, ao mesmo tempo esquecido? Como é que podemos conceber um estado na ESSÊNCIA DA VERDADE, sem que todo “verdadeiro” permaneça apenas um engodo? Por meio de uma fuga em direção ao cerne da realidade efetiva próxima à vida de uma “vida” bastante questionável, não há como conquistar nada aqui. É natural tentar descobrir se, na questão “por que é a verdade?”, a verdade não se deixa desdobrar como o fundamento do porquê e, assim, determinar em sua essência. Mas a questão já parece presa a um saber em torno da “verdade”, de maneira bastante indeterminada, confusa e habitual, para tornar uma vez mais questionável se um recurso a tal saber e opinar resiste. Para onde andamos de maneira cambaleante, quando nos libertamos da aparência e do visado? O que aconteceria se, apesar disso, nós alcançássemos a proximidade do acontecimento apropriador, que pode ser obscurecido em sua essência, mas, de qualquer modo, ainda mostra o fato de que entre nós e o seer um entre se essencia e que esse entre mesmo pertence à es-senciação do seer. [tr. Casanova; GA65: 236]

[A crença e a verdade] O que é visado aqui não é a forma particular do pertencimento a uma “confissão”, mas a essência da crença, concebida a partir da ESSÊNCIA DA VERDADE. [tr. Casanova; GA65: 237]

Crer: tomar-por-verdadeiro daquilo que pura e simplesmente é subtraído a todo e qualquer saber. Mas o que significa aqui saber? Qual é o saber propriamente dito? Aquele que sabe a ESSÊNCIA DA VERDADE e, por conseguinte, determina na viragem a partir dessa essência mesma. [tr. Casanova; GA65: 237]

Se a ESSÊNCIA DA VERDADE é: a clareira para o encobrir-se do seer, então saber é: o manter-se nessa clareira do encobrimento e, com isso, a ligação fundamental com o encobrir-se do seer e com esse seer mesmo. Esse saber não é, então, nenhum mero tomar-por-verdadeiro de um verdadeiro qualquer ou de um verdadeiro insigne, mas originariamente: o manter-se na ESSÊNCIA DA VERDADE. Esse saber, o saber essencial, é, então, mais originário do que qualquer crença, que sempre se remete apenas a algo verdadeiro e, por isso, quando em geral quer sair da cegueira completa, precisa de qualquer modo necessariamente saber o que para ela significa verdadeiro e algo verdadeiro! [tr. Casanova; GA65: 237]

Os que perguntam desse modo são os que acreditam originária e propriamente, isto é, aqueles que levam a sério fundamentalmente a própria verdade, não apenas o verdadeiro, que colocam em decisão se a ESSÊNCIA DA VERDADE se essencia e se essa essenciação mesma nos suporta e conduz, a nós, os que sabem, acreditam, agem, criam, em suma, os seres históricos. Essa crença originária não tem nada naturalmente de um acolhimento daquilo que oferece imediatamente um apoio e torna a coragem supérflua. Essa crença é muito mais a persistência na decisão mais extrema. Isso apenas é que pode trazer ainda uma vez nossa história para um fundamento fundado. Pois essa crença originária também não é nenhum arrebatamento egoísta de uma certeza autoproduzida, na medida em que ele se lança precisamente para além em direção ao cerne da essenciação do ser e experimenta a necessidade do a-bissal. [tr. Casanova; GA65: 237]

