Eternidade

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: mccastro

Eternidade

A busca dos arquétipos inconscientes em Jung, o retorno ao mais antigo em Heidegger, a sedução do arqueológico e do primigênio, são modos de surpreender a Eternidade através do tempo, estabelecendo um contacto com o primordial, com o anterior ao tempo: Kerényi diz claramente que, na mitologia, o retorno ao arcaico é o retorno ao Grund; o Grund, nos românticos, é o anterior ao tempo, é como a Eternidade no tempo.

Há, porém, formas frustras patentes de procura da Eternidade no tempo. O Cristianismo dotou o homem de um tempo angustioso, de uma consciência histórica e de um sentimento tão agudo de sua existência, que todos os movimentos espirituais do Ocidente, ou têm como fim avivar a consciência do tempo dramático, ou fugir a essa consciência, por meio de heresias que apenas a confirmam. A utopia do paraíso terrestre no futuro é uma fuga à consciência angustiosa do tempo. O caráter do marxismo, por exemplo, como heresia cristã, é visível, quando esta teoria propõe o fim da história, pela supressão da luta de classe, dada como fundamento da história; é o mesmo que propor um tempo sem tempo, ou um tempo sem história, de onde seja banida essa angústia do tempo da salvação. Na sua comovente compaixão do homem, quer libertar o homem, não pela porta da Eternidade, mas pela eternização do tempo. Mas o paraíso extra-temporal no futuro, não é senão a inversão da perspectiva cristã do paraíso extra-temporal no passado. Todas as teorias progressistas operam esta inversão de perspectivas, porque a redenção do homem no paraíso terrestre futuro, se funda na ilusão da possibilidade de suspender o tempo. Como o indivíduo vê que seu futuro não pode diferir muito de seu passado e como o futuro é o portador seguro da morte, ele consegue anular o tempo angustioso deslocando o ponto de referência para a coletividade, a humanidade, que viverá então um paraíso onde o tempo terá sido suspenso. Esta ilusão domina a civilização contemporânea, que traz na sua técnica, a marca frustra da angústia cristã. Mas a eternidade, não só não é sustação do tempo, como ainda é o princípio graças ao qual o tempo transcorre e não pode deixar de transcorrer.

Dissemos que o tempo não poderia passar, se não contivesse um elemento de Eternidade. Tal como nós mudamos, com a condição de permanecer (se não permanecêssemos, não mudaríamos, a cada mudança seríamos outro), assim também o tempo, só pode aparecer como sucessão, a partir de um princípio intemporal, onde não há sucessão. Da presença da Eternidade no tempo vem a fascinação do Eterno. Esta fascinação do Eterno dominou a Filosofia medieval, com o desprezo do tempo sucessivo que é um tempo acidental e contingente na Metafísica. Não foi pela sua indiferença pela emoção como faculdade cognitiva; não foi só porque o tempo vivido não se deixa captar nas redes do silogismo; não foi só em virtude do seu Intelectualismo, que a Escolástica desconheceu o tempo vivido, o tempo emocional de cada existência humana. Esta feição da Escolástica mostra que não há no Cristianismo somente o tempo angustioso, mas também a fascinação do Eterno, a fascinação do tempo ritual. O tempo angustioso, que sem dúvida é o tempo cristão, se liberta na Igreja medieval pela mediação do tempo ritual. O reflexo do Eterno, na vida católica, se encontra no Ano Litúrgico, repetição imutável dos mesmos ritos, em que o tempo simboliza a Eternidade. O mistério da Redenção se deu no tempo, mas está a repetir-se em cada vida e a cada momento, como um drama que reproduz a eternidade e não o tempo. Por isso, no dogma católico, a missa é a reconstituição exata, dia por dia, do mesmo mistério, que repete no tempo o ritmo da Eternidade. O rito católico, imutável e universal, alheio ao suceder histórico, alheio à variação das interpretações, exprime o intemporal no tempo. Se foi portanto a Filosofia contemporânea e não a Filosofia medieval, que explicitou a essência angustiosa do tempo cristão, isto se deve a que a Cristandade medieval (e inclusive a patrística, com Santo Agostinho e outros platônicos), assumia o tempo sucessivo no tempo ritual, no tempo como ritmo. A descrição do tempo angustioso tinha como fim levar o cristão a imergir-se no Corpo Místico por meio do tempo ritual. Por isso, o rito é essencial ao Catolicismo. Ele instaura, na polaridade extrema da vida cristã, a conexão entre a esperança e a angústia, entre a Eternidade e o tempo. [BArbuy]

Submitted on:  Sun, 25-Mar-2012, 14:28