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Category: Heidegger - Ser e Tempo etc.
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

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Offene

O comportamento está ABERTO sobre o ente. Toda relação de abertura, pela qual se instaura a abertura para algo, é um comportamento. A abertura que o homem mantém se diferencia conforme a natureza do ente e o modo do comportamento. Todo trabalho e toda realização, toda ação e toda previsão, se mantêm na abertura de um âmbito ABERTO no seio do qual o ente se põe propriamente e se torna suscetível de ser expresso naquilo que é e como é. Isto somente acontece quando o ente mesmo se pro-põe, na enunciação que o apresenta, de tal maneira que esta enunciação se submete à ordem de exprimir o ente assim como é. Na medida em que a enunciação obedece a tal ordem, ela se conforma ao ente. O dizer que se submete a tal ordem é conforme (verdadeiro). O que assim é dito é conforme (verdadeiro). [MHeidegger 159]



As “contribuições” perguntam em uma via que é inicialmente aberta pela transição ao outro início, para o interior do qual o pensamento ocidental agora se volta. Essa via lança a transição no espaço ABERTO da história e a fundamenta como uma estada talvez muito longa, em cuja realização o outro início do pensamento permanece sempre apenas o pressentido, mas já de qualquer modo decidido. Com isto, apesar de já falarem e mesmo de só falarem da essência do seer, isto é, do “acontecimento apropriador”, as “Contribuições” ainda não conseguem juntar a junção livre e fugidia da verdade do seer a partir dele mesmo. Se isso algum dia tiver lugar, então essa essência do seer determinará em seu estremecimento o conjunto articulado da obra pensante ela mesma. Esse estremecimento se fortalece, então, em nome do poder da ternura liberada característica de uma intimidade daquela deização do deus dos deuses, a partir da qual acontece apropriadoramente a destinação do ser-aí para o seer, como para a fundação da verdade que é concernente ao seer. [tr. Casanova; GA65: 1]

Por vezes, aqueles fundadores do abismo precisam ser consumidos no fogo do que se guarda, para que o ser-aí venha a ser possível para o homem e, assim, seja salva a constância em meio ao ente, para que o ente mesmo experimente a restauração no ABERTO da contenda entre terra e mundo. Consequentemente, o ente é voltado para o interior de sua constância por meio do ocaso dos fundadores da verdade do seer. Tal movimento é exigido pelo próprio seer mesmo. Ele precisa dos que experimentam o ocaso; e, onde quer que um ente apareça, o seer já sempre se a-propriou desses fundadores que perecem em meio ao acontecimento, já sempre os atribuiu a si mesmo. Essa é a essenciação do seer mesmo: nós a denominamos o acontecimento apropriador. A riqueza da ligação volteante do seer com o ser-aí que lhe é entregue apropriadoramente é imensurável. A plenitude do acontecimento da apropriação é incalculável. E somente algo muito diminuto pode ser dito aqui “sobre o acontecimento apropriador” nesse pensar inicial. O que é dito é questionado e pensado em uma “conexão de jogo” do primeiro e do outro início a partir da “ressonância” do seer; ele é questionado e pensado em meio à indigência do abandono do ser para o “salto” em direção ao interior do seer. Esse “salto” tem por fim promover a “fundação” da verdade do seer como a preparação dos “que estão por vir” e “do último deus”. Esse dizer pensante é uma diretiva. Essa diretiva indica o livre abrigo da verdade do seer em meio ao ente como algo necessário, sem ser, contudo, uma ordem. Tal pensamento jamais pode ser transformado em uma doutrina: ele se subtrai completamente ao acaso da opinião. Além do mais, ele só dá uma diretiva aos poucos e ao seu saber, quando o que importa é o resgate dos homens da barafunda do não-ente, lançando-os para o interior da maleabilidade à junção característica de uma criação reservada dos sítios que são determinados para o passar ao largo do último deus. Mas se o acontecimento apropriador perfaz a essenciação do seer, o quão perto está, então, o perigo de que ele recuse e precise recusar o acontecimento da apropriação porque o homem perdeu a força para o ser-aí, uma vez que a violência desencadeada do desvario em meio ao gigantesco o dominou sob a aparência da “magnitude”. No entanto, se o acontecimento apropriador se tornar recusa e denegação, isso significa apenas a retração do seer e o abandono do ente ao não-ente? Ou será que a denegação (o caráter de não do seer) pode se tornar no mais extremo o mais distante acontecimento da apropriação, posto que o homem conceba esse acontecimento apropriador e o horror do pudor o recoloque na tonalidade afetiva fundamental da retenção e, com isto, já o exponha para o ser-aí? [tr. Casanova; GA65: 2]

Ninguém o compreende porque todos buscam explicar a “minha” tentativa de maneira apenas historiológica e se remetem ao que passou – o que eles acham que compreendem porque aparentemente já se encontra atrás deles. E aquele que algum dia vier a compreendê-lo não precisará de “minha” tentativa; pois ele precisará ter ABERTO por si mesmo o caminho que conduz até aí. Ele precisa ser capaz de pensar o que foi tentado de tal modo que seja da opinião de que isso adveio até ele de muito longe, sem deixar de ser, contudo, o que lhe há de mais próprio. Ele precisa ser entregue à responsabilidade do que assim veio até ele como alguém de quem se necessita e que, por isto, não tem nem a inclinação nem a oportunidade de “se” tomar em consideração. [tr. Casanova; GA65: 2]

Ser o que busca, o que vela, o que guarda – isto significa o cuidado enquanto traço fundamental do ser-aí. Em seu nome reúne-se a determinação do homem, na medida em que ele é concebido a partir de seu fundamento, isto é, a partir do ser-aí, o qual se encontra apropriado em meio ao acontecimento e imerso na viragem para o acontecimento apropriador enquanto para a essência do seer e só pode se tornar insistente por força de sua origem como fundação do tempo-espaço (“temporialidade”), a fim de transformar a indigência do abandono do ser na necessidade da criação como a restituição do ente. E nos juntando à junção do seer, nós nos encontramos à disposição dos deuses. A própria busca é a meta. E isto significa: “metas” estão ainda por demais ligadas ao primeiro plano e sempre continuam se colocando diante do seer – e soterram o necessário. À disposição dos deuses – o que isto significa? E se os deuses forem o indecidido, porque ainda resta em um primeiro momento recusada a abertura da deização? Aquela palavra significa: à disposição para o ser usado no descerramento desse ABERTO. E aqueles que determinam previamente pela primeira vez a abertura desse ABERTO e que precisam realizar a afinação sobre eles, na medida em que repensam a essência da verdade e a elevam ao nível de questão, esses são os que são mais duramente usados. À “disposição dos deuses” – isto significa: se encontrar – muito para além e para fora – para fora do caráter corrente do “ente” e de suas interpretações; pertencer aos que se acham mais ao longe, para os quais a fuga dos deuses permanece o mais próximo em sua mais ampla subtração. [tr. Casanova; GA65: 5]

Toda e qualquer denominação da tonalidade afetiva fundamental por meio de uma única palavra fixa-se sobre uma opiniáo equivocada. Toda e qualquer palavra é sempre retirada do que é legado pela tradição. O fato de a tonalidade afetiva fundamental do outro início precisar ser dotada de muitos nomes não contesta sua simplicidade, mas confirma sua riqueza e sua estranheza. Toda e qualquer meditação sobre essa tonalidade afetiva fundamental é constantemente apenas uma lenta equipagem com vistas ao insight afinador da tonalidade afetiva fundamental, que precisa permanecer fundamentalmente um a-caso. A equipagem com vistas a tal a-caso só consiste naturalmente, de acordo com a essência da tonalidade afetiva, na ação pensante transitória; e essa ação precisa crescer a partir do saber propriamente dito (do resguardo da verdade do seer). Mas se o seer se essencia como a recusa e se essa recusa mesma deve vigorar em sua clareira e ser conservada como recusa, então a prontidão para a recusa só pode subsistir como abdicação. A abdicação não é aqui, contudo, o mero não querer ter e o deixar de lado, mas ela acontece como a forma mais elevada da posse, cuja elevação encontra a decisão na franqueza do entusiasmo pela doação do insondável pelo pensar, isto é, pela doação da recusa. Nessa decisão, o ABERTO da transição é retido e fundado – o em-meio-a abissal do entre em relação ao não-mais do primeiro início e de sua história e ao ainda-não do preenchimento do outro início. Nessa decisão, toda guarda do ser-aí precisa fincar pé, na medida em que o homem como fundador do ser-aí precisa se tornar o guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Essa decisão, porém, enquanto pressentindo, é apenas a sobriedade da força de sofrimento do criador, aqui daquele que projeta a verdade do seer, que abre o silêncio para a violência essencial do ente, a partir da qual o seer (como acontecimento apropriador) torna-se apreensível. [tr. Casanova; GA65: 6]

O despertar dessa indigência é o primeiro tresloucamento do homem para o interior daquele entre, no qual a confusão acossa de maneira uniforme e o deus permanece em fuga. Esse “entre”, contudo, não é nenhuma “transcendência” com relação ao homem, mas é, ao contrário, aquele ABERTO, ao qual pertence o homem como fundador e guardião, na medida em que ele é apropriado em meio ao acontecimento como ser-aí pelo seer mesmo, que não se essencia como nada diverso senão como acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 7]

No outro início pensa-se de antemão aquele totalmente outro, que foi denominado o âmbito da decisão, no qual se conquista ou se perde o seer histórico propriamente dito dos povos. Esse ser – a historicidade – não é nunca o mesmo em toda e qualquer era. Ele se encontra agora diante de uma mudança essencial, na medida em que ele tem como tarefa fundar aquele âmbito da decisão, aquele nexo do acontecimento apropriador, graças ao qual um ente histórico humano traz a si mesmo pela primeira vez para si mesmo. A fundação desse âmbito exige uma renúncia que é o contrário da tarefa de si. Ela só pode ser levada a termo a partir da coragem do a-bismo. Esse âmbito, se é que tal caracterização é em geral suficiente, é o ser-aí, aquele espaço intermediário, que, fundando pela primeira vez a si mesmo, confronta e defronta o homem e o deus um em relação ao outro, tornando-os próprios um ao outro. O que se abre na fundação do ser-aí é o acontecimento apropriador. Com isto, não se tem em vista um “em face de”, algo intuível e uma “ideia”, mas o acenar de lá pra cá e o manter-se na mobilidade para cá no ABERTO do aí, que é justamente o ponto de virada clareador e encobridor nesta viragem. Essa viragem só conquista sua verdade, na medida em que ela é contestada enquanto contenda entre mundo e terra e, assim, em que o verdadeiro é coberto no ente. Só a história, que se funda no ser-aí, tem a garantia de uma copertinência à verdade do ser. [tr. Casanova; GA65: 8]

O seer como acontecimento apropriador – renúncia hesitante como (recusa). Maturidade: fruto e doação. O elemento nulo no seer e o impulso contrário; querelante (seer ou não-ser). O seer se essencia na verdade; clareira para o encobrir-se. A verdade como essência do fundamento: fundamento – o em que fundado (não o de onde enquanto causa). O fundamento funda como a-bismo: a indigência como o ABERTO do encobrir-se (não o “vazio”, mas inesgotabilidade a-bissal). O a-bismo como o tempo-espaço. O tempo-espaço é o sítio instantâneo da contenda (seer ou não-ser). A contenda como a contenda de terra e mundo, porque a verdade do seer só é no abrigo e essa como o “entre” fundante no ente. Um contra o outro de terra e mundo. As vias e os modos do abrigo – o ente. [tr. Casanova; GA65: 9]