O tempo-espaço como emergente da e pertencente à ESSÊNCIA DA VERDADE, como a estrutura extasiantemente arrebatadora e fascinante (junção fugidia) assim fundada do aí. (Ainda não o “quadro” da representação da coisa, ainda não um mero fluir em si do que se sucede). Os sítios instantâneos e a contenda entre mundo e terra. A contenda e o abrigo da verdade do acontecimento apropriador. O tempo-espaço e a “facticidade” do ser-aí (cf observações correntes a Ser e tempo I, capítulo 5!). O entrementes da viragem e, com efeito, como algo histórica e expressamente jurisdicional! Ele se determina como o aqui e agora! A unicidade do ser-aí. Por isso, unicidade da existência sapiente do que é dado como tarefa e do que é concomitantemente dado. Tempo – eternidade – instante. O eterno não é o que per-dura, mas aquilo que pode se subtrair no instante, a fim de retornar uma vez mais. O que pode retornar não como o igual, mas como o novamente transformador, uno-único, o seer, de tal modo que ele não é reconhecido nessa manifestabilidade de saída como o mesmo! O que é, então, eternização? [tr. Casanova; GA65: 238]

O “tempo” é tão pouco egoico quanto o espaço é coisal; e, com maior razão, o espaço não é “objetivo” e o tempo, “subjetivo”. Os dois são originariamente unos no tempo-espaço, assim como pertence à ESSÊNCIA DA VERDADE a fundação abissal do aí, por meio do qual é fundada pela primeira vez a mesmidade e todo verdadeiro do ente. O impasse da questão acerca da “realidade efetiva” e acerca da “proveniência” de espaço e tempo é característico para o campo de visão, no qual se movimenta em geral a questão diretriz: o que é o ente? Cf. o tempo-espaço como o abismo. [tr. Casanova; GA65: 240]

O espaço é fundamentalmente diverso do tempo. O fato de o espaço ser representado em um aspecto determinado como ordo e como campo enquadrador do que se encontra concomitantemente presente à vista, aponta para o fato de que o espaço assim representado é re-presentável em uma presentificação (de determinada temporalidade). Isso, porém, não diz coisa alguma sobre o que é o próprio espaço. Não há nenhuma razão para reconduzi-lo ao “tempo”, porque a re-presentação do espaço é uma temporalização. Ao contrário, os dois não são, por exemplo, apenas diversos na quantidade das “dimensões” habitualmente visadas, mas possuem desde o fundamento a sua essência mais própria, e só por força dessa diversidade extrema apontam de volta para a sua origem, o tempo-espaço. Quanto mais puramente a essência própria dos dois é preservada e quanto mais profundamente a origem é estabelecida, tanto antes tem sucesso a apreensão de sua essência enquanto tempo-espaço, pertencente à ESSÊNCIA DA VERDADE como fundamento clareador para o encobrimento. [tr. Casanova; GA65: 241]

1) Assim como a representação de um “espaço de tempo” não diz respeito àquilo que o tempo-espaço visa, sim, não poderia ser mais do que uma saída para o caminho em direção à essência do tempo-espaço. 2) Assim como o tempo-espaço não só é uma acoplagem de espaço e tempo no sentido de que o tempo é tomado como (t) do cálculo e transformado em quarto parâmetro, e, com isso, o “espaço” quadridimensional é estabelecido para a física. Aqui, espaço e tempo são apenas retesados conjuntamente, depois que os dois se assentam anteriormente sobre o mesmo do contável e do que possibilita a contagem. 3) Mas tempo-espaço também é em outro sentido, por exemplo, pensável apenas como uma acoplagem, por exemplo, de tal modo que tudo o que ocorre historicamente seria determinado em algum momento e em algum lugar, e, com isso, tempo-espacialmente. Ao contrário, a unidade é a unidade da origem e essa origem só pode ser perseguida se: 1) A essência dos dois é clarificada a cada vez propriamente, e 2) Cada essência em si é exposta contra a outra em sua separação extrema, e 3) Cada essência é concebida em si como emergindo de algo originário; e 4) Esse originário como a raiz comum dos dois enquanto algo diverso deles e, contudo, de tal modo que ele precisa, como raiz, daqueles dois enquanto “troncos”, a fim de se mostrar como raiz-fundamento fundador (a ESSÊNCIA DA VERDADE). [tr. Casanova; GA65: 241]

