existencial

Category: Heidegger - Ser e Tempo etc.
Submitter: mccastro

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O ser-em, ao contrário, significa uma constituição de ser da presença [Dasein] e é um EXISTENCIAL. Com ele, portanto, não se pode pensar no ser simplesmente dado de uma coisa corpórea (o corpo vivo do humano) “dentro” de um ente simplesmente dado. O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, “dentro de outra” porque, em sua origem, o “em” não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie ; “em” deriva-se de innan-, morar, habitar, deter-se; “an” significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado com, cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito e diligo. O ente, ao qual pertence o ser-em, neste sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão “sou” conecta-se a “junto”; “eu sou” diz, por sua vez: eu moro, detenho-me junto... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou daquele modo, me é familiar. Como infinitivo de “eu sou”, isto é, como EXISTENCIAL, ser [NH: ser é também infinitivo de “é”: o ente é] significa morar junto a, ser familiar com. O ser-em é, pois, a expressão formal e EXISTENCIAL do ser da presença [Dasein] [NH: mas não do ser em geral e nem mesmo do próprio ser – pura e simplesmente] que possui a constituição essencial de ser-no-mundo. STMSCC: §12

O “ser-junto” ao mundo, no sentido de empenhar-se no mundo, o que ainda deve ser interpretado mais precisamente, é um EXISTENCIAL fundado no ser-em. Nestas análises, trata-se de ver uma estrutura originária do ser da presença [Dasein], cujo conteúdo fenomenal deve ser articulado pelos conceitos de ser. Como, no entanto, esta estrutura não pode ser apreendida em princípio pelas categorias ontológicas tradicionais, este “ser-junto-a” deve ser explicado mais de perto. Escolhemos, mais uma vez, a via em que se lhe contrapõe uma relação de ser ontologicamente diversa, ou seja, a relação categorial, que exprimimos com as mesmas formas verbais. Estas apresentações fenomenais de distinções ontológicas fundamentais que, no entanto, se podem facilmente confundir, devem ser realizadas explicitamente, mesmo correndo-se o perigo de se discutir “evidências”. [100] O estado da análise ontológica mostra, porém, que de há muito não temos, suficientemente sob nossas “garras” estas evidências e só raramente as interpretamos de acordo com o sentido de seu ser e que, sobretudo, ainda não dispomos de conceitos adequados para uma cunhagem segura de sua estrutura. STMSCC: §12

Como EXISTENCIAL, o “ser-junto” ao mundo nunca indica um simplesmente dar-se em conjunto de coisas que ocorrem. Não há nenhuma espécie de “justaposição” de um ente chamado “presença [Dasein]” a um outro ente chamado “mundo”. Por vezes, sem dúvida, costumamos exprimir com os recursos da língua o conjunto de dois entes simplesmente dados, dizendo: “a mesa está junto à porta”, “a cadeira ‘toca’ a parede”. Rigorosamente, nunca se poderá falar aqui de um “tocar”, não porque sempre se pode constatar, num exame preciso, um espaço entre a cadeira e a parede, mas porque, em princípio, a cadeira não pode tocar a parede mesmo que o espaço entre ambas fosse igual a zero. Para tanto, seria necessário pressupor que a parede viesse ao encontro “da” cadeira. Um ente só poderá tocar um outro ente simplesmente dado dentro do mundo se, por natureza, tiver o modo do ser-em, se, com sua presença [Dasein], já se lhe houver sido descoberto um mundo. Pois a partir do mundo o ente poderá, então, revelar-se no toque e, assim, tornar-se acessível em seu ser simplesmente dado. Dois entes que se dão simplesmente dentro do mundo e que, além disso, são em si mesmos destituídos de mundo, nunca podem “tocar”-se, nunca um deles pode “ser e estar junto ao” outro. Não pode faltar o acréscimo: “e, além disso, são em si mesmos destituídos de mundo”, porque também o ente que não é destituído de mundo, por exemplo, a própria presença [Dasein], se dá simplesmente “no” mundo ou, mais precisamente, também pode ser apreendido, com certa razão e dentro de certos limites, como algo simplesmente dado. Para isso, no entanto, é preciso que se desconsidere inteiramente, isto é, que não se veja a constituição EXISTENCIAL do ser-em. Mas não se deve confundir essa possibilidade de apreender a “presença [Dasein]” como um dado e somente como simples dado com um modo de “ser simplesmente dado”, próprio da presença [Dasein]. Pois este ser simplesmente dado não é acessível quando se desconsideram as estruturas específicas da presença [Dasein]. Ele só se torna acessível em sua compreensão prévia. A presença [Dasein] compreende o [101] seu ser mais próprio no sentido de um certo “ser simplesmente dado fatual”. Na verdade, a “fatualidade” do fato da própria presença [Dasein] é, em seu ser, fundamentalmente diferente da ocorrência fatual de uma espécie qualquer de pedras. Chamamos de facticidade o caráter de fatualidade do fato da presença [Dasein] em que, como tal, cada presença [Dasein] sempre é. À luz da elaboração das constituições existenciais básicas da presença [Dasein], a estrutura complexa desta determinação ontológica só poderá ser apreendida em si mesma como problema. O conceito de facticidade abriga em si o ser-no-mundo de um ente “intramundano”, de maneira que este ente possa ser compreendido como algo que, em seu “destino”, está ligado ao dos entes que lhe vêm ao encontro dentro de seu próprio mundo. STMSCC: §12

