velado

Category: Heidegger - Ser e Tempo etc.
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

velado

Seja qual for o modo de explicação do ente, como espírito no sentido do espiritualismo, como matéria e força no sentido do materialismo, como vir-a-ser e vida, como representação, como vontade, como substância, como sujeito, como enérgeia, como eterno retorno do mesmo, sempre o ente enquanto ente aparece na luz do ser. Em toda parte, se iluminou o ser, quando a metafísica representa o ente. O ser se manifestou num desvelamento (alétheia). Permanece velado o fato e o modo como o ser traz consigo tal desvelamento, o fato e o modo como o ser mesmo se situa na metafísica e a assinala enquanto tal. O ser não é pensado em sua essência desveladora, isto é, em sua verdade. Entretanto, a metafísica fala da inadvertida revelação do ser quando responde a suas perguntas pelo ente enquanto tal. A verdade do ser pode chamar-se, por isso, o chão no qual a metafísica, como raiz da árvore da filosofia, se apóia e do qual retira seu alimento. Pelo fato de a metafísica interrogar o ente, enquanto ente, permanece ela junto ao ente e não se volta para o ser enquanto ser. Como raiz da árvore ela envia todas as seivas e forças para o tronco e os ramos. A raiz se espalha pelo solo para que a árvore dele surgida possa crescer e abandoná-lo. A árvore da filosofia surge do solo onde se ocultam as raízes da metafísica. O solo é, sem dúvida, o elemento no qual a raiz da árvore se desenvolve, mas o crescimento da árvore jamais será capaz de assimilar em si de tal maneira o chão de suas raízes que desapareça como algo arbóreo na árvore. Pelo contrário, as raízes se perdem no solo até as últimas radículas. O chão é chão para a raiz; dentro dele ela se esquece em favor da árvore. Também a raiz ainda pertence à árvore, mesmo que a seu modo se entregue ao elemento do solo. Ela dissipa seu elemento e a si mesma pela árvore. Como raiz ela não se volta para o solo; ao menos não de modo tal como se fosse sua essência desenvolver-se apenas para si mesma neste elemento. Provavelmente, também o solo não é tal elemento sem que o perpasse a raiz. 210 MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA

Que seria, porém, se a ausência desta relação e o esquecimento desta ausência desde há muito determinassem os tempos modernos? Que seria, se a ausência do ser entregasse o homem, sempre mais exclusivamente, apenas ao ente, de tal modo que o ser humano fosse abandonado pela relação do ser com sua (do homem) essência, ficando, ao mesmo tempo, tal abandono velado? Que seria, se assim fosse e se desde há muito tempo estivesse persistindo tal situação? Que seria, se houvesse sinais mostrando que tal esquecimento se instalará para o futuro ainda mais decisivamente no esquecimento? 218 MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA

Se a metafísica realmente dedica sua representação ao ón he ón, ela permanece fundada sobre este elemento velado no ón. A interrogação que retorna a este elemento velado procura, por isto, do ponto de vista da metafísica, o fundamento para a ontologia. E por isso que o procedimento em Ser e Tempo (p.13) se chama ‘ontologia fundamental’. Mas a expressão se mostra, em pouco tempo, embaraçosa, como, aliás, qualquer expressão neste caso. Ela diz algo certo se pensava a partir da metafísica; mas, justamente, por isso induz a erro; pois trata-se de conquistar a passagem da metafísica para dentro do pensamento de ser. E enquanto este pensamento se caracteriza a si mesmo como ontologia fundamental, ele se interpõe, com tal designação, seu próprio caminho e o obscurece. A expressão "ontologia fundamental" parece induzir à opinião de que o pensamento que procura pensar a verdade do ser e não como toda ontologia, a verdade do ente, é, enquanto antologia fundamental, ela mesma ainda uma espécie de ontologia. Entretanto, já desde seus primeiros passos, o pensamento da verdade do ser, enquanto retorno ao fundamento da metafísica, abandonou o âmbito de toda ontologia. Mas toda filosofia que se movimenta na representação mediata ou imediata da "transcendência" permanece necessariamente ontologia no sentido essencial, procure ela preparar uma fundamentação da ontologia ou rejeitar ela a ontologia que para sua segurança busca apenas uma crispação conceitual de vivências. 241 MHeidegger: O RETORNO AO FUNDAMENTO DA METAFÍSICA

