exposição metafísica do tempo

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: mccastro

exposição metafísica do tempo

Como são possíveis juízos sintéticos a priori na aritmética? ou dito de outro modo: como é possível a aritmética pura? ou melhor; como é possível que nós, com os ouvidos tapados e os olhos fechados, ou seja, a priori, fazendo caso omisso por completo da experiência, construamos toda uma ciência que se chama aritmética, e que logo, não obstante, as coisas fora de nós, os fatos reais na natureza, casem e concordem perfeitamente com essas leis que nós tiramos da cabeça? Como é isto possível? Também aqui Kant procede da mesma maneira como procedeu no estudo da geometria (v. exposição transcendental do espaço). Faz primeiro uma exposição transcendental do tempo.

A exposição metafísica do tempo encaminha-se a mostrar: primeiro, que o tempo é a priori, ou seja, independente da experiência: segundo, que o tempo é uma intuição, ou seja, não uma coisa entre outras coisas mas uma forma pura de todas as coisas possíveis.

A primeira parte, ou seja, que o tempo é a priori, demonstra-a Kant seguindo passo a passo a mesma demonstração que empregou para o caso do espaço. Com efeito, que o tempo é a priori, ou seja independente da experiência, adverte-se com somente refletir que qualquer percepção sensível é uma vivência e que toda vivência é um acontecer, algo que acontece a nós, algo que acontece ao eu. Pois bem; algo que acontece ao eu implica já no tempo, porque todo acontecer é um sobrevir, um advir, um chegar a ser o que não era ainda: isto é, que já de antemão está suposto o álveo, o trilho geral em que acontece tudo aquilo que acontece, ou seja, o tempo. Acontecer significa que no decurso do tempo algo vem a ser. Por conseguinte se toda percepção sensível é uma vivência e toda vivência é algo que sobrevém em nós, este algo que sobrevém em nós sobrevém agora, ou seja, depois de algo que sobreveio antes e antes de algo que vai sobrevir depois; isto é, já implica no tempo.

Comprova-se isto com o ensaio mental que nos convida a realizar Kant, e é que podemos pensar muito bem, conceber muito bem, o tempo sem acontecimentos, porém não podemos de maneira alguma conceber um acontecimento sem o tempo (do mesmo modo que ao falar do espaço dizíamos que podemos conceber o espaço sem coisas nele, porém não podemos conceber coisa alguma que não esteja no espaço).

Depois de mostrado que o tempo é a priori ou independente da experiência, resta por mostrar que o tempo é também intuição. Que quer isto dizer? Quer dizer que não é conceito. Já disse ao falar do espaço^ que conceito é uma unidade mental que compreende uma multiplicidade de coisas. O conceito de copo compreende este e outros muitíssimos iguais ou parecidos que existem no mundo. Conceito é, pois, uma unidade do múltiplo. Mas o tempo não é conceito nesse sentido, nem de longe, porque não há muitos tempos, mas um só tempo. Se nós falamos de múltiplos tempos não é no sentido de que existam múltiplos tempos, mas no sentido de pedaços, partes de um e mesmo e único tempo. O tempo, pois, é único. A unidade e a unidade do tempo qualificam-no como algo do qual não podemos ter conceito, mas somente intuição; nós podemos intuir o tempo, apreender imediatamente o tempo, mas não pensá-lo mediante um conceito, como se o tempo fosse uma coisa entre muitas coisas. O tempo não é, pois, coisa que se possa pensar mediante conceitos, mas antes é uma pura intuição. Com isso termina o que Kant chama "exposição metafísica do tempo".

Vem depois a exposição transcendental intentando mostrar que o tempo, a intuitividade e o apriorismo do tempo, são a condição da possibilidade dos juízos sintéticos na aritmética. Os juízos na aritmética são sintéticos e a priori, isto é, são juízos que nós fazemos mediante intuição. Eu necessito intuir o tempo para somar, subtrair, multiplicar ou dividir, e isso o fazemos, ademais, a priori. A condição indispensável para isto é que tenhamos suposto como base de nossas operações isso que chamamos a sucessão dos momentos no tempo.

Assim, pois, somente "subpondo" a intuição pura do tempo a priori é possível construirmos a aritmética sem o auxílio de nenhum recurso experimental. E é precisamente porque o tempo é uma forma de nossa sensibilidade, uma forma de nossas vivências, porque o tempo é o álveo prévio de nossas vivências, que a aritmética, construída sobre essa forma de toda vivência, tem depois uma aplicação perfeita na realidade. Porque, claro está, a realidade terá que se nos dar a conhecer mediante percepção sensível; porém a percepção sensível é uma vivência. Esta vivência se ordenará na sucessão das vivências, na enumeração, no 1, 2, 3 sucessivo dos números, e, portanto, o tempo que eu tiver estudado a priori na aritmética haverá de ter sempre aplicação perfeita, encaixará divinamente na realidade enquanto vivência. [Morente]

Submitted on:  Wed, 28-Mar-2012, 20:58