De início, trata-se apenas de ver a diferença ontológica entre o ser-em, como EXISTENCIAL, e a “interioridade” recíproca dos entes simplesmente dados, como categoria. Ao delimitarmos dessa maneira o ser-em, a presença [Dasein] não se vê despojada de toda e qualquer espécie de “espacialidade”. Ao contrário, a presença [Dasein] tem seu próprio “ser no espaço”, o qual, no entanto, só é possível com base e fundamento no ser-no-mundo em geral. Não se pode, por conseguinte, esclarecer ontologicamente o ser-em mediante uma caracterização ôntica, dizendo: o ser-em um mundo é uma propriedade espiritual e a “espacialidade” do homem é uma qualidade de sua corporeidade (Leiblichkeit), fundada sempre num ser corpóreo (Kõrperlichkeit). Pois, com isso, se estaria novamente diante do ser simplesmente dado de uma coisa espiritual assim qualificada junto a uma coisa [44] corpórea, permanecendo obscuro o ser como tal do ente assim composto. A compreensão de ser-no-mundo como estrutura essencial da presença [Dasein] é que possibilita a visão penetrante da espacialidade EXISTENCIAL da presença [Dasein]. É ela que impede a eliminação antecipada desta estrutura. Essa eliminação prévia não é motivada ontologicamente, mas “metafisicamente”, pela opinião ingênua de que primeiro o homem é uma coisa espiritual e que, só então, coloca-se “em” um espaço. STMSCC: §12

”Mundanidade” é um conceito ontológico e significa a estrutura de um momento constitutivo de ser-no-mundo. Este, nós o conhecemos como uma determinação EXISTENCIAL da presença [Dasein]. Assim, a mundanidade já é em si mesma um EXISTENCIAL. Quando investigamos ontologicamente o “mundo”, não abandonamos, de forma nenhuma, o campo temático da analítica da presença [Dasein]. Do ponto de [111] vista ontológico, “mundo” não é determinação de um ente que a presença [Dasein] em sua essência não é. “Mundo” é um caráter da própria presença [Dasein]. Isto não exclui que o caminho de investigação do fenômeno “mundo” deva seguir os entes intramundanos e seu ser. A tarefa de “descrição” fenomenológica do mundo é tão pouco clara que já a sua determinação suficiente exige esclarecimentos ontológicos essenciais. STMSCC: §14

Enquanto modo de ser da presença [Dasein] no tocante a seu ser-no-mundo, o distanciamento não é por nós entendido como distância (proximidade) ou mesmo como intervalo. Usamos a expressão distanciamento com significado ativo e transitivo. Indica uma constituição de ser da presença [Dasein] em virtude da qual o distanciar de alguma coisa, no sentido de afastar, é apenas um modo determinado e fático. Distanciar diz fazer desaparecer o distante [NH: de onde provém a distância que se distancia?], isto é, a distância de alguma coisa diz proximidade. Em sua essência, a presença [Dasein] é em dis-tanciando. Como o ente que é, sempre faz com que os entes venham à proximidade [NH: proximidade e vigência, não é a grandeza do intervalo que é essencial]. O dis-tanciamento descobre a distância. Assim como o intervalo, a distância é uma determinação categorial dos entes destituídos do modo de ser da presença [Dasein]. Distanciamento, ao contrário, deve ser mantido como EXISTENCIAL. Somente ao se descobrir para a presença [Dasein] a distância dos entes é que no próprio ente intramundano tornam-se acessíveis “distanciamentos” e intervalos com referência a outros entes. Da mesma forma que duas coisas quaisquer, dois pontos não estão distantes um do outro porque nenhum deles é capaz de distanciar em seu [158] modo próprio de ser. Apenas possuem um intervalo que pode ser constatado e medido num distanciar [NH: dis-tanciar é mais penetrante do que aproximação]. STMSCC: §23