Propositadamente é citado o "erigir" como "primeiro" entre os três modos. Não como se produzisse de si os outros. Também não é o fundar primeiramente conhecido, nem o mais das vezes reconhecido. Contudo, cabe a ele justamente uma primazia, que se mostra no fato de que já a clarificação precedente da transcendência, não pôde evitá-lo. Este "primeiro" fundar não é outra coisa que o projeto do em-vista-de. Se este deixar imperar livremente mundo foi determinado como transcendência, se ao projeto de mundo como fundar, porém, também pertencem necessariamente os outros modos de fundar, então resulta que, até agora, nem a transcendência nem a liberdade foram levadas à sua plena determinação. Não há dúvida de que no projeto de mundo do ser-aí reside sempre o fato de que retorna ao ente na e pela ultrapassagem. O em-vista-de, projetado no ante-pro-jeto, aponta de volta para o ente em sua totalidade que pode ser desvelado neste horizonte do mundo. Ao ente pertence sempre, seja em que níveis de distinção e graus de expressividade for: ente como ser-aí e ente que não possui o caráter de ser-aí. Mas, no projeto de mundo, este ente, contudo, não está revelado em si mesmo. Sim, deveria permanecer velado, se o ser-aí projetante como projetante não estivesse já também, em-meio àquele ente. Este "em-meio-a..." não significa nem ocorrer entre outros entes, nem também: orientar-se para este ente, tendo um determinado comportamento face a ele. Este estar-em-meio-a... faz muito antes parte da transcendência. Aquilo que ultra-passa e que assim se alteia deve, como tal, estar situado em meio ao ente. Enquanto assim situado, o ser-aí é ocupado pelo ente de tal maneira que, pertencendo ao ente, é por ele perpassado pela disposição. Transcendência significa projeto de mundo, mas de maneira tal que aquele que projeta id é também perpassado pela disposição por obra do ente, que ele ultrapassa. Com uma tal ocupação (Eingenommenheit) pelo ente, a qual faz parte da transcendência, o ser-aí tomou-chão (assento) em meio ao ente, conquistou "fundamento". Este "segundo" fundar não surge após o "primeiro", mas é com ele "simultâneo". Com isto não se quer dizer que eles existem no mesmo agora, mas: projeto de mundo e ocupação pelo ente fazem, como modos de fundar, respectivamente, parte de uma temporalidade, na medida em que constituem sua temporalização (Zeitigung). Mas, do mesmo modo como o futuro precede "no" tempo, mas somente se temporaliza na medida em que justamente tempo, isto é, também passado e presente se temporalizam na específica unidade-do-tempo, assim também os modos de fundar que se originam na transcendência mostram esta conexão. Esta correspondência, porém, subsiste porque a transcendência radica na essência do tempo, isto é, em sua constituição ek-stático-horizontal [A interpretação temporal da transcendência fica total e intencionalmente de lado nesta consideração. (N. do A.)]. 350 MHeidegger: SOBRE A ESSÊNCIA DO FUNDAMENTO

O velamento recusa o desvelamento à alétheia. Nem o admite até como stéresis (privação), mas conserva para a alétheia o que lhe é mais próprio, como propriedade. O velamento é, então, pensado a partir da verdade como desvelamento, o não-desvelamento e, desta maneira, a mais própria e mais autêntica não-verdade pertencente à essência da verdade. O velamento do ente em sua totalidade não se afirma como uma conseqüência secundária do conhecimento sempre parcelado do ente. O velamento do ente em sua totalidade, a não-verdade original, é mais antiga do que toda revelação de tal ou tal ente. É mais antiga mesmo do que o próprio deixar-ser que, desvelando, já dissimula e, assim, mantém sua relação com a dissimulação. O que preserva o deixar-ser nesta relação com a dissimulação? Nada menos que a dissimulação do ente como tal, velado em sua totalidade, isto é, o mistério. Não se trata absolutamente de um mistério particular referente a isto ou àquilo, mas deste fato único que o mistério (a dissimulação do que está velado) como tal domina o ser-aí do homem. 423 MHeidegger: SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE

No deixar-ser desvelados e que simultaneamente dissimula o ente em sua totalidade acontece o fato de que a dissimulação aparece como aquilo que está velado em primeiro lugar. Enquanto existe, o ser-aí instaura o primeiro e o mais amplo não-desvelamento, a não-verdade original. A não-essência original da verdade é o mistério. O termo não-essência não implica aqui ainda aquele traço de degradação que lhe atribuímos quando a essência é entendida como universalidade (koinón, génos), como possibilitas (possibilitação) do universal e como seu fundamento. É que a não-essência visa aqui à essência pré-existente. Ordinariamente, entretanto, a "não-essência" designa a deformação da essência já degradada. Mas em todas estas significações a não-essência está sempre ligada essencialmente à essência, segundo as modalidades correspondentes, e jamais se torna inessencial no sentido de indiferente. Falar, entretanto, assim da não-essência e da não-verdade choca demasiadamente a opinião ainda corrente e parece uma acumulação forçada de "paradoxos" arbitrariamente construídos. Já que é difícil afastar esta aparência, renunciamos a esta linguagem paradoxal apenas para a dóxa (opinião) comum. Para o bom entendedor certamente o "não" da não-essência original da verdade como não-verdade aponta para o âmbito ainda não-experimentado e inexplorado da verdade do ser (e não apenas do ente). 424 MHeidegger: SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE

Instalar-se na vida corrente é, entretanto, em si mesmo o não deixar imperar a dissimulação do que está velado. Sem dúvida, também na vida corrente existem enigmas, obscuridades, questões não decididas e coisas duvidosas. Mas todas estas questões, que não surgem de nenhuma inquietude e estão seguras de si mesmas, são apenas transições e situações intermediárias nos movimentos da vida corrente e, portanto, inessenciais. Lá onde o velamento do ente em sua totalidade é tolerado sob a forma de um limite que acidentalmente se anuncia, a dissimulação como acontecimento fundamental caiu no esquecimento. 426 MHeidegger: SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE

O desvelamento do ente enquanto tal é, ao mesmo tempo e em si mesmo, a dissimulação do ente em sua totalidade. É nesta simultaneidade do desvelamento e da dissimulação que se afirma a errância. A dissimulação do que está velado e a errância pertencem à essência originária da verdade. A liberdade, compreendida a partir da ek-sistência insistente do ser-aí, somente é a essência da verdade (como conformidade da apresentação) pelo fato de a própria liberdade irromper da originária essência da verdade, do reino do mistério da errância. O deixar-ser do ente se realiza pelo nosso comportamento no âmbito do aberto. Entretanto, o deixar-ser do ente como tal e em sua totalidade acontece, autenticamente, apenas então, quando, de tempos em tempos, é assumido em sua essência originária. Então a decisão enérgica pelo mistério se põe em marcha para a errância que reconheceu enquanto tal. Neste momento a questão da essência da verdade é posta mais originariamente. Então se revela, afinal, o fundamento da imbricação da essência da verdade com a verdade da essência. A perspectiva sobre o mistério, que se descerra a partir da errância, põe o problema da questão que unicamente importa: que é o ente enquanto tal em sua totalidade? Uma tal interrogação pensa o problema essencialmente desconcertante e por isso não dominado ainda em sua ambivalência: a questão do ser do ente. O pensamento do qual emana originariamente tal interrogação se concebe, desde Platão, como "filosofia", e recebeu mais tarde o nome de "metafísica". 435 MHeidegger: SOBRE A ESSÊNCIA DA VERDADE

O ser, pená-lo propriamente, exige que se afastem os olhos do ser na medida em que, como em toda metafísica, é explorado e explicitado apenas a partir do ente e em função deste, como seu fundamento. Pensar o ser propriamente exige que se abandone o ser como o fundamento do ente em favor do dar que joga velado no desvelar, isto é, em favor do dá-Se. Ser, como dom deste dá-Se, faz parte do dar-se. Ser enquanto dom não é expulso do dar. Ser, pre-s-ença é transformado. Como presentificar faz parte do desocultar, permanece incluído no dar como seu dom. Ser não é. Ser dá-Se como o desocultar do pre-s-entar. [Faço, às vezes, esta separação para que se tome bem visível o particípio "ente-sendo" (ser), na palavra "presentar". (N. do T.)] 763 MHeidegger: TEMPO E SER

Submitted on:  Fri, 23-Mar-2012, 16:34