O seer se essencia como acontecimento apropriador. A essenciação tem o meio e a amplitude na viragem. A exportação resolutora de contenda e réplica. A essenciação é garantida e abrigada na verdade. A verdade acontece como o encobrimento clareador. A estrutura fundamental desse acontecimento é o tempo-espaço que emerge dele. O tempo-espaço é o que desponta para as mensurações da abertura do fosso abissal do seer. O tempo-espaço é, enquanto junção da verdade, originariamente o sítio instantâneo do acontecimento apropriador. O sítio instantâneo essencia-se a partir desse acontecimento como a contenda de terra e mundo. A contestação da contenda é o ser-aí. O ser-aí acontece nos modos do abrigo da verdade a partir da garantia do acontecimento apropriador clareado e velado. O abrigo da verdade deixa que o verdadeiro se abra e se dissimule como o ente. O ente se encontra pela primeira vez assim no seer. O ente é. O seer se essencia. O seer (como acontecimento apropriador) precisa do ente, para que ele, o seer, se essencie. O ente pode “ser” ainda no abandono do ser, sob cujo domínio a tangibilidade e a utilidade imediata, assim como a funcionalidade de todo e qualquer tipo (tudo precisa servir ao povo, por exemplo) constituem obviamente o que é sendo e o que não é. A autonomia aparente do ente em face do seer, como se este fosse apenas um suplemento do pensamento “abstrato” representacional, porém, não é nenhum primado, mas apenas o sinal do privilégio em relação à decadência que cega. Esse ente “real e efetivo” é concebido a partir da verdade do seer como o não-ente sob o domínio da inessência da aparência, cuja origem permanece aí encoberta. O ser-aí como a fundação da contestação da contenda em meio ao que é ABERTO por ela é cristalizado humanamente e sustentado na insistência que suporta o aí e que pertence ao acontecimento apropriador. O pensar do seer como acontecimento apropriador é o pensar inicial, que prepara como confrontação com o primeiro início o outro início. O primeiro início pensa o seer como presentidade a partir da presentação, que apresenta o primeiro reluzir de uma essenciação do seer. [tr. Casanova; GA65: 10]

1) Acontecimento apropriador: a luz segura da essenciação do seer no campo de visão extremo da mais íntima indigência do homem histórico. 2) O ser-aí: o entre ABERTO no meio e, assim, velador, entre a chegada e a fuga dos deuses e o homem nele enraizado. 3) O ser-aí tem a origem no acontecimento apropriador e em sua viragem. 4) Por isto, ele só pode ser fundado como a verdade e na verdade do seer. 5) A fundação – não recriação – é um deixar-ser-fundamento por parte do homem, que chega, com isto, pela primeira vez, uma vez mais a si e reconquista o ser-si-mesmo. 6) O fundamento fundado é ao mesmo tempo abismo para a abertura do fosso abissal do seer e não fundamento para o abandono do ser do ente. 7) A tonalidade afetiva fundamental da fundação é a retenção. 8) A retenção é a referência insigne, instantânea ao acontecimento apropriador no ser chamado por meio de seu conclamar. 9) O ser-aí é o acontecimento fundamental da história por vir. Esse acontecimento emerge do acontecimento apropriador e se torna um sítio instantâneo possível para a decisão sobre o homem – sua história ou não história como sua transição para o ocaso. 10) O acontecimento apropriador e o ser-aí estão em sua essência, isto é, em sua pertinência enquanto fundamento da história, ainda completamente velados e permanecerão por um longo tempo causando estranhamento. Faltam as pontes; os saltos ainda não foram levados a termo. Ainda permanece de fora a profundidade da experiência da verdade que lhes satisfazem e a meditação sobre o seu sentido: a força da decisão elevada. Em contrapartida, numerosas no caminho são apenas as ocasiões e os meios da má interpretação, porque falta mesmo o saber daquilo que aconteceu no primeiro início. [tr. Casanova; GA65: 11]

A ipseidade do homem – do homem histórico tanto quanto do povo – é um âmbito de acontecimento, no qual ele só se mostra a-propriado, se ele mesmo alcança o tempo-espaço ABERTO, no qual pode acontecer uma apropriação. [tr. Casanova; GA65: 19]

O repensar da verdade do seer é essencialmente pro-jeto. À essência de tal projeto pertence o fato de, em performance e no desdobramento de si mesmo, ele precisar se recolocar no que é ABERTO por meio de si. Assim, é possível que desponte a aparência de que: onde impera o projeto, aí haja arbítrio e um divergir em direção ao infundado. Mas o projeto traz a si mesmo precisamente para o fundamento e muda, assim, pela primeira vez a si mesmo para o interior da necessidade, com a qual ele está ligado de modo fundamental, ainda que ainda se encontre velado diante de sua execução. [tr. Casanova; GA65: 21]

O projeto da essência do seer é apenas resposta à conclamação. Desdobrado, o projeto perde toda aparência do que tem o seu poder em si e nunca se torna o perder-se e a entrega. Seu ABERTO é apenas o disponível na fundação formadora de história. O que é projetado no projeto se apodera superpotencializadoramente dele mesmo e o coloca em seu direito. [tr. Casanova; GA65: 21]

O projeto desdobra o projetista e o aprisiona ao mesmo tempo no que é ABERTO por ele. Esse aprisionamento que pertence ao projeto essencial é o início da fundação da verdade conquistada no projeto. [tr. Casanova; GA65: 21]

Se o saber como resguardo da verdade do verdadeiro (da essência da verdade no ser-aí) distingue o homem (em face do animal racional até aqui) e o eleva ao nível da vigilância do seer, então o saber mais elevado é aquele que é suficientemente forte para ser a origem de uma abdicação. A renúncia é naturalmente considerada por nós como fraqueza e como transigência, como uma desarticulação da vontade; assim experimentada, a recusa é uma entrega e um deixar-se levar. Mas há uma renúncia que não apenas mantém firme, mas até mesmo conquista por meio do combate e suporta o sofrimento, aquela renúncia que emerge como a prontidão para a recusa, a retenção desse elemento estranho, que se essencia de tal modo como o próprio seer, aquele em meio ao ente e à deização, que arranja um espaço para o entre ABERTO, em cujo campo de jogo temporal o abrigo da verdade no ente e a fuga e chegada dos deuses se convertem um no outro. O saber da recusa (ser-aí como renúncia) desdobra-se como a longa preparação da decisão sobre a verdade, sobre se essa verdade é capaz de se tornar uma vez mais senhora do verdadeiro (isto é, do correto) e, assim, se ela é medida por aquilo que cai sob ela, se a verdade não permanece apenas a meta do conhecimento técnico-prático (um “valor” e uma “ideia”), mas se transforma ela mesma na fundação da insurreição da recusa. Esse saber desdobra-se como o questionamento que se projeta ampla e antecipadamente para frente, o questionamento acerca do seer, cuja questionabilidade obriga todo criar à indigência, erige para todo ente um mundo e salva o que há de confiável da terra. [tr. Casanova; GA65: 26]

O caráter próprio ao ser-aí enquanto fundado no ser si mesmo só pode ser indicado naturalmente de início na transição a partir da autoconsciência até aqui egoica e por ela; o ser-aí é sempre e a cada vez meu. Neste caso, é preciso levar em consideração o fato de que mesmo a autoconsciência egoica já tinha alcançado por meio de Kant e do Idealismo alemão uma figura totalmente diversa, na qual foi coestabelecida uma referência ao “nós” e ao histórico e absoluto. Com o ser-aí é dada de imediato completamente a transposição para o interior do ABERTO. Querer encontrar aqui um “subjetivismo” é, abstraindo-se completamente do resto, sempre supérfluo. [tr. Casanova; GA65: 30]

Verdade é encobrimento clareador, que acontece como deslocamento extasiante e fascinante. Esses dois deslocamentos, em sua unidade tanto quanto em sua medida excessiva, fornecem o ABERTO recolocado para o jogo do ente, que se torna sendo no abrigo de sua verdade como coisa, utensílio, maquinação, obra, feito, sacrifício. [tr. Casanova; GA65: 32]

O deslocamento extasiante e fascinante, porém, também pode se solidificar em uma indiferença, e, então, o ABERTO é tomado como o pura e simplesmente presente à vista, o que desperta a aparência de ser o ente, porque o efetivamente real. A partir dessa indiferença ela mesma velada da aparente ausência de deslocamento extasiante e fascinante, o deslocamento extasiante e fascinante aparece como exceção e como evento isolado, lá onde ele mostra de qualquer modo o fundamento e a essência da verdade. Aquela in-diferença é também o âmbito, no qual todo re-presentar, visar, toda correção se transcorrem. [tr. Casanova; GA65: 32]

Para a questão fundamental, em contrapartida, o ser não é a resposta e o âmbito da resposta, mas o que há de mais digno de questão. Para ele, vale a dignificação única e saliente, isto é, ele mesmo é ABERTO como domínio e, assim, elevado ao nível do ABERTO como o que nunca pode ser controlado. O seer como o fundamento, no qual todo ente primeiramente enquanto tal chega à sua verdade (abrigo, instituição e objetividade); o fundamento, no qual o ente mergulha (abismo), o fundamento, no qual ele também se atreve a se lançar em sua indiferença e obviedade (não fundamento). O fato de o seer se essenciar de maneira fundante em sua essenciação desse modo indica a sua unicidade e domínio. E esse domínio, por sua vez, é apenas o aceno para o acontecimento apropriador, no qual temos de buscar a essenciação do seer em seu mais extremo velamento. O seer enquanto o que há de mais digno de questão não conhece mesmo em si nenhuma questão. [tr. Casanova; GA65: 34]

A questão diretriz, desdobrada em seu esqueleto, torna possível reconhecer respectivamente uma posição fundamental em relação ao ente enquanto tal, isto é, uma posição do questionador (homem) sobre um fundamento, que não é passível de ser sabida em geral e sondável enquanto tal a partir da questão diretriz, mas que é trazida para o ABERTO por meio da questão fundamental. [tr. Casanova; GA65: 34]

Busca pelo seer? A descoberta originária na busca originária. Buscar – já o manter-se-na-verdade, no ABERTO do que se encobre e do que se retrai. O buscar (originariamente) como referência fundamental à renúncia hesitante. O buscar como questionar e, não obstante, silenciar. Quem busca já encontrou! E o buscar originário é aquela apreensão do já encontrado, a saber, do que se encobre enquanto tal. Enquanto o buscar habitual só encontra e só encontrou, na medida em que parou de buscar. Por isto, a descoberta originária no abrigo originário é velada precisamente como o buscar enquanto tal. Honrar o mais digno de questão, persistir no questionar, insistência. [tr. Casanova; GA65: 38]

Todo dizer do seer mantém-se em palavras e denominações que, compreensíveis na direção do visar cotidiano do ente e pensadas exclusivamente nessa direção, são mal interpretadas como sentença expressa do seer. Não se carece, com isto, nem mesmo de um errar o alvo da pergunta (no interior do âmbito da interpretação pensante do seer), mas a própria palavra já desentranha algo (conhecido) e encobre, com isso, aquilo que deve ser posto no ABERTO em meio ao dizer pensante. Essa dificuldade não tem como ser suspensa por nada, sim, a tentativa de tal suspensão já significa o desconhecimento de todo dizer do seer. Essa dificuldade precisa ser assumida e concebida em seu pertencimento essencial (ao pensar do seer). [tr. Casanova; GA65: 41]

Neste caso, aquilo que é aqui denominado de-cisão ganha o meio essencial mais íntimo do seer mesmo e passa a não ter mais nada em comum com aquilo que se chama a tomada de uma escolha e coisas do gênero, mas diz: a dissociação mesma, que cinde e, na cisão, deixa entrar em jogo pela primeira vez o acontecimento da apropriação justamente desse ABERTO no dissociado como a clareira para o que se encobre e ainda se mostra como in-decidido, o pertencimento do homem ao seer e a referencialidade do seer ao cerne do tempo do último deus. [tr. Casanova; GA65: 43]

[As decisões] Sobre se o homem quer permanecer “sujeito” ou se ele funda o ser-aí – Sobre se com o sujeito o “animal” enquanto a “substância” e o “racional” enquanto a “cultura” devem permanecer duradouramente ou se a verdade do seer (ver abaixo) encontra no ser-aí um sítio deveniente – Sobre se o ente toma o ser como o seu “elemento maximamente genérico” e, com isso, o entrega à e soterra na ontologia ou se o seer em sua unicidade ganha voz e atravessa de maneira afinadora o ente enquanto algo singular. Sobre se a verdade como correção se degenera na certeza da re-presentação e na segurança do cálculo e da vivência ou se a essência inicialmente infundada da aletheia encontra um fundamento como a clareira do encobrir-se – Sobre se o ente enquanto o que há de mais óbvio solidifica tudo o que é médio, pequeno e mediano em meio à sua transformação em algo racional ou se o que há de mais questionável constitui a solidez integral do seer – Sobre se a arte é uma instituição vivencial ou se ela é o pôr em obra da verdade. Sobre se a história é degradada e transformada em arsenal das confirmações e das antecipações ou se ela desponta como a cordilheira das montanhas estranhas e inescaláveis – Sobre se a natureza é rebaixada a uma região de espoliação pelo cálculo e pelo erigir e se transforma, assim, em ocasião de “vivência” ou se ela suporta como a terra que se cerra o ABERTO do mundo sem imagem. Sobre se a desdeização do ente na cristianização da cultura festeja seus triunfos ou se a indigência da indecidibilidade sobre a proximidade e a distância dos deuses prepara um espaço de decisão – Sobre se o homem ousa o seer e, com isso, o ocaso ou se ele se satisfaz com o ente – Sobre se o homem em geral ainda ousa a decisão ou se ele se entrega a ausência de toda decisão, que sugere a época como estado da “mais elevada” “atividade”. Todas essas decisões, que são ao que parece muitas e diversas, se reúnem em uma e única: saber se o seer se retrai definitivamente ou se essa retração se torna enquanto recusa a primeira verdade e o outro início da história. [tr. Casanova; GA65: 44]