O deixar e fazer vir ao encontro, constitutivo do ser-no-mundo dos entes intramundanos, é um “dar-espaço”. Esse “dar-espaço”, [165] que também denominamos de arrumar , consiste na liberação do que está à mão para a sua espacialidade. É este arrumar como doação preliminar que descobre um conjunto possível de lugares determinados pela conjuntura e que possibilita a orientação fática de cada passo. Enquanto ocupação com o mundo numa circunvisão, a presença [Dasein] pode tanto “arrumar” como desarrumar e mudar a arrumação, e isso porque o arrumar, entendido como EXISTENCIAL, pertence a seu ser-no-mundo. Contudo, nem a região previamente descoberta a cada vez e nem mesmo a espacialidade de cada passo são explicitamente visíveis. Em si mesma, ela está presente à circunvisão na não surpresa do manual a cuja ocupação se entrega a circunvisão. Com o ser-no-mundo, o espaço se descobre, de início, nessa espacialidade. Com base na espacialidade assim descoberta, o espaço em si torna-se acessível ao conhecimento. STMSCC: §24

”Ocupar-se” da alimentação e vestuário, tratar do corpo doente é também preocupação. Numa simetria com a ocupação, entendemos essa expressão como termo de um EXISTENCIAL. A “preocupação”, no sentido de instituição social fática, por exemplo, funda-se na constituição de ser da presença [Dasein] enquanto ser-com. Sua urgência provém de, numa primeira aproximação e na maior parte das vezes, a presença [Dasein] manter-se nos modos deficientes de preocupação. O ser por um outro, contra um outro, sem os outros, o passar ao lado um do outro, o não sentir-se tocado pelos outros são modos possíveis de preocupação. E precisamente estes modos, que mencionamos por último, de deficiência e indiferença, caracterizam a convivência cotidiana e mediana de um com outro. Também esses modos de ser apresentam o caráter de não surpresa e evidência que convém tanto a co-presença intramundana cotidiana dos outros como a manualidade do instrumento de que se ocupa no dia-a-dia. Esses modos indiferentes da convivência recíproca facilmente desviam a interpretação ontológica para um entendimento imediato desse ser como ser simplesmente dado de muitos sujeitos. Embora pareçam apenas nuanças insignificantes do mesmo modo de ser, subsiste ontologicamente uma diferença essencial entre a ocorrência “indiferente” de coisas quaisquer e o não sentir-se tocado dos entes que convivem uns com os outros. STMSCC: §26

O impessoal é um EXISTENCIAL e, enquanto fenômeno originário, pertence à constituição positiva da presença [Dasein]. A presença [Dasein] possui em si mesma diversas possibilidades de concretizar-se. As imposições e expressões de seu domínio podem variar historicamente. STMSCC: §27

Se já o ser da convivência cotidiana, que, do ponto de vista ontológico, parece vizinho ao ser simplesmente dado, é diferente em princípio, então não se pode de forma alguma compreender o que é propriamente si-mesmo como algo simplesmente dado. O ser do que é propriamente si-mesmo não repousa num estado excepcional do sujeito que se separou do impessoal. Ele é uma modificação existenciária do impessoal como EXISTENCIAL constitutivo. STMSCC: §27

O que indicamos ontologicamente com o termo disposição é, onticamente, o mais conhecido e o mais cotidiano, a saber, o humor , o estar afinado num humor. Antes de qualquer psicologia dos humores, ainda bastante primitiva, trata-se de ver este fenômeno como um EXISTENCIAL fundamental e delimitar sua estrutura. STMSCC: §29

A disposição é uma das estruturas existenciais em que o ser do “pre [das Da]” da presença [Dasein] se sustenta. De maneira igualmente originária, também o compreender constitui esse ser. Toda disposição sempre possui a sua compreensão, mesmo quando a reprime. O compreender está sempre afinado pelo humor. Interpretando o compreender como um EXISTENCIAL [NH: de modo ontológico-fundamental, isto é, a partir da remissão da verdade de ser] fundamental, mostra-se que esse fenômeno é concebido como modo fundamental de ser da presença [Dasein]. No sentido, porém, de um modo possível de conhecimento entre outros, [202] que se distingue, por exemplo, do “esclarecer”, o “compreender” deve ser interpretado juntamente com aquele, como um derivado EXISTENCIAL do compreender primordial, que também constitui o ser do pre [das Da] da presença [Dasein]. STMSCC: §31