O a-bismo é a essenciação originária do fundamento. O fundamento é a ESSÊNCIA DA VERDADE. Por isso, se o tempo-espaço for concebido como a-bismo e se o a-bismo for tomado de maneira mais determinada de acordo com a viragem a partir do tempo-espaço, então se reabrirá com isso a ligação revirante e o pertencimento do tempo-espaço à ESSÊNCIA DA VERDADE. [tr. Casanova; GA65: 242]

O abismo é a unidade originária de espaço e tempo, aquela unidade unificadora, que só os deixa seguir caminhos divergentes em sua cesura. O a-bismo, porém, também é antes de tudo a essência originária do fundamento, de seu fundar, da ESSÊNCIA DA VERDADE. O que é o a-bismo? Qual é o seu modo de fundação? O a-bismo é o permanecer de fora do fundamento. E o que é o fundamento? Ele é o que vela a si mesmo – acolhimento, uma vez que sustentação, e essa sustentação como posição soberana sobre o que há para ser fundado. Fundamento: o encobrir-se na assunção de uma posição soberana e sustentadora. [tr. Casanova; GA65: 242]

A verdade funda como verdade do acontecimento apropriador. Esse acontecimento, porém, é, por isso, concebido a partir da verdade como fundamento: o fundamento originário. O fundamento originário só se abre como o que se encobre no a-bismo. O abismo, contudo, é completamente dissimulado por meio do não fundamento. O fundamento originário, o fundamento fundante, é o seer, mas sempre a cada vez se essenciando em sua verdade. Quanto mais fundamentalmente o fundamento (a ESSÊNCIA DA VERDADE) for sondado em seu solo, tanto mais essencialmente se essencia o seer. A sondagem do solo do fundamento precisa, no entanto, ousar o salto no a-bismo e mensurar e suportar o próprio a-bismo. [tr. Casanova; GA65: 242]

A estrutura dessa essenciação precisa ser colocada sempre uma vez mais no projeto: a ESSÊNCIA DA VERDADE é o encobrimento clareador. Esse encobrimento acolhe o acontecimento apropriador e deixa, dando a ele sustentação, que sua oscilação impere inteiramente através do aberto. Suportando e deixando imperar, a verdade é o fundamento do seer. O “fundamento” não é mais originário do que o seer, mas a origem como aquilo que ele, o acontecimento apropriador, deixa reemergir. [tr. Casanova; GA65: 242]

O tempo-espaço nessa essência originária ainda não tem nada em si do “tempo” e do “espaço”, que habitualmente se conhece, e, contudo, ele contém o desdobramento em direção a eles em si, e, com efeito, em uma riqueza maior do que a que pôde vir à tona até aqui por meio da matematização de espaço e tempo. Como é se sai de tempo-espaço para “espaço e tempo”? Formulada assim, a questão ainda é muito plurissignificativa e pode ser facilmente mal interpretada. O que precisa ser distinto de antemão é: 1) A história que essencialmente foi de topos e kronos no interior da interpretação do ente como physis com base na aletheia não desdobrada; 2) O desdobramento de espaço e tempo a partir do tempo-espaço expressa e originariamente concebido enquanto a partir do abismo do fundamento no interior do pensar do outro início; 3) O apoderamento do tempo-espaço como essenciação da verdade no interior da fundação por vir do ser-aí através do abrigo da verdade do acontecimento apropriador no ente que se reconfigura por meio daí; 4) A clarificação propriamente dita, a dissolução ou o afastamento das dificuldades, que envolveram desde sempre na história do pensamento até aqui aquilo que se conhece como espaço e tempo; por exemplo, a questão acerca da “realidade efetiva” do espaço e do tempo; acerca de sua “infinitude”, acerca de sua relação com as “coisas”. Todas essas questões permanecem não apenas sem respostas, mas de início inquestionáveis, enquanto espaço e tempo não forem concebidos a partir do tempo-espaço, isto é, enquanto a questão acerca da ESSÊNCIA DA VERDADE não for questionada desde o fundamento como a questão prévia à questão fundamental da filosofia (como se essencia o seer?). [tr. Casanova; GA65: 242]

