
solidão
“O que aconteceria se um dia um demônio [Dämon] te seguisse furtivamente... em tua solidão mais solitária” [einsamste Einsamkeit]; o pensamento [Gedanken] não surge nem a partir de um homem [Mensch] qualquer, nem se dirige a um homem qualquer em seu estado e em seus negócios mais arbitrários, cotidianos, ou seja, esquecidos de si. Ao contrário, ele advém – em sua “solidão mais solitária”. Onde e quando se dá tal solidão? Será que ela se dá quando o homem não faz outra coisa senão se retrair, quando não se coloca senão de lado e só se ocupa com o seu “eu”? Não, a solidão mais solitária se dá muito mais quando ele é totalmente ele mesmo; quando se encontra nas relações essenciais de sua existência histórica em meio ao ente na totalidade [Seienden im Ganzen].
Essa “solidão mais solitária” subsiste antes de e para além de toda diferenciação entre eu e tu [Unterscheidung des Ich vom Du], de toda diferenciação entre eu e tu de um lado e “nós” de outro, assim como de toda diferenciação entre indivíduo [Einzelnen] e sociedade [Gemeinschaft]. Nessa solidão mais solitária não há nada similar a uma singularização [Vereinzelung] que possa ser tomado como um isolamento [Absonderung]. Ela aponta sim muito mais para aquela singularização que precisamos conceber como a apropriação autêntica [Vereigentlichung], na qual o homem se torna próprio em seu si mesmo. O si mesmo [Selbst] e a propriedade [Eigentlichkeit] não são o “eu”, eles são aquele ser-aí [Da-sein] no qual se funda a relação do eu com o tu, do eu com o nós e do nós com o vós [Bezug des Ich zum Du und des Ich zum Wir und des Wir zum Ihr]. É só a partir dele que essas relações podem e precisam ser pela primeira vez controladas, se é que elas devem constituir uma força [Kraft]. No ser-si-mesmo [Selbst-sein] é colocado em decisão [Entscheidung] que peso [Gewicht] as coisas e o homem têm, com que balança [Waage] esse peso é medido e quem é aquele que faz a pesagem [Wäger]. O que aconteceria se um demônio te seguisse em tua solidão mais solitária e te colocasse diante do eterno retorno do mesmo [ewige Wiederkunft des Gleichen]: “A eterna ampulheta da existência sempre será novamente invertida e tu com ela, poeirinha da poeira [Stäubchen vom Staubeh]!” [GA6T1:243-244; tr. Casanova:GA6MAC:191-192]