Numa fala ôntica, usamos muitas vezes a expressão “compreender alguma coisa” no sentido de “estar a cavaleiro de...”, “estar por cima de...”, “poder alguma coisa”. O que se pode no compreender, assumido como EXISTENCIAL, não é uma coisa, mas o ser como existir. Pois no compreender subsiste, existencialmente, o modo de ser da presença [Dasein] enquanto poder-ser. A presença [Dasein] não é algo simplesmente dado que ainda possui de quebra a possibilidade de poder alguma coisa. Primariamente, ela é possibilidade de ser. Toda presença [Dasein] é o que ela pode ser e o modo em que é a sua possibilidade. A possibilidade essencial da presença [Dasein] diz respeito aos modos caracterizados de ocupação com o “mundo”, de preocupação com os outros e, nisso tudo, a possibilidade de ser para si mesma, em virtude de si mesma. A possibilidade de ser, que a presença [Dasein] existencialmente sempre é, distingue-se tanto da possibilidade lógica e vazia como da contingência de algo simplesmente dado em que isso ou aquilo pode “se passar”. Como categoria modal do ser simplesmente dado, [203] a possibilidade designa o que ainda não é real e que nunca será necessário. Caracteriza o somente possível. Do ponto de vista ontológico, é inferior a realidade e a necessidade. Como EXISTENCIAL, a possibilidade é, ao contrario, a determinação ontológica mais originária e mais positiva da presença [Dasein]; assim como a existencialidade, numa primeira aproximação, ela só pode ser trabalhada como problema. O solo fenomenal que permite a sua visão oferece o compreender como o poder-ser capaz de propiciar aberturas. STMSCC: §31

O conceito de sentido abrange o aparelhamento formal daquilo que pertence necessariamente ao que é articulado pela interpretação que compreende. Sentido é a perspectiva na qual se estrutura [212] o projeto pela posição prévia, visão prévia e concepção prévia. É a partir dela que algo se torna compreensível como algo. Como compreender e interpretação constituem existencialmente o ser do pre [das Da], o sentido deve ser concebido como o aparelhamento existencial-formal da abertura pertencente ao compreender. Sentido é um EXISTENCIAL da presença [Dasein] e não uma propriedade colada sobre o ente, que se acha por “detrás” dele ou que paira não se sabe onde, numa espécie de “reino intermediário”. A presença [Dasein] só “tem” sentido na medida em que a abertura do ser-no-mundo pode ser “preenchida” por um ente que nela se pode descobrir. Somente a presença [Dasein] pode ser com sentido ou sem sentido. Isso significa: o seu próprio ser e o ente que se lhe abre podem ser apropriados na compreensão ou recusados na incompreensão. STMSCC: §32

Do ponto de vista EXISTENCIAL, a fala é igualmente originária à disposição e ao compreender. A compreensibilidade já está sempre articulada, antes mesmo de qualquer interpretação apropriadora. A fala é a articulação da compreensibilidade. Por isso, a fala se acha à base de toda interpretação e enunciado. Chamamos de sentido o que pode ser articulado na interpretação e, por conseguinte, mais originariamente ainda já na fala. Chamamos de totalidade significativa aquilo que, como tal, se estrutura na articulação da fala. Esta pode desmembrar-se em significações. Enquanto aquilo que se articula nas possibilidades de articulação, todas as significações sempre têm sentido. Uma vez que, enquanto articulação da compreensibilidade do pre [das Da], a fala é um EXISTENCIAL originário da [223] abertura, constituído primordialmente pelo ser-no-mundo, ela também deve possuir, em sua essência, um modo de ser especificamente mundano. A compreensibilidade do ser-no-mundo, trabalhada por uma disposição, pronuncia-se como fala. A totalidade significativa da compreensibilidade vem à palavra. Dos significados brotam palavras. As palavras, porém, não são coisas dotadas de significados. STMSCC: §34

Como já se indicou na análise anterior, o fenômeno da comunicação deve ser compreendido num sentido ontologicamente amplo. A “comunicação” de enunciados, por exemplo, a reportagem, é um caso especial de comunicação, apreendida fundamentalmente como EXISTENCIAL. Nela se constitui a articulação da convivência que compreende. É ela que cumpre a “partilha” da disposição comum e da compreensão do ser-com. Comunicação nunca é a transposição de vivências, por exemplo, de opiniões e desejos, do interior de um sujeito para o interior de outro sujeito. A co-presença já se revelou essencialmente na disposição e compreender comuns. O ser-com é partilhado “expressamente” na fala. Isso significa: o ser-com já é, só que ainda não partilhado porque não apreendido e apropriado. STMSCC: §34

