mundo é minha representação

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: mccastro

mundo é minha representação

Die Welt ist meine Vorstellung

§ 1. “O mundo é minha representação”: – esta é uma verdade que vale em relação a cada ser que vive e conhece, embora apenas o ser humano possa trazê-la à consciência refletida e abstrata: e se de fato o faz, então nele surge a clarividência filosófica. Torna-se-lhe claro e certo que não conhece Sol algum nem Terra alguma, mas sempre apenas um olho que vê um Sol, uma mão que toca uma Terra; que o mundo que o cerca existe apenas como representação, isto é, tão somente em relação a outrem, aquele que representa, que é ele mesmo. – Se alguma verdade pode ser expressa a priori, é essa; pois é a enunciação da forma de toda experiência possível e imaginável, mais universal que qualquer outra forma, mais universal que tempo, espaço e causalidade, pois todas estas já a pressupõem; e se cada uma destas formas, conhecidas por todos nós como figuras particulares do princípio de razão, somente valem para uma classe específica de representações, já a divisão em sujeito e objeto, ao contrário, é a forma comum de todas as classes, unicamente sob a qual é em geral possível pensar qualquer tipo de representação, abstrata ou intuitiva, pura ou empírica. Verdade alguma é, portanto, mais certa, mais independente de todas as outras e menos necessitada de uma prova do que esta: o que existe para o conhecimento, portanto o mundo inteiro, é apenas objeto em relação ao sujeito, intuição de quem intui, numa palavra, representação. Naturalmente isso vale tanto para o presente quanto para o passado e o futuro, tanto para o próximo quanto para o distante, pois é aplicável até mesmo ao tempo, bem como ao espaço, unicamente nos quais tudo se diferencia. Tudo o que pertence e pode pertencer ao mundo está inevitavelmente investido desse estar-condicionado pelo sujeito, existindo apenas para este. O mundo é representação.

Nova essa verdade não é. Ela já se encontrava nas considerações céticas das quais partiu Descartes. Berkeley, no entanto, foi o primeiro que a expressou decididamente e prestou assim um serviço imortal à filosofia, embora o restante de sua doutrina não possa sustentar-se. O primeiro erro de Kant foi o menosprezo desse princípio, como é apontado no apêndice desta obra. – O quão cedo essa verdade fundamental foi conhecida pelos sábios da Índia, na medida em que aparece como o princípio básico da filosofia védica atribuída a Vyasa, testemunha-o W. Jones no último de seus ensaios, On the philosophy of the Asiatics; Asiatic researches: the fundamental tenet of the Vedanta school consisted not in denying the existence of matter; that is of solidity, impenetrability, and extended figure (to deny which would be lunacy), but in correcting the popular notion of it, and in contending that it has no essence independent of mental perception; that existence and perceptibility are convertible terms. Tais palavras exprimem suficientemente a compatibilidade entre realidade empírica e idealidade transcendental.

Portanto, apenas do lado indicado, apenas na medida em que é representação, consideramos o mundo neste primeiro livro. Todavia, que semelhante consideração, sem prejuízo de sua verdade, seja unilateral, consequentemente produzida por uma abstração arbitrária, anuncia-se a cada um pela resistência interior com a qual aceita o mundo como sua mera representação. Aceitação a que, por outro lado, nunca pode furtar-se. A unilateralidade dessa consideração, entretanto, o próximo livro complementará mediante uma verdade – não tão imediatamente certa quanto à verdade da qual partimos – à qual só a investigação mais aprofundada, a abstração mais difícil, a separação do diferente e a unificação do idêntico podem conduzir: tal verdade, que tem de ser deveras séria e grave para cada um, quando não terrível, e que cada um justamente pode e tem de dizer, soa: “O mundo é minha vontade”.

Até lá, contudo, portanto neste primeiro livro, é necessário considerar firmemente o lado do mundo do qual partimos, o lado da cognoscibilidade, e, por conseguinte, considerar sem resistência todos os objetos existentes, até mesmo o próprio corpo, apenas como representações, e não designá-las de outro modo senão simples representações. Aquilo do que se faz aqui abstração, como espero que mais tarde se tornará certo a cada um, é sempre a VONTADE, única que constitui o outro lado do mundo. Pois assim como este é, de um lado, inteiramente REPRESENTAÇÃO, é, de outro, inteiramente VONTADE. Uma realidade que não fosse nenhuma dessas duas, mas um objeto em si, é uma não coisa fantasmagórica, cuja aceitação é um fogo fátuo da filosofia. [Schopenhauer, MVR1:43-45]

Submitted on:  Tue, 28-Sep-2021, 09:45