
Auslegung, umsichtige – §§ 32,33 [EtreTemps32; EtreTemps33] Auslegung, existenzial-ontologische – §§ 7 C, 63 [EtreTemps7; EtreTemps63] explicitation [EtreTemps] interpretation [BT] Dilthey considerava Auslegung — a "compreensão sistemática de expressões permanentemente fixas da vida" (CMH, 267) — como a tarefa distintiva das ciências "humanas", das Geisteswissenschaften, e a explicação, Erklärung, como a tarefa das ciências naturais. Nietzsche, pelo contrário, considerava todo pensamento e conhecimento como Auslegung. Heidegger concorda com Nietzsche. Nossa vida cotidiana é permeada de interpretação, tanto de nós mesmos quanto de outros entes. A interpretação cotidiana, "circunvista", é anterior tanto à interpretação sistemática empreendida pelas ciências humanas como às explicações das ciências naturais. Antes de fazer qualquer ciência, um cientista precisa achar o caminho para a biblioteca ou o laboratório e interpretar seus conteúdos como livros ou outro instrumento. De acordo com Heidegger, nós interpretamos a todo instante. Não vemos primeiramente marcas pretas não-interpretadas em um fundo branco, ou ouvimos primeiramente puros sons, para então interpretá-los como letras impressas ou como discurso. Nós as percebemos diretamente como palavras impressas ou faladas, mesmo se não as podemos compreender: ‘"Em primeiro lugar’, nós nunca escutamos ruídos e complexos acústicos. Escutamos o carro rangendo, a motocicleta. [...] É indispensável uma atitude artificial e complexa para se ‘ouvir’ um ‘ruído puro’. Até mesmo onde o discurso é indistinto ou a linguagem desconhecida, nós imediatamente ouvimos palavras ininteligíveis, e não uma multiplicidade de sons" (SZ, 163s Cf. 150). Heidegger foi neste ponto influenciado menos por Nietzsche e mais por Dilthey, que em seus trabalhos posteriores trilhou, em grande parte, a estrada do próprio Heidegger. A ubiquidade da interpretação, para Heidegger, não implica o ceticismo nietzschiano. Do fato de ser eu quem imediatamente interpreta o discurso como discurso ou um utensílio como um utensílio não decorre que a minha interpretação seja duvidosa ou incorrigível ou que eu esteja criando o sentido do que é interpretado. Esse fato, no máximo, mina a visão de que as interpretações se baseiam ou correspondem a fundamentos não interpretados. Auslegung não se distingue agudamente da compreensão (Verstehen), sendo o seu "desenvolvimento": "Na interpretação, a compreensão se apropria do que compreendo. [...] A interpretação se funda existencialmente na compreensão; a compreensão não nasce da interpretação. [...] O que está à mão de explicita na visão da compreensão" (SZ, 148). A compreensão é global, a interpretação local. Eu compreendo o mundo à minha volta, a cidade, a sala ou o escritório com sua rede de "significação [Bedeutsamkeit]" e "conjuntura [Bewandtnis]". Quando eu focalizo algum ente particular eu o vejo "como uma mesa, uma porta, um carro ou uma ponte" (SZ, 149). Eu também o vejo como sendo para algo: para comer sobre, para entrar em um quarto etc. A interpretação de um ente torna explícita as suas relações com outros itens no ambiente e com as "possibilidades" em função das quais eu compreendo este ambiente. Sempre ao lidar com um instrumento , eu o vejo como isso-e-aquilo e como sendo para algo. Não preciso afirmar que este é o caso. Interpretar algo como algo não envolve o como (Ais) da proposição, o como " apofântico", mas o como " hermenêutico", o como da interpretação (GA21, 187s; SZ, 158). A interpretação é anterior à proposição e, em SZ, anterior à linguagem. Ver algo sem vê-lo como algo é difícil, não natural. Não é básico, mas derivativo e "privativo": se eu olho para algo deste modo livre-do-como, eu paro de compreendê-lo numa conjuntura. A interpretação não é baseada em uma percepção livre-do-como. O "como" é essencial para Dasein: "este ‘como isso’, ser como tal, algo como algo, a como b. Este ‘como’ totalmente elementar é [...] o que falta aos animais" (GA29, 416). Auslegung envolve pressuposições, uma "estrutura prévia [Vor-Struktur]" assim como uma "estrutura-como [Als-struktur]" (SZ, 151). Isto envolve três elementos: 1. "posição prévia [Vorhabe]", a compreensão geral do ente a ser interpretado e da "totalidade conjuntural [Bewandtnisganzheit]" na qual ele se encontra. 2. Vorsicht, no alemão comum "prudência, circunspecção", mas considerado por Heidegger de forma literal como " visão prévia"; eu pouso minha visão sobre o que eu quero interpretar ou sobre o aspecto que quero interpretar. 3. Vorgriff, usualmente "antecipação", mas literalmente "concepção prévia", associada, para Heidegger, com Begriff, "conceito". Eu só posso interpretar as coisas em função dos conceitos à minha disposição. Eu posso ver algo como um apetrecho, mas não como um violino, se me falta o conceito de um violino. Esta estrutura prévia aplica-se à interpretação em qualquer nível de sofisticação. Um sociólogo possui uma extensa compreensão dos seres humanos, e uma posição prévia que ele compartilha, digamos assim, com um economista. Todavia, ele possui uma visão prévia diferente da do economista: ele olha para o comportamento social dos seres humanos e não para o seu comportamento econômico. Ele possui uma certa concepção prévia: conceitos tais como poder, conflito, cooperação. A estrutura prévia, especialmente a concepção prévia, pode ser defectiva, tomada de " fantasias e conceitos populares" ao invés de serem trabalhadas " a partir das coisas elas mesmas [aus den Sachen selbst her]" (SZ, 153). Ele pode inventar uma distinção, por exemplo, entre "estado" e "sociedade civil", sem aplicação para a sociedade em questão. Isto pode ser corrigido à medida que a pesquisa progride. Uma estrutura prévia pode ser reparada, mas apenas recorrendo a outras interpretações, não a fatos crus: "Até uma descrição já é ‘interpretação’ [’Auslegung’], algo como ‘cor’, como ‘som’, como ‘tamanho’. Há interpretações e interpretações. Interpretação física!" (GA65, 166). Correspondente à compreensão e à Auslegung é Sinn, "sentido", ou "significado" . O que se compreende possui Sinn, embora o que se compreenda seja o ente e não o seu Sinn. As coisas não possuem Sinn separado da compreensão ou falta de compreensão de Dasein. "Desta forma, apenas o Dasein pode ter sentido ou não ter sentido" (SZ, 151). [DH]