Wille zur Macht

Category: Heidegger - Termos originais
Submitter: mccastro

Wille zur Macht

Existe já um certo hábito sedimentado nos trabalhos sobre Nietzsche no Brasil de traduzir a expressão nietzschiana Wille zur Macht por “vontade de potência”, seguindo o modo como os franceses normalmente traduzem essa expressão. No entanto, essa tradução não me parece adequada por algumas razões. Em primeiro lugar, o termo utilizado por Nietzsche simplesmente não é o termo potência. Em alemão há pelo menos duas palavras que podem ser usadas para designar potência: Potenz e Leistung. Todavia, a palavra utilizada por Nietzsche é Macht, que significa literalmente poder. Busca-se normalmente justificar essa alternativa de tradução pela necessidade de escapar dos sentidos indesejáveis da noção de poder, sentidos que nada têm a ver com o conceito nietzschiano propriamente dito. No entanto, se esse fosse efetivamente o intuito de Nietzsche, o próprio filósofo deveria ter tentado evitar esse efeito também no original, porque o mesmo problema se apresenta em alemão. Em segundo lugar, a argumentação propriamente filosófica também não me parece muito convincente. Muitas vezes, apela-se para a proximidade entre o conceito de poder em Nietzsche e a noção de potência (dynamis) em Aristóteles. Vontade de poder teria, assim, algo em comum com possibilidade, e não com a instauração fática de relações de poder. Se nos aproximarmos mais cuidadosamente dos textos de Nietzsche, contudo, veremos que o que está em questão para ele não é nunca uma estrutura de possibilidade, mas justamente o poder que certas perspectivas exercem sobre outras perspectivas no interior das configurações vitais em geral. E é nesse ponto que encontramos então um derradeiro argumento. Nietzsche substitui, em muitos aforismos publicados e fragmentos póstumos, poder (Macht) por domínio ou dominação (Herrschaft ou Beherrschung), o que significa o seguinte: quem opta por traduzir Macht por potência se vê diante de um problema em meio àquelas passagens que inequivocamente envolvem dimensões de domínio, ou seja, se vê forçado a uma incoerência com sua própria opção. Por tudo isso, traduzo aqui contra uma certa corrente Wille zur Macht por “vontade de poder”. [GA6:Nota Casanova, p.1]


N.T.: A afirmação heideggeriana de que Nietzsche continua se movimentando no interior da questão diretriz da filosofia ocidental não implica de maneira alguma afirmar a vontade de poder como uma espécie de princípio transcendente à realidade ao qual poderiamos reduzir todas as configurações possíveis de realidade. De acordo com o que veremos mais à frente, Heidegger descreve a vontade de poder como princípio de estruturação do plano ôntico, e não desconsidera o caráter plural dos embates entre vontades de poder. [GA6:Nota Casanova, p. 3]

Submitted on:  Tue, 27-Jul-2021, 20:06