O abrigo volta do mesmo modo determinadamente a cada vez o encobrir-se para o aberto, tal como ele mesmo é atravessado de maneira soberana pela clareira do encobrir-se. Por isso, junto a esse projeto da ESSÊNCIA DA VERDADE não há, por isso, nenhum lugar para uma interpretação inequívoca que é sempre uma vez mais sugerida da relação platônica. Pois o abrigo da verdade no ente não nos lembra demais a configuração da “ideia”, do eidos na hyle? Mas já o modo de falar “abrigo da verdade no ente” induz em erro, como se a verdade já pudesse ser sempre de antemão por si “verdade”. [tr. Casanova; GA65: 243]

Os que estão por vir: os lentos fundadores, que escutam por um longo tempo, dessa ESSÊNCIA DA VERDADE. Os que resistem ao impulso do seer. Os que estão por vir são aqueles vindouros, para junto dos quais, enquanto os que esperam retroativamente em uma retenção sacrificial, chegam o aceno e o acometimento do afastamento e da aproximação do último deus. É preciso preparar esses que estão por vir. Serve a tal preparação o pensar inicial como silenciamento do acontecimento apropriador. Mas o pensar é apenas um modo, no qual poucos ressaltam o salto no seer. [tr. Casanova; GA65: 248]

O questionar acerca da ESSÊNCIA DA VERDADE e acerca da essenciação do seer: o que é isso senão o caráter resoluto em nome da mais extrema meditação? Esse caráter resoluto, porém, cresce a partir da abertura para o necessário, que torna incontornável a experiência da indigência do abandono do ser. A experiência dessa indigência, contudo, depende uma vez mais da grandeza da força da lembrança no todo do caráter dominante do saber. Uma questão desse tipo é a retenção da busca, lá onde e como a verdade do ser se deixa fundar e abrigar. [tr. Casanova; GA65: 250]

A determinação histórica da filosofia tem seu ápice no conhecimento da necessidade de criar a escuta para a palavra de Hölderlin. O poder ouvir corresponde a um poder dizer, que fala a partir da questionabilidade do seer. Pois isso é o mínimo que pode ser realizado para a preparação do espaço da palavra. (Se é que tudo não foi invertido ainda e transformado no elemento “científico” e “historiológico-literário”, seria preciso dizer: uma preparação do pensamento para a interpretação de Hölderlin precisa ser criada. “Interpretação” com certeza não tem em vista aqui tornar “compreensível”, mas sim fundar o projeto da verdade de sua poesia na meditação e na tonalidade afetiva, nas quais o ser-aí por vir vibra) (cf Reflexões VI e VII Hölderlin). Essa caracterização histórica da essência da filosofia a concebe como pensar do seer. Esse pensar nunca pode fugir para o interior de uma figura do ente e experimentar nela toda a luz do simples a partir da riqueza reunida de sua obscuridade estruturada em suas junções. Esse pensar também não tem como seguir jamais a dissolução em meio ao amorfo. Esse pensar precisa capturar em um ponto aquém da distinção entre figura e ausência de figura (o que só se dá no ente), no abismo do fundamento da figura, o ímpeto de jogada de seu caráter de jogado e suportá-lo no aberto do projeto. O pensar do seer precisa pertencer ao que tem de ser pensado mesmo de uma maneira completamente diversa de todo e qualquer ajuste em relação ao elemento objetivo porque o seer não tolera a própria verdade como suplemento e como algo trazido para junto de si, mas “é” ele mesmo a ESSÊNCIA DA VERDADE. A verdade, aquela clareira do encobrir-se, em cujo aberto os deuses e o homem são apropriados em meio ao acontecimento para a sua contra-posição, abre ela mesma o seer como história. Nós talvez precisemos pensar essa história, se é que devemos aprontar o espaço que em seu tempo precisa resguardar em ressonância a palavra de Hölderlin, que denomina uma vez mais os deuses e o homem; e isso para que essa ressonância afine aqueles tonalidades afetivas fundamentais, que determinam o homem por vir em meio à guarda da indigencialidade dos deuses. Essa caracterização da filosofia em termos da história do seer carece de uma explicitação, que auxilie o surgimento de uma lembrança do pensar até aqui (a metafísica), mas retransporte ao mesmo tempo o porvir para o interior da copertinência histórica. [tr. Casanova; GA65: 258]