Todas essas possibilidades têm supostamente ainda sua longa história prévia, na qual elas permanecem ainda sem serem conhecidas e falsamente interpretáveis. De onde, porém, vem para a filosofia do futuro a sua necessidade e indigência? Ela mesma não precisa despertar – iniciando-se – pela primeira vez essa necessidade e essa indigência? Essa necessidade e essa indigência se encontram aquém da aflição e da preocupação, que sempre apenas contornam as coisas em um aceno qualquer do ente fixado e de sua “verdade”. Essa necessidade e essa indigência não têm, por outro lado, como ser suspensas e mesmo negadas por meio da arrumação de um suposto autodivertimento com os “milagres” do “ente”. Essa necessidade e essa indigência, enquanto fundamento da necessidade da filosofia, são experimentadas através do espanto no júbilo do pertencimento ao ser, júbilo esse que coloca no ABERTO como um aceno o abandono do ser. [tr. Casanova; GA65: 45]

Na essência das duas reside o fato de elas não conhecerem nenhum limite e, antes de tudo, nenhum impasse e nenhum pudor. A força do resguardo é o que se acha delas mais distante. Em seu lugar entrou o exagero e o grito sempre mais alto, assim como o mero berrar cego com alguém, em cujo grito se grita consigo mesmo e se imagina ilusoriamente livre do esvaziamento do ente. De acordo com a sua ausência de limites e de impasses, tudo está ABERTO para a maquinação e para a vivência e nada é para elas impossível. Elas precisam se arrogar como sendo na totalidade e como o duradouro, e, por isso, nada lhes é tão corrente quanto o “eterno”. Tudo é “eterno”. E o eterno – esse eterno – como é que ele não deveria ser o essencial? Mas se ele é o essencial, o que consegue ainda ser chamado contra ele? Será que há alguma forma de resguardar melhor a nulidade do ente e o abandono do ser sob a máscara da “verdadeira realidade efetiva” do que por meio da maquinação e da vivência? [tr. Casanova; GA65: 65]

Se buscarmos a história da filosofia efetivamente no acontecimento do pensar e de seu primeiro início e se mantivermos ABERTO esse pensar em sua historicidade por meio do desdobramento da questão diretriz não desdobrada através de toda essa história até Nietzsche, então o movimento interno desse pensar, apesar de só ser retido por meio de fórmulas, por meio de passos e níveis particulares, pode ser retido: A experiência e a apreensão e reunião do ente em sua verdade solidificam-se na questão acerca da entidade do ente a partir do fio condutor e da antecipação do “pensar” (enunciar apreendedor). [tr. Casanova; GA65: 91]

O outro início é o salto que transforma o seer em meio à sua verdade mais originária. O pensar ocidental na questão diretriz estabelece, de acordo com o seu início, o primado do ente ante o ser; o “a priori” é apenas o velamento do caráter ulterior do seer, velamento que precisa vigorar, na medida em que, no acesso imediatamente primeiro, acolhedor e reunidor ao ente, é ABERTO o seer. Assim, não pode causar espanto, mas precisa ser concebido expressamente como consequência o modo como, então, o ente mesmo se torna normativo para a entidade em uma determinada interpretação. Apesar de, sim, com base no primado da physis e do physei ón, porém, precisamente o thesei ón e o poioumenon se tornam aquilo que fornece agora para a interpretação apreendedora o elemento compreensível, determinando a compreensibilidade da própria entidade (como hyle – morphe). Por isto, encontra-se no pano de fundo e logo se impondo em Platão de maneira particular no primeiro plano a techne como caráter fundamental do conhecimento, isto é, da ligação fundamental com o ente enquanto tal. Tudo isso não aponta para o fato de que, porém, mesmo a physis precisa ser interpretada a partir da correspondência com o poioumenon da poiesis, de que a physis não é suficientemente capaz de exigir a sua verdade para além da parousia e aletheia mesmas, levando-a ao seu desdobramento? Isso, porém, é aquilo que o outro início quer realizar e precisa realizar: o salto para o interior da verdade do seer, de tal forma que esse seer mesmo funda o ser do homem e, em verdade, nem mesmo imediatamente, mas o ser do homem só como uma consequência do e como o estar-referido ao ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 91]

O fato de, no primeiro início, o “tempo” como presentação tanto quanto como constância (em um duplo sentido tragado de “presente”) forjar o ABERTO, a partir do qual o ente enquanto ente (o ser) tem a verdade. À grandeza do início corresponde o fato de que “o tempo” mesmo e, ele enquanto a verdade do ser, não é de modo algum digno de questão e de experiência. E tampouco se pergunta por que o tempo enquanto presente e não enquanto passado e futuro entra em jogo para a verdade do ser. Esse não questionado encobre a si mesmo enquanto tal e deixa para o pensar inicial unicamente que o des-comunal do irromper, da presentação constante na abertura (aletheia) do ente mesmo constitua a verdade. Essenciação, sem ser concebida enquanto tal, é presentação. [tr. Casanova; GA65: 95]

O quão precário não precisa ser o estado de nossas posses em termos de uma autêntica faculdade de pensar, para que nós não possamos mais medir de maneira alguma a unicidade desse projeto, mas precisemos fazê-lo passar pelo que há de mais natural, uma vez que, de qualquer modo, o pensar tem diante de si de início a “natureza”. Sem falarmos no fato de que não se trata aqui em parte alguma da “natureza” (nem como objeto da ciência natural, nem como paisagem, nem como sensibilidade), como é que concebemos corretamente o elemento estranho e único desse projeto? Por que é que, no ABERTO da physis, o logos tanto quanto o noûs já precisaram ser bem cedo os sítios de fundação do “ser” e, de acordo com isso, todo saber precisou ser erigido? A mais antiga palavra legada sobre o ente: a sentença de Anaximandro. [tr. Casanova; GA65: 96]

O fato de a entidade ter sido concebida desde a Antiguidade como presentidade constante já vale para muitos, se é que eles em geral perguntam sobre uma fundamentação, como fundamentação. Mas o caráter do inicial e do primevo nessa interpretação do ente não é imediatamente uma fundamentação, mas torna inversamente essa interpretação pela primeira vez propriamente questionável. Para o questionamento correspondente se mostra: não se pergunta de maneira alguma sobre a verdade da entidade. Para o pensar do primeiro início, a interpretação é infundada e infundável, e isso com razão, se compreendermos por interpretação a explicação explicativa, que reconduz a um outro ente (!). Não obstante, essa interpretação do ón como physis (e mais tarde idea) não é sem fundamento, mas com certeza ela permanece velada com vistas ao fundamento (isto é, à verdade). Poder-se-ia achar que a experiência da fugacidade, do surgimento e do perecimento, sugeriria e exigiria como contraparte o estabelecimento da constância e da presentidade. Mas por que é que o que surge e o que perece são considerados como o não ente? De qualquer modo, isso só acontece se a entidade já se encontra fixada como constância e presentidade. Por isto, entidade não é deduzida a partir do ente ou do não-ente, mas o ente é projetado para essa entidade, a fim de se mostrar pela primeira vez no ABERTO desse projeto como o ente ou não-ente. Mas a partir de onde e por que a abertura da entidade é sempre projeto? Mas a partir de onde e por que o projeto é de tal tempo não concebido por si mesmo? As duas coisas estão em conexão? (Tempo extaticamente e projeto fundado como ser-aí). [tr. Casanova; GA65: 100]

20) Por “transcendência” concebem-se muitas coisas, que se unem, então, ao mesmo tempo uma vez mais. a) a transcendência “ôntica”: o ente diverso que ultrapassa ainda o ente, em termos cristãos: aquele que cria e que já ascendeu a uma posição para além do ente criado, o criador, na aplicação completamente confusa do termo “transcendência”, a “transcendência” (assim como Sua Magnificência!) = ao próprio Deus, o ente acima do resto dos entes; o abrangente e, assim, universal, denominado de maneira supérflua e para a superelevação da confusão ao mesmo tempo ainda, então, como o “ser”! b) a transcendência “ontológica”: o que se tem em vista é a superelevação, que reside no koinon enquanto tal, a entidade enquanto o geral (gene – categorias – “além” e “antes” do ente, a priori). Aqui, a ligação e o modo do diverso permanecem completamente obscuros; as pessoas se satisfazem com a constatação do koinon e de suas consequências. c) A transcendência “ontológico-fundamental” em Ser e tempo. Aqui, devolve-se à “transcendência” o seu sentido originário: a ultrapassagem enquanto tal, e ela é concebida como distinção do ser-aí, para indicar, com isso, o fato de que esse ente já sempre se encontra no ABERTO do ente. Com isso, une-se e determina-se ao mesmo tempo de maneira mais próxima a “transcendência” ontológica, na medida em que a transcendência consonante com o ser-aí é concebida de modo precisamente originário enquanto compreensão de ser. Mas uma vez que, então, o conceber é tomado ao mesmo tempo como projeto jogado, transcendência significa: encontrar-se na verdade do seer, naturalmente sem saber disso e sem inquiri-lo de início. Uma vez que, então, porém, o ser-aí suporta de saída originariamente o ABERTO do encobrimento, não se pode falar, considerado rigorosamente, de uma transcendência do ser-aí; na esfera desse ponto de partida, a representação da “transcendência” precisa desaparecerem todo e qualquer sentido. d) Essa representação ainda encontra um emprego frequente na consideração da “teoria do conhecimento” que, se iniciando com Descartes, impede de início ao “sujeito” a saída e a ultrapassagem em direção ao “objeto” ou torna essa ligação duvidosa. Mesmo esse tipo de “transcendência” é superada com o estabelecimento do ser-aí, na medida em que ela é de antemão ultrapassada. e) “Transcendência” abrange por toda parte a saída do “ente” tomado como conhecido e familiar para um ir além disso, de algum modo dirigido. Visto a partir da pergunta fundamental pela verdade do seer, reside aí um atolar-se no modo de questionamento da questão diretriz, isto é, na metaflsica. Com a transição para a questão fundamental, porém, toda metafísica é superada. Essa transição, contudo, precisa meditar, por isso, tanto mais claramente sobre as formas do platonismo que ainda a envolvem e que são inevitáveis, ainda que essas formas só continuem determinando-a na defensiva. [tr. Casanova; GA65: 110]

No primeiro início, o ser (a entidade) é pensado (por meio do noein e do legein), visualizado e colocado no ABERTO de sua vigência, para que o ente mesmo se mostre. Em consequência desse início, então, o ser (a entidade) se torna a hypothesis, mais exatamente o anypotheron, em cuja luz todo ente e não-ente se essencia. E, assim, o seer passa a viger em virtude do ente. Essa referência fundamental, porém, experimenta, então, duas interpretações, que se acoplam e se misturam: o “ser” como summum ens torna-se causa prima do ente enquanto ens creatum; o ser enquanto essentia, idea torna-se o a priori da objetualidade dos objetos. O ser torna-se o que há de mais comum, vazio e conhecido, e, ao mesmo tempo, o que há de mais essente como aquela causa, “o absoluto”. Em todas as modulações e secularizações da metafísica ocidental, isso pode ser uma vez mais reconhecido: o ser a serviço do ente, mesmo quando ele, enquanto causa, tem aparentemente o domínio. [tr. Casanova; GA65: 117]

