reação positivista

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: mccastro

reação positivista

Estes homens, Fichte, Schelling e Hegel, preencheram a filosofia da primeira metade do século XIX. Mas estes homens que preencheram a filosofia na primeira metade do século XIX exageram e não pouco. Afastaram-se demais das vias que seguia o conhecimento científico. Apartaram-se demais delas; não as tiveram em conta nem como ponto de partida nem como ponto de chegada. Empenharam-se em que sua dedução transcendental, essa construção sistemática que partia do absoluto, compreendesse também no seu seio a ciência do seu tempo. Assim foi-se cavando pouco a pouco um abismo entre a filosofia e a ciência. A filosofia, afastando-se da ciência, e a ciência, desviando-se, afastando-se também da filosofia. Que resultou de tudo isto? Que a meados do século XIX esse rompimento, esse abismo entre a ciência e a filosofia era tão grande que trouxe consigo um espírito de hostilidade, de receio e de amargo afastamento com respeito à filosofia. Sobreveio o espírito que chamaríamos positivista. O positivismo está estruturado por um certo número de preferências e de desvios intelectuais que vou enumerar.

Em primeiro lugar, a hostilidade radical a toda construção. Chama-se construção ao empenho desses filósofos românticos alemães de deduzir do absoluto, construtivamente, todo o pormenor do universo.

Em tom de brincadeira (sempre falava em tom jocoso, porém muitas vezes com grande profundidade) dizia Heine que Hegel era capaz de deduzir a racionalidade do lápis com que escrevia, partindo do absoluto, sem solução de continuidade. Pois o espírito positivista de hostilidade à construção consiste nessa hostilidade a toda dedução que não esteja baseada em dados imediatos dá experiência. Esses filósofos não tiveram a precaução de Kant; Kant partira da física de Newton e da consciência moral como um fato. Sua filosofia estava vinculada às articulações da ciência. Mas estes filósofos partem dos resultados da filosofia de Kant; e então se distanciaram extraordinariamente dos dados mesmos da observação e das experimentações científicas.

O segundo ponto do positivismo é a hostilidade ao sistema. O positivismo diz: a realidade será ou não será sistemática. Isso não sabemos a priori. Em troca, esses filósofos constroem sua realidade sistematicamente, como se a priori soubessem que a realidade é sistemática. Se a realidade for sistemática, haveremos de sabê-lo quando a conheçamos; o primeiro é conhecê-la tal como é.

Terceiro ponto essencial do positivismo: dos dois pontos anteriores se deriva a redução da filosofia a puros resultados da ciência. A filosofia não pode ser outra coisa que a generalização dos mais importantes e vultosos resultados da física, da química, da história natural. Não se pode fazer outra coisa. O pensamento humano não pode sair do círculo em que está fechado o conhecimento. Por conseguinte, o mais que pode pretender o pensamento filosófico é tomar esses resultados gerais a que chega a ciência e esticá-los e dar-lhes as formas mais ou menos sistemáticas possíveis.

Por último, o traço essencial do positivismo é o naturalismo. Que é naturalismo? Algo muito simples. Existem umas ciências que estudam a natureza. Essas ciências são: a astronomia, a física, a química, a biologia, a história natural. Nessas ciências os métodos que elas empregam deram resultados magníficos. Durante séculos, os métodos experimentais, de observação de redução das formas a leis ou sequências, deram resultados excelentes. Então o naturalismo consiste em dizer: todas as demais ciências, a psicologia, a ciência da história, a ciência do direito e do espírito, devem seguir os mesmos métodos. Visto que naquelas foram tão bons esses métodos, que estas sigam também os mesmos. Isso é naturalismo. E isso está implícito no pensamento positivista. Mas, além disso, esse naturalismo nos leva a outra conclusão ou consequência: que os objetos da ciência do espírito, a psicologia, a história, o direito, os costumes, a moral, a economia política etc. são objetos que devem poder reduzir-se à natureza. Cremos que são de essência e de índole diferentes; cremos que entre o espírito, o pensamento e a matéria cerebral há um abismo. Não é assim, dizem eles; forçosamente, quando chegar com o progresso seu dia, descobrir-se-á como um se vincula ao outro e como o espírito pode reduzir-se aos fenômenos materiais.

O naturalismo tem, pois, dois sentidos: primeiro, a necessidade de estender os métodos das ciências naturais a toda a ciência, e segundo, reduzir à natureza os objetos que parecem irredutíveis à natureza, O caso mais impressionante do naturalismo o encontramos no livro de Spengler, A Decadência do Ocidente, em que se considera que a cultura é o mesmo que um tigre ou um rinoceronte, um ser vivente que tem seu nascer, seu desenvolvimento, sua proliferação, sua morte, suas leis biológicas, às quais está sujeito.

Este ponto de vista positivista teve que ter uma consequência forçosa: a depressão da filosofia. A filosofia ficou deprimida. Durante a segunda metade do século XIX a filosofia caminhou miserável, pedindo perdão pela sua existência, como dizendo aos cientistas: desculpem, eu não tenho culpa; farei o que puder. Pedia perdão pela sua existência, renunciando aos seus próprios problemas. De vez em quando algum atrevido que se aventurava a pôr em dúvida as grandes generalizações de Haeckel, de Ostwald ou de Spencer, recebia imediatamente um golpe de férula nos dedos: "O senhor é metafísico!" E ele dizia: "Coitado de mim! Sou um metafísico!" E então sentia-se acabrunhado e desesperado. [Morente]

Submitted on:  Thu, 29-Mar-2012, 18:31