A diferença na questão acerca do ser pode ser retida formalmente por dois títulos; o primeiro diz: ser e pensar, o outro: ser e tempo. No primeiro título, o ser é compreendido como a entidade do ente; no outro, como o ser, cuja verdade é inquirida. No primeiro, “pensar” significa o fio condutor, ao longo do qual o ente é interrogado com vistas à sua entidade: o enunciar representativo. No outro, “tempo” designa a primeira indicação da ESSÊNCIA DA VERDADE no sentido da clareira aberta de acordo com o arrebatamento extasiante do campo de jogo, no qual o seer se oculta e, se ocultando, se doa pela primeira vez expressamente em sua verdade. Em sua relação, por conseguinte, os dois títulos não podem ser interpretados de maneira alguma de tal modo que não seria necessário senão substituir no segundo o “pensar” que aparece no primeiro pelo “tempo”, como se a mesma questão acerca da entidade do ente devesse a partir de então, ao invés de ser levada a termo a partir do fio condutor da representação enunciativa, ser realizada a partir do fio condutor do tempo, sendo que o “tempo”, então, continuaria sendo pensado imediatamente segundo o seu conceito usual. Ao contrário, o “papel” do pensar e aquele do “tempo” são a cada vez papéis fundamentalmente diversos; sua determinação dá ao “e” nos dois títulos uma inequivocidade a cada vez própria. Ao mesmo tempo, porém, por meio da questão acerca do ser no sentido do título “ser e tempo”, é criada uma possibilidade de conceber mais originariamente, isto é, em termos da história do ser, a história da questão do ser no sentido do título “ser e pensar”, e de tornar visível pela primeira vez a verdade do ser, necessariamente inquestionada no interior da metafísica, no caráter temporal do ser por meio da referência à vigência da presentação e da constância na essência da physis, da idea e da ousia. Essa referência é tanto mais decisiva em termos da história do ser, uma vez que, na história ulterior da questão do ser, o caráter temporal da entidade é cada vez mais velado, de tal modo que a tentativa de unir o ser (e a atemporalidade das categorias e dos valores) com o “tempo”, indiferentemente de como isso possa vir a se dar, se depara imediatamente com uma resistência, que tem sua força naturalmente apenas na cegueira do não querer questionar. Como o caráter “temporal” do próprio ser, com base na não concepção da questão acerca da verdade (do “sentido”) do seer, permanece completamente estranho, as pessoas se salvam por meio da equiparação do ser com o ser-aí, que, então, uma vez que ele designa de algum modo o ser humano, é compreensível em sua “temporalidade”. Assim, porém, tudo se evade da via da questão do ser e se comprova ao mesmo tempo que um título por si, caso faltem o empenho e o saber interpretá-lo ao menos em sua intenção, não consegue nada. Todavia, esse saber nunca pode ser comunicado e difundido como os conhecimentos de algo presente à vista. Já na transição devem seguir aqueles que trazem esse saber uns para os outros, na medida em que eles, pressentindo as decisões, se aproximam uns dos outros e, contudo, não se encontram. Pois ele precisa dos particulares dispersos, para deixar amadurecer a decisão. Mas esses particulares trazem consigo ainda o sido da história do ser velado, aquele desvio, tal como poderia se mostrar, que a metafísica precisou pegar pelo ente, a fím de não atingir o ser e, assim, chegar a um fim, que é forte o suficiente para a indigência em relação ao outro início, o qual auxilia imediatamente a voltar para o cerne da originariedade do primeiro início e que transforma o passado no que não foi perdido. [tr. Casanova; GA65: 259]

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