O salto é o mais extremo projeto da essência do ser, de tal modo que nós nos colocamos a nós (mesmos) no assim ABERTO, nos tornamos insistentes e só por meio do acontecimento da apropriação chegamos a nós mesmos. Ora, mas um ente não precisa permanecer de qualquer modo diretriz para a determinação da essência do seer? Mas o que significa aqui “diretriz”? Que nós destacamos junto a um ente previamente dado o ser como o seu elemento mais universal, isso seria apenas um adendo na apreensão. A questão continuaria sendo por que e em que sentido o ente é “essente” para nós. Há sempre antes um projeto, e a questão continua sendo apenas se o que projeta salta ou não, como o próprio lançador, para o interior da via do que joga, avia que abre; se o projeto mesmo é experimentado e ratificado como acontecimento a partir do acontecimento apropriador ou se o que brilha no projeto só é recolocado em si como o que emerge (physis – idea) na presentificação que se desprende. De onde, porém, o fundamento da decisão sobre a direção e a amplitude do projeto? Será que a determinação da essência do seer está submetida ao arbítrio ou a uma necessidade suprema e, com isso, a uma indigência? A indigência, porém, é sempre a cada vez diversa segundo a idade do ser e de sua história; o velamento da história do ser. [tr. Casanova; GA65: 118]

O salto é o re-saltar da prontidão para o pertencimento ao acontecimento apropriador. Acometimento e permanência de fora da chegada e da fuga dos deuses, o acontecimento apropriador, não tem como ser imposto de maneira pensante, mas, muito ao contrário, é preciso prontificar por meio do pensamento o ABERTO que, como tempo-espaço (sítios instantâneos), torna acessível e constante a abertura do fosso abissal do seer no ser-aí. Só aparentemente é que o acontecimento apropriador é levado a termo pelos homens, em verdade o ser do homem acontece como histórico por meio da apropriação em meio ao acontecimento que exige de um modo ou de outro o ser-aí. O acometimento do seer, que é conferido ao homem histórico, nunca se anuncia para esse homem de maneira imediata, mas sim de maneira velada nos modos do abrigo da verdade. Mas o acometimento do seer, raro e esparso em si, emerge sempre da permanência de fora do seer, cujo ímpeto e tenacidade não é menor do que os do acometimento. [tr. Casanova; GA65: 120]

O salto é a realização do projeto da verdade do seer no sentido da inserção no ABERTO, de tal modo que aquele que joga o projeto se experimenta como jogado, isto é, como apropriado pelo acontecimento por meio do seer. A abertura por meio do projeto é apenas tal abertura, se ela acontecer como experiência do caráter de jogado e, com isso, do pertencimento ao seer. Essa é a diferença essencial em face de todos os tipos de conhecimento apenas transcendentais no que concerne às condições de possibilidade. [tr. Casanova; GA65: 122]

Ousemos a palavra imediata: O seer é o estremecimento da deização (do som prévio da decisão dos deuses sobre o seu deus). Esse estremecimento amplia o campo de jogo temporal, no qual ele mesmo ganha o ABERTO como recusa. Assim, o seer “é” o acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação do aí, daquele ABERTO no qual ele mesmo estremece. [tr. Casanova; GA65: 123]

O “tempo” deveria se tornar experimentável como o campo de jogo “ekstático” da verdade do seer. O arrebatamento extasiante em meio ao clareado deveria fundar a própria clareira como o ABERTO, no qual o seer se reúne em sua essência. Tal essência não pode ser comprovada como algo presente à vista, sua essenciação precisa ser esperada como um choque. O primeiro e longo permanece: poder esperar nessa clareira até que os acenos venham. Pois o pensar não tem mais o favor do “sistema”, ele é histórico no sentido único de que o seer mesmo suporta pela primeira vez como acontecimento apropriador toda história e, por isso, nunca pode ser alcançado pelo cálculo. [tr. Casanova; GA65: 125]

Seer – a estranha crença equivocada em que o seer precisaria sempre “ser” e em que quanto mais constantemente e duradouramente ele fosse, tanto mais “essente” ele seria. Mas em primeiro lugar, o seer em geral não “é”, mas se essencia. E, em segundo lugar, o seer é o que há de mais raro e mais único, e ninguém tem como avaliar os pontos instantes, nos quais ele funda para si um sítio e se essencia. Como é que se chega ao fato de que o homem se equivoca tanto em relação ao seer? Porque ele precisa se ver exposto ao ente, a fim de experimentar a verdade do seer. Nessa exposição, o ente é o verdadeiro, o ABERTO; e isso porque o seer se essencia como o que se encobre. Assim, o homem se mantém no ente e se torna útil ao ente, caindo como uma presa no esquecimento do seer; e, em verdade, tudo isso sob a aparência de realizar o que há de próprio e de permanecer próximo do seer. [tr. Casanova; GA65: 136]

Em contraposição a isso, é preciso remeter para a determinação fundamental do compreender como projeto. Nisso reside: trata-se de uma abertura e de um lançar-se e colocar-se para fora no ABERTO, no qual pela primeira vez o que compreende chega a si como um si mesmo. [tr. Casanova; GA65: 138]

Além disto, o compreender como projeto é um projeto jogado, o chegar ao ABERTO (verdade), que já se encontra em meio ao ente ABERTO, enraizado na terra, soerguendo-se em um mundo. Assim, o com-preender do ser como fundação de sua verdade é o contrário da “sub-jetivação”, uma vez que superação de toda subjetividade e dos modos de pensar que lhe são determinantes. [tr. Casanova; GA65: 138]

A origem da contenda a partir da intimidade do não no seer! Acontecimento apropriador. A intimidade do não no seer: pertencente em primeiro lugar à sua essenciação. Por quê? Ainda se pode perguntar assim? Se não, por que razão não? A intimidade do não e o contencioso no ser: isso não é a negatividade de Hegel? Não, e, porém, Hegel, como já tinha acontecido com O sofista de Platão e, antes dele, com Heráclito, experimentou algo essencial de um modo mais essencial e, contudo, uma vez mais, de forma diversa, algo essencial, mas suspenso no saber absoluto; a negatividade está aí apenas para desaparecer e colocar em curso o movimento da suspensão. Precisamente não a essenciação. Por que não? Porque o ser é determinado como entidade (realidade efetiva) a partir do pensar (saber absoluto). Não isto e isto em primeiro lugar e sozinho é que é válido, o fato de que mesmo a contra-parte “é” e os dois se compertencem, mas se já temos o contrário como contravibração, então isso se dá como acontecimento apropriador. Antes disso, nunca há senão suspensão e reunião (logos). Agora, contudo, temos libertação e abismo e a completa essenciação no tempo-espaço da verdade originária. Agora não o noein, mas a insistência que abriga. A contenda como essenciação do “entre”, não como o também deixar vigorar do adverso. Com efeito, reside na sentença de Heráclito sobre o polemos uma das maiores intelecções da filosofia ocidental, e, contudo, ela não podia ser desdobrada em nome da questão acerca da verdade, assim como também não em nome da questão acerca do ser. De onde, contudo, a intimidade do não no seer? De onde tal essenciação do seer? Sempre uma vez mais, o questionamento se choca com esse ponto; trata-se da questão acerca do fundamento da verdade do seer. Mas a verdade mesma é o fundamento. E ela? Ela emerge no se-manter-na-verdade! Todavia, como é essa origem? Manter-se na verdade, nossa irrupção e vontade a partir de nossa indigência, porque nós nos entregamos à responsabilidade e nos identificamos – a nós? Quem somos nós mesmos? Portanto, porém, não o nosso, mas o fato de que nós suportamos o si mesmo por meio da abertura, e de que, no si mesmo, se abre veladamente o para si e, com isso, o seer como acontecimento apropriador. E, por conseguinte, não “nós” como o ponto de partida, mas “nós”: como expostos e transpostos, mas no esquecimento dessa transposição. Se, assim, o acontecimento apropriador brilha em meio à determinação da ipseidade, então reside aí a indicação para a intimidade. Quanto mais originariamente nós somos nós mesmos, tanto mais amplamente somos voltados para fora já em meio à essenciação do seer; e, inversamente. Somente se o ponto base da questão for tomado aqui é que o “fundamento” da intimidade será ABERTO. Esse ponto de base é o decisivo. O seer não é nada “humano” como o seu produto, e, no entanto, a essenciação do seer necessita do ser-aí e, assim, da insistência do homem. [tr. Casanova; GA65: 144]

O aí é o sítio acontecencial, apropriado em meio ao acontecimento e insistente do instante da virada para a clareira do ente no acontecimento da apropriação. A diferenciação não tem mais nada do que é visado e necessitado sem qualquer solo de maneira apenas lógico-categorial-transcendental. A mera representação de ser e ente como o diferente se torna agora insípida e induz em erro, na medida em que ela re-tém na mera representação. O que é ABERTO nela de maneira pensante só pode ser pensado de forma modelar em geral em toda a junção fugidia do projeto do ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 151]

Por que se silencia a terra junto a essa destruição? Porque não lhe é concedida a contenda com um mundo, porque não lhe é concedida a verdade do seer. Por que não? Porque a coisa gigantesca homem é tanto mais gigantesca quanto menor ela é?! É preciso abandonar a natureza e entregá-la à maquinação? Conseguimos ainda buscar de maneira nova a terra? Quem é capaz de atiçar aquela contenda, na qual ela encontra seu ABERTO, na qual ela se cerra e é terra? [tr. Casanova; GA65: 155]

[ser-aí] O fundamento que se essencia na fundação do ser humano por vir. O ser-aí – o cuidado. O homem nesse fundamento do ser-aí: 1) O que busca o seer (acontecimento apropriador); 2) O que guarda a verdade do ser; 3) O guardião do silêncio do passar ao largo do último deus. Silêncio e origem da palavra. De início, porém, a fundação do ser-aí está transitoriamente à busca, cuidado, temporalidade; temporalidade com vistas à temporialidade: como verdade do seer. O ser-aí está referido à verdade enquanto abertura do encobrir-se, ele é estabelecido pela compreensão de ser. Projetivamente, o ABERTO para o ser. Ser-aí como projeção da verdade do seer (“aí”). [tr. Casanova; GA65: 171]

A questão é que já a meditação sobre o aí como a clareira para o encobrir-se (o seer) precisa tornar possível pressentir o quão decisiva é a ligação do ser-aí com o ente na totalidade, porque o aí suporta a verdade do seer. Pensado nessa direção, o ser-aí, ele mesmo em nenhum lugar acomodável, é voltado para fora da ligação com o homem e se desentranha como o “entre”, que é desdobrado pelo próprio seer como o âmbito ABERTO do sobressair-se para o ente, âmbito esse no qual esse ente é recolocado sobre si mesmo. O aí é apropriado em meio ao acontecimento pelo próprio seer, e o homem acontece apropriadoramente como o guardião da verdade do seer na sequência, de tal modo que, assim, ele se revela pertencente ao ser-aí de uma maneira única e insigne. Logo que, porém, uma primeira indicação para o ser-aí tem sucesso, é preciso dar sequência ao essencial, o que se anuncia na seguinte indicação: no fato de que o ser-aí é apropriado em meio ao acontecimento pelo seer e de que o seer como o acontecimento apropriador mesmo forma o meio de todo pensar. [tr. Casanova; GA65: 175]

A partir da compreensão de ser manter-se nela, o que significa, porém, uma vez que compreender é o mesmo que projeto do ABERTO, encontrar-se na abertura. [tr. Casanova; GA65: 180]

O projeto com vistas ao seer é único; e isso de tal modo que o jogador do projeto se lança de maneira essencialmente desprendida no ABERTO da reabertura projetiva, a fim de se tornar pela primeira vez ele mesmo nesse ABERTO como fundamento e abismo. [tr. Casanova; GA65: 183]

A necessidade da questão originariamente fundadora acerca do ser-aí pode ser desdobrada historicamente: 1) A partir da aletheia como caráter fundamental da physis; 2) A questão imposta pelo ego cogito e tocada tangencialmente por Leibniz e pelo idealismo alemão acerca da dupla repraesentatio: 3) Eu represento algo; “ser-aí”; 4) Eu represento algo – sou algo; “ser-aí”. 5) A cada vez, o “aí” tanto quanto inicialmente a aletheia permanece inquestionado. E esse “aí” é sempre a cada vez apenas o ABERTO ascendente, que precisa requisitar para si a correção do re-presentar e sua própria possibilidade. [tr. Casanova; GA65: 186]