Porque a fala é constitutiva do ser do pre [das Da], isto é, da disposição e do compreender, a presença [Dasein] significa então: como ser-no-mundo, a presença [Dasein] se pronunciou como ser-em uma fala. A presença [Dasein] possui linguagem. Terá sido mero acaso que os gregos depositaram a sua existência cotidiana predominantemente no espaço aberto pela fala convivial, guardando ao mesmo tempo olhos para ver, tanto na interpretação filosófica como na pré-filosófica da presença [Dasein], a essência do homem determinada como zoon logon echon [NH: o homem como o que “colhe”, recolhendo-se no ser-vigente na abertura dos entes (mas estes em segundo plano)]? A interpretação posterior dessa caracterização do homem, no sentido de animal rationale, “animal racional”, não é, com efeito, “falsa”, mas encobre o solo fenomenal que deu origem a essa definição da presença [Dasein]. O homem mostra-se como um ente que é na fala. Isso não significa que a possibilidade de articulação verbal seja apenas própria do homem, e sim que o homem se realiza no modo de descoberta de mundo e da própria presença [Dasein]. Os gregos não dispunham de uma palavra própria para linguagem porque entendiam esse fenômeno “sobretudo” como fala. Por outro lado, porque na reflexão filosófica o logos foi visualizado, sobretudo como enunciado, a elaboração das estruturas básicas das formas e dos integrantes da fala se deu de acordo com este logos. A gramática buscou seus fundamentos na “lógica” deste logos. Esta, por sua vez, se funda na ontologia do simplesmente dado. O acervo das “categorias semânticas”, herdado [228] pela linguística posterior e ainda hoje decisivo em seus princípios, orienta-se pela fala entendida como enunciado. Tomando, porém, esse fenômeno em toda a originariedade fundamental e em todo o alcance de um EXISTENCIAL, será necessário transpor a linguística para fundamentos mais originários do ponto de vista ontológico. A tarefa de libertar a gramática da lógica necessita de uma compreensão preliminar e positiva da estrutura a priori da fala como EXISTENCIAL. Essa tarefa não pode ser cumprida subsidiariamente através de correções e complementações do que foi legado pela tradição. Nesse propósito, devem-se questionar as formas fundamentais em que se funda a possibilidade semântica de articulação do que é susceptível de compreensão e não apenas dos entes intramundanos conhecidos teoricamente e expressos em proposições. A semântica não se constitui por si mesma de uma comparação ampla do maior número possível de línguas e das línguas mais distantes entre si. Também não basta assumir o horizonte filosófico em que W.v. Humboldt problematizou a linguagem. A semântica tem suas raízes na ontologia da presença [Dasein]. O seu florescimento ou fenecimento está atrelado ao destino da presença [Dasein]. STMSCC: §34

Compreendida no sentido mais originário, a verdade pertence à constituição fundamental da presença [Dasein]. Essa expressão significa um EXISTENCIAL. Com isso, prelineia-se a resposta à questão do modo de ser da verdade e do sentido da necessidade de se pressupor que “verdade se dá”. STMSCC: §44

A decisão é um modo privilegiado de abertura da presença [Dasein]. A abertura já foi interpretada, existencialmente, como verdade originária. Primariamente, esta não é, em absoluto, uma qualidade do “juízo” e nem tampouco de um determinado comportamento, mas um constitutivo essencial do ser-no-mundo. Verdade deve ser concebida como um EXISTENCIAL fundamental. O esclarecimento ontológico da sentença: “a presença [Dasein] é e está na verdade” mostrou a abertura originária desse ente na verdade da existência e, no tocante à sua delimitação, remeteu à análise da propriedade da presença [Dasein]. STMSCC: §60

Com o termo compreender, designamos um EXISTENCIAL fundamental; não se trata nem de um tipo de conhecer determinado, distinto, por exemplo, de explicar e conceituar, e nem, sobretudo, de um conhecer em geral, no sentido de apreender tematicamente. Ao contrário, compreender constitui o ser do pre [das Da] na medida em que uma presença [Dasein], com base na compreensão, pode, em existindo, formar as múltiplas possibilidades de visão, circunvisão e mera visualização. Enquanto descoberta compreensiva do incompreensível, todo explicar tem suas raízes no compreender primordial da presença [Dasein]. STMSCC: §68



Submitted on:  Fri, 13-Aug-2021, 08:01