Idealismo

Category: Termos chaves da Filosofia
Submitter: Murilo Cardoso de Castro

Idealismo

VIDE idealismo

(in. Idealism; fr. Idéalisme; al. Idealismus; it. Idealismo).

Este termo foi introduzido na linguagem filosófica em meados do séc. XVII, inicialmente com referência à doutrina platônica das ideias. Leibniz diz: "O que há de bom nas hipóteses de Epicuro e de Platão, dos maiores materialistas e dos maiores idealistas, reúne-se aqui (na doutrina da harmonia preestabelecida)" (Op., ed. Erdmann, p. 186). Contudo, esse significado do termo, que por vezes é indicado como "idealismo metafísico", no sentido de ser uma hipótese acerca da natureza da realidade (que consiste em afirmar o caráter espiritual da própria realidade) não teve longa vida. Essa palavra foi usada principalmente nos dois significados seguintes: 1) idealismo gnosiológico ou epistemológico, por várias correntes da filosofia moderna e contemporânea. 2) idealismo romântico, que é uma corrente bem determinada da filosofia moderna e contemporânea.

1) No sentido gnosiológico (ou epistemológico) esse termo foi empregado pela primeira vez por Wolff: "Denomina-se idealista quem admite que os corpos têm somente existência ideal em nosso espírito, negando assim a existência real dos próprios corpos e do mundo" (Psychol. rationalis, § 36). No mesmo sentido, Baumgartem diz: "Aquele que admite neste mundo somente espíritos é um idealista" (Met., § 402). Kant introduziu definitivamente em filosofia esse significado do termo: "idealismo é a teoria que declara que os objetos existem fora do espaço ou simplesmente que sua existência é duvidosa e indemonstrável, ou falsa e impossível; o primeiro é o idealismo problemático de Descartes, que declara indubitável somente uma afirmação (assertio) empírica, ‘Eu sou’, o segundo é o idealismo dogmático de Berkeley, que considera o espaço, com todas as coisas a que ele adere como condição imprescindível, como algo em si mesmo impossível e declara por isso que as coisas no espaço são simples imaginações" (Crít. R. Pura, Analítica dos princípios, refutação do idealismo). Kant denomina esse idealismo de material, para distingui-lo do idealismo transcendental ou formal (Prol, § 49), que é a sua própria doutrina da "idealidade transcendental" do espaço, do tempo e das categorias; essa doutrina permite justificar o realismo e refutar o idealismo. Mas, apesar dessa tomada de posição (mais explícita na segunda edição da Crítica do que na primeira, na qual falta a "Refutação"), a doutrina kantiana já esteve voltada para um significado idealista, sobretudo graças à interpretação feita por Reinhold, em Letras sobre a filosofia kantiana (1786-87); segundo este último, o fenômeno, ou seja, o objeto do conhecimento empírico, como representação. Schopenhauer acreditava expressar a essência do kantismo ao iniciar sua obra O mundo como vontade e representação (1819) com a tese: "O mundo é a minha representação." Esta tese, aceita como um princípio evidente do idealismo romântico, foi compartilhada na filosofia moderna e contemporânea, não só pelas formas desse idealismo como também pelas várias correntes do criticismo e por algumas correntes do espiritualismo. São idealistas, neste sentido, as doutrinas de Renouvier, Cohen, Natorp, Windelband, Rickert, assim como as de Lotze, Eduard Hartmann, Ravaisson, Hamelin, Martinetti e outros: pensadores que, mesmo se opondo ao idealismo romântico, têm em comum com ele o pressuposto gnosiológico fundamental: a redução do objeto de conhecimento a representação ou ideia.

2) No segundo sentido, o idealismo constitui o nome da grande corrente filosófica romântica que se originou na Alemanha no período pós-kantiano e que teve numerosas ramificações na filosofia moderna e contemporânea de todos os países. Por seus próprios fundadores, Fichte e Schelling, esse idealismo foi denominado "transcendental", "subjetivo" ou "absoluto". O adjetivo transcendental tende a ligá-lo ao ponto de vista kantiano, que fizera do "eu penso" o princípio fundamental do conhecimento. A qualificação subjetivo tende a contrapor esse idealismo ao ponto de vista de Spinoza, que reduzira toda a realidade a um único princípio, a Substância, mas entendera a própria substância como objeto. Por fim, o adjetivo absoluto tem por finalidade frisar a tese de que o Eu ou Espírito é o princípio único de tudo, e que fora dele não existe nada. Schelling diz, ao traçar a gênese histórica do idealismo romântico: "Fichte libertou o eu dos revestimentos que em parte ainda o obscureciam em Kant, e colocou-o como único princípio à testa da filosofia; tornou-se assim o criador do idealismo transcendental... O idealismo de Fichte é o oposto perfeito do espinosismo ou um espinosismo invertido, pois Fichte opôs ao objeto absoluto de Spinoza, que aniquilava qualquer sujeito, o Sujeito em sua absolutidade, o Ato ao ser absolutamente imóvel de Spinoza; para Fichte, o eu não é, como para Descartes, um eu admitido só com o objetivo de poder filosofar, mas é o eu real, o verdadeiro princípio, o prius absoluto de tudo" (Münchener Vorlesungen: zur Geschichte der neueren Philosophie, 1834, Kant, Fichte; trad. it., pp. 108-09). Hegel, que também chama de subjetivo ou absoluto o seu idealismo, esclarece seu princípio desta forma: "A proposição de que o finito é o ideal constitui o idealismo. O idealismo da filosofia consiste apenas nisto: em não reconhecer o finito como verdadeiro ser. Toda filosofia é essencialmente idealismo, ou pelo menos tem o idealismo como princípio; trata-se apenas de saber até que ponto esse princípio está efetivamente realizado. A filosofia é idealismo tanto quanto religião" (Wissenschaft der Logik, I, seç. I, cap. III, nota 2, trad. it., pp. 169-70). Também receberam os nomes de idealismo subjetivo ou idealismo absoluto as derivações contemporâneas do idealismo romântico, que são substancialmente duas: a anglo-americana (Green, Bradley, McTaggart, Royce, etc.) e a italiana (Gentile, Croce). Ambas as derivações mantiveram aquilo que, para Hegel, era a principal característica do idealismo: a não-realidade do finito e a sua resolução no infinito. Mas, enquanto o idealismo italiano seguiu mais de perto a corrente hegeliana, procurando estabelecer essa identidade por via positiva, mostrando na estrutura do finito, na sua intrínseca e necessária racionalidade, a presença e a realidade do infinito, o idealismo anglo-americano tratou de demonstrar a identidade por via negativa, mostrando que o finito, devido à sua intrínseca irracionalidade, não é real, ou é real na medida em que revela e manifesta o infinito. O título de uma das obras fundamentais do idealismo inglês, Aparência e realidade’(1893), de F. H. Bradley, revela já o tema dominante do idealismo anglo-saxão, enquanto o título da obra fundamental de Gentile, Teoria do espírito como ato puro (1916), revela a inspiração fichteana e a trilha subjetivista do idealismo italiano. Quanto às principais características de todas as formas do idealismo romântico, v. absoluto; romantismo. [Abbagnano]

Submitted on:  Fri, 25-Jun-2010, 20:30