Apesar disso, precisa ser possível uma indicação denominadora primeira do ser-aí e, com isso, para ele. Nunca, naturalmente, uma “descrição” imediata, como se ele estivesse em algum lugar previamente dado e presente à vista; também não por meio de uma “dialética”, o que é o mesmo em um nível superior, mas com certeza no interior do projeto corretamente compreendido, que traz o homem ainda que apenas para o interior de seu abandono do ser, preparando a ressonância, de tal modo que o homem se mostra como aquele ente, que é irrompido no ABERTO, mas que desconhece de saída e por longo tempo essa irrupção, mensurando-a, por fim, completamente pela primeira vez a partir apenas do abandono do ser. [tr. Casanova; GA65: 190]

No re-presentar se mostra o rastro do ser-aí, a saber, com vistas ao seu arrebatamento extasiante em relação a algo. O re-presentar é, velado para si mesmo, de acordo com o ser-aí, um encontrar-se fora no ABERTO, junto ao qual esse ABERTO mesmo é tão pouco questionado em sua essência e em seu fundamento quanto a própria abertura. [tr. Casanova; GA65: 193]

A correção como interpretação do ABERTO torna-se o fundamento da relação sujeito-objeto. [tr. Casanova; GA65: 193]

A insistência nesse acontecimento da propriedade possibilita pela primeira vez ao homem chegar a “si” historicamente e ser junto a si. E somente esse junto a si é o fundamento suficiente, para assumir verdadeiramente o para o outro. Mas o chegar-a-si nunca é justamente uma representação do eu anteriormente desatada, mas a assunção do pertencimento à verdade do ser, salto para o interior do aí. A propriedade como fundamento da ipseidade funda o ser-aí. Propriedade, porém, é ela mesma uma vez mais a persistência constante da viragem no acontecimento apropriador. Propriedade é, assim, ao mesmo tempo o fundamento consonante com o ser-aí da retenção. A ligação reflexiva, que é denominada no “si”, para “si”, junto a “si”, por “si”, tem sua essência na apropriação. Na medida em que agora o homem se encontra mesmo no abandono do ser ainda no ABERTO da inessência do ente, está incessantemente dada a possibilidade de ele ser por “si”, de ele retornar a “si”. Mas o “si” e o si mesmo determinado a partir daí como o apenas si mesmo permanece vazio e só se preenche a partir do ente presente à vista e previamente dado e do que é empreendido precisamente pelo homem. O para-si não tem nenhum caráter de decisão e é sem saber em torno do aprisionamento no acontecimento do ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 197]

O aí é o entre ABERTO, que encobre de maneira clareadora, em relação à terra e ao mundo, o meio de sua contenda, e, com isso, os sítios do mais íntimo pertencimento, e, assim, o fundamento do para-si, do si mesmo e da ipseidade. O si mesmo nunca é o “eu”. O junto a si do si mesmo se essencia como insistência da a-ssunção do acontecimento da apropriação. Ipseidade é pertencimento à intimidade da contenda como recombate do acontecimento da apropriação. [tr. Casanova; GA65: 198]

Pertence ao aí como o seu extremo aquele velamento em seu mais próprio ABERTO, o ausente, ele tem como sua constante possibilidade o ser-ausente; o homem conhece isso nas diversas figuras da morte. Onde, porém, o ser-aí deve ser pela primeira vez concebido, a morte precisa ser determinada como a possibilidade extrema do aí. Caso se fale aqui de “fim” e caso se delimite com toda agudeza todo e qualquer tipo de presença à vista, então “fim” nunca pode ter em vista aqui a mera interrupção e o mero desaparecimento de algo presente à vista. Se tempo, precisamente como temporalidade, é arrebatamento extasiante, então “fim” significa aqui um não e algo diverso desse arrebatamento extasiante, um completo tresloucamento do aí enquanto tal no “ausente”. E ausente não significa, por sua vez, o “que foi embora” característico do mero desparecimento de algo que se encontrava antes presente à vista, mas aponta para o completamente outro do aí, completamente velado para nós, mas pertencente nesse velamento essencialmente ao aí e subsistente de maneira concomitante na insistência do ser-aí. Como o que há de mais extremo no aí, a morte é ao mesmo tempo o mais íntimo de sua transformação possível completa. E nisso reside ao mesmo tempo a indicação para a mais profunda essência do nada. Só o entendimento comum, que está conectado com o ente presente à vista como o unicamente ente, é que pensa também o nada de modo vulgar. Ele não tem a menor ideia da ligação íntima entre o ausente e o tresloucamento de todo ente em seu pertencimento ao aí. O que se encontra aqui como o velamento mais próprio em meio ao aí, a ligação alternante do aí com o caminho voltado para ele, é o reflexo da viragem na essência do próprio ser. Quanto mais originariamente o ser é experimentado em sua verdade, tanto mais profundo é o nada como o abismo à margem do fundamento. Com certeza, é confortável explicar o que foi dito sobre a morte a partir das representações cotidianas não colocadas à prova sobre “fim” e “nada”, ao invés de, ao contrário, aprender a pressentir como é que, com a vinculação avalizada de acordo com o arrebatamento extasiante da morte no aí, a essência de “fim” e de “nada” precisa se modificar. [tr. Casanova; GA65: 202]

A partir da correção indicado apenas como condição, mas assim não ressaltado em si mesmo. O ABERTO: como o livre da ousadia do criar, como o desprotegido da exportação resolutora do caráter de jogado; os dois copertinentes em si como a clareira do encobrir-se. O aí como acontecendo de maneira apropriadora no acontecimento apropriador. Esse elemento livre em contraposição ao ente. O desprotegido por meio do ente. O campo de jogo temporal da confusão e dos acenos. O pertencente ao ente. [tr. Casanova; GA65: 205]

II. A abertura é: 1) Originariamente o uno-múltiplo, não apenas aquele entre para o que é apreensível e para o apreender (zugon); não são apenas muitas coisas diversas que precisam ser questionadas, mas é como esse elemento uno que precisa ser inquirida a abertura. 2) Não apenas o apreender e o conhecer, mas também todo e qualquer tipo de comportamento e de postura, sobretudo aquilo que denominamos tonalidade afetiva: tudo isso pertence à abertura, que não é um estado, mas um acontecimento. 3) O ABERTO como reaberto e como se abrindo, a abrangência, a re-solução. [tr. Casanova; GA65: 209]

A partir da lembrança do início (da aletheia) tanto quanto a partir da meditação sobre o fundamento da possibilidade da correção (adaequatio), nós nos deparamos com o mesmo: a abertura do ABERTO. Com isto, é dada apenas uma primeira indicação da essência, que se determina de maneira mais essencial como clareira para o encobrir-se. Mas já a abertura se mostra como bastante enigmática, abstraindo-se completamente do modo de sua essenciação. [tr. Casanova; GA65: 214]

A abertura: isso não é o que há de mais vazio do vazio? (cf verdade e a-bismo). É assim que ela aparece, quando tentamos tomá-la por assim dizer por si como uma coisa. Mas o ABERTO, no qual, ao mesmo tempo se encobrindo, o ente a cada vez se encontra, e, com efeito, não apenas as coisas imediatamente à mão, é, de fato, algo assim como um meio oco, por exemplo, o meio do cântaro. Aqui reconhecemos, contudo, que não se trata de um vazio arbitrário qualquer cercado por paredes e deixado sem preenchimento pelas coisas, mas, ao contrário, o meio oco é o elemento que cunha e suporta de maneira determinante a constituição das paredes e de suas margens. Essas paredes e margens não são senão a irradiação daquele ABERTO originário, que deixa se essenciar sua abertura, na medida em que exige tais paredes (a forma do vaso) à sua volta e em relação consigo. Assim, no que cerca se reflete a essenciação do ABERTO. De maneira correspondente, só que mais essencial e mais rica, é que nós precisamos compreender a essenciação da abertura do aí. Suas paredes circundantes não são, naturalmente, nada que se ache presente à vista como uma coisa, sim, em geral não é um ente e nem mesmo o ente, mas as paredes do próprio ser, o estremecimento do acontecimento apropriador no aceno do encobrir-se. [tr. Casanova; GA65: 214]

Na aletheia, des-velamento, se experimenta: o ser velado e a superação e afastamento parcial e caso a caso da própria aletheia. Mas já isso, o fato de, com o afastamento (retirada: a-privativo), justamente o ABERTO precisar se es-senciar, é algo que se encontra imerso em todo desvelado, não é expressamente algo perseguido e fundado. Ou será que precisamos refletir aqui sobre a ideia da luz e da claridade em sua relação com o desencobrimento como uma apreensão e uma “visão”? Com certeza (cf interpretação da alegoria da caverna). De maneira alegórica, algo é indicado aqui; e mesmo o aceno precedente para a ânfora é alegórico. Será que não conseguimos de maneira alguma ir além do alegórico? Não e sim. Pois, inversamente, a mais sensível linguagem e formação nunca são apenas “sensíveis”, mas são em primeiro lugar compreendidas e não apenas “também compreendidas em acréscimo”. [tr. Casanova; GA65: 214]

O quão pouco, porém, a representação diretriz da luz podia fixar aquele ABERTO e sua abertura e elevá-los ao nível do saber, é algo que se mostra no fato de precisamente a “clareira” e o “clareado” não terem sido apreendidos, mas de a representação ter se desdobrado na direção do luzir, do fogo e da centelha, com o que, então, logo só permaneceu normativa ainda uma relação causal da iluminação, até que, por fim, tudo resvalou e decaiu na indeterminação da “consciência” e da perceptio. Assim como o ABERTO e a abertura não foram perseguidos em sua essenciação (algo diverso tinha sido antes de tudo em geral entregue aos gregos como tarefa), também não ficou claro nem foi atribuído a uma experiência fundamental a essenciação do velamento – o encobrimento. Aqui também, de maneira autenticamente grega, o velado se transformou em algo ausente, e o acontecimento do encobrimento se perdeu tanto quanto, com isso, a necessidade de fundá-lo expressamente e de concebê-lo completamente em sua conexão interna com a essenciação da abertura, fundando, por fim e em primeiro lugar, esse elemento uno também como uma essência originariamente própria. [tr. Casanova; GA65: 214]

Uma questão decisiva: a essenciação da verdade é fundada no ser-aí como clareira para o encobrir-se ou é a essenciação da verdade mesma o fundamento para o ser-aí ou as duas coisas são válidas? E o que significa aí a cada vez “fundamento”? Essas questões só podem ser decididas, se a verdade for concebida na essência indicada como verdade do seer e, com isso, a partir do acontecimento apropriador. O que significa isso: estar constantemente colocado em seu ABERTO diante do encobrir-se, da re-núncia, da hesitação? Retenção e, por isso, tonalidade afetiva fundamental: horror, retenção, pudor. Tal experiência “doada” apenas ao homem e quando e como. [tr. Casanova; GA65: 215]

A aletheia tem em vista o desvelamento e o desvelado mesmo. Já nesse ponto é indicado que o próprio encobrimento só é experimentado como o que precisa ser afastado, o que precisa ser levado embora (a-). E, por isto, o questionamento também não se remete ao próprio encobrimento e ao seu fundamento; e, por isso, inversamente, o desencoberto também só se torna essencial enquanto tal; uma vez mais não o desencobrimento, e esse mesmo como clareira, na qual, então, em geral, o encobrimento mesmo ganha o ABERTO. Por meio daí, contudo, o encobrimento não é suspenso, mas se torna antes apreensível em sua essência. Por isto, a verdade como a clareira para o encobrimento é um projeto essencialmente diverso da aletheia, apesar de esse projeto pertencer precisamente à lembrança da aletheia e de ela se mostrar em relação com ele. [tr. Casanova; GA65: 226]

