filosofia hermenêutica

Category: Hans-Georg Gadamer (1900-2002)
Submitter: mccastro

filosofia hermenêutica

Essas considerações ampliam sem dúvida o significado da experiência da distância. No entanto, permanecem sempre ainda no contexto argumentativo de uma teoria das ciências do espírito. A verdadeira motivação de minha filosofia hermenêutica foi, ao contrário, uma outra. Estava familiarizado com a crise do idealismo subjetivo, que irrompeu na minha juventude com a retomada da crítica de Kierkegaard a Hegel. Essa imprimiu uma direção totalmente diversa ao sentido do que é compreender. Ali está o outro que rompe com a centralidade do meu eu, à medida que me dá a entender algo. Esta motivação orientou-me desde o princípio. Aflorou plenamente no meu trabalho de 1943, que apresento de novo neste volume. Quando Heidegger tomou conhecimento desse meu pequeno trabalho, mostrou-se logo favorável, embora o tenha imediatamente questionado: "E o que houve com o estar-lançado (Ge-worfenheit)?" O sentido da réplica de Heidegger foi certamente o fato de que no conceito reunitivo "estar-lançado" se estabelece uma instância contraposta ao ideal de uma posse de si e de uma autoconsciência plenas. Tinha em mente, no entanto, o fenômeno específico do outro e buscava consequentemente no diálogo a fundamentação de nossa orientação no mundo pelo elemento da linguagem. Com isso abriu-se para mim um âmbito de questões que já eram do meu interesse desde os primórdios, desde Kierkegaard, Gogarten, Theodor Haecker, Friedrich Ebner, Franz Rosenzweig, Martin Buber e Viktor von Weizsäcker. VERDADE E MÉTODO II Introdução 1.

Assim, os aspectos retórico e hermenêutico da estrutura da linguagem humana encontram-se perfeitamente compenetrados. Não haveria oradores nem retórica se o entendimento e o consenso não sustentassem as relações humanas; não haveria nenhuma tarefa hermenêutica se não fosse rompido o consenso daqueles que "são um diálogo" e não se precisasse buscar o entendimento. A combinação com a retórica, portanto, possibilita dissolver a aparência de que a hermenêutica estaria restrita à tradição estético-humanista, como se a filosofia hermenêutica estivesse às voltas com um mundo do "sentido" contraposto ao mundo do "real", que está se ampliando na "tradição cultural". VERDADE E MÉTODO II OUTROS 18.

No âmbito dessa tensão, produzem-se as mais peculiares mudanças de acento. Segundo a filosofia hermenêutica, a teoria de Heidegger sobre a superação da metafísica que desemboca do esquecimento total do ser durante a era tecnológica, passa ao largo da permanente resistência e tenacidade das unidades da vida, que continuam existindo nos pequenos e grandes grupos de coexistência inter-humana. Segundo o desconstrutivismo, ao contrário, quando Heidegger pergunta pelo sentido do ser falta-lhe radicalidade extrema. Com isso, ele se atém a um sentido interrogativo que, de certo modo, não pode obter nenhuma resposta razoável. À pergunta pelo sentido do ser, Derrida opõe a diferença primária. Ele considera Nietzsche como uma figura muito mais radical frente à pretensão metafisicamente mediana do pensamento heideggeriano. Heidegger estaria ainda situado na linha do logocentrismo, ao que ele contrapõe o lema do sentido que está em constante desconexão e deslocamento que desfaz toda reunião em unidade, e que ele chama de écriture. Fica claro que Nietzsche representa aqui o ponto crítico. VERDADE E MÉTODO II OUTROS 25.

Ora, a objeção mais grave que se fez contra o meu esboço de uma filosofia hermenêutica foi a de que eu extraio o significado fundamental do entendimento presumivelmente a partir da vinculação que a linguagem tem com toda compreensão e todo acordo, legitimando assim um preconceito social em favor das relações vigentes. Pois bem, creio que está realmente correto e continua sendo uma ideia real o fato de que só se pode alcançar o acordo sobre a base de um entendimento originário e que a tarefa da compreensão e da interpretação não pode ser descrita como se a hermenêutica tivesse de superar a rasa incompreensibilidade de um texto herdado da tradição, ou que sua tarefa primeira fosse superar o engano produzido pelo mal-entendido. Isso não me parece correto nem no sentido da hermenêutica ocasional dos tempos primitivos, que não refletia sobre suas outras pressuposições, nem tampouco no sentido de Schleiermacher e da ruptura romântica com a tradição, para a qual o primeiro elemento de todo compreender é o mal-entendido. Todo acordo na linguagem não apenas pressupõe um entendimento sobre os significados da palavra e sobre as regras da língua falada. Em tudo que se pode discutir com sentido há, ao contrário, muitos elementos que permanecem incontestados, também com referência a "coisas". A minha insistência nesse ponto pareceria testemunhar uma tendência conservadora, desautorizando assim a tarefa crítico-emancipatória da reflexão hermenêutica. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 29.

Não é supérfluo, infelizmente, formular essa pergunta. Isso porque muitos viram e continuam vendo nessa filosofia hermenêutica uma negação da racionalidade metodológica. Sobretudo desde que a hermenêutica tornou-se uma palavra de moda e passou a chamar-se de "hermenêutica" a qualquer interpretação, muitos outros abusam do termo e da questão em causa ali, invertendo o sentido em que utilizei o termo. Vêem na hermenêutica uma nova metodologia, na qual buscam legitimar sua própria falta de clareza [495] metodológica ou algum disfarce ideológico. Muitos outros, pertencentes ao grupo da crítica da ideologia, reconhecem sua verdade, mas apenas em parte. É belo e bonito — pensam — que se valorize a tradição em sua significação antecipadora, mas falta o decisivo: a reflexão crítica e emancipatória que liberta da tradição. VERDADE E MÉTODO II ANEXOS 30.

Submitted on:  Wed, 27-May-2009, 11:50