O que está voltado para o projeto nunca se mostra como um em si puro e simples, nem o que projeta consegue algum dia se colocar puramente por si, mas essa contenda em jogo no fato de que cada um dos dois se vira contra o outro, vinculando-se a ele e se referindo de volta a ele, é a consequência da intimidade, que se essencia na essência da verdade como clareira do encobrir-se. Com uma mera dialética extrínseca da relação sujeito-objeto não se concebe nada aqui, mas essa relação mesma, fundada na correção como uma estaca da verdade, tem sua origem a partir da essência da verdade. Com certeza, essa origem da contenda e essa contenda mesma precisam ser agora indicadas. Para tanto, não é suficiente refletir apenas sobre a clareira e sobre a sua instituição por meio do projeto, mas é necessário em primeiro lugar que a clareira mantenha no ABERTO o que se encobre e que o arrebatamento fascinante que provém daí como determinante deixe afinar inteiramente o ser-si-mesmo daquele que projeta. Somente assim acontecerá algum dia a sobreapropriação junto ao ser e, nela, a atribuição apropriadora ao próprio jogador, razão pela qual ele chegará, por sua parte, a se encontrar pela primeira vez na clareira (do que se encobre), se tornando insistente no aí. [tr. Casanova; GA65: 229]

Aquele que projeta precisa assumir a vinculação, e, com isso, ele faz frente pela primeira vez ao caráter de jogado, na medida em que se mostra que o que projeta pertence ao ABERTO por meio da clareira e é trazido ele mesmo para o espaço livre. [tr. Casanova; GA65: 229]

1) Por que essa interpretação é historicamente essencial? Porque ainda se torna visível aqui em uma meditação levada a termo como é que ao mesmo tempo a aletheia suporta e conduz essencialmente a questão grega acerca do ón e como é que precisamente por meio desse questionamento, do estabelecimento da idea, ela experimenta a sua derrocada. 2) Ao mesmo tempo, se mostra muito lá atrás: a derrocada não é a derrocada de algo instituído e mesmo de algo expressamente fundado. Nem uma coisa nem outra chegaram a ser realizadas no pensamento grego inicial; e isso apesar da sentença de Heráclito sobre o polemos e do poema de Parmênides. E, contudo, a aletheia é essencial por toda parte no pensar e no poetar (tragédia e Píndaro). 3) Somente se isso for experimentado e exposto é que se tornará possível mostrar de que maneira, então, um resíduo e uma aparência da aletheia precisaram em certo sentido se manter, uma vez que mesmo a verdade como correção e precisamente ela precisa se abrigar em um já ABERTO (cf sobre a correção). Precisa estar ABERTO aquilo, pelo que o re-presentar se orienta (se retifica), e precisa estar ABERTO também aquilo ao que se deve atribuir a justeza (cf correção e relação sujeito-objeto; ser-aí e re-presentar). 4) Se considerarmos panoramicamente a história da aletheia a partir da alegoria da caverna, que tem uma posição chave tanto em relação ao que vem antes quanto em relação ao que vem depois, então é possível mensurar de maneira mediata o que significa erigir em primeiro lugar a verdade como aletheia de maneira pensante, desdobrá-la e fundamentá-la na essência. Que isso não apenas não aconteceu na metafísica até aqui e também no primeiro início, mas não podia acontecer. 5) A fundação essencial da verdade como desentranhamento da primeira reluzência na aletheia não é, então, simplesmente a assunção da palavra e de sua tradução adequada como “desvelamento”, mas importante é experimentar a essência da verdade como clareira para o encobrir-se. O encobrimento clareador precisa se fundar como ser-aí. O encobrir-se precisa ganhar o espaço do saber como essenciação do próprio seer enquanto acontecimento apropriador. A ligação mais íntima possível entre seer e ser-aí em sua viragem torna-se visível como aquilo que impõe a questão fundamental e obriga a ir além da questão diretriz, e, com isso, de toda metafísica; para além de fato em direção ao cerne da tempo-espacialidade do aí. 6) Como, porém, “a verdade” mesma e seu conceito, de acordo com uma longa história e com uma confusa tradição, para a qual muitas coisas confluíram, não se encontram mais em questão em nenhum modo de formulação claro e necessário, mesmo as interpretações da história do conceito de verdade tanto quanto as interpretações da alegoria da caverna se mostram em particular como precárias e dependentes daquilo que mesmo antes foi retirado do platonismo e da doutrina do juízo. Faltam as posições fundamentais para um projeto daquilo que é dito na alegoria da caverna e daquilo que se dá nesse dizer. Por isto, é necessário apresentar algum dia pela primeira vez uma interpretação coesa, proveniente da questão da verdade, da alegoria da caverna e tornar essa interpretação eficaz como uma introdução ao âmbito da questão da verdade e como uma condução à necessidade dessa questão, com todas as reservas que permanecem presas a tais tentativas imediatas; pois o fundamento e a perspectiva do projeto da interpretação e de seus passos permanecem pressupostos como não discutidos e aparecem como violentos e arbitrários. [tr. Casanova; GA65: 233]

Por que é a verdade? E ela é afinal? Como? Se a verdade não fosse, sobre o que se basearia, então, mesmo que apenas a possibilidade do porquê? Por meio da questão do porquê, a verdade já é ratificada em sua consistência, de tal forma que ela precisaria ser de algum modo? A pergunta como uma busca pelo fundamento, a partir do qual e sobre o qual a verdade deve ser. De onde, porém, o perguntar? Não se encontra à base do questionamento uma irrupção do homem em um ABERTO, que se abre para encobrir? E isso que se abre, o encobrimento clareador, não é a essência da verdade? Mas de onde e como acontece essa irrupção do homem naquele outro que ele mesmo pretende ser, que lhe aparece como sua circunscrição, e que, porém, ele não é propriamente, que lhe é antes vedado e dissimulado, de tal modo que só lhe resta uma aparência disso (o ser-aí)? [tr. Casanova; GA65: 236]

O “e” na verdade é o fundamento da essência dos dois, o tresloucamento no ABERTO demarcador que forma a presentação e a consistência, mas sem que esse ABERTO mesmo tenha sido experimentável e fundamentável. Cf. a queda concomitante da aletheia e a sua conversão em homoiosis (correção). Pois o projeto experimentador não acontece aqui na direção da representação de uma essência geral (genos), mas na entrada histórico-originária nos sítios instantâneos do ser-aí. Em que medida tal ser-aí se dá na tragédia grega? [tr. Casanova; GA65: 239]

Em relação a essa “subjetivação”, porém, é preciso dizer: Como o ser-aí é essencialmente mesmidade (propriedade) e como a mesmidade é, por sua vez, o fundamento do eu e do nós tanto quanto de toda “subjetividade” inferior e superior, o desdobramento do tempo-espaço a partir dos sítios instantâneos não é nenhuma subjetivação, mas a sua superação, se não já a repulsa fundamental e prévia a ela. Essa origem do tempo-espaço corresponde à unicidade do seer como acontecimento apropriador. Ele só traz a si mesmo para o seu ABERTO no acontecimento do abrigo da verdade de acordo com a via respectivamente necessária do abrigo. [tr. Casanova; GA65: 239]

Espaço de tempo visa a uma extensão de “tempo”, que vai de agora até um ponto, de outrora até hoje etc.; um “espaço de tempo” de cem anos; o tempo é representado aqui como espacial, na medida em que ele abarca algo como medida numérica, um de… até, algo mensurado. Com isso, ele não é visado nem mesmo na transposição daquele ABERTO do tempo, que cabe aos seus arrebatamentos extasiantes e que não são naturalmente “espaciais”. Na expressão “espaço de tempo”, por isso, também é representado o conceito habitual de “tempo”. [tr. Casanova; GA65: 241]

A-bismo: o ficar de fora; como fundamento no encobrir-se, um encobrir-se sob o modo da renúncia do fundamento. Renúncia, porém, não é nada, mas um modo distinto originário do deixar sem preenchimento e vazio; com isso, um modo insigne da reabertura. A questão é que o a-bismo como essenciação do fundamento não é nenhuma mera autorrenúncia como um retorno e um ir embora simples. O a-bismo é a-bismo. No renunciar-se, o fundamento traz de uma maneira insigne para o ABERTO, a saber, para o primeiramente ABERTO daquele vazio que, com isso, é um vazio determinado. Na medida em que o fundamento também funda ainda precisamente no abismo, e, contudo, não funda propriamente, ele se encontra em hesitação. [tr. Casanova; GA65: 242]

O a-bismo como o permanecer de fora do fundamento no sentido citado é a primeira clareira do ABERTO como o “vazio”. Mas que vazio se tem em vista aqui? Não aquele não ocupado das formas de ordenação e dos quadros para o ente presente à vista calculável fornecidos por espaço e tempo, não a ausência do ente presente à vista no interior desses, mas o vazio tempo-espacial, o fender-se originário no renunciar-se hesitante. Todavia, essa autorrenúncia não precisa se deparar com uma pretensão, uma busca, um querer arremeter-se numa direção, para que uma autorrenúncia possa se dar? Com certeza, mas os dois se essenciam sempre a cada vez como acontecimento apropriador, e agora o importante é apenas determinar a essência do próprio vazio, o que quer dizer: pensar a a-bissalidade do abismo; como o a-bismo funda. Propriamente, isso nunca tem como ser pensado senão a partir do fundamento originário, do acontecimento apropriador, e na execução do salto para o interior de sua viragem vibrante. [tr. Casanova; GA65: 242]

O “vazio” também não é a mera insatisfação de uma expectativa e de um desejo. Ele é apenas como ser-aí, isto é, como a retenção, o manter-se diante da renúncia hesitante, por meio da qual o tempo-espaço se funda como os sítios instantâneos da decisão. O “vazio” é do mesmo modo e propriamente a plenitude do ainda indecidido, a ser decidido, o a-bissal, o que aponta para o fundamento, para a verdade do ser. O “vazio” é a indigência preenchida do abandono do ser, mas esse já voltado para o ABERTO e, com isso, referido à unicidade do seer e de sua inesgotabilidade. O “vazio” não como o concomitantemente dado de uma precariedade, como sua indigência, mas muito mais como a indigência da retenção, que é em si um projeto irrompendo. Assim, ele se mostra como a tonalidade afetiva fundamental do pertencimento mais originário. A denominação como “vazio” para aquilo que se abre no acontecimento apropriador da retenção para a renúncia hesitante não é, por isso, determinada de maneira apropriada e continua sendo sempre determinada de maneira exagerada a partir do erigir dificilmente superável junto ao espaço da coisa e junto ao tempo do processo. [tr. Casanova; GA65: 242]

A estrutura dessa essenciação precisa ser colocada sempre uma vez mais no projeto: a essência da verdade é o encobrimento clareador. Esse encobrimento acolhe o acontecimento apropriador e deixa, dando a ele sustentação, que sua oscilação impere inteiramente através do ABERTO. Suportando e deixando imperar, a verdade é o fundamento do seer. O “fundamento” não é mais originário do que o seer, mas a origem como aquilo que ele, o acontecimento apropriador, deixa reemergir. [tr. Casanova; GA65: 242]

O ABERTO do a-bismo não é sem fundamento. Abismo não significa o não em relação a todo fundamento como ausência de fundamento, mas o sim ao fundamento em sua amplitude e distância veladas. O a-bismo é, assim, o sítio em si reciprocamente oscilante que se temporaliza e espacializa do “entre”, como o qual o ser-aí precisa ser fundado. O a-bismo é tão pouco “negativo” quanto a renúncia hesitante; os dois, com efeito, visados imediatamente (“logicamente”), contêm um “não”, e, não obstante, a renúncia hesitante é a primeira e mais elevada reluzência do aceno. Concebida mais originariamente, essencia-se nela naturalmente um “não”. Mas trata-se do não originário, que pertence ao próprio seer e, com isso, ao acontecimento apropriador. [tr. Casanova; GA65: 242]

O contramovimento a partir do “espaço ” e do “tempo”. O contramovimento precisa ser tomado da maneira mais segura possível, de tal modo que espacialidade e temporalidade da coisa, do utensílio, da obra, da maquinação e do todo do ente possam se tornar visíveis como abrigo da verdade em uma interpretação. O projeto dessa interpretação é inexpressamente determinado pelo saber em torno do tempo-espaço como abismo. Mas a própria interpretação precisa despertar a partir da saída da coisa novas experiências. A aparência de que se trataria aqui de uma descrição óbvia em si não é perigosa porque esse caminho de interpretação quer expor espaço e tempo na direção do tempo-espaço. O caminho a partir daqui e o caminho a partir do ente precisam se encontrar. Perseguindo o caminho a partir do “ente” (mas já inserido no ABERTO da contenda entre terra e mundo), surge, então, a ocasião para inserir a discussão até aqui de espaço e tempo na confrontação inicial (cf A conexão de jogo). [tr. Casanova; GA65: 242]

O abrigo não é a acomodação ulterior da verdade em si presente à vista no ente, abstraindo-se completamente do fato de que a verdade nunca se acha presente à vista. Abrigo pertence à essenciação da verdade. Essa não é essenciação, se ela nunca se essencia no abrigo. Se, por isso, indicativamente, a “essência” da verdade for denominada como a clareira para o encobrir-se, então isso só acontece para desdobrar pela primeira vez a essenciação da verdade. A clareira precisa se fundar em seu ABERTO. Ela carece daquilo que ela obtém na abertura, e isso é a cada vez de maneira diversa um ente (coisa – utensílio – obra). Mas esse abrigo do ABERTO precisa ser ao mesmo tempo e de antemão de tal modo que a abertura se torna essente de tal maneira que, nela, o encobrir-se e, com isso, o seer se essencie. De acordo com isso, precisa ser possível – com o salto prévio correspondente no seer com certeza –, a partir do “ente”, encontrar o caminho até a essenciação da verdade e, por essa via, tornar visível o abrigo como pertencente à verdade. Onde é, porém, que esse caminho deve começar? Não precisamos conceber para tanto em primeiro lugar as referências atuais em relação ao ente, tal como nós nos encontramos aí, ou seja, não precisamos ter diante dos olhos algo extremamente corrente? E justamente isso é o mais difícil, uma vez que ele não é nunca realizável sem um abalo, o que significa: sem um tresloucamento da ligação fundamental com o seer mesmo e com a verdade. É preciso indicar em que verdade e como é que o ente se encontra respectivamente nela. Precisa se tornar claro como é que aqui mundo e terra se encontram em contenda e, com isso, como é que eles mesmos se desencobrem e se encobrem. Esse encobrir-se mais imediato, contudo, é apenas a aparência prévia do a-bismo e, com isso, da verdade do acontecimento apropriador. Mas a verdade só se essencia na clareira mais plena do mais distante encobrir-se sob o modo do abrigo segundo todos os caminhos e maneiras, que pertencem a esse abrigo, que suportam e conduzem historicamente a exposição jurisdicional do ser-aí e que constitui, assim, o ser do povo. [tr. Casanova; GA65: 243]

O abrigo volta do mesmo modo determinadamente a cada vez o encobrir-se para o ABERTO, tal como ele mesmo é atravessado de maneira soberana pela clareira do encobrir-se. Por isso, junto a esse projeto da essência da verdade não há, por isso, nenhum lugar para uma interpretação inequívoca que é sempre uma vez mais sugerida da relação platônica. Pois o abrigo da verdade no ente não nos lembra demais a configuração da “ideia”, do eidos na hyle? Mas já o modo de falar “abrigo da verdade no ente” induz em erro, como se a verdade já pudesse ser sempre de antemão por si “verdade”. [tr. Casanova; GA65: 243]

Abrigo é, no fundo, a guarda do acontecimento apropriador por meio da contestação da contenda. Guarda do encobrir-se (da renúncia hesitante) não é nenhuma mera conservação de algo dado, mas o laço projetivo com o ABERTO, a contenda, em cuja constância é recombatido, contestado o pertencimento ao acontecimento apropriador. Assim se essencia a verdade como o verdadeiro a cada vez abrigado. Todavia, esse verdadeiro só é o que ele é, como o não-verdadeiro, como um não sendo e um não fundamento ao mesmo tempo. Tornar acessível o abrigo da verdade a partir de seus modos mais imediatos da ocupação, correspondendo a espaço e tempo. [tr. Casanova; GA65: 246]

Se por meio do acontecimento apropriador o ser-aí como meio ABERTO da ipseidade que funda a verdade é atirado a si e se torna um si mesmo, o ser-aí precisa, por sua vez, pertencer como possibilidade velada da essenciação fundante do seer ao acontecimento apropriador. E na viragem: o acontecimento apropriador precisa se valer do ser-aí; por meio da necessidade, ele precisa colocá-lo no clamor e, assim, trazê-lo para diante do passar ao largo do último deus. [tr. Casanova; GA65: 255]

O repensar da verdade do seer só tem sucesso se, no passar ao largo do deus, o apoderamento do homem para a sua necessidade se tornar manifesto e, assim, o acontecimento da apropriação no excesso da viragem ganhar o ABERTO entre o pertencimento humano e a necessidade divina, a fim de revelar seu encobrir-se como meio, a fim de se revelar como meio do encobrir-se, obrigando a reoscilação e, com isso, trazendo ao salto a liberdade para o fundamento do seer como fundação do aí. [tr. Casanova; GA65: 256]

A determinação histórica da filosofia tem seu ápice no conhecimento da necessidade de criar a escuta para a palavra de Hölderlin. O poder ouvir corresponde a um poder dizer, que fala a partir da questionabilidade do seer. Pois isso é o mínimo que pode ser realizado para a preparação do espaço da palavra. (Se é que tudo não foi invertido ainda e transformado no elemento “científico” e “historiológico-literário”, seria preciso dizer: uma preparação do pensamento para a interpretação de Hölderlin precisa ser criada. “Interpretação” com certeza não tem em vista aqui tornar “compreensível”, mas sim fundar o projeto da verdade de sua poesia na meditação e na tonalidade afetiva, nas quais o ser-aí por vir vibra) (cf Reflexões VI e VII Hölderlin). Essa caracterização histórica da essência da filosofia a concebe como pensar do seer. Esse pensar nunca pode fugir para o interior de uma figura do ente e experimentar nela toda a luz do simples a partir da riqueza reunida de sua obscuridade estruturada em suas junções. Esse pensar também não tem como seguir jamais a dissolução em meio ao amorfo. Esse pensar precisa capturar em um ponto aquém da distinção entre figura e ausência de figura (o que só se dá no ente), no abismo do fundamento da figura, o ímpeto de jogada de seu caráter de jogado e suportá-lo no ABERTO do projeto. O pensar do seer precisa pertencer ao que tem de ser pensado mesmo de uma maneira completamente diversa de todo e qualquer ajuste em relação ao elemento objetivo porque o seer não tolera a própria verdade como suplemento e como algo trazido para junto de si, mas “é” ele mesmo a essência da verdade. A verdade, aquela clareira do encobrir-se, em cujo ABERTO os deuses e o homem são apropriados em meio ao acontecimento para a sua contra-posição, abre ela mesma o seer como história. Nós talvez precisemos pensar essa história, se é que devemos aprontar o espaço que em seu tempo precisa resguardar em ressonância a palavra de Hölderlin, que denomina uma vez mais os deuses e o homem; e isso para que essa ressonância afine aqueles tonalidades afetivas fundamentais, que determinam o homem por vir em meio à guarda da indigencialidade dos deuses. Essa caracterização da filosofia em termos da história do seer carece de uma explicitação, que auxilie o surgimento de uma lembrança do pensar até aqui (a metafísica), mas retransporte ao mesmo tempo o porvir para o interior da copertinência histórica. [tr. Casanova; GA65: 258]

Aqui, o projeto não é nada que estivesse apenas estabelecido “sobre” o ente, ele não é nenhuma “perspectiva”, que seria apenas aduzida ao ente. Pois toda e qualquer per-spectiva já requisita o que é corrente para o seu eixo de visada. E justamente isso, o fato de que de antemão e decidindo tudo um rasgo integral explode aquilo que, então, só se anuncia no ABERTO como um “ente”, o fato de que um equívoco arrebata para si tudo, clareando-se, em nome da possibilidade da guarda: é isso que o projeto pensante do seer tem de levar a termo. “Levar a termo”? Com certeza, mas nenhum fazer e nenhum engenho de acordo com o significado de uma reflexão desprendida. [tr. Casanova; GA65: 262]

Nós pensamos para nós mesmos esses projetos de acordo com um hábito natural como formas da representação, que possibilitam o vir ao nosso encontro de objetos: a condição transcendental de Kant. E nós fazemos bem em exercitar nessa interpretação da entidade como objetualidade o pensar do ente enquanto tal. Não obstante, essa interpretação kantiana se encontra na “base” do subjectum e na esfera da re-presentação. A caracterização do “projeto” se torna “subjetiva” no melhor sentido possível, isto é, não “egoica”, “subjetivista”, epistemológica, mas meíafisicamente determinada como subjectum: ela se encontra à base como o inquestionado e o inquestionável. A interpretação do pensamento kantiano pode experimentar a partir daí uma clarificação essencial e levar a que mesmo nessa posição de sujeito o pensar filosófico não passe ao largo dos abismos (esquematismo e imaginação transcendental). A questão é que já precisamos ter nos ABERTO questionadoramente para outros âmbitos, para que não designemos simplesmente essa concepção de Kant como uma curiosidade exagerada, mas para que a levemos a sério com a indicação para o abissal. Isso só tem em geral sucesso, se não lermos mais Kant no fundo “subjetivamente”, mas se o reinterpretarmos com vistas ao ser-aí. [tr. Casanova; GA65: 262]

Projeto: que o homem já se jogue do ente, sem que esse já estivesse ABERTO como tal, em direção ao seer. Todavia, tudo resta obscuro aqui. Será que o homem é, afinal, um homem aprisionado? No (ente) com certeza e isso porque ele se comporta ao mesmo tempo em relação ao “ser” (por exemplo, a linguagem), porque essa ligação com o seer em geral é o fundamento de uma relação em um comportamento de uma postura. [tr. Casanova; GA65: 263]

Jogar-se para fora, ousar o ABERTO, não pertencer nem a algo em face de si nem a si e, contudo, pertencer aos dois ao mesmo tempo, mas não como objeto e sujeito; saber e pressentir-se como ré-plica no ABERTO que aquilo que se joga para fora e do que ele se evade possuem a mesma essência do que o em face de. A ré-plica é o fundamento do vir ao encontro, que aqui ainda não é de modo algum buscado. A ré-plica é o arrancar do entre, no qual acontece a contrariedade, como carente de abertura. O que pertence aqui, porém, ao “homem” e o que é deixado para trás? No lançar-se para fora, ele se funda naquilo que ele não consegue fazer, mas apenas consegue ousar enquanto possibilidade, ele se funda no ser-aí. Isso naturalmente apenas se ele não volta nunca mais a si enquanto alguém que apareceu na primeira jogada extática como o em face de, como physei ón, como um zoon. Isso é importante: lançar para fora e fundar a essência do homem no estranhamento do ABERTO. Agora pela primeira vez se inicia a história do ser e a história do homem. E o ente? Ele não chega mais à sua verdade em um retorno, mas? Como o resguardo do estrangeiro, e o estrangeiro traz a si mesmo ao encontro do acontecimento da apropriação e deixa se encontrar nele o deus. O jogar para fora nunca acontece de maneira exitosa a partir do mero impulso e do desenraizamento do homem. Esse lance é jogado na vibração do acontecimento da apropriação. Isso significa: o ser toca o homem e o volta para a transformação, para a primeira conquista, para a longa perda de sua essência. Essa mensuração da errância essencial como história do homem independente de toda historiologia. E se os deuses afundam no não outorgado da recusa do seer. [tr. Casanova; GA65: 263]

Acontecimento apropriador é: 1) O acontecimento da apropriação, o fato de que, na urgência, a partir da qual os deuses necessitam do seer, o seer com-pele o ser-aí à fundação de sua própria verdade e, assim, deixa o entre se essenciar, o acontecimento da apropriação do ser-aí por meio dos deuses e a apropriação dos deuses para eles mesmos em relação ao acontecimento apropriador. 2) O acontecimento apropriador do acontecimento da apropriação encerra em si a de-cisão: o fato de a liberdade como o fundamento abissal deixar surgir uma indigência, a partir da qual, como o impulso excessivo do fundamento, os deuses e o homem vêm à tona em sua separação. 3) O acontecimento da apropriação como de-cisão traz os cindidos para a contra-posição: para o fato de que esse um em relação ao outro da mais ampla e urgente decisão precisa se encontrar na mais extrema “oposição”, porque ele transpassa o a-bismo do seer usado. 4) A contra-posição é a origem da contenda, que se essencia, na medida em que ela desloca o ente de sua perdição para o interior da mera entidade. O des-locamento caracteriza o acontecimento apropriador em sua ligação com o ente enquanto tal. O acontecimento da apropriação do ser-aí deixa tal ente se tornar insistente no inabitual em face de todo e qualquer ente. 5) O des-locamento, porém, é, concebido a partir da clareira do aí, ao mesmo tempo a re-tração do acontecimento apropriador; o fato de ele se retrair em relação a todo cálculo representacional e se essenciar como recusa. 6) Por mais ricamente e sem imagem que o seer se essencie, ele se baseia de qualquer modo nele mesmo e em sua simplicidade. Com certeza, o caráter do entre (entre os deuses e o homem) poderia induzir em erro e levar a que tomássemos o seer como mera ligação e como consequência e resultado da ligação com o ligado. Mas o acontecimento apropriador é, sim, de qualquer modo, se já a caracterização é ainda possível, esse ligar, que traz os ligados pela primeira vez para si mesmos, para colocar no ABERTO dos decididos em contra-posição sua urgência e guarda, que eles não assumem pela primeira vez como propriedade, mas a partir dos quais, ao contrário, eles haurem sua essência. O seer é indigência dos deuses e, como essa indigência compelidora do ser-aí, ele é mais abissal do que tudo aquilo que pode se chamar de sendo e não se deixa mais denominar por meio do seer. O seer é usado, a urgência dos deuses, e, contudo, ele não pode ser deduzido a partir deles, mas é precisamente de maneira inversa superior a eles, na a-bissalidade de sua essência como fundamento. O seer se apropria do ser-aí em meio ao acontecimento e, no entanto, não possui a sua origem. Imediatamente, o entre se essencia como o fundamento dos contra-postos nele. Isso determina a sua simplicidade, que não se mostra como vazio, mas como o fundamento da plenitude, que emerge da contra-posição como contenda. 7) O simples do seer tem em si a cunhagem da unicidade. Essa não carece de modo algum do destaque e das diferenças, nem mesmo da diferença em relação ao ente. Pois essa diferença só é exigida, se o ser mesmo for marcado como uma espécie de ente e, com isso, não for nunca preservado como o único, mas sim vulgarizado e transformado no que há de mais universal. 8) A unicidade do seer fundamenta a sua solidão, de acordo com a qual ele lança unicamente em torno de si o nada, cuja vizinhança permanece sendo a mais autêntica e cuja solidão é resguardada da maneira mais fiel possível. De acordo com ela, o seer só se essencia constantemente de maneira mediatizada por meio da contenda de mundo e terra em relação ao “ente”. Em nenhuma dessas denominações a essência do seer deve ser pensada e, de qualquer modo, ele é pensado “completamente” em cada uma delas; “completamente” significa aqui: a cada vez, o pensar “do” seer é arrancado pelo seer mesmo e trazido para o interior de sua inabitualidade e priva de todos os auxílios buscados em explicações do ente. [tr. Casanova; GA65: 267]

O que é feito agora da diferenciação entre ente e seer? Agora, nós a compreendemos como o primeiro plano metafisicamente concebido e, com isso, já mal interpretado de uma de-cisão, que é o seer mesmo (cf acima n. 2). Essa diferenciação não pode mais ser lida a partir do ente e em prosseguimento em direção à generalização isoladora de seu ser. Por isto, ela também não pode ser justificada, por exemplo, pelo aceno para o fato de que “nós” (quem?) precisamos compreender o ser, para que possamos experimentar um ente enquanto tal. Isso é, com efeito, correto, e o aceno para tanto pode servir a qualquer momento como uma primeira indicação do ser e da diferenciabilidade entre ente e seer, mas: o que resulta daqui, o que aqui já é pressuposto, o pensar metafísico da entidade, não pode subsistir enquanto o rasgo fundamental, no qual se deixariam conceber em termos da história do seer, em conformidade com o ser-aí, a essência do seer e de sua verdade em sua essenciação. Apesar disso, a transição não tem como ser preparada de outro modo senão pelo fato de que, nela, a coragem para o antigo (em termos do primeiro início) se faz valer e, assim, se busca de saída impelir esse antigo mesmo para além de si: o ente, o ser, o “sentido” (verdade) do ser (cf Ser e tempo). Desde o início, contudo, em meio a essa repetição mais originária, é preciso saber que ela exige uma completa transformação do homem no ser-aí e já alcançou por um salto tal transformação, uma vez que a verdade do seer, que deve se abrir, não trará outra coisa senão a essenciação mais originária do próprio seer. E isso significa: que tudo é transformado e que as veredas que ainda conduziam justamente ao seer precisam ser interrompidas, porque outro tempo-espaço é ABERTO por meio do seer, que torna necessária uma nova edificação e fundação do ente. Em parte alguma no ente, somente uma vez no seer, se volta em direção ao homem e aos deuses, a cada vez de maneira diversa, como uma tempestade, a suavidade do terrível na intimidade de todos os seres. É somente no seer que se essencia como a mais profunda abertura de seu fosso abissal o possível, de tal modo que é sob a forma do possível que o ser precisa ser pensado em primeiro lugar no pensar do outro início. (A metafísica, contudo, torna o “real e efetivo” enquanto ente ponto de partida e meta da determinação do ser). [tr. Casanova; GA65: 267]

O seer se essencia como o acontecimento da apropriação dos deuses e do homem para a sua contra-posição. Na clareira do encobrimento do entre, que emerge do acontecimento da apropriação e com ele, acontecimento esse que se contrapõe à clareira, desponta a contenda entre mundo e terra. E somente no campo de jogo temporal dessa contenda chega-se à preservação e à perda do acontecimento da apropriação, entrando no ABERTO daquela clareira aquilo que é denominado o ente. [tr. Casanova; GA65: 268]

O seer é o in-habitual no sentido de que ele permanece intocável por tudo o que é habitual. Por isso, para saber sobre o seer, nós precisamos sair de tudo o que é habitual. E uma vez que esse elemento habitual é nossa parte e nosso empreendimento, nós nunca conseguimos realizar algo assim por nós mesmos. O próprio seer precisa nos lançar para fora do ente, nos des-locar, enquanto aqueles que se encontram no ente e que são cercados por ele, desse cerco. Esse cerco do homem por meio do ente consiste no elemento duplo de que ele enquanto ente pertence ele mesmo ao ente e se encontra sob o seu domínio, de que ele ao mesmo tempo, porém, tem ABERTO em torno de si, diante de si, sob si e atrás de si o ente enquanto tal, e isso sempre a cada vez na esfera de um todo (mundo). Esse “cerco” não significa, no entanto, nada que se precisasse alijar no sentido de uma sobrecarga casual e impertinente, mas pertence antes concomitantemente àquilo que constitui a con-frontação do homem enquanto um ente em meio ao ente com esse ente, uma con-frontação que não caracteriza, por exemplo, apenas o modo da atuação do homem (no sentido da “luta pela existência”), mas também uma estrutura essencial do seu ser. Não obstante, há aquele des-locamento do ente, que não suspende a con-frontação, mas que fundamenta e lhe doa, por isso, as possibilidades para embasamentos, nos quais o homem se cria para além de si. Esse des-locamento, porém, acontece de maneira apropriadora somente a partir do próprio seer, sim, esse seer não é outra coisa senão o elemento des-locador e re-pulsivo. [tr. Casanova; GA65: 269]

O entre implosivo reúne aquilo que ele volta para o ABERTO de seu pertencimento contestável e marcado pela recusa, em direção ao a-bismo, a partir do qual tudo (o deus, o homem, o mundo, a terra) se essencia de volta em si e, assim, deixa ao seer a única decidibilidade do acontecimento da apropriação. O seer de tal essenciação é ele mesmo nessa essência único. Pois ele se essencia como aquele choque, que talvez já tenha se anunciado como a mais extrema possibilidade de decisão da história ocidental, a possibilidade de que o seer mesmo venha a emergir de tal essência como a urgência do deus, que precisa da guarda do homem. Essa possibilidade é ela mesma a origem “do” seer. E o que aparece aqui comprovado com o nome do que há de mais universal e supra-histórico, segundo a opinião até aqui sobre o seer, é por completo e antes de tudo o histórico e pura e simplesmente único. [tr. Casanova; GA65: 270]

O acontecimento da apropriação e a contestação, a fundação da história e a decisão, a unicidade e a unidade, o caráter de entre e o fosso ABERTO: todos eles jamais denominam a essência do seer como propriedades, mas eles nomeiam na essenciação respectivamente total de sua essência. Falar sobre um significa não apenas covisar aos outros, mas levá-los ao saber em uma unicidade histórica do poder de sua essência. Tal saber não dá a conhecer nenhum objeto, também não é nenhuma evocação e convocação de estados e posturas morais, mas é sim a transmissão do choque do próprio seer, que funda enquanto acontecimento apropriador o campo de jogo temporal para o verdadeiro. [tr. Casanova; GA65: 270]

Apropriado em meio ao acontecimento, porém, o ser-aí é como a abdicação. A ab-dicação deixa viger a recusa (isto é, o acontecimento da apropriação) de maneira soberana no ABERTO de sua decidibilidade. [tr. Casanova; GA65: 271]

Nossa história – não como o transcurso historiologicamente conhecido de nossos envios destinamentais e de nossas realizações, mas nós mesmos no instante de nossa ligação com o seer. Pela terceira vez caímos no abismo dessa ligação. E, dessa vez, não sabemos nenhuma resposta. Pois toda meditação sobre o seer e sobre a linguagem é apenas um impulso prévio, para tocarmos nosso “posto” no próprio seer e, com isso, nossa história. Mas mesmo se nós quisermos apreender nossa linguagem em sua ligação com o seer, o que há de mais corrente da determinação metafísica até aqui da linguagem se aferroa a esse questionamento, uma determinação da qual também não pode ser dito francamente que ela seria inteiramente não verdadeira; e isso sobretudo porque ela, porém, ainda que veladamente, tem em vista precisamente a linguagem em sua ligação com o seer (com o ente enquanto tal e com o homem que representa e pensa o ente). Bem próximo do caráter enunciativo da linguagem (enunciado considerado aqui no sentido mais amplo possível, no sentido de que a linguagem, o dito e o não dito, visa a, representa, configura ou encobre de maneira representacional algo (o ente) etc.) é a linguagem conhecida como posse e como instrumento do homem e como “obra” ao mesmo tempo. Esse nexo da linguagem com o homem, porém, é considerado como sendo tão íntimo que até mesmo as determinações fundamentais do próprio homem (como animal rationale por sua vez) são escolhidas para tanto, a fim de caracterizar a linguagem. A essência espiritual-corpóreo-anímica do homem é reencontrada na linguagem. O corpo (vernáculo) da palavra, a alma da linguagem (tonalidade afetiva, tom sentimental e coisas do gênero) e o espírito da linguagem (o representado-pensado) são determinações correntes de toda filosofia da linguagem. Essa interpretação da linguagem poderia ser denominada interpretação antropológica e ela tem seu ápice no fato de se ver na própria linguagem um símbolo da essência do homem. Se aqui a questionabilidade da ideia de símbolo (um filho autêntico do impasse em relação ao seer que vigora na metafísica) é recolocada, então o homem precisaria ser concebido de acordo com isso como aquele ser que tem sua essência em seu próprio símbolo ou na posse desse símbolo (logon echon). Permanece em ABERTO até que ponto essa interpretação simbólica – pensada metafisicamente até o fim – da linguagem pode ser levada no pensar da história do ser para além de si e até que ponto algo frutífero pode nascer daí. É inegável que, juntamente com aquilo que fornece na linguagem o apoio para o fato de que ela pode ser concebida como símbolo do homem, se toca em algo que é de algum modo próprio à linguagem: o teor da palavra e a sua casca, a afinação da palavra e o significado da palavra, por mais que já pensemos uma vez mais no campo de visão dos aspectos que emergem da metafísica com vistas ao sensível, ao não sensível e ao suprassensível; e isso mesmo que não tenhamos em vista pela “palavra” as palavras particulares, mas o dizer e o silenciar do dito e não dito e esse não dito mesmo. A casca da palavra também pode ser reconduzida a elementos da constituição anatômico-fisiológica do corpo humano e explicada a partir daí (fonética – acústica). Algo desse gênero é a afinação da palavra e a melodia da palavra, assim como o acento sentimental do dizer é objeto da explicação psicológica e o significado da palavra é uma questão da decomposição lógico-poético-retórica. A dependência dessa explicação e decomposição da linguagem em relação à concepção do homem é patente. [tr. Casanova; GA65: 276]

Submitted on:  Sun, 17-Sep